PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
FERNÃO DE HUTRA E OS ILHÉUS DAS CABRAS
Conta uma antiga lenda terceirense que, há muitos, muitos anos, nos Ilhéus das Cabras, terá vivido desterrado um homem chamado Fernão de Hutra.
Segundo a lenda, Fernão de Hutra terá sido um imprudente e desajuizado jovem faialense que se apaixonou por uma freira, e pela impossibilidade de a ter, tencionava raptá-la. Para isso, fez um pacto com o diabo, só que foi mal sucedido. Ao saber disso, a população expulsou-o da cidade da Horta, tendo o jovem procurado na cidade de Angra. Mas Fernão de Hutra não continha facilmente os seus devaneios amorosos e, em Angra, continuou na vadiagem, enamorando-se de uma das filhas do alcaide-mor. Este, para evitar um trágico desenlace do romance, foi falar com o cunhado que era proprietário dos ilhéus das Cabras, e ambos conseguiram prender o jovem Hutra, levando-o, como desterrado, para os ilhéus.
Fernão de Hutra permaneceu durante sete anos nos ilhéus e continuou com o seu pacto com o diabo, sendo alimentado pelo leite de algumas cabras que ali viviam e que deram nome aos ilhéus.
Finalmente, conclui a lenda, até que numa noite, se sentiu arrependido e morreu, mas só depois de ter sido absolvido e ungido por um fradinho, que misteriosamente lhe aparecera. Ainda hoje nas imediações dos Ilhéus das Cabras encontram-se uns penhascos chamados de ilhéus dos Fradinhos.
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A ROSA MAIATA
A Rosa Maiata era a maior alcoviteira da freguesia e uma primorosa “queixinhas”. Queixava de tudo e de todos, por isto e aquilo, pelo que lhe faziam ou pelo que ela cuidava e imaginava que lhe fazia, Eu era a principal vítima das suas queixas, junto do meu progenitor. Mas a Maiata era uma espertalhona e “bem-sabida” pois aproveitava para fazer queixa de mim ao meu pai, quando eu não estava por perto, De contrário a vingança estava assegurada e a Maiata sabia-o, melhor do que ninguém.
Certo dia em que fora levar as vacas ao Outeiro Grande, e regressara pela Cabaceira, demorando-me bastante, a Maiata não esperou. Apanhando-me ausente logo se dirigiu a minha casa, com a denodada intenção de, mais uma vez, me denunciar. Meu pai e meus irmãos já estavam â mesa. Sorrateira, a Malata bateu à porta. Foi minha irmã Amélia que, levantando-se, de imediato a veio abrir, exclamando, num misto de espanto e condenação, sabendo a bisca que ela era: Rosa Maiata muito exaltada).
- Ah! É a senhora Rosa. . e por entre dentes - Entre, entre.
A Rosa Maiata, espetada à porta, muito exaltada:
- Nem é preciso entrar que não tenho tempo. Teu pai está? Não me vou demorar. É só uma palavrinha com ele.
Lá do fundo da cozinha, sem levantar os olhos do prato da sopa, meu pai indagou:
- Estou sim Rosa, entra. Que me queres?
Continuando à porta, a Maiata cada vez mais se empolgava;
- Antonho, passaste há pouco tempo na minha do Pico? Junto ao bardo das faias do norte tinha um eito com uma grandeza de morangos. Não sei se chegaste a vê-los? Era uma lindeza! Sabes o que aconteceu?
- Não sei. Nem percebo o que tenho a ver com isso.
A Maiata cada vez mais exaltada, endurecendo o tom de voz, continuou as lamúrias:
- Ai não tens, não! Isso é o que vamos ver! Pois olha, foi a Maria Fangueiro que me veio contar tim-tim-por-tim, que o monço piqueno, o Álvaro, vinha com a ovelha do Canto do Areal. A maldita fugiu-lhe, foi para cima dos morangos e deu-me cabo deles todos. E agora? Quem mos paga? E tu dizes que não tens nada a ver com isto!
Minha irmã bem a tentava acalma;r
- A sra Rosa sabe bem que a Maria Fangueiro é uma grande mexeriqueira e inventa muitas coisas…
E meu pai, finalmente suspendendo a frugal refeição e voltando-se para a porta onde a Maiata continuava pregada:
- Rosa. Viste alguma coisa? Viste alguém meu lá? Não viste, pois não? Então não podes acreditar no que se diz. Diz-se tanta mentira nesta freguesia…
- Ah! É assim. Pois vou fazer queixa ao regedor.
- Vai-te queixar ao diabo-que-te-carregue. – E levantando-se, fechou-lhe a porta na cara
De seguida voltaram a sentar-se todos, mas minha irmã não se conteve:
- Está vendo pai? É preciso por cobro nisto. A Maria Fangueiro inventa muita coisa, mas esta da ovelha fugir para cima dos morangueiros…
- Tenho que falar com ele. É melhor a ovelha passar a andar amarrada.
- Oh pai, não adianta nada! – acrescentou o Alípio, com a boca cheia. - Ele é um caganita! Não a aguenta!
Minha irmã bem se queixava:
- Pai! Olhe que não há mais queijo. – e logo para o Justino. - Justino não sabes que esse bocado maior é para pai.
Depois, voltou a interrogar o pai:
- Logo à noite posso tirar dois ou três litros do que vai para a Máquina para fazer um queijo?
- Este mês já se tem tirado muito… Mas olha, como já estão há três meses sem pagar, o melhor é ficar com o leite em casa para bebermos e fazer queijo.
- O melhor era deixar a Cooperativa e mudarmos para a Máquina de Cima. – propôs o Justino. - O Martins & Rebelo paga todos os meses e paga mais cinco centavos por litro do que a Máquina de Baixo. Muitos já se passaram para a de Cima
- Isso é que nunca!... – disse meu pai, batendo com a mão sobre a mesa. Sempre estive na Cooperativa e dela nunca hei-de sair. O Martins & Rebelo o que quer é destruir a Cooperativa. Paga mais agora e depois quando a Cooperativa acabar vai pagar o leite ao preço que quiser. Os que mudam estão a vender-se, estão a destruir a Cooperativa por cinco ou dez centavos. E o trabalho e sacrifício que foi para a criar!... Eu fui um dos fundadores e de lá nunca hei-de sair. Para esse ladrão do Martins & Rebelo é que nunca vou. Prefiro dar o leite inteiro aos bezerros e ao porco.
- Pai! Não diga isso! Sei que não gosta do Martins e Rebelo. Mas…É melhor então fazer queijos e até podemos vender alguns. – propunha minha irmã, com intenção de acalmar o meu progenitor
Nessa altura entrei. Olhando para mim com espanto, todos se calaram.