PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A FESTA DA CRUZ
No início da década de cinquenta e, provabelmente, nas anteriores, uma das mais emblemáticas e interessantes festas realizadas na Fajã Grande, era a Festa de Cruz. Que tinha lugar precisamente na noite do dia 14 de Serembro, dia em que a Igreja Católica, liturgicamente, celebra e comemora a Exaltação da Santa Cruz ou seja o madeiro em que Cristo foi crucificado.
A freguesia da Fajã Grande, na parte mais a sul fica encastoada entre duas colinas ou pequenos montes, designados, vulgarmente, por outeiros. Do lado do mar tem lugar o Pico, onde se integram o Pico do Areal e o Pico da Vigia e do lado este, o Outeiro propriamente dito,, este prolongando-se na direcção sul-norte, desde a Cabaceira até à Praça, como que a despejar-se sobre o povoado, separando a Assomada da Fontinha. É precisamente nesta divisória das duas ruas, na parte mais alta do Outeiro que se ergue uma enorme cruz branca, altíssima e robusta, junto à qual, nas terças e sextas-feiras quaresmais, um grupo de homens, quer chovesse quer ventasse, ajoelhava entoando cânticos e orações diversas e prolongadas. As suas vozes, ecoando nas encostas dos montes, ressoavam e repercutiam-se sobre os velhos telhados dos casebres. Simultaneamente, em todos os lares, famílias inteiras ajoelhavam também e, em convicta e comunitária oração, uniam-se às preces dos cantores, suplicando perdão para os delituosos e pecadores e beneficência para os infelizes e sofredores. Por sua vez do Outeiro, sobranceiro à freguesia, a que se tinha acesso por uma ingreme e sinuosa vereda, dsesfrutava-se duma vista fantástica. Ao perto, os telhados e frontispícios do casario, mais ao longe os campos verdes e amarelados de couves e milho e, além, separado pela mancha negra do baixio, o oceano azulado e infinito, contrastando com a tímida pequenez da ilha.
A Cruz do Outeiro era uma espécie de ex-libris da Fajã Grande e, para além das cantorias da Quaresma, em Setembro era homenageada com uma enorme festa, celebrada à noite.. Saida da igreja paroquial organizava-se uma espécie de procissão de velas. As pessoas em grande número transportavam uma vela acessa, protegida com uma folha de papel colorido, em forma de funil. Aos que saíam da igreja, jao longo do percurso, untavam-se muitos outros fiéis, zobretudo os mais atrasados e os que moravam entre a igreja e o início da vereda.
Ao iniciar-se a subida, o espectáculo excedia-se em beleza, em cores, em luzes e em sons. Empunhando as velas, os fiéis entoavam cânticos, ao mesmo tempo que as luzes se iam alongando na subida, formando um cordão luminoso e colorido, uma espécie de colar que se ia prolongando pela encosta até se enrroscar ao redor da cruz. Visto de longe, o espectáculo era magnífico. O pároco, envergando uma estola vermelha, que a igreja da Fajã não tinha capa de asperges dessa cor, transportava o Santo Lenho. Ao chegar junto da Cruz, enquanto os fieis, mantendo as velas acesas, rodeavam a Cruz, o pároco rezava algumas orações, cantava salmos e hinos de louvor à Cruz em cantochão, e dava a benção com o Santo Lenho, aos presentes e a toda a freguesia.
Descendo o Oureiro e regressando à Igreja, entre cânticos e luzes, era celebrada a missa da Exaltação da Santa Cruz.
A Festa da Cruz, um momento religioso, pleno de fé e simbolismo, estranhamente ou talvez não, perdeu-se no tempo e até na memória.