PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
Nº 36 JOÃO
“Aos dezoito dias do mez de Outubro do anno de mil novecentos e dois, nesta egreja Parochial de São José da Fajã Grande, concelho das Lages, ilha das Flores, Diocese de Angra, baptisei solenemente um indivíduo do sexo masculino quem dei o nome de João, e que nasceu nesta freguesia ás três e meia horas da manhã deste mesmo dia dezoito do dito mez e anno filho legítimo primeiro do nome de António Lourenço Fagundes, proprietário e de Maria de Jesus Fagundes de ocupação doméstica, naturaes, recebidos, parochianos e moradores na rua d’Assomada, neto paterno de José Lourenço Fagundes e de Mariana Joaquina de Jesus e materno de António Joaquim Fagundes de Policena Joaquina da Silveira Foi padrinho José Lourenço Fagundes do Nascimento, casado proprietário e madrinha Maria do Céu Fagundes Cardozo solteira, os quais odos sei serem os próprios. E para constar lavrei um duplicado deste assentoe que depois de ser lido e conferido perante os padrinhos, comigo assigna a madrinha e não assigna o padrinho por não saber escrever. Era ut supra.
Maria do Céu Fagundes Cardoso (assinatura)
Adiante vai paga a estampilha fiscal o valor de cem reis devido por este assento.
O Vice-Vigário Joaquim Ferreira de Campos”.
Este é o registo de batismo de meu pai, João Joaquim Fagundes.
O documento encontra-se, juntamente com milhares de outros, respeitantes às paróquias açorianas, que em boa hora foram guardados no site da Secretaria Regional da Educação e Cultura – Cultura Governo dos Açores – Inventário Genealógico, onde estão reproduzidas cópias dos assentos paroquiais até 1910, altura em que os nascimentos passaram a ser feitos no Registo Civil.
Neste ano de 1902, nasceram na Fajã Grande 47 crianças, trinta e quatro do sexo masculino, doze do feminino e uma morta à nascença, esta do lugar da Ponta. Uma boa safra, invejada nos dias de hoje.
Embora ainda não tendo lido todos os registos, reparei nalgumas outras curiosidades. O nome José é o mais comum, atribuído a 13 crianças, João a 9, assim como Maria também a 9. Seguem-se os nomes de António, Pedro, Francisco e Ana, cada um a duas crianças e apenas a uma foram dados os nomes de Augusto, Manuel, Nestor, Joaquim, Abílio e Lucinda. Uma outra curiosidade interessante: meu bisavô materno, José Fagundes da Silveira, juntamente com a sua terceira esposa, Mariana de Freitas foram padrinhos de um dos batizados.
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A HORTA DO SENHOR COSTA II
O Senhor Costa tinha uma horta. Tinha uma horta o Senhor Costa. Horta pequena, simples, modesta, singela mas muito fértil e produtiva, porque muito bem trabalhada, extremamente cuidada e ainda melhor zelada pelo Senhor Costa, que ali passava grande parte dos seus dias, a sachar, a mondar, a cavar, a podar e a semear
Na horta do Senhor Costa havia de tudo, mas apenas tudo o que, normalmente, há, em qualquer horta. No entanto, o que mais produzia a horta do Senhor Costa eram frutos. Frutos de várias qualidades, de tamanhos diversos, de formas e feitios diferentes e de paladares diversificados, que enchiam a sua casa de perfumes e sabores estonteantes. Frutos coloridos, maduros, apetitosos com os quais o Senhor Costa se regozijava e que faziam crescer água na boca a quantos passavam, caminhavam, rodopiavam e cirandavam junto à horta do Senhor Costa, sem poder lá entrar ou sequer colher um único fruto que fosse. É que o Senhor Costa, para a proteger dos assaltantes, construíra um alto e robusto muro ao redor da sua horta. Mas para além dos frutos, a horta do Senhor Costa também produzia legumes, hortaliças e muitos outros produtos de excelente qualidade, com os quais o Senhor Costa se alimentava a si e à sua família.
O Senhor Costa vivia feliz, com a sua horta. Passava lá os seus dias, não apenas a cavar, a sachar, a arrancar ervas e a juntar pedregulhos mas sobretudo a cuidar dos legumes, das hortaliças e das árvores de fruto, a podar umas, a adubar outras, a chegar-lhes terra e estrume e, sobretudo a defendê-la da fúria destruidora de vendavais e intempéries. Depois, nos dias de bonança ou quando não era necessário cavar, limpar ou mondar, o Senhor Costa sentava-se à sombra das árvores da sua horta, a saborear a frescura reconfortante das suas folhas, a deliciar-se com o perfume adocicado das suas flores, a deleitar-se com o colorido aveludado dos seus frutos, a saborear a sua doçura ou simplesmente a ouvir o sibilar melódico do vento nos seus ramos.
A horta do Senhor Costa era uma verdadeira maravilha! Um éden, um paraíso!
Mas um dia, o dia mais triste da sua vida, o Senhor Costa, como tantos senhores Costas e muitos senhores com outros nomes, impelido pela necessidade de dar uma vida melhor aos seus filhos, foi obrigado a partir, para longe, isto é, a emigrar, para a América. E a partir desse dia, a horta deixou de pertencer ao Senhor Costa. Vieram senhores Pereiras, senhores Silvas e senhores Machados e vieram senhores com outros nomes, mas nenhum deles cuidou da horta como cuidava o Senhor Costa. E com o passar do tempo e dos anos, na horta dos senhores que não eram Costa, as árvores foram murchando, as folhas amarelecendo, as flores caindo, os frutos apodrecendo, os legumes definhando e as hortaliças desaparecendo. A horta nunca mais voltou a ser como era nos tempos em que o Senhor Costa a trabalhava e dela cuidava.
Passaram-se muitos anos e, finalmente veio um Senhor que também se chamava Costa, mas que não era nem parente nem amigo daquele Senhor Costa que no início desta história era o dono da horta, e tão mal cuidou e tanto se desinteressou e tão pouco protegeu a horta que outrora fora do outro Senhor Costa, que ela embraveceu, encheu-se de ervas daninhas, de mondas, de silvados, de cana roca, de faias e de incensos e desfigurou-se por completo e de tal maneira que, passados muitos anos, quando o Senhor Costa regressou da sua prolongada estadia na América, à sua terra natal, podre de rico e cheio de vaidade, já nem sequer reconheceu o local onde outrora se situava a sua horta, a tal horta que tinha sido sua, que cuidara com desvelo e dedicação, que estava sempre a abarrotar de hortaliças, legumes e de árvores carregadinhas de frutos coloridos, maduros, apetitosos com os quais se regozijava, naqueles tempos em que ainda nem sonhava com a América.ff