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OS LAVADOUROS

Terça-feira, 26.08.14

Aureolado por um verde estonteante, encastoado nos contrafortes da rocha e vizinho da Fajãzinha, o lugar dos Lavadouros, na Fajã Grande, situava-se na parte sul da freguesia, quase paredes meias com a Ribeira Grande, ladeado pela Ribeira do Ferreiro, tendo como fronteiras, a norte, a extensa a Alagoinha, a leste a Rocha, na sua enorme imponência, a sul, o Curralinho, o Portalinho, o Poço da Alagoinha e a Ribeira do Ferreiro, a oeste o Vale Fundo.

Era um extenso lugar, povoado de belas relvas, intercaladas com algumas terras de mato, muito abrigado dos ventos de leste, nordeste e sueste. Mas era a qualidade e a frescura da erva das suas pastagens o que mais caracterizava e valorizava aquele lugar, pese embora ficasse muito distante do povoado. Nos dias em que o gado era levado para ali para pastar, quer nas noites frescas de Verão ou nos dias chuvosos de Inverno, uma hora e meia para ir e voltar quase não era suficiente, o que significava uma enorme perda de tempo. Para atenuar estes malefícios e inconvenientes, normalmente, atribuía-se a tarefa de levar o gado para aqueles descampados às crianças ou, então, os homens aproveitavam para nas idas e vindas, a restante parte do dia para sachar inhames, ceifar feitos, cortar lenha ou esgalhar incensos em terras de mato ou quintas que tinham para aqueles lados ou que lhes ficassem a caminho.

A enorme extensão do lugar dos Lavadouros era atravessada por um caminho que resultava, no Cimo da Ladeira da Alagoinha, da junção de dois outros principais caminhos da freguesia; o que vinha da Fontinha, passando pelo Batel, Escada Mar, Paus Brancos e Alagoinha e o que partia da Assomada, passando pelo Delgado, Cabaceira, Espigão, Moledo Grosso, Lameiro e Alagoinha, este bem mais utilizado, no acesso aos Lavadouros, do que o anterior. O caminho que atravessava os Lavadouros, a meio destes, também se bifurcava, encaminhando-se um, mais estreito e de pior qualidade, para os lados do Curralinho e do Portalinho e um outro, calcetado e mais amplo, que seguia para a Ladeira do Vale Fundo, para o calhau do Tufo e para a Cuada, Dele também partiam várias canadas, umas, mais pequenas e mais estreitas, a ligar as propriedades circundantes, uma outra maior e mais larga, no termo do lugar, a ligar os Lavadouros à Ribeira do Ferreiro.

Meu pai tinha ali uma relva, boa, grande, com um amplo cerrado, logo à entrada, onde a erva era melhor, seguido de várias belgas, mais no interior, ladeadas por altas paredes e um curral, no centro. Muitos eram outros habitantes da Fajã e até da Cuada que ali tinham pastagens. Essa a razão por que quase todos os dias havia por ali um grande burburinho de homens e de animais, que se acentuava e aumentava, sobretudo, na época de ceifar os feitos e limpar as relvas, pese embora, nesses dias, estivessem vedadas a os animais.

É estranho o nome deste lugar e, sobretudo, difícil de descortinar a sua origem. Sabe-se, no entanto, que ali era lugar de muita água e de muitas grotas vindas da Rocha. É pois, provável, que em tempos idos, ali tenha sido lugar onde as mulheres fossem lavar a roupa. A obstaculizar esta tese apenas a grande distância que o lugar fica do povoado actual e este ser banhado por algumas ribeiras, bem mais próximas, onde na década de cinquenta do século passado ainda se lavava roupa. No entanto, como a Cuada se localiza bem mais perto dos Lavadouros e como neste lugar a água escasseia, poderiam muito bem ser os habitantes desta localidade, quiçá de outra ainda mais próxima e povoada antigamente, a irem aquele lugar lavar a sua roupa, dando assim nome ao lugar dos Lavadouros.

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publicado por picodavigia2 às 14:37

A HISTÓRIA NA OBRA

Terça-feira, 26.08.14

(RESPIGANDO UM ARTIGO DO BOLETIM DO NÚCLEO CULTURAL DA HORTA)

 

Pedro da Silveira é uma das mais fascinantes personalidades da cultura açoriana e a sua obra um contínuo desafio para os leitores, pese embora esteja dispersou-se por livros, jornais, revistas e folhetos. Em Pedro da Silveira a História tem um lugar central, embora ele seja, acima de tudo, um poeta, caracterizado pela erudição e também pela investigação. A sua paixão pela investigação fez dele um historiador de literatura que se apressa a divulgar o fruto da sua investigação com consciência da utilidade que ela possa ter para os outros.

A produção de Pedro da Silveira divide-se por três grandes áreas: a poesia, a história da literatura e crítica literária e a etnografia, ou melhor dito, a antropologia cultural. Em todas elas a História está presente. Ideologia e cultura ou cultura e ideologia estão entrançadas na obra de Pedro da Silveira o que se torna o fio condutor da unidade do seu pensamento e trespassa o conjunto da sua produção quer literária, quer de historiador, quer de etnógrafo, quer de crítico.

A marca fundamental da formação política e cultural de Pedro da Silveira é o autodidatismo assente numa vontade férrea e numa curiosidade sem limites. Em Angra, quando jovem começou a sua formação estética., onde a sua principal “escola” foi a tertúlia de amigos, a convivência com alguns grupos de intelectuais citadinos, a muita leitura, e a busca incessante das novidades literárias, paralela, a uma formação ideológica segura, nascida e firmada na sua adolescência nas Flores, onde conheceu alguns exilados políticos. Com eles primeiro, com um grupo anarquista em Angra depois, consolidaram-se os princípios essenciais que o acompanhariam por toda a vida e serviram de base à sua filosofia cultural e interpretativa da história e da criação literária.

Sem se ter presente o gosto pela açorianidade, a compreensão de que regional e universal não são antagonismos e se entender a história açoriana como um colonialismo político e cultural fruto do imperialismo português, dificilmente se entenderá a mensagem cultural de Pedro da Silveira.

O poema que serve de pórtico A Ilha e o Mundo intitula-se «História» e é uma espécie de rumo da história das ilhas, bebido nos cronistas, na tradição e na observação, os três pilares da sua sabedoria. É uma “história das angústias e das raivas” que fazem o açoriano, neste caso o florentino, aqui fixado como paradigma. O poema, cujos versos são “gritos de revolta nem sequer esboçados”, marca uma periodização da história de um povo subjugado e explorado, mas submisso. “«História» é um poema espantoso que em duas páginas de um livro ensina mais do que muitos compêndios e, de facto, quem quiser ir ao âmago de uma história das ilhas deve começar por lê-lo e interiorizá-lo. Se o compreender, fica com a chave para desvendar cinco séculos de história açoriana.

Mas outro poema famoso é «Soneto de identidade», onde invoca as suas raízes, as insulares e as outras, as flamengas, as castelhanas, as alemãs, todas aquelas que fizeram as raízes do açoriano e sobretudo a “outra pátria que me coube e tomo”.

Pedro da Silveira é um historiador comprometido e fiel aos princípios formativos, pois  “cada qual tem a sua verdade ou, então, o que dá no mesmo, o seu modo de ver (ou ajeitar...) a verdade

A Antologia de poesia açoriana é um trabalho de maturidade, fruto de uma vida de investigação e de crítica, e o «Prefácio», que levantou uma tempestade de críticas, acusações e despeitos, um quase testamento onde a literatura açoriana (nunca posta em causa) é explicada como a consequência lógica e paralela a outras experiências do colonialismo cultural e Pedro da Silveira aproxima o caso cultural açoriano da experiência norte-americana e canadiana.

Para Pedro da Silveira, o século XIX foi o tempo por excelência da longa e difícil elaboração da identidade dos açorianos e, consequentemente, de todas as experiências e de todos os ensaios com as inevitáveis lições, entre as quais a compreensão que um Estado açoriano de todo independente era uma utopia. Assim, nasceria a Autonomia que, mesmo com várias limitações, buliu com a literatura contagiando-a com o seu ideal, pois nos Açores, o processo de emancipação cultural foi paralelo e profundamente ligado ao processo político. Mas o que é de salientar na construção teórica da história da literatura açoriana de Pedro da Silveira é a ideia de que tal literatura é um produto de consciencialização do açoriano, da sua própria identidade e das consequências daí advindas, como libertação dos colonialismos culturais e políticos. A teoria da história em Pedro da Silveira é, pois, um produto da sua formação ideológica, do seu horror às formas ditatoriais e aos imperialismos contra os quais sentia o dever cívico de combater por todos os meios, à boa maneira anarquista, ainda que tenha usado meios pacíficos, mas servindo-se de uma linguagem crítica, agressiva, que é uma marca indelével da sua obra. Pedro da Silveira compreendeu, ainda, que o caso estudado por Nemésio era essencial para fundamentar a sua teoria literária e passou a dedicar uma atenção persistente a este autor, sem dúvida pelo interesse que sempre lhe despertaram os patrícios das Flores, mas mais do que isso pela exemplaridade da sua obra para alicerçar a sua opinião sobre literatura açoriana. O estudo de Pedro da Silveira fez sobre Roberto de Mesquita é um exemplo de como ele construía o seu trabalho de historiador da literatura e de incansável investigador de um inventário sobre o qual posteriormente trabalhava os seus ensaios e através do qual caracteriza cada personalidade, ajudando a compreendê-la nos seus gostos e nas suas intenções.

Pedro da Silveira foi sempre um apaixonado pela sua ilha natal, as Flores e, mais concretamente, pela Fajã Grande, aliás uma das características apontadas por Nemésio como fundamento da açorianidade, é esse amor irracional pela ilha de origem, e essa sua ilha transformou-se no objecto preferencial da pesquisa e da meditação e um ponto de partida para a compreensão mais alargada dos fenómenos sociais, económicos, políticos e culturais da história dos Açores.

 

Ex do Boletim do NCH

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publicado por picodavigia2 às 10:32





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