PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
NONSENSE
Lá vem nascendo a Lua,
Redonda como uma bengala.
Quem se deita em camas curtas
Acorda com os pés de fora.
Popular
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ALBUM DA CASA MIMOSA
Um Álbum comemorativo do século e meio do Seminário de Angra, num excelente layout, formato quadrangular, ótimo papel, publicado pelo Instituto Açoriano de Cultura de Angra do Heroísmo. Colaboraram 40 autores, quase todos antigos alunos do seminário, dos quais três assumiram a coordenação do projeto que optaram por narrativas de experiências e testemunhos pessoais, e naturalmente estabeleceram a dimensão da colaboração, 240 páginas e fizeram a seleção fotográfica. Resultado, uma coletânea com muito interesse e relevância para os Açores, no entanto, o espaço cedido a certas divagações particulares poderia ter dado lugar a um olhar retrospetivo mais abrangente, incluindo a situação política-religiosa dessa altura, na minha opinião, merecedora de uma honesta e sincera apreciação. Numa obra deste género em que fomos construtores e protagonistas dum momento histórico bastante consequente, teria sido apropriado e creio mesmo útil um olhar intrépido ao desempenho do nosso papel, embora uma autoavaliação, quase sempre, corra o risco de ser preconceituosa. No entanto, com cerca de meio século de distância, seria mais que suficiente para um olhar imparcial sobre o que se passou e nos marcou para todo o sempre, e que até contribuiu para que a gente dos Açores fosse o que é hoje. Se investigarmos atentamente estas duas décadas, 50-70, o Seminário de Angra apesar da sua influência incontestavelmente positiva no meio ambiente açoriano, não deixou de ser bastante indiferente, mesmo cúmplice no consórcio igreja-estado que marcou profundamente a segunda metade do século XX.
O espólio intelectual, cultural, musical e artístico da história do Seminário de Angra que o Álbum bem expressa poderia ter sido mais completo e útil com uma componente política/religiosa que nessa altura pesava sobre todo o país e também sobre a Igreja Católica pré e pós-conciliar. Uma região e um país subjugados a uma longa ditadura e a uma cruel guerra colonial, e uma igreja que continuava a rezar em latim, voltada para a parede e de costas para o povo, alimentando-se, sobretudo, da devoção de Fátima e do medo do inferno. Consciente ou inconscientemente, o assunto passou ao lado do Álbum.
Nesse cenário político e religioso que se viveu em Portugal e nos Açores, entre as muitas vítimas do regime político-religioso, não quero deixar de relembrar o grande homem e padre, já falecido há 10 anos, o Dr. Manuel António Pimentel que, neste capítulo, deu corajoso testemunho de vida, que muitos outros não tiveram coragem para o fazer. Nessas duas décadas, a todos os níveis da hierarquia eclesiástica portuguesa havia advertências e ameaças ao clero, para que se mantivesse à margem do problema, e poucos foram os que tiveram a coragem para desobedecer. Eu ainda me lembro bem das admoestações do próprio cardeal patriarca de Lisboa, nas suas passagens frequentes pelo Colégio Português de Roma, nos anos do Concílio Vaticano II, afirmando que não permitiria que padre algum criticasse o bom entendimento entre a igreja e estado em Portugal, pois ele próprio era um crónico subserviente ao Estado Novo. A própria tese de doutoramento em filosofia do então reitor do colégio, e a seguir bispo do Funchal e de Coimbra em destaque na biblioteca, versara o pensamento político de Salazar!
Ao regressar de Roma em 1965, fui, no meu primeiro e único ano letivo do Seminário Maior de Angra, nomeado prefeito dos teólogos, professor de Teologia Moral e de História do Cristianismo. Deixei de lecionar pelos compêndios tradicionais e desatualizados das respetivas disciplinas e passei a dar as aulas pelas minhas sebentas pessoais; eliminei igualmente o cargo do intermediário das compras da prefeitura dos teólogos, e em sessão de conjunto com os alunos da prefeitura pusemos fim ao cofre dos dinheiros comuns, ficando cada teólogo responsável pelas suas contas pessoais, livros, material escolar e propinas, etc. Pela primeira vez, celebrámos em convívio festivo e agradável, a passagem do velho para o novo ano civil, à meia noite, com champanhe e música. (Ninguém se embriagou ou atentou contra a dignidade da instituição!)
E ainda mais, e com gravidade acrescida, tomei a ocasião para anunciar que a minha resolução pessoal para o novo ano de 1966, seria não tomar parte no Te Deum de ação de graças ao Estado Novo que todos os anos se celebrava na Sé de Angra com missa solene e sermão, deixando à liberdade de consciência dos alunos a mesma prerrogativa. O pregador, antigo professor e então colega do seminário nunca mais me falou e o bispo, no fim do ano letivo, ofereceu-me o passaporte para o Seminário-Colégio de Santo Cristo, em Ponta Delgada, onde exerci os últimos anos da minha docência e do meu múnus sacerdotal, nos Açores.
Apesar de tudo, já estava bem consciente de que teria sido muito mais cómodo, olhar para o lado, fazer que não via e prosseguir o carreirismo eclesiástico!
Caetano Valadão Serpa, Ph. D.
Boston, Massachusetts