PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O AMARGO LAMENTO DE UMA ÁRVORE QUE NÃO DÁ FRUTOS
Tu que me plantaste aqui,
na esperança que eu desse frutos;
Tu que decidiste o meu destino,
plantando-me nesta encosta desconexa,
sem outras arvores ao redor
e sem pássaros de azas azuis.
Tu que chegaste ao cúmulo
de me abandonares neste deserto nocturno,
onde as sombras me envolvem
e as manhãs de ventura nunca retornam.
Colhe, agora o amargo sabor das minhas folhas
e ergue uma taça de nicotina
em memória dos meus frutos fenecidos.
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COUVES (DIÁRIO DE TI ANTONHO)
As couves foram sempre a hortaliça mais cultivada aqui, na Fajã Grande, servindo para alimentação não só dos homens mas também dos animais, nomeadamente, das vacas, dos porcos e até das galinhas. Por isso, na Fajã Grande sempre se plantaram grandes cerrados de couves, sobretudo, no Areal, nas Furnas e no Porto, pois elas dão-se melhor junto do mar, uma vez que esta hortaliça parece que se dá melhor em lugares amenos ou mais frescos, embora naqueles lugares as couves e outras culturas sejam muito prejudicadas pela salmoura, vinda do mar.
Hoje como antigamente, na Fajã Grande, as couves, geralmente, são plantadas depois de se apanhar o milho e a batata-doce, nas terras junto do mar e, por isso, são cultivadas durante o Outono e o Inverno, precisamente, porque o tempo é mais fresco. Os antigos diziam que durante os meses de Verão ou nos períodos de muito calor, as couves reduzem o seu crescimento e a qualidade das folhas produzidas é pior, tanto em tamanho e aparência, como em sabor. Daí um provérbio muito usado nesta freguesia e que é o seguinte: “Quem quiser o marido morto, dê-lhe lapas em Maio e couves em Agosto.”, com o qual se pretende lembrar que, assim como no mês de Maio as lapas não são tão saborosas nem tão boas para comer como nos restantes meses do ano, o mesmo acontece com as couves, pois, realmente no mês de Agosto e noutros meses mais quentes elas não são tão boas para comer. Tinham razão, os antigos pois até as vacas as comem melhor no Inverno do que no Verão.
As folhas da couve são, normalmente, consumidas cozidas, mas picadinhas, neste caso fazendo um belo caldo, por vezes acompanhado com feijão, batata branca e uma talhadinha de toucinho. Mas aqui na Fajã Grande também é costume cozê-las inteiras e com os talos, juntamente com os ossos do porco e batatas-doces. A minha Maria faz este saboroso cozido muitas vezes e é de lamber os beiços. Os animais, especialmente as vacas, comem-nas cruas, mesmo as folhas mais velhas e rijas. Mas os porcos e as galinhas preferem-nas cozidas e picadas. No caso das galinhas é costume na nossa freguesia, cozê-las e picá-las, misturando-as com farelo e água a cozer, formando bolas que elas adoram.
Eu já ouvi dizer que existem lugares neste mundo onde o plantio pode ser feito através de sementes lançadas directamente à terra. Mas aqui na Fajã Grande não é assim. Primeiro, fazemos um canteiro, num canto abrigado da terra, onde o terreno seja bom e estruma-se muito bem. Depois lançam-se as sementes em grandes quantidades e algum tempo depois começa a nascer as plantinhas que chamamos coivinha. Quando maiores, quando têm de 4 a 6 folhas verdadeiras e estão com pelo menos 10 cm de altura, arrancam-se e plantam-se no terreno onde se quer que elas cresçam, mas que antes foi lavrado com o arado e alisado com a grade. A plantação é feita com uma enxada, com a qual se faz uma pequena cova, onde se mete a planta, calcando-a nos lados O plantar coivinha deve ser feito de preferência em dias nublados e chuvosos ou no fim da tarde. O espaçamento ideal entre um pé e outro varia com a qualidade do terreno e com as condições de cultivo, mas geralmente um espaçamento de um palmo entre cada planta é o mais adequado. Mas a verdade é que quanto maior for o espaçamento entre os pés, maiores serão as plantas e maiores serão suas folhas. Felizmente, entre nós não é necessário sachar ou retirar as mondas que nascem entre as couves.
A colheita das folhas das couves pode fazer-se, normalmente, entre 10 a 16 semanas após o plantio. As plantas mais jovens podem ter suas folhas colhidas, mas isso pode prejudicar o crescimento das plantas. Primeiro apanham-se as folhas e deixa-se a planta crescer e produzir novas folhas procedendo-se então ao corte da planta. Mas é preciso ter muito cuidado porque o grande flagelo da couve é a bicha. Há lugares onde esta praga é tanta que como a folha toda, deixando apenas o talo. Felizmente, hoje em dia, já existem produtos para as sulfatar, mas o cuidado de as colher depois, deve ser redobrado.
Geralmente, muitas famílias tinham couves para a sua alimentação nos terrenos ou nas courelas junto de casa, enquanto as das terras da beira-mar eram para os animais. Mas por vezes, procuravam-se entre estas as folhas mais tenrinhas e era com estas que se fazia o cado. Meu pai dizia que as couves para o caldo não deviam ser colhidas nas horas mais quentes do dia e, também, dizia que deve deixar sempre, pelo menos as 5 folhas mais jovens em cada pé.
Não há dúvida que a couve é uma das grandes riquezas desta freguesia.
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FOTOGRAFIA
(UM POEMA DE PEDRO DA SILVEIRA)
Sentados na banqueta (sempre a mesma) da praça
falam do tempo,
das suas dores também.
Quando um que não veio não virá nunca mais
os que estão entreolham-se,
cada um à espera que o outro seja quem diga.
Os que passam murmuram:
- Lá estão eles, os velhos.
Pedro da Silveira in Poemas Ausentes