PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
TERESINHA DE JESUS
A Teresinha de Jesus
Deu uma queda, foi ao chão
Acudiram três mancebos
Todos de chapéu na mão
O primeiro foi seu pai
O segundo seu irmão
O terceiro foi aquele
Que a Teresinha deu a mão
Teresinha levantou-se
Levantou-se lá do chão
E sorrindo disse ao noivo
Eu te dou meu coração
Dá laranja quero um gomo
Do limão quero um pedaço
Da morena mais bonita
Quero um beijo e um abraço.
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A MENINA E A ILHA
(TEXTO DE FÁTIMA MEDEIROS)
Era uma vez uma menina muito faladora e risonha. Numa bela manhã de início de Julho a menina saiu de casa de seus avós na Rua da Alegria, sua casa também, e entrou num carro de praça com os pais. Os avós, as primas da casa em frente e os restantes vizinhos vieram todos à janela dizer adeus. Havia lágrimas e sorrisos.
O carro foi até ao cais onde o Carvalho Araújo esperava para largar. Para trás ficou o Campo de São Francisco, onde todos os dias, ao fim da tarde, a menina aprendia sons, cores, aromas, descobria pessoas, flores, pássaros.
No cais havia mais gente entre lágrimas e sorrisos. E a menina a entrar no navio com os pais e a acenar, a acenar até que o cais se transformou numa linha no horizonte que o mar engoliu. E a menina a guardar tudo dentro de si, num clarão de luz.
Tinha dois anos e meio mas esse clarão luminoso nunca mais se apagou dentro dela. Quando voltou a espreitar para fora do navio o cais mudara, o céu era diferente, a luz tinha outro brilho.
- Lisboa, olha Lisboa! - Disse o pai.
Passados uns dia depois de uma viagem numa espécie de centopeia barulhenta, a mãe anunciou: Chegámos a Faro!
Volvidos dois anos a menina descobriria Setúbal, onde iria crescer, estudar, amar, casar, ter filhos, ter netos, viver.
Lá longe, no meio do Atlântico, estava São Miguel, a sua ilha, embrulhada em bruma, ilha mítica que os pais evocavam constantemente. A saudade era uma canção dolente entoada ao serão.
Em São Miguel era tudo mais fácil, era tudo perfeito. Lá, estavam as avós, as tias, os primos. A ilha guardava as Furnas, as Sete Cidades, os Mosteiros e muitos outros lugares mágicos de que os pais tanto falavam. De lá vinham a massa sovada, os bolos lêvedos, o milho torrado e outras maravilhas que só se encontravam no “continente” quando a mãe as fazia. Mas de maneira nenhuma sabiam tão bem como as que vinham de barco, em caixote de madeira. Abri-lo… que sensação inesquecível! Às vezes vinham também inhames, anonas, maracujás. E roupa nova. E livros, livros maravilhosos, escolhidos pelo cuidado da tia Leonor.
O sotaque dos pais era diferente. Lá em casa havia hábitos, devoções, sabores e até palavras de que os setubalenses desconheciam o significado. A mãe dizia com orgulho: nós não somos de cá, somos micaelenses. A menina cresceu a gostar dessa diferença, a sentir que lhe pertencia e que fazia parte dela.
A vida era complicada naqueles anos de 1960. A menina sonhava. Mas o dinheiro era à conta, nunca sobrava para a desejada viagem.
Certo dia a menina olhou-se ao espelho e era já uma jovem mulher de vinte e um anos que acabara de conhecer um homem, imagine-se, natural de São Miguel. Foi amor à primeira vista, à primeira conversa, ao primeiro toque. Casaram e como nos contos de fadas tiveram filhos e viveram felizes… até à morte dele.
Quatro anos após o casamento, já com dois filhos pela mão, a menina-mulher-mãe concretizou o seu sonho: finalmente regressou à sua ilha. Perdeu-se pelo Pico da Vara, mergulhou no Pópulo, escorregou nas pedras da Fajã do Calhau, bebeu água nas fontes das Furnas, foi a Santa Clara escutar os passos dos antepassados, encheu o olhar de verde e azul, guardou para o futuro uma mão cheia de terra do Campo de São Francisco.
Voltou várias vezes. Teve também oportunidade de sentir outras ilhas açorianas. Nem um só dia deixou de se sentir ilha, de se sentir da ilha. Assim viveu e vai vivendo a sua açorianidade que sempre considera deficitária, tentando remediar esse défice através da leitura e da música que avidamente vai desvendando e guardando em si e nas estantes de casa.
Hoje, já mulher madura, deseja que os seus seis netos saibam sempre sentir o perfume dessa terra, reconhecendo o húmus onde se agarra a sua raiz, trazendo sempre a ilha consigo para a entregarem, intacta no seu verde, aos que lhes virão a seguir.
Fátima Ribeiro Medeiros, in Mundo Açoriano