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O PRIMEIRO PÁROCO DA FAJÃ GRANDE

Domingo, 30.11.14

Por documento de 4 de Abril e 1861, de El-Rei D. Luiz, foi decretada a autorização de que se proceda à desanexação da paróquia da Fajãzinha, das povoações da Fajã Grande, Ponta e Cuada que assim passarão a constituir uma freguesia independente e separada, servindo de igreja paroquial a que já existia em substituição da antiga ermida, também ele dedicada a São José. A ereção da nova paróquia foi formalizada no mesmo ano, a 20 de Junho, por Alvará de Dom Frei Estevam de Jesus Maria. Bispo de Angra.

Nessa altura o capelão da ermida era o padre António José de Freitas, cargo que exercia desde 1848, sucedendo a Manuel José de Freitas, muito provavelmente seu tio.

António José de Freitas nasceu na Fajã Grande em 14 de Agosto de 1808. Era filho do alferes Inácio José de Freitas e de sua mulher Maria de Jesus Ter-se-á ordenado presbítero em 1841, ou alguns anos antes, uma vez que nesse ano já era reitor na Lomba, Em 1848 transitou para a Fajã Grande, como capelão da ermida ali existente, funcionando como uma espécie de curato, pertencente à paróquia das Fajãs, com sede na Fajãzinha, tendo como igreja paroquial, a igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Colocado na sua terra natal, ali permaneceu até 1851. Nessa altura foi transferido para o Mosteiro, exercendo aí o múnus sacerdotal até 1958, altura em que regressou à Fajã Grande, novamente como capelão da ermida de São José, tornando-se, assim, em 1861, com 53 anos de idade, o primeiro pároco desta freguesia nova freguesia. A ele coube a organização da nova paróquia, sobretudo na parte administrativa e de arquivo paroquial. São da sua lavra os termos dos primeiros registos de batismo, casamentos e óbitos que revelam uma excelente caligrafia e uma perfeita organização. O padre António José de Freitas faleceu na Fajã Grande, a 8 de Março de 1881, com 73 anos. Nessa altura, porém já era manente, pois fora substituído, em 1976, pelo padre José Francisco de Moraes natural da Prainha do Norte, ilha do Pico e que paroquiou a Fajã, como segundo pároco, apenas durante 4 anos, uma vez que em 1881, ano da morte do padre António José de Freitas, o pároco já era o padre Joaquim Ferreira de Campos.

Reza assim o registo do seu óbito: “Aos dois dias do mês de Março, do ano de mil oitocentos e oitenta e um, às onze e meia horas da noite, na casa número dezassete da Rua Direita, desta freguesia de São José da Fajã Grande, concelho da vila das Lajes, ilha das Flores, diocese d’Angra, faleceu, não tendo recebido os sacramentos da Santa Madre Igreja, um indivíduo do sexo feminino, por nome António José de Freitas de idade de setenta e três anos, Vigário próprio desta mesma freguesia, e dela natural e morador, filho legítimo de Inácio José de Freitas, proprietário e de ocupação doméstica, ambos naturais desta já referida freguesia, o qual fez testamento, não deixando filhos e foi sepultado no cemitério público. E para constar lavrei em duplicado este assento que assino. Declaro que leva a entrelinha que diz “de Jesus”. Era ut supra. O Vigário Joaquim Ferreira Campos.”

Como se depreende do registo terá morrido de ataque cardíaco uma vez que, estranhamente, não recebeu os últimos sacramentos, o que era pouco vulgar, naqueles tempos recuados. Deste registo, também, parece poder concluir-se que José António de Freitas permaneceu como vigário da Fajã Grande, sendo Ferreira Campos, até esta data, seu coadjutor. Aliás é assim que assina os registos, até ao da morte de António José de Freitas, o primeiro que assina como “vigário”.

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publicado por picodavigia2 às 09:51

A PRIMEIRA NOITE NO FAIAL

Sábado, 29.11.14

O homem que José Pereira de Azevedo tinha à sua frente, chamava-se José de Ávila Coutinho e era descendente de Alexandre Coutinho, mais conhecido pelo Marialva, um dos primeiros povoadores da ilha. Essa a razão pela qual o povo do Pasteleiro e da Horta, sem saber muito bem porquê, chamavam àquela casa, “a casa do Marialva”.

José de Ávila Coutinho era um homem alto, elegante, já de avançada idade e muito acabrunhado por desgostos e dissabores recentes. A esposa, os filhos e os netos haviam sido atingidos pela fatídica peste que assolara a ilha e haviam falecido. José Coutinho ficara só no mundo. À maneira de Job, senhor duma paciência inquebrantável e duma bondade inexaurível, José Coutinho assistiu ao falecimento, primeiro da mulher e depois dos filhos e de dois netos. Um após outro, todos haviam sucumbido, vítimas daquela feroz e temível peste, frente à qual pouca ou nada se poderia fazer. Ficara sem família, sem alegria, sem esperança e sem vontade de viver. Sentindo que nada mais tinha que fazer na Horta, onde a vida para ele não tinha sentido, refugiara-se, como um ermitão, na casa do Pasteleiro, onde vivia só, entregue à dor e ao sofrimento. A casa não oferecia grandes condições, uma vez que, desabitada há anos, se fora degradando desalmadamente, José Coutinho sentia-se ali bem, perfeitamente isolado, sozinho, como se fosse um desterrado. Além disso e desde que ali se isolara não mais saía de casa. Simplesmente, vivia fazendo o bem, distribuindo o que ainda possuía, por quantos lhe batiam à porta.

O “Marialva” como era conhecido, recebeu José Pereira de Azevedo com uma enorme consideração e uma inusitada estima. Embora com um sorriso flamejado de dor aquele ancião calvo e de longas barbas brancas emanava doçura, encanto, dignidade e nobreza. José explicou-lhe, com palavras simples mas sinceras e humildes, o drama que o acompanhava, a razão por que abandonara o Pico e a sua presença agora ali, no Faial, acompanhado da mulher e do filho, sem ter onde pernoitar.

Compadeceu-se José Coutinho da desgraça e infortúnio dos Azevedos e prometeu-lhes que tudo se havia de arranjar:

- Muito provavelmente bateram à porta certa – comentava o velho Marialva, coçando, ao de leve o queixo - Estou para aqui só e triste, à espera que Deus me leve. A casa é grande! A comida não abunda, mas tu és novo, meu homem, poderás semear, a cultivar e colher. As casas não abundam por aqui e, a maioria delas, apesar de desocupadas, estão fechadas e seladas pelas autoridades. Mais não era de esperar, pois muitas fedem a peste e a morte. Por isso, podeis ficar por aqui, enquanto quiserdes e necessitares. É verdade que não disponho de abundância de alimentos mas partilharei convosco o pouco que tenho.

José agradeceu e por indicação do Marialva recolheu-se juntamente com a mulher e o menino, a um dos aposentos indicados. A criança chorava de impertinente e cansada. Pesava-lhe o sono e era urgente deitá-la. Pouco depois adormecia, encostada à mãe que de tanto cansaço, também não resistira ao sono.

José ficou só e acordado durante mais uns longos minutos. Levantou-se, deu uma volta pelo quarto onde, para além da velha enxerga havia apenas um pequeno armário a desfazer-se. Junto a ele José Pereira de Azevedo arrumou os cestos e os sacos que haviam trazido do Pico. De seguida assomou à janela, forrada de pequenos vidros e com umas portadas interiores já desfeitas. Em frente o Pico, na sua imponência total e absoluta. A imagem fosca, daquela espécie de triângulo de lava, espetado ali, em frente ao Faial, trazia-lhe à memória os trágicos acontecimentos dos últimos dias. Os primeiros abalos sentidos em Santa Luzia, aquela noite infernal, em que fora obrigado a refugiar-se no relento, o estrondo da madrugada do dia um e o fogo a nascer da montanha e derramar-se sobre os campos, sobre as casas, sobre tudo. Depois os momentos de aflição junto à igrejinha de Santa Luzia, o fradinho a levantar a coroa do Senhor Espirito Santo e a promessa, a promessa que todos haviam feito e que, estivesse ele onde estivesse, nunca havia de esquecer. Depois, assomava-lhe á mente, a imagem daquele velho, triste e amargurado mas generoso e caritativo, desprendido de tudo o que ainda tinha neste mundo. De que servem os bens, as riquezas, as fortunas se não temos a paz, a alegria, a felicidade de viver junto da família?

Era nisto que pensava José quando se sentou junto da mulher e do filho. Ambos dormiam, cansados do que fora aquele amargo dia. José beijou-os, implorou as graças e as bênçãos de Deus para todos, sobretudo para as vítimas da peste e dos abalos. Pouco depois adormeceu, também.

 

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publicado por picodavigia2 às 09:37

OS NOSSOS AVÓS

Sexta-feira, 28.11.14

As mãos sangravam,

Em terra ressequida.

 

Nos olhares,

Havia restolho de penúria.

 

O chão que pisavam

Era perfumado a enxofre,

O vento norte

Até faias arrancava

E o mar trazia

Uma salmoura aniquilante.

 

Mas, mesmo assim,

Teimaram em ser nossos avós.

 

Mas nunca os poderemos ressarcir.

 

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publicado por picodavigia2 às 20:55

A REVOLUÇÃO DA GADANHA

Sexta-feira, 28.11.14

A Fajã Grande era terra de muita erva e muitos fetos, inclusivamente, no caso da primeira a exigir uma ceifa quase diária. A erva, a crescer, desmedidamente, entre as nascentes de água das lagoas, exigia uma ceifa quase diária, destinando-se a alimento fundamental das vacas leiteiras ou das que estavam à engorda para o embarque. A ceifa da erva, assim como a dos fetos era feita com uma simples foice de mão, formada por uma lâmina de ferro, de forma circular, com minúsculos dentes no lado do corte e encaixada num pequeno cabo de maneira, adequado à forma e tamanho duma mão humana. Para ceifar exigia-se que o trabalhador se colocasse de cócoras e, atirando a foice com uma das mãos apanhava os feitos ou a erva cortada com a outra, num esforço exigente, cansativo, desgastante e demolidor de aduelas e cadeiras. Essa a razão porque muitos homens de tanto ceifar diziam-se derrados das costas. A erva, depois de ceifada, era colocada às mancheias, umas sobre as outras, até formar um molho que, amarrado com uma corda, era acarretado às costas, até aos palheiros onde se encontrava o gado, obrigando assim a um enorme esforço, suplementar ao da ceifa. Como a erva estava molhada, para além de mais pesada escorria uma enorme quantidade de água sobre o corpo o transportador, alagando roupas, penetrando até aos ossos.

Na década de cinquenta este duplo e degradante esforço foi, em muitos casos, ultrapassado. Por um lado começaram a aparecer os burros que acarretavam os molhos em vez dos homens e, para aliviar o esforço da ceifa, surgiu a gadanha que trouxe uma autêntica revolução quer na ceifa da erva nas lagoas quer no corte dos feitos, tanto dos que eram considerados daninhos nas relvas quer os que floresciam nos terrenos baldios, uns e outros destinados a cama para o gado nos palheiros.

A gadanha era uma ferramenta que permitia ceifar mais rapidamente e com menor esforço, quer a erva quer os feitos. Consistia numa enorme lâmina, muito afiada, presa na extremidade de um cabo de madeira ou metálico de aproximadamente 170 cm, um pouco curvado, com duas pegas amovíveis, perpendiculares ao cabo e no extremo oposto à lâmina. As pegas eram colocadas, por um lado, de maneira a se ajeitarem a uma e outra das mãos e, por outro, a permitir controlo e força sobre a lâmina, de forma a esta cortar ou ceifar com maior performance. A lâmina era bastante larga e tinha, aproximadamente, 70 cm, com um formato curvilíneo, ficando perpendicular ao cabo, ao qual se prendia por um encaixe devidamente aparafusado. Para manusear a gadanha, o trabalhador segurava as duas pegas do cabo de forma a deixar a lâmina paralela ao chão e, movimentando-a de um lado para o outro, ceifava a erva com maior facilidade e mais rapidez, pese embora esta tarefa exigisse bastante cuidado, pois o perigo era iminente.

Cuida-se que a gadanha terá surgido na Europa entre os séculos XII e XIII, mas só foi introduzida em Portugal no começo do século XIX, chegando à Fajã Grande apenas em meados do seculo XX, introduzindo uma verdadeira revolução na ceifa da erva e dos fetos. Poucos cereais e forrageiras se ceifavam na mais ocidental freguesia portuguesa.

Apesar de tudo, nem todos os agricultores da Fajã aderiram de imediato ao uso da gadanha. Primeiro porque era bastante cara e, além disso muito perigoso, Muitos homens, sobretudo os de mais avançada idade, não se adaptaram a este novo instrumento que, apesar de tudo ainda tinha outros dois inconvenientes: a erva ceifada ficava espalhada e exigia a subsequente tarefa de a juntar e o seu porte, sobretudo, para quem trazia um molho às costas, tornava-se muito incómodo.

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publicado por picodavigia2 às 10:22

NAUFRÁGIOS II

Quinta-feira, 27.11.14

Foram muitos os naufrágios que, sobretudo no século XIX, ocorreram na ilha das Flores, com particular incidência na sua costa oeste, incluindo os extensos baixios da Fajã Grande, uma espécie de fronteira entre a Europa e a América, na qual, naturalmente, se inclui o ilhéu do Monchique – o torrão mais ocidental da Europa e a própria. a Baixa Rasa, pese embora a maioria das embarcações naufragadas se encafuassem nos próprios baixios e laredos que separam a terra do mar. Esta mortandade de embarcações nos mares das Flores atirou para terra uma quantidade de restos dos navios e da própria carga, o que fez com que muitas casas da ilha, na década de cinquenta, se podiam, com toda a propriedade, comparar a “autênticos cemitérios marítimos”, onde tudo, desde a madeira aos candeeiros, desde a ferramenta aos enfeites, provinha de barcos naufragados. A isto juntavam-se os produtos resultantes dos achados, o que constituía em muitos casos, verdadeiros arsenais.

Infelizmente, também se verificaram muitas mortes, com destaque para as nove dos vinte e dois tripulantes da barca francesa Bidart, encalhada em 1915 na Fajã Grande, seis dos 12 que trazia a barca italiana Severo, naufragada em 1882 na Lomba, etc.. No entanto, a generalidade das embarcações naufragadas transportavam essencialmente mercadorias, algumas das quais, pelos vistos, infetadas, permitindo o contágio, por essa via, como sucedeu no Lajedo, em 1843, onde uma epidemia proveniente de um naufrágio causou 18 mortes, para não falar na sífilis que os espanhóis do galeão Nossa Senhora das Angústias e São José trouxeram em 1727 e ajudaram a disseminar pela ilha. Mas verdade é que, regra geral, quase sempre os naufrágios constituíram, para a população costeira, uma oportunidade suplementar de rendimento, desde que aos salvados conseguissem chegar primeiro que as autoridades aduaneiras.

Estranho mas memorável para as gentes da Fajã Grande terá sido o Natal de 1869! É que nesse 25 de Dezembro, deu ali à costa, carregada de açúcar mascavado, um sabor de muitos ainda desconhecido, e de aguardente, a barca francesa Republique, que o povo logo invadiu, levando quanto pôde, numa abundância tal que, nas semanas seguintes, até com açúcar se temperaram caldos de couves.

Foram, todavia, os grandes carregamentos de madeira de pinho resinoso que, de forma mais visível, ajudaram a perpetuar a memória, um pouco por toda a ilha, de algumas dessas já longínquas tragédias marítimas. Pela sua dimensão, o antigo Hospital de Santa Cruz e as Igrejas da Lomba, Ponta da Fajã Grande, Fazenda e Fazenda de Santa Cruz relevam entre as várias obras cujas construções foram essencialmente alimentadas, nas suas mais exigentes necessidades em madeiras nobres, pelos naufrágios da galera Ocean, na Fajãzinha, em Maio de 1876, e da barca Brillant, na Quebrada Nova, em Fevereiro de 1899. Já com os seus 180 passageiros e tripulantes postos a salvo, em terra, Lajes das Flores assistiu também, nos primeiros dias de Março de 1727, ao afundamento do galeão Nossa Senhora das Angústias e São José, que, rebentadas as amarras e levado para o alto mar, ali foi a pique com quase toda a sua preciosa carga, uma parte do espólio anual de ouro e prata das minas do México e de Potosí, na Bolívia. Cuida-se, que em sinal de reconhecimento por se terem salvo, dois desses espanhóis, mandaram edificar a Capela de Nossa Senhora das Angústias, enquanto dois outros ofereceram algumas imagens ao convento de São Boaventura de Santa Cruz das Flores.

A história dos naufrágios nas Flores é corroborada com dois grandes desastres, já em pleno século XX,, o do paquete holandês Prins der Nederlanden, em Agosto de 1966, na Pedra dos Burros, entre o Lajedo e o Mosteiro, de onde só muito a custo foi rebocado, e o naufrágio do Papadiamandis, um cargueiro liberiano, de mais de 14 mil toneladas de milho, na ponta do Baixio, na Fajã Grande, em Dezembro de 1965.

Mas o maior naufrágio e mais rentável naufrágio para a população da ilha foi o do RMS Slavonia, que, ainda hoje, continua presente no imaginário de muitos florentinos, numa memória que lhes é avivada, no Museu das Flores e em muitas das casas da ilha, incluindo algumas da Fajã Grande, por uma panóplia de objetos que pertenceram àquele navio, naufragado a sudoeste da ilha, nas costas do Lajedo. Até o papa Pio X, em sinal de gratidão pelo acolhimento que as gentes da ilha haviam dispensado às 597 pessoas que o RMS Slavonia transportava entre Nova Iorque e o porto italiano de Trieste, ofereceu à igreja Matriz de Lajes um cálice de prata.

 

(Dados retirados da net.)

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publicado por picodavigia2 às 09:47

O CONCELHO DE MANTEIGAS

Quarta-feira, 26.11.14

O concelho de Manteigas é um dos mais belos e de grande interesse turístico da zona da Serra da Estrela, destacando-se lugares de grande beleza natural que urge visitar como Cântaros, Covão d'Ametade, Covão da Ponte, Covão do Boi, Lagoa Comprida, Miradouro do Fragão do Corvo, Nave de Santo António, Penhas da Saúde, Penhas Douradas, Poço do Inferno, Viveiro das Trutas, Torre, Vale da Castanheira, Vale Glaciar do Zêzere, etc., etc.

No entanto e para além destas e de muitas outras belezas naturais, o concelho possui um Património Histórico considerável no que se refere a Monumentos, nomeadamente igrejas, capelas e outros baluartes artísticos e culturais que marcam a história do Concelho ao longo dos séculos e a fé religiosa dos antepassados.

São de destacar, na freguesia de Sameiro, a igreja de São João Baptista e a capela de Santa Eufémia, na de Santa Maria, a igreja Matriz de Santa Maria e a da Misericórdia e as capelas do Senhor do Calvário, de São Lourenço, de São Gabriel, de Santa Luzia de Nossa Senhora da Estrela, de Nossa Senhora de Fátima, de Nossa Senhora do Carmo e a de Nossa Senhora da Saúde. Por sua vez na freguesia de São Pedro, há a destacar a igreja de São Pedro e as capelas de Nossa Senhora dos Verdes, de Santo António, de São Domingos, de São Sebastião, de Santo André, de Nossa Senhora de Lurdes e a do Imaculado Coração de Maria. Finalmente há destacar igreja de Vale de Amoreira, na freguesia com o mesmo nome.

Igreja de Santa Maria em Manteigas, a mais antiga da Vila, possuía em meados do Séc. XVIII, cinco altares; Igreja de São Pedro em Manteigas, a sua construção é posterior à da Igreja de Santa Maria, desta igreja saía, em anos alternados, nos meados do Séc. XVIII, a procissão real do Corpus Christi. Esta igreja era enriquecida pelo valor de sete capelas anexas: Santo Amaro, São Domingos, S. Sebastião, Santo André, Santo António d´Além do Rio, Santo António da Argenteira e Senhora dos Verdes, sendo esta, a mais recente edificação e foi mandada erigir pelos moradores de Manteigas no ano de 1756. Quanto à igreja da Misericórdia de Manteigas, supõe-se que tenha sido construída em meados do Séc. XVII, hipótese que parece confirmar-se pelo facto de existir no interior da igreja uma têmpera com um texto em português arcaico onde se pode ler que foi celebrada uma missa no ano de 1688.

Igreja da Freguesia do Sameiro, a primitiva igreja foi edificada no alvorecer da nacionalidade portuguesa, em sítio ainda mal definido, nos princípios do Séc. XVII, já aquela igreja não existia e nos fins do mesmo século, nem o local já era respeitado. A construção da nova igreja no local em que hoje se encontra, deve datar dos princípios do Séc. XVIII, possivelmente do ano 1700, a sua ampliação deve datar do primeiro quartel do Séc. XIX, mantendo ainda hoje as mesmas dimensões. A Capela de Santa Eufêmia, na Freguesia de Sameiro, cuja data da primitiva edificação é difícil de estabelecer, remontando por certo a época muito distante, visto que a primeira imagem da Santa se encontrava já deteriorada no ano de 1696, sabe-se porém, que serviu de sede de culto durante a segunda metade do Séc. XVII. A Capela de Nossa Senhora dos Pastores está esculpida em rocha granítica, no alto da serra Covão do Boi;

A nível do património arquitetónico não religioso há a destacar a Casa das Obras, robusta construção de tipo solarengo, encimada por brasão a conferir título de nobreza. No interior existem ainda algumas peças de mobiliário de qualidade, nomeadamente sete quadros a óleo dos Séculos XVIII e XIX, retratando algumas das mais iminentes figuras da Família. Construída em Manteigas, na segunda metade do Séc. XVIII pelo capitão - mor e mais tarde desembargador João Teodoro Saraiva Fragoso de Vasconcelos Cardoso. Este edifício impõe-se pelas suas dimensões e qualidade, estando o seu nome relacionado com a duração e a expectativa da sua construção, que deve ter durado, pelo menos, de 1770 ao primeiro quartel do Séc. XIX. Existem também vários oratórios e painéis, a Torre do Cume, com 9 m (A perfazer 2000 m de altitude), no topo da Serra da Estrela a assinalar o ponto mais alto de Portugal

 

NB – dados retirados na net

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publicado por picodavigia2 às 09:36

A LOUCURA DAS VACAS NOUTROS TEMPOS

Terça-feira, 25.11.14

Na Fajã Grande, como aliás, muito provavelmente, em quase todas as outras localidades não só de Portugal como até do Mundo, na década de cinquenta, não se falava ou nem sequer se pensava na existência de vacas loucas. No entanto, ao que tudo leva a crer, na mais ocidental freguesia da Europa elas existiam.

Isto porque, na Fajã Grande, terra onde havia muitas vacas e onde as mesmas eram extremamente bem tratadas, se não havia vacas loucas, no sentido em que hoje se refere esta designação, pelo menos havia algumas vacas que tinham comportamentos muito estranhos, pouco ortodoxos no que a vacas dizia respeito e que em nada abonavam a dedicação, o tratamento cuidadoso e até o carinho que os donos lhe dedicavam.

Na verdade e para além da maioria das vacas que nasciam mansas e assim permaneciam toda a vida, detentoras de comportamentos e atitudes de grande tranquilidade e quietude, submissas às ordens e vontade dos donos, muitas outras havia que se distinguiam por comportamentos esquisitos, estranhos, alguns roçando a loucura outros a agressividade.

O pior destes comportamentos era o hábito que as vacas tinham de “garrar”, isto é, ao verem uma pessoa estranha, que não fosse o dono ou outro conhecido, viravam-se às marradas na mesma, à semelhança de um touro em plena praça, num espetáculo de tourada. A maioria das vezes, porém, este estranho comportamento, surgia já no fim da vida do animal. Por lei consuetudinária, na Fajã Grande, quem tivesse uma vaca que garrasse era obrigado a andar com ela amarrada na via pública. A maioria dos donos ao aperceber-se que tinham uma vaca com este hábito, embarcavam-na para Lisboa, o mais cedo possível, onde era abatida para consumo. Louca ou não, a população de Lisboa deliciava-se com a sua carne.

Outro vício de algumas vacas era o de, quando soltas nas pastagens, galgarem as paredes circundantes e saltarem para os campos alheios, muitas vezes causando grandes prejuízos. Para evitar estes males e impedir o animal de se meter em ceara alheia, os donos possuíam dois meios. Um era acabramá-las, isto é, amaravam-lhe uma corda à cabeça e prendiam-na a uma das mãos, impedindo o animal de saltar. Outro, o mais eficiente, até porque a corda, muitas vezes rebentava, eram as galochas. As galochas eram duas enormes tiras de madeira, em forma de barco com duas proas, com um furo redondo a meio, no sítio em que se ligava uma parte à outra. Estas partes, num dos lados, eram presas por uma dobradiça e fechavam na outra, com uma pequena cavilha, depois de colocadas na mão do animal, causando-lhe grande embaraço e transtorno no andar, impedindo-o, consequentemente de saltar.

Muito esquisito também era o comportamento da maioria do gado alfeiro, que uma vez solto, corria, saltava e pinchava como se estivesse louco, sobretudo se colocado nas pastagens do mato, permanentemente encafuado entre brumas e nevoeiros. Na altura do cio muitas vacas também ficavam loucas, por vezes atirando-se para cima dos próprios donos quando estes tratavam delas,

Finalmente havia as vacas dando, ou seja, aquelas que depois de um ou mais partos, nunca mais davam cria, ficando a dar leite para sempre, mas em muito pequena quantidade. Estas depois de devidamente castigadas com a canga, também eram enviadas para Lisboa, como se dizia, a brincar, ver os senhores de bengala.

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publicado por picodavigia2 às 09:39

RIO SECO

Segunda-feira, 24.11.14

Carla nunca entrara no elétrico tão assombrada. A rua parecia-lhe uma nuvem de espuma a desfazer-se entre labaredas de silêncio, as pessoas vultos de árvores sem folhas, o café, onde se encafuara a tarde inteira, um túnel sem luz e sem fluxos de esperança. Encontrava ali, todos os dias, aquele sujeito frio, absorto, distante, a resvalar entre jornais, sem levantar sequer os olhos para a televisão, muito menos para ela. Apenas lhe sorrira uma vez, uma única vez, ao cruzarem-se na porta de entrada. De resto, aquela pasmaceira institucionalizada.

Carla acabara de se escapulir de um casamento curto, amargo, permanentemente ameaçado em desfazer-se. Um pesadelo que lhe trouxera a decisão de não se emaranhar noutro. Mas que diabo, uma mulher é uma mulher, sente, anseia, suspira, deseja, quer. Toda a sua adolescência já suportara o trauma de ser filha de pais divorciados. Isso marcara-a, impingira-lhe uma espécie de carácter sacramental. Apesar de tudo e, talvez por isso mesmo, sonhara sempre com um casamento feliz. Ser mãe. Mas tudo se desfizera e tudo se apagara. Agora, um homem, fosse ele quem fosse, havia de lhe interessar apenas ao convívio, às saídas à noite e até, eventualmente, a uma amizade séria, decente. Mas a verdade é que sexo em condições dignas, não seria de esbanjar

Talvez fosse essa circunstância que a levasse a olhar aquele homem com tanta insistência. Era atraente, simpático, bonito, desejável, mesmo sexy e não tinha aliança. Antes do casamento e do namoro com o Jorge envolvera-se em três relações, profundas, sublimes, mesmo divinais mas que pouco mais tinham do que sexo. O amor, amor verdadeiro viera com o Jorge e dera no que dera. Família, amor, filhos tudo se esmoronara como um castelo de cartas. Talvez se tivesse amado a sério um dos primeiros tudo teria sido diferente. Agora, apenas o trabalho e uma vida fútil, no meio de tantos homens e mulheres que, como ela, batalhavam num viver inócuo, martelado, alvoroçado apenas por uma ou outra aventura momentânea. Pouco a diferenciava de muitas colegas fúteis que conhecera na Faculdade ou daquelas que, cheia de dificuldades, medos e temores, labutavam, dia a dia, na fábrica, em cujo escritório pontificava.

Mas, apesar de tudo, não podia deixar de reconhecer que, no seu íntimo, de vez em quando, parecia subsistir uma névoa esbranquiçada e límpida que se consubstanciava no desejo de constituir uma família sólida, diferente daquela em que fora criada, cheia de ódios, ameaças, discussões, a desembocar num divórcio litigioso. E aquele, o indiferente, o apático, o absorto no jornal, podia muito bem ser o que havia de se transformar no seu novo marido. O seu libertador.

 

Carla foi mãe de um casal, cujo pai foi o homem do café e a sua vida mudou. A fábrica ruiu e Carla mudou de emprego, de casa e até de cidade. Agora havia eu conjugar as exigências da escola com a vida familiar, o marido e os filhos. Apesar de tudo era feliz e amava.

Mas nem a felicidade nem o amor são eternos. Gastam-se, desfazem-se e deixam-se abalroar por sentimentos estranhos e inexplicáveis. No sufoco da escola era o colega de grupo o único que a compreendia, que a ajudava, que a animava, que a fazia sorrir. Com ele partilhava o gosto do trabalho e alegria da profissão, a excelência da vida e a sublimidade da amizade, enquanto o marido ia dando sinais de desgaste, de afastamento, de se sentir preterido. Verdade é que a vida deles como casal havia parado, cristalizado. Tornara-se monótona, morna, desinteressante, com rituais obrigatórios e atitudes convencionais. Carla sentia que o colega, também ele a desmoronar um casamento, permanecia em cada hora, em cada dia, em cada momento, em cada espaço e em cada local, no seu pensar, no seu agir, no seu viver. Tentou inverter a marcha mas não conseguiu. Era tarde, muito tarde.

Outro divórcio era impossível. Havia os filhos e ele, agora parecia ter regressado à pasmaceira do tempo do café, não se importando com nada nem com coisa nenhuma. Conhecia os sentimentos dela, mas pouco se importava. Não havia nem barulhos nem discussões. Apenas havia silêncio. Bastava que ela se mostrasse sua mulher sem o ser, que lhe criasse e educasse os filhos.

Os anos foram decorrendo sem amor, sem felicidade. Carla conformou-se, adaptou-se. Tornou-se uma pessoa diferente. O colega com quem continuava a partilhar vivências e sentimentos estava sempre com ela. Em pensamento. Em casa, na rua, nos fins-de-semana. E era a ele que ela se entregava nos sonhos de amor, como se estivesse voando sobre um rio seco, sem água.

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publicado por picodavigia2 às 10:04

LUTA COM PALAVRAS

Domingo, 23.11.14

“A cultura ajuda um povo a lutar com as palavras, em vez de o fazer com as armas.”

 

(Glugiermo Ferrero)

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publicado por picodavigia2 às 09:38

MERENDA

Sábado, 22.11.14

Mote - “Vem comer nossa merenda”

 

 

Não tragas tristeza ou dor,

Nem sequer nenhuma prenda,

Traz apenas teu amor,

Vem comer mossa merenda.

 

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publicado por picodavigia2 às 20:55

O DESCANSADOURO DO ESPIGÃO

Sábado, 22.11.14

O descansadouro do Espigão, juntamente com os do Tufo, do Covão e dos Lavadouros, era um dos mais pequenos descansadouros de quantos havia na Fajã Grande. Mas, contrariamente, a muitos outros, era pequeno, sobretudo, no que ao espaço dizia respeito, uma vez que este era bastante reduzido, pois limitava-se a um pequeno espaço do próprio caminho, bem lá no alto do Espigão

Situava-se no antigo caminho entre a Cancelinha e os Lavadouros Vale Fundo, na reta que se seguia à ladeira com o mesmo nome e onde se situavam algumas das principais propriedades do Espigão. Apesar de pequeno, este descansadouro proporcionava descanso a muitos homens que por ali passavam diariamente. Por um lado, destinava-se ao descanso dos que, vindo dos Lavadouros, da Alagoinha, da Lombega, do Moledo Grosso, do Lameiro  e de outras paragens, carregados com molhos, cestos e sacos, que ali descansavam antes de iniciar a descida da íngreme ladeira, finda a qual havia um outro descansadouro, o da Cancelinha. Mas também muitos homens e mulheres aproveitavam o descansadouro do Espigão para se refazer do cansaço que a subida da ladeira lhes provocava. Por vezes até paravam ali os animais que seguiam para as relvas dos Lavadouros, também eles extenuados pela subida da fatídica ladeira

Mas o que mais caraterizava este descansadouro era que, contrariamente à maioria dos outros, não se situava num largo, mas sim em pleno caminho, sendo as paredes deste que serviam para colocar molhos e cestos, enquanto os assentos eram simples pedras retiradas das paredes e colocada no chão. Outra característica importante era a de este descansadouro ser muito sombrio e abrigado pois para além das altas paredes que o ladeavam a leste, perfilava-se por ali um denso arvoredo. As copas das árvores como que cobriam o caminho de um lado ao outro.

O descansadouro do Espigão, mais um mito fajãgrandense perdido no tempo.

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publicado por picodavigia2 às 12:00

O BRUXEDO DAS FEITICEIRAS (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)

Sexta-feira, 21.11.14

Esta estória passou-se com um tio do meu avô que me a contou, era eu aina uma criança. Aos anos que isto foi, meu Deus!

Contava ele que numa certa noite de verão a sua mulher estava com muito calor e não conseguia dormir. Como estava muito bom tempo e a noite muito fresca, ela veio sentar-se à janela da sua casa, a fim de se refrescar um pouco para depois se deitar e conseguir adormecer. Já devia ser alta noite, mas ela como não tinha relógio não sabia as horas. Não se via viva alma, na rua. De repente, ela viu três mulheres que se aproximaram da janela onde estava sem que ela as conhecesse pois tinham véus a cobrir-lhes o rosto. Ao princípio, ao ver os três vultos, julgou que fossem vizinhas que voltassem de fazer serão em casa de alguma amiga ou familiar, pois naquele tempo era costume fazer-se serão em casa uns dos outros. Pensou que talvez para não apanharem frio traziam os lenços puxados para cima do rosto. Mas não as conheceu e elas, ao aproximarem-se da janela, disseram:

— Se não fosse o mastrunço, a arruda e o limoeiro, não havia ninguém vivo neste mundo!

— E porquê raparigas?

E então elas responderam:

— Se soubesses, calavas o bico, para sempre.

E contava meu tio, com os olhos raiados de lágrimas que a mulher não durou muito tempo. Passados poucos dias começou a definhar, a definhar de dia para dia, a ficar doente e morreu. As pessoas diziam que tinha sido por causa daquelas três feiticeiras que lhe fizeram bruxedo.

 

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publicado por picodavigia2 às 09:33

PARTIDA

Sexta-feira, 21.11.14

Deixa ficar comigo o sol de Agosto

E espreme numa taça estilhaçada,

O sumo duma flor, a seiva, o mosto,

O perfume de cada madrugada.

 

Acende a luz do mar, grava teu rosto,

Na espuma cristalina, esbranquiçada.

Cerceia minha dor, este desgosto,

Esta mágoa infinita e malfadada.

 

Depois podes partir... Mas eu te aviso:

Cada flor nascerá sem um sorriso,

Neste rio desfeito e de espuma.

 

A esperança há-de sumir-se, uma a uma,

E a raiva, a dor, a morte, a vida em suma,

Farão sentir o fim do Paraíso.

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publicado por picodavigia2 às 07:41

Nº 29 JOAQUINA

Quinta-feira, 20.11.14

“Aos septe dias do mez de Novembro do anno de mil oitocentos e noventa, nesta egreja Parochial de São José da Fajã Grande, concelho das Lages, ilha das Flores, Diocese de Angra, baptisei solenemente um indivíduo do sexo feminino quem dei o nome de Joaquina, e que nasceu nesta freguezia ás cinco horas da tarde do dia dois do dito mez e anno filha legítimo primeiro do nome de José Maria de Souza, jornaleiro e de Maria José Theodósio, serviço doméstico, naturaes, recebidos, parochianos e moradores no logar da Quada, neta paterna de avô icógnito e de Maria de Jesus e materna de Francisco António Vallente e de Anna de Jesus. Foi padrinho José António de Freitas Lourenço casado proprietário e madrinha Joaquina Emília da Glória, casados, proprietários, os quais todos sei serem os próprios. E para constar lavrei em duplicado este assento e que depois de ser lido e conferido perante os padrinhos, comigo assigna a madrinha e não assignando o padrinho por não saber escrever. Era ut supra.

Joaquina Emília da Glória (assinatura)

Adiante vai paga a estampilha fiscal o valor de cem reis devido por este assento.

O Vigário Francisco José Constantino Flores”.

Este é o registo de batismo da minha avó materna Joaquina Fagundes de Sousa. À margem do assento foi averbada a seguinte nota:

“Não vae selado por falta de meios dos interessados e por terem sido gratuitos os actos a que este assento se refere. C. Flores.”

O documento encontra-se, juntamente com milhares de outros, respeitantes às paróquias açorianas, guardados no site da Secretaria Regional da Educação e Cultura – Cultura Governo dos Açores – Inventário Genealógico, onde estão reproduzidas cópias dos assentos paroquiais até 1910, altura em que os nascimentos passaram a ser feitos no Registo Civil.

Neste ano de 1890, nasceram na Fajã Grande trinta crianças, dez do sexo masculino, com os nomes de José dez, Augusto, Manuel, João, Fernando e Francisco As outras vinte crianças eram do sexo feminino e dezasseis receberam o nome de Maria. Às restantes foram postos os nomes de Joaquina, Clara, Ermelinda e Ana

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publicado por picodavigia2 às 20:52

VIRGEM

Quinta-feira, 20.11.14

Imaculadamente virgem, Aurora saiu de casa dos pais, com destino à igreja. No altar, esperava-a o padre Silvestre, o Chico do Ferreiro e uma enorme angústia.

Chegara a hora de se aviar a piquena. Era a mais velha e a casa do Rebimbas rebentava pelas costuras. Filhos e filhas, a roçar a dúzia, atarracavam-se em disputas e desejos incontidos, atropelavam-se nos dias invernosas e, à noite, sobretudo na hora de lavar os pés, ameaçavam-se reciprocamente, em murmúrios desgovernados e hostis. Um sufoco!

Primogénita, agora com vinte e dois, Aurora era a candidata natural ao primeiro desbasto e, desde há muito, que o Chico do Ferreiro lhe catrapiscava o olho. Ela nada. Aquela pasmaceira, indiferente e fria, habituada ao trabalho, educada entre rezas e jaculatórias, alheia aos mais simples prazeres da vida. Virgem de corpo e ingénua de alma entendia que casar era um destino normal e comum, mas sem significado e importância. Era como ir lavar um cesto de roupa à Ribeira. Casar era, apenas, partilhar a casa com um homem, cozinhar, lavar, arrumar, ter filhos e ajudar nos campos. Pior. Casar era um martírio, um sacrifício, uma ignomínia a roçar a indignidade.

Simples a cerimónia, pobre a boda. Os tempos eram de miséria e a vida cerceada por limitações. E à noitinha, depois de desertarem os convidados, lá partiu Aurora, com o Chico, a caminho da Via d’Água, onde lhe haviam montado um pequeno, pobre e humilde casebre.

Aurora acendeu o lume, aqueceu água, lavaram-se à vez, na cozinha, numa selha de madeira, e deitaram-se. O Chico, ainda tentou uma, duas e três vezes, procurar-lhe o corpo, acariciando-lhe as mãos e os braços nus. De seguida, galvanizado pela suavidade daquela pele, acicatado pela doçura daquele corpo, incendiado por desejos lascivos, tentou afagar-lhe os seios. Aurora, de imediato, se esquivou, apavorada, expelindo uma inequívoca rejeição. Nem por sombras havia de se deixar ser tocada por um homem. O Chico insistiu. Mas as respostas vinham sempre tão abruptas, tão inveteradas, transformando-se em recusas radicais. E a noite a transformar-se numa aflição para ela e um agastamento para ele. Com o intuito de lhe afastar as tentações, Aurora pegou no terço que a mãe lhe dera como prenda de casamento e começou a dedilhá-lo com acentuado fervor. O Chico, embora convulsivo e revoltado, aquietou-se. Não queria molestá-la, nem muito menos fazê-la sofrer, embora sonhasse, desde há muito, com aquela noite, terna, maviosa, envolvente e sublime, durante a qual se entregaria, total e plenamente, à mulher que escolhera por companheira. Durante o namoro, conciso e intervalado, nunca lhe arrancara sequer um abraço, nem, muito menos, um beijo. Herdara as esquisitices da mãe, sempre a ameaçar, sempre a meter medo com tolices que haviam provocado aquela cegueira com que ela, mesmo agora, depois de casada, o afastava de carinhos e enlevos. Os fantasmas e as palermices que lhe havia arrolhado na cabeça é que a impediam de se entregar na sublimidade e na doçura daquela noite. Se quisesse podia força-la, obrigá-la... Talvez ela, ao sentir-se forçada, cedesse e acabasse por descobrir o prazer da entrega e da paixão e, assim, apagasse as cicatrizes dos medos, das interdições, das ameaças, dos castigos, do inferno. Voltou-se num impulso instintivo, quase animalesco. Ela, acicatada pelo sono, já abdicara do terço e deslizava, agora, sobre o travesseiro, cuidando que ele se aquietara do seu ousado atrevimento. Mas não. Ele, apenas, por momentos, descera ao abismo do silêncio escuro. Mantinha-se vigilante, resistente, disposto a lançar-se numa investida, que protagonizasse todo o seu vigor. Era tão grande a ânsia de desfazer aquele afastamento, anular aquela recusa, ultrapassar aquela oposição. A luz de petróleo há muito que se apagara e o quarto permanecia numa escuridão mórbida e silenciosa. O Chico encostou, parcialmente, o seu corpo ao dela que permanecia apática, indiferente, despegada de desejos e prazeres. Fortes pulsões pediam-lhe uma rapidez de movimentos que ela, antecipadamente, não percebesse. Ardendo em desejos, o Chico esvoaçava aspirações. Uma instintiva pujança diluiu-lhe o corpo, consubstanciando-se numa posse rápida e eficiente, numa comunhão não partilhada pela amante gélida, fria, estática, incapaz de identificar uma nesga que fosse do píncaro do prazer. Num ápice o Chico explodiu…

Aurora levantou-se, confusa, estonteante e indignada. Acabava de pecar, gravemente. Por isso, nenhuma razão tinha para continuar ali, nem fora para isso que viera. Não havia de colocar-se, todos os dias, ao lado daquele homem, com lágrimas, dor, sofrimento e remorsos. Nunca mais havia de consentir que voltassem a pecar.

O Chico, agastado de sublimidade, de um cansaço doce e extasiante, aquietara-se da agitação subsequente ao enlevo, adormecendo. Aurora levantou-se, juntou as suas parcas roupas e, enrolando-as num xaile, fez uma trouxa.

Madrugada, ainda noite escura, a mãe, após toda uma noite alvoraçada, ouviu um leve arranhar de mãos na porta da cozinha. Veio à janela e, de fora, ouviu uma voz trémula e assustada:

- Abra, mãe. Sou eu, a Aurora.

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publicado por picodavigia2 às 09:00

A TARDE E O SILÊNCIO

Quarta-feira, 19.11.14

A tarde

é um suave muro de cristal,

o mar

um ténue manto de cambraia.

 

Há muito silêncio perdido sobre a terra.

 

Mulheres, vergadas à velhice

vagarosas e trémulas,

dedilham camândulas desfeitas.

 

Homens, pejados de rugas e cicatrizes,

amparados a bordões de araçá,

lembram Américas perdidas.

 

Um bando de gaivotas

dança, em cio.

 

Uma criança de olhos de água,

rola um arco.

 

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publicado por picodavigia2 às 21:45

O PÁSSARO COR DE FOGO

Quarta-feira, 19.11.14

 

(CONTO DE MATLDE ROSA ARAÚJO)

Era uma vez uma mulher, uma pobre mulher que ia á lenha. Ia á lenha todos os dias, com um grande saco arrastando-o pelo chão. (…)

E um dia, um dia quando a pobre mulher se arrastava mais cansada e nada via, nada e scutava; quando as suas mãos rugosas, de tantos anos tanto trabalharem, apanhavam as folhas e a lenha do chão que ia metendo num grande saco, ouviu!, como num sonho, ouviu o ruído de um cavalo vindo de longe… um cavalo que depressa se aproximava de si.

E pensou alto: um cavalo pelo bosque?! Nunca vi tal. Estarei a sonhar?

Mas não sonhava. Na clareira do bosque, mesmo no chão, onde se espalhava o Sol, um lindo cavalo branco estacou.

Um cavalo branco parou sobre a clareira do Sol! Trazia montado, segurando nas rédeas de couro fino, um lindo menino de olhos dourados. E a pobre mulher perguntou:

- Quem és tu? Serás meu neto? Filho de algum filho meu? E um pássaro poisa no teu ombro como se fosses um ramo e aí estivesse descansando…

E tornou a perguntar:

- Quem és tu?

O menino sorriu. Sorriu como só sabem sorrir as crianças e o próprio Sol pela manhã.

- Eu hoje venho ajudar-te. Sobe para o meu cavalo com o teu saco de troncos e de folhas secas. Sobe… Anda…

E logo a pobre e velha mulher subiu para a sela do cavalo, como se tivesse quinze anos e corresse para dançar uma dança maravilhosa pela mão do seu namorado. E sentou-se sobre a sela do cavalo junto com o menino. De seguida voou também para cima da sela o saco de serapilheira escura que parecia ter asas.

E os olhos dourados do menino sorriam mais.

E a pobre mulher pensou alto: Se fosses meu neto não eras melhor para mim…

O menino quase a emendou:

- Que importa não ser teu neto? Todos somos netos, filhos, irmãos dos outros mais. Nem olhas o Sol, nem escutas o canto dos pássaros, nem a música do vento, cansada de tantos anos de luta pelo calor do lume, apanhando esta lenha do chão: cansada como os próprios troncos velhos que vento faz cair.

Eu vim com o meu cavalo para te dizer que os velhos precisam de ajuda, do amor dos novos: têm direito ao descanso, à alegria.

Vai escutando pobre e velha mulher, e alegra o teu coração: eles os velhos, tem o direito a poder olhar o Sol, como nós meninos, a escutar o cantar dos pássaros e o murmurar do vento.

Eu vim no meu cavalo branco, ajudar-te. Os teus filhos estão longe e não o podem talvez fazer…

E o pássaro cor de fogo da lareira, no ombro do menino pousado, de novo cantou, cantou de alegria!

Então a pobre e velha mulher deixou-se sorrir docemente. Uma estranha e alegre música lhe falava no peito.

Matilde Rosa Araújo A velha e o Bosque, Livros Horizonte

 

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publicado por picodavigia2 às 09:26

O BOTE BALEEIRO

Terça-feira, 18.11.14

Na Fajã Grande, nas décadas de quarenta e cinquenta, a frota baleeira era constituída por dois botes e uma lancha. O bote da baleia, também designado por canoa, era uma pequena embarcação, movida a remos ou à vela, muito rápida e ligeira, devido à sua leveza, o seu perfil adelgaçado e às suas linhas aerodinâmicas. Além disso era uma embarcação facilmente manobrável e de duas proas. Devido à necessidade de lhe impingir grande velocidade e fácil manobrabilidade, o bote baleeiro era construído com madeiras leves e tinha um formato pouco fundo, muito delgado e de linhas afiladas, de forma a obter um bom desempenho hidrodinâmico. Na Fajã Grande, a tripulação de cada bote baleeiro era constituída por sete tripulantes: o oficial, o trancador e cinco marinheiros remadores. Para além das funções de comando e chefia, competia ao oficial governar o bote, que o podia fazer de duas formas. Quando o bote navegava à vela, para o governar, o oficial utilizava o leme, se a embarcação era impulsionada pela força dos remos usava um sétimo remo, chamado esparrel, colocado à popa do bote, acima do encaixe do leme, que durante esta operação era retirado. Por sua vez o trancador, ou arpoador, eu antes de aproximar da baleira também exercia a função de remador, ia à proa, de onde, ao ver a baleia e sob as ordens do oficial, arremessava um forte e rijo arpão em ferro, com barbilha, encavado num cabo feito numa madeira pesada. Por sua vez os marinheiros seguiam todas as operações sentados sobre bancos que ligavam as bordas do bote, de costas para a proa e com os pés fincados nos bancos mais próximos, a fim de impingirem toda a sua força aos remos. Para ambos os botes da Fajã Grande os oficiais, geralmente vinham do Pico, mas o trancador e a restante campanha, salvo uma ou outra exceção, eram naturais da freguesia. Os dois melhores trancadores de sempre da Fajã foram o Urbano e o Francisco Inácio. Para além dos seis remos, do esparrel, do leme e dois arpões, sendo um suplente, o bote da baleia ainda era equipado com seis pás ou pagaias, destinadas a remar quando se aproximava da baleia ou baleias, para não a assustar e afastar com o marulhar dos remos, duas lanças, duas selhas com linhas, uma machadinha, um facalhão, um maço de madeira, dois queiques, um mastro, ma vela grande e outra pequena. Enquanto a lancha permanecia ancorada no Boqueirão, de noite e nos dias que não se arreava, os botes, terminada a safra, eram varados e guardados nas ramadas, sendo retirados destas logo após rebentar o foguete no alto do Pico da Vigia. Geralmente o bote que completava a companha mais cedo partia sozinho, a remos ou à vela, seguindo as instruções e os sinais dados pela colocação de grande pano branco, na encosta do Pico do Areal, Finalmente e mais atrasado, seguia o segundo bote, também pelos seus próprios meios ou rebocado pela lanha Santa Teresinha quando esta não ficava à espera de algum marinheiro que se atrasasse ou da saca de comida que uma ou outra mulher demorava a trazer ao porto. Não consta que na Fajã Grande se tenha guardado alguma destas relíquias de uma época de grande importância na economia da freguesia.

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publicado por picodavigia2 às 17:15

RELATO/SINTESE DUMA EXPERIÊNCIA OU NOVAS METODOLOGIAS PARA O ENSINO DE LINGUA PORTUGUESA

Terça-feira, 18.11.14

A educação deve ser concebida como condição necessária ao desenvolvimento do ser humano. Neste sentido as metodologias a utilizar na nossa prática lectiva devem desenvolver a autonomia intelectual do aluno, levando-o a aprender por si próprio, tendo como lema o célebre provérbio chinês “O que eu ouço esqueço; o que eu vejo recordo; o que faço aprendo.” e valorizar aprendizagens experimentais que desenvolvam atitudes, consciencializem valores e tenham como “pilares” fundamentais: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver em comum e aprender a ser.

Assim importa que o aluno aprenda a conhecer, a aprender, a reflectir, a pensar, a resolver, a investigar e a fazer. Por isso a Reorganização Curricular como que impõe que se dê tanta importância aos métodos e processos de aprendizagem como se tem dado aos conteúdos. Há que apostar na “Valorização das aprendizagens experimentais nas diferentes áreas e disciplinas... e na diversidade de metodologias e estratégias de ensino e actividades de aprendizagem visando favorecer o desenvolvimento de competências numa perspectiva de formação ao longo da vida.”  Cf. as alíneas e) e h) do Artº 3º do DL nº 6/2001.

Por sua vez M.C. Roldão também esclarece que não devemos valorizar só os conteúdos. É preciso valorizar os métodos, até porque aqueles não se adquirem sem ser através destes, mas também adverte que não se deve valorizar os processos em detrimento dos conteúdos. E acrescenta que a gestão do currículo visa fundamentalmente tornar os indivíduos competentes e sabedores através de um domínio articulado de uma sólida informação e dos métodos e processos de a ela ter acesso, de a organizar e transferir.

Por isso, ainda segundo M.C. Roldão, o currículo escolar deverá incluir nos seus conteúdos de aprendizagem os modos de aceder ao conhecimento, de descodificar, contextualizar e interpretar a informação. Assim os processos também são conteúdos curriculares porque e enquanto objectos de aprendizagens.

A metodologia a adotar-se no ensino de LP deve privilegiar o trabalho de grupo.

O ensino de LP poderá organizar-se em blocos que terão uma duração variável, sendo cada bloco constituído por vários tempos letivos (90 m). Cada bloco tem tempos destinados às seguintes atividades: apresentação do programa das actividades propostas pelo professor através de uma grelha própria, exposição pelo do professor de novos conteúdos, de novos métodos ou técnicas de trabalho (caso se trate de conteúdos ou modelos novos) ou ainda um tempo para revisões, realização, pelos grupos, dos trabalhos propostos com acompanhamento do professor, apresentação dos trabalhos à turma por cada grupo, devendo a ordem de apresentação ser registada na grelha, avaliação de cada grupo e dos seus elementos e realização de um trabalho de avaliação para toda a turma e elaboração coletiva do sumário respeitante a todo o bloco (1 sumário por bloco). Por sua vez, os grupos deverão ser relativamente pequenos 2/3 alunos e heterogéneos, isto é, deverão ter na sua constituição alunos que revelam mais capacidades, alunos médios e alunos mais fracos. Esta caracterização resulta duma avaliação diagnóstica rigorosa, feita no início do ano lectivo e que fica registada no PCT. Cada grupo realiza atividades diferentes, embora alguns trabalhem os mesmos temas/conteúdos. Os temas a tratar deverão os conteúdos contemplados no Programa de Língua Portuguesa e são os seguintes: Oralidade, Leitura de obra completa, Leitura e compreensão de texto, Expressão escrita, Funcionamento da Língua e Atividades diversa. Em cada bloco deverão ser sempre programadas atividades complementares destinadas aos grupos que eventualmente terminem mais cedo o trabalho. Na apresentação do seu trabalho cada grupo, com a colaboração do professor, adopta a metodologia que melhor entender, incluindo, por vezes, propostas de trabalho para os outros alunos, que poderão funcionar como TPC.

Ao longo do ano o professor deverá elaborar uma grelha de registo das actividades realizadas por cada grupo, a fim de que as mesmas se não repitam frequentemente e também para que todos os grupos realizem os diversos tipos de actividades.

Consoante as características e dificuldades reveladas por um determinado grupo, por vezes, podem ser programadas atividades destinadas a remediar essas dificuldades.

 

(Apresentação num Congresso de LP)

 

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publicado por picodavigia2 às 16:27

SONHEMOS

Segunda-feira, 17.11.14

O sonho parece ser a melhor dádiva com que a natureza dotou o ser humano. E fê-lo de um dupla forma, porquanto é possível sonhar não apenas quando se dorme mas também quando estamos acordados. Trata-se de uma vivência, ao que parece exclusivamente humana, que pode conceder a quem dela usufrui significados distintos mas sempre muito pessoais e muito íntimos. Para a ciência, sonhar é uma experiência do inconsciente durante nosso período de sono. Para os verdadeiros aduladores do sonho, este é uma forma de se atingir o inatingível, de se conquistar o inconquistável, de se ter e possuir o que, na realidade, nunca foi possuído ou nunca será possível possuir, convicções que os colocam mais perto da psicanálise do que da ciência, uma vez que para aquela, o sonho é simplesmente o "espaço para realizar desejos inconscientes reprimidos".

Mas a verdade é que, de uma maneira ou de outra, o sonho, sobretudo o acordado, é um excelente lenitivo para a alma, um saudável alimento para a imaginação, uma reconfortante doçura para os dissabores.

Sonhemos pois, todos à uma e façamos uma festa de espuma, pois é pelo sonho que nos tornamos unidos, mas mudos. Pelo sonho é que agarramos a vida. Bem enganado estava Fernando Pessoa quando escreveu: “O sonho é a pior das cocaínas, porque é a mais natural de todas. Assim se insinua nos hábitos com a facilidade que uma das outras não tem, se prova sem se querer, como um veneno dado. Não dói, não descora, não abate – mas a alma que dele usa fica incurável, porque não há maneira de se separar do seu veneno, que é ela mesma.” Mas Pessoa parece ter-se ressarcido, pois mais tarde escreveu: “O Sonho é o que Temos de Realmente Nosso. Matar o sonho é matarmo-nos.”

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publicado por picodavigia2 às 16:59

O PREÇO DO SILÊNCIO

Segunda-feira, 17.11.14

o silencio ocupava todos os espaços,

dominava cada dia, cada hora, cada momento

era o senhor supremo,

o preço da liberdade perdida

o ídolo duma estória riscada em tiras de farrapos vermelhos

 

quando a noite não queria caminhar sozinha

agarrava-se ao silêncio

domava-o

nascia um snipe perfumado a glicinas verdes

 

e acabava a memória do dia anterior

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publicado por picodavigia2 às 07:13

ESFINGE

Segunda-feira, 17.11.14

Esfinge de delícias, ambulante

Em áurea e divinal sublimidade,

Em passos de ternura. Soledade

Duma visão sublime, delirante.

 

Espargindo doçura, radiante,

Benéfica, sublime divindade,

Revelando amor e santidade,

Eu te contemplo estático e hesitante.

 

Sinto o perfume ténue e consagrado,

Querido a uns, por outros desprezado,

Que emana de teu ser, a suavizar-te.

 

E num êxtase sublime, de temor,

De angústia, de doação, d’ânsia, d’amor,

Sinto-me feliz, só, a contemplar-te.

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publicado por picodavigia2 às 00:20

ENTRE SANTA BÁRBARA E ANGRA

Domingo, 16.11.14

O Francisco Dolores nasceu em 1949, na ilha de Santa Maria, frequentou o Seminário Menor de Ponta Delgada, a partir de 1962 e o de Angra de 1964 a 1974, altura em que completou o curso teológico. Ordenado presbítero, foi colocado, como Vigário Cooperador das Lajes – Terceira e nomeado Delegado Diocesano da Juventude para o Concelho da Praia da Vitória. Leccionou as disciplinas de Historia, Português e Religião e Moral na EB da Praia da Vitória, durante alguns anos. Em 1979 foi nomeado pároco de Santa Bárbara e das Doze Ribeiras. Em 1980 deslocou-se aos E. U. A e Canadá, onde criou, com o apoio da "Voz dos Açores" e outras entidades, Comissões de Apoio à reconstrução das freguesias de Santa Bárbara, Doze Ribeiras, Cinco Ribeiras e outras. Fundou e dirigiu o mensário "Família. A partir de 1983, em dois mandatos intercalares, foi Administrador da União Gráfica Angrense. Em 1989 foi nomeado pároco de Nossa Senhora de Belém e do Posto Santo. A partir de 1993 paroquiou a freguesia de São Bartolomeu dos Regatos, sendo, em 2002, nomeado Pároco e Reitor do Santuário de Nossa Senhora da Conceição, em Angra do Heroísmo, onde se mantém. Exerceu ainda os cargos de Ouvidor Eclesiástico de Angra, de Vigário Judicial Diocesano e Notário do Tribunal Eclesiástico. Foi Director do Secretariado das Migrações, do Secretariado da Pastoral Juvenil e Redactor e Chefe de Redacção de "A União", jornal de que é colunista. Foi o responsável, na diocese, pelo Secretariado Diocesano da Comunicação Social. Actualmente é Assistente da Cáritas da Ilha Terceira e do Conselho Central das Conferências Vicentinas.

O Dolores chegou ao Encontro de braços abertos para euforicamente todos abraçar e com vontade de em tudo se envolver. A sua intensa actividade paroquial, no entanto, impediu-o de participar nalguns eventos. Nos que esteve presente, porém, deliciou-nos com a sua meiga exuberância, com o seu convívio efervescente e a sua amizade inebriante, orientando, esclarecendo e dando informações sobre espaços, costumes, sobre aquilo que mudara no Seminário e na cidade. Foi sobretudo em Santa Bárbara, quando nos preparávamos para homenagear o neo-sacerdote Tadeu, e aguardamos durante algum tempo a sua chegada ao templo, para lhe cantar o “Juravit Dominus”, que o Dolores, já paramentado a rigor, nos foi acompanhando, esclarecendo e fortalecendo. Por tudo isso foi mais um dos “Senhores” do Encontro.ses

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publicado por picodavigia2 às 22:05

POESIA

Domingo, 16.11.14

Chegou, em mais um ano letivo, o dia de nas minhas aulas, dando cumprimentos ao programa de Língua Portuguesa, abordar a poesia. Embora devidamente preparado, estava um pouco apreensivo, sobretudo como a forma de os motivar. As aulas, porém, correram de forma magnífica, e todos se motivaram.

Depois de apresentar e ler alguns poemas, lá fomos sintetizando que a poesia é uma arte complexa e diversificada e há textos poéticos de formas diversas, mas fáceis de distinguir da prosa. Para além da diferença da mancha gráfica, a poesia tem mais ritmo do que a prosa. As palavras estão dispostas de acordo com determinadas normas, adequada acentuação e demarcadas pausas, o que lhe confere um ritmo, uma harmonia e uma musicalidade próprias, diferentes da prosa. Além disso, mais do que a prosa, a poesia provoca e excita a imaginação, o sonho e a sugestão.

De seguida fomos à parte formal ou técnica. O verso é o elemento fundamental da poesia. É um conjunto de palavras, correspondente a uma linha, com um certo número de sílabas e com determinada acentuação. Os elementos do verso são: a sílaba, o acento e a rima, todo observado, registado e exemplificado. Mais se descobriu que versos, geralmente, formam grupos, sendo muito populares os grupos de 4 versos com sete sílabas, que se chamam quadras.

Havia muitos tipos de poemas todos eles exemplificados no Manual. Destaquei o Acróstico ou seja um poema no qual se formam palavras com letras duma ou mais palavras, o Caligrama, poema em que as palavras estão dispostas de modo a representar um desenho de objetos, animais, personagens, etc., a Cantilena, poema suave e monótono em que se repetem diversos sons com intenção de iludir alguém, o Romance, um poema que conta uma pequena história e ainda o Soneto, poema rigorosamente constituído por 14 versos, dispostos em 2 grupos de 4 e outros 2 de 3.

Finalmente uma pequena abordagem aos Recursos Poéticos mais utilizados: Adjetivação, Personificação, Comparação, Repetição e ainda referências ao uso da interjeição, da onomatopeia, dos diminutivos, das reticências, etc.

Por fim convidei os alunos a escreverem, livremente, um poema. Todos o fizeram. Da safra, não resisti a selecionar os seguintes, aos quais fiz pequenas correções e cujos nomes dos autores, obviamente omito, até porque alguns foram elaborados em grupo:

 

QUADRA

 

Venho p’ra escola e brinco,

Venho p´ra escola e aprendo,

Só que, no dia seguinte,

Eu já de nada me lembro.

 

NA ESCOLA

 

Vamos sempre p’ra a escola,

Ler, aprender, estudar.

Somos felizes, de sacola,

No trabalho ou a brincar.

 

Nós andamos sempre juntos,

No recreio ou a estudar;

Somos tantos, somos muitos

Ninguém nos vai separar.

 

Sempre alegres e felizes,

Sempre a rir ou a cantar,

É verdade! – Se o dizes,

Ninguém o pode negar.

 

VIDA NA ESCOLA

 

Pela escola vão saltando,

Sem sentido,

Braços, pernas, cabeças...

Os corações palpitando...

Pálida é a cor,

O gesto é bonito,

Lançando pelos ares

Um desejo infinito.

E a escola é já um exército,

Mas um exército grande,

Onde lutam amigos,

Mas amigos de sangue.

E a energia que se perde,

É a força que transforma

A alegria, o amor, a vida,

Em força de norma.

           

SER ALUNO

 

P´ra escola venho aprender,

Conhecimentos partilhar,

Com a alegria de viver

E o sonho de alguém amar.

 

Ser solidário é importante,

E andar por bons caminhos;

Da gente pequena ou grande,

Devemos ter só carinhos

 

E S C O L A

 

Encontro de amigos,

Sempre bem dispostos.

Com empenho e alegria,

Olhando o mundo e a esperança,

Leem, escrevem, brincam e...

Aprendem a viver!

 

A PAZ

           

A paz é a liberdade,

É o mundo quieto, gritando, saltando,

É a alegria de viver.

 

A paz é um coração entre dois cravos,

É o melhor que pode haver,

É a certeza, a esperança, a verdade,

A paz é o amor,

É a felicidade.

 

A paz é o oposto da guerra,

É o carinho, a ternura,

É o mundo sem sangue,

É a solidariedade partilhada.

 

A paz é a palavra mais bela,

A paz é... tudo!

 

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publicado por picodavigia2 às 17:05

A BAÍA D'ÁGUA

Sábado, 15.11.14

A Baía d’Água era uma das maiores e mais interessantes enseadas da costa Fajãgrandense. Situada entre a Barra e o Rolinho das Ovelhas, a Baía d’Água estendia-se por um bom pedaço de baixio, no qual se incluía uma espécie de caneiro que se prolongava por terra dentro até ao Cilindro, ao Porto e às Furnas, formando assim um pequeno lugar, relativamente próximo da rua com ujo nome, por vezes se confundia mas que era diferente – A Via d’Água. Mas, na verdade, o que mais caracterizava este lugar era a baía que lhe dava o nome. A Baía d’Água era uma enorme enseada em forma de U, ladeada quer a norte, quer a sul, por escarpas de lava negra, bastante altas que obstruíam qualquer normal descida para o mar e onde se anichavam excelentes pesqueiros. Apenas, na parte mais interior, havia uma espécie de pequeno rolo, o qual se podia demandar, na tentativa de alcançar ou o mar ou uma embarcação que, eventualmente, ancorasse ali, o que era muito raro, pois as condições eram péssimas. Alem disso, na Baía d’Água, o mar, dado que a baía, na sua entrada, não tinha nenhum tipo de barro ou restinga, estava sempre muito bravo, sempre com ondas altivas, o que afastava dali o ancorar e o varar das embarcações. O Poceirão, logo adiante, com a Barra a proteger a baía e, o Cais, eram o destino de quantas embarcações chegavam ou partiam para a faina da pesca, para a caça à baleia, para uma viagem para outra freguesia da ilha. O que mais caracterizava a Baía d´Água era o facto de o pequeno rolo que a ladeava a oeste e a separava do caminho de acesso ao Porto, ter sido desde sempre destinada ao Matadouro do gado, quer nas festas do Espírito Santo, quer quando algum americano dava um jantar. Era para ali que o gado era conduzido, entre cânticos e folias e era ali que era imolado, servindo a própria baía local para despejo das partes do animal que não serviam para nada e das próprias imundícies. Ao lado havia um nicho onde eram colocados os símbolos do Paráclito - as coroas e as bandeiras.

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publicado por picodavigia2 às 16:28

CONDENAÇÕES

Sexta-feira, 14.11.14

Era uma cozinha velha, esconsa e, terrivelmente, escura. No centro havia uma mesa grande com alguns bancos ao redor. Sobre a mesa havia pratos com os rebordos partidos, pão de milho e um bocado de queijo. Pendente numa trave, uma pequena candeia apagada, a abarrotar de gordura nos bordos. No lar panelas velhas e tisnadas, achas de lenha e garranchos à espera de lume. No chão um caixote a servir de parque a um bebé, o balde do porco e um gato a ronronar. A cozinha não continha mais nenhuma coisa ou objeto. Havia uma pessoa, uma menina jovem e frágil. Empunhando uma vassoura, varria e cantava:

“No alto daquela serra, no alto daquela serra,

Está um lenço, está um lenço a abanar.

Está dizendo: ”Viva! Viva!” Está dizendo: ”Viva! Viva!”

A quem o queira apanhar, a quem o queira apanhar.

No alto daquela serra, no alto daquela serra,

Está um lenço, está um lenço a abanar.

Está dizendo: ”Morra! Morra!” Está dizendo: ”Morra! Morra!”

Morra quem não o souber apanhar…

Sem que ela o esperasse interrompe-a o pai. Entrando de rompante, interroga:

- Amélia, viste o Álvaro? Sabes para onde está?

- Então meu pai não sabe?! É a mesma coisa todos os dias… Vai levar as vacas do primo Luís ao Outeiro Grande e fica por lá a manhã toda… Meu pai é que fez essas combinações...

- Quais combinações, qual carapuça! Não sabes a nossa vida, filha? Como é que eu posso pagar ao Luís para cortar o cabelo a teus irmãos e a mim? Sabes muito bem que o dinheiro que ia gastar por mês para cortar o cabelo a todos dá p’ro sabão, p’ro petróleo e, de vez em quando, comprar um bocadinho de açúcar. E nem fui eu que pedi ao primo Luís… Foi ele que me fez a proposta: se um dos pequenos lhe fosse levar as vacas todos os dias, ele cortava-nos o cabelo de graça e ainda nos soldava as latas do leite quando rompessem. Não achas um bom negócio? É claro que não ia deixar ir o Justino ou o Alípio, que me ajudam muito nas terras e me iam fazer muita falta. Além disso, o Justino tem que ir para a escola… Só podia ser o Álvaro. Só que aquele destróia leva horas para lá ir e vir… E eu aqui feito parvo à espera do sarigaito! E eu bem que precisava dele…

A miúda, sem levantar os olhos do chão e continuando a varrer, contrariava:

 - Meu pai é que tem a culpa toda. Deixa-o fazer tudo o que ele quer e não lhe diz nada. Eu bem precisava dele para me acarretar água, deitar comida às galinhas e tomar conta do Luís, quando ele vem para cá. Só que ele demora horas! E quando não vai ao Outeiro Grande é só brincar com a ovelha… E não sei se meu pai sabe, - (parando e dirigindo-se convicta pata o pai) - o pior são as queixas que têm vindo fazer dele: a Júlia Beliza já me veio dizer que qualquer dia vem falar com pai porque ele lhe deita as paredes abaixo e ainda o pior é que a Elisa Garcia já foi fazer queixa a avó porque ele entrou na quinta dela para apanhar maçãs. E olhe que já o vi chegar a casa com maçãs nas algibeiras das calças e nas mangas da froca… E o atrevido não me diz onde as apanhou. Eu bem aperto com ele e o belisco… Mas ele… Nada.

O pai ouviu-a, atentamente, calando-se por alguns segundos. Por fim, sentando-se à mesa, concluiu:

- Também há pessoas que se queixam por tudo e por nada… Tenho que o repreender, mas não vai ser hoje. Preciso é que ele vá comigo a Ponta Delgada, esta tarde.

- O quê!?O A Ponta Delgada?! - E arrumando a vassoura, num canto da cozinha, prosseguiu - Meu pai não está bom do juízo! Vai para Ponta Delgada a estas horas? Com o Álvaro?

Entram o Justino e o Alípio, irmãos mais velhos. Vêm cansados, trazem foices aos ombros. O Alípio foi o primeiro a anunciar, em tom triunfante:

- Pai, a Cabaceira ficou pronta, os feitos estão todos cortados.

- E também ceifaram a cana roca da belga do lado do Caminho Velho como vos mandei?

Foi a vez do Justino

- Também ficou toda cortada. Ficou tudo pronto como pai mandou. E ainda cortámos umas faeiras que estavam lá muito bastas, por entre os inhames… p’ra lenha.

- E separaram a cana roca dos feitos? É que o outro dia, na Cancelinha, vocês misturaram tudo e depois foi o cabo dos trabalhos… Não viram o vosso irmão?

O Justino muito admirado:

- Ele ainda não chegou do Outeiro Grande, de levar as vacas do Luís?

- Claro que não chegou. – Esclareceu o Alípio em ar condenatório e de acusação, enquanto tirava um pedaço de queijo de um prato. - Estás a vê-lo? Ele vai e vem é a brincar. Agora tem a mania de levar uma aguilhada.

A irmã, batendo-lhe na mão, ordenava com desusada autoridade:

– Está quieto! Tens mais pressa do que os outros?

– Não mandas em mim! - O José Coutinho contou-me que o viu o outro dia: quando descia o Covão… O palerma vinha a fazer de conta que vem a tocar a Moirata e o Damasco, encangados, puxando um carro de incensos. Depois, de vez em quando parava e punha-se de cócoras, a fazer de conta que estava apertar ou alargar, os parafusos dos queicões. Parece um toleirão!

E o Justino, logo:

- Não parece, é. É mesmo tolo! Precisava era duns toitições  bem dados. Quando não vai ao Outeiro Grande é só brincar: é com a ovelha, é com vacas de madeira, é de baixo do estaleiro a fazer que está a lavrar…. Passa a vida a brincar e nós…

- E está sempre a fugir para ir brincar com os amigos à pesca da baleia, ao pai-velho e sei lá o quê… - Acrescentou a irmã. - O que sei é que nunca para em casa…

O pai bem tentava apaziguar tanta fúria e alienar-se de tantas condenaçõe

- Ele ainda é uma criança. É muito mais novo do que vocês.

- É muito novo mas já anda a fazer das suas… O Paulino já me disse que ele lhe abriu o portal da relva da Ladeira, para passar com a ovelha e depois pôs-se a andar e não o tapou.

- E o Delfim diz que ele lhe atira pedras às ovelhas. E elas têm crias…

- E demora uma manhã para ir levar as vacas e uma tarde para as ir buscar. E eu é que tenho que ir buscar a água à fonte, acarretar lenha e deitar comida às galinhas… Fazer tudo…

- Ele podia bem pegar numa foice e ir connosco… Podia ir ajudar-nos a ceifar feitos. Ou pelo menos ir atrás de nós fazendo as mancheias. A gente a ceifar e ele a fazer as mancheias era muito mais rápido.

- E podia andar mais depressa… Meia hora dá para ir e vir ao Outeiro Grande…

- E o primo Luís diz que ele sobe o Covão agarrado ao rabo das vacas e a bater-lhes desalmadamente.

- Elas andam que se fartam. Não há vacas na Fajã que subam o Covão tão depressa como as do primo Luís e foi ele que as pôs assim. E a Trigueira deu leite há bem pouco tempo.

E foi a Amélia a colmatar:

- Pai tem que por cobro nisto!... – Depois, dirigindo-se ao pai e aos irmãos - Venham para a mesa que o pão e o queijo já estão partidos. Não vale a pena esperar por ele. Quem não está não come.

           

 

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publicado por picodavigia2 às 22:12

A CANDEIA DA FRENTE

Quinta-feira, 13.11.14

“Candeia que vai adiante alumina duas vezes.”

Adágio muito conhecido, frequentemente utilizado na Fajã Grande, mas com a palavra alumina em vez de ilumina. Com ele pretendia-se incentivar a competência e a excelência em todas as atividades da vida

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publicado por picodavigia2 às 10:26

O MILAGRE DAS ROSAS

Quarta-feira, 12.11.14

D. Isabel de Aragão nasceu em Saragoça. Era filha de D. Pedro III, e de D. Constança de Navarra. Recebeu o nome de Isabel por desejo de sua mãe em recordação de sua tia Santa Isabel da Hungria, cujas virtudes viriam a servir-lhe de modelo e desde muito nova começou a mostrar gosto pela meditação, rezas e jejum, não a atraindo os divertimentos comuns das raparigas da sua idade. Isabel não gostava de música, passeios, nem jóias e enfeites, vestia-se sempre com simplicidade.

D. Isabel tornara-se conhecida em beleza, discrição e santidades. As suas virtudes levaram muitos príncipes a apresentarem-se a D. Pedro como pretendentes à mão da sua admirável filha. Os pais escolheram D. Dinis, herdeiro do trono de Portugal, que era também o mais dotado de qualidades. O casamento realizou-se na vila de Trancoso, no dia de S. João Baptista de 1282. Nos primeiros tempos de casada acompanhava o marido nas suas deslocações pelo país e com a sua bondade conquistou a simpatia do povo. Dava dotes a raparigas pobres e educava os filhos de cavaleiros sem fortuna. Tornou-se uma mulher de grande piedade conservando em sua vida a prática da oração e a meditação da Palavra de Deus. Buscou sempre a reconciliação e a paz entre as pessoas, as famílias e até entre nações. D. Isabel costumava dizer “Deus tornou-me rainha para me dar meios de fazer esmolas.” Sempre que saía do paço era seguida por pobres e andrajosos a quem sempre ajudava.

Após a morte de seu marido, entregou-se inteiramente às obras assistenciais que havia fundado, fez-se franciscana, após ter deposto a coroa real no santuário de São Tiago de Compostela e haver dado seus bens pessoais aos necessitados. Fixou residência em Coimbra, junto ao convento de Santa Clara, nos Paços de Santa Ana, de que faria doação ao convento. Mandou edificar o hospital de Coimbra junto à sua residência, o de Santarém e o de Leiria para receber enjeitados. D. Isabel faleceu a 4 de Julho de 1336, deixando em testamento largos legados a hospitais e conventos.

Viveu uma profunda caridade sendo sempre sensível às necessidades dos pobres e excluídos. Viveu o resto da vida em pobreza voluntária, dedicada aos exercícios de piedade e de mortificações. A quem lhe recomendava um pouco de moderação nas penitências quotidianas que se impunha, respondia: "Onde, se não na corte, são mais necessárias as mortificações? Aqui os perigos são maiores."O povo criou à sua volta uma lenda de santidade, atribuindo-lhe diversos milagres e a santa foi canonizada em 1625.

Foram atribuídos muitos milagres, como a cura da sua dama de companhia e de diversos leprosos. Diz-se também que fez com que uma pobre criança cega começasse a ver e que curou numa só noite os graves ferimentos de um criado. No entanto o mais conhecido é o milagre das rosas. Reza a lenda que, durante o cerco de Lisboa, D. Isabel estava a distribuir moedas de prata e pão para socorrer os pobres e necessitados da zona de Alvalade, quando o marido apareceu. O rei perguntou-lhe: “O que levais aí, Senhora?” Ao que ela, com receio de desgostar a D. Dinis, e, como que inspirada pelo céu respondeu: “Levo rosas, senhor...” E, abrindo o manto, perante o olhar atónito do rei, não se viram nem moedas nem pão, mas sim rosas encarnadas e frescas.

 

(Memórias do livro da 4ª classe)

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publicado por picodavigia2 às 13:28

LAPAS COM PÃO DE MILHO ESFARELADO

Terça-feira, 11.11.14

Na Fajã Grande, regra geral, competia às mulheres desenrascarem-se, em termos de refeições, não apenas no que à sua confeção dizia respeito mas também no arranjo e, por vezes, na própria invenção dos produtos que haviam de cozinhar, tarefa nada fácil, devido à escassez de meios. É que sendo elas a ter que as confecionar, era também a elas que competia arranjar os ingredientes, e estes, na maioria das casas, rareavam. Recorria-se à linguiça, aos torresmos e à carne de porco salgada que se ia esticando durante o ano, a uma galinha, a ovos, a peixe que lhe fosse oferecido ou tivessem salgado, ou até a pratos simples, como era o mangão, feito apenas com batata, cebola e banha de porco. No entanto, mulheres havia que tentavam alterar o cardápio sempre que podiam, pelo que recorriam à apanha das lapas. Munidas de um saco e um facão, pernas ao léu, esperavam pela descida da maré e lá iam, geralmente para os lados do Areal, onde os mirones, a espreitar uma nica de perna que fosse, por baixo duma saia que se levantava para evitar ser encharcada com a vinda de uma onda mais afoita. Sabendo o perigo que corriam ou podiam correr, geralmente, iam aos pares ou em grupo, limitando-se por regra à apanha das lapas mais longe das profundezas do mar do mar e que, geralmente, eram mansas e muito miudinhas.

Ao chegar a casa guisavam-nas de várias formas, sendo a mais sublime, as guisadas com pedacinhos de pão de milho.

O prato era simples de realizar e era excelente. Cobriam-se as lapas com água a ferver, a fim de que se lhes retirassem as cascas e alguma areia existente. De seguida picava-se cebola, salsa, tomate e alho, refogando tudo em banha de porco. Não era preciso juntar sal, pois dizia-se que as lapas já o traziam. De seguida juntam-se outros temperos e as lapas que, como eram miúdas, coziam rapidamente. Agita-se o tacho, não se devendo mexer com a colher. Esfarelava-se uma boa quantidade de miolo do pão de milho já velho e juntava-se, sendo que se houvesse pouco molho se poderia juntar um pouco de água e uma gota de vinagre. Misturava-se muito bem, a fim de que o pão se envolvesse e secasse o molho. Era delicioso!

 

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publicado por picodavigia2 às 17:21

O SARGENTO QUE FOI AO INFERNO

Domingo, 09.11.14

Havia numa terra um sargento, que era muito bom rapaz. Naquela terra também havia um rico mercador que se tomou seu amigo, arranjou-lhe a baixa e tomou-o para seu empregado. Como o mercador tinha filhas, o sargento apaixonou-se por uma delas. Mas o mercador era muito desconfiado e nunca deixava sair as filhas de casa, mas pela grande confiança em que tinha o rapaz, quando lhe pediu a filha em casamento, ele consentiu. Tudo corria muito bem. Até que dia foi representada uma peça muito linda no teatro, naquela terra e como as filhas desejassem vê-la, pediram ao sargento, que pedisse ao pai que as deixasse ir com ele. O mercador ficou carrancudo, mas deu licença, dizendo: – Deixo ir as minhas filhas com o senhor, mas com a condição, que quando der a última badalada da meia-noite devem estar todas em casa. Disseram todos que sim, e partiram. Quase perto da meia-noite, o rapaz disse para a sua noiva, que era bom retirarem-se para casa. Mais um bocadinho, mais um bocadinho; pede daqui, pede dali, o certo é que já tinha dado a meia-noite, eles ainda longe de casa. Assim que o rapaz bateu à porta, esta abriu-se logo e o mercador começou a bradar: – Foi assim que o senhor cumpriu as ordens que eu lhe dei? Pois trate já de arranjar as suas coisas que nem já esta noite me fica nesta casa. – Ó senhor, então só por isto! E quando estava já para casar com sua filha! O velho respondeu-lhe: – Só tem um meio de poder casar com minha filha, e voltar para minha casa. – Qual? – Vá ao Inferno, e traga-me três anéis que o Diabo tem no corpo, dois debaixo dos braços, e outro num olho. O rapaz achou aquilo impossível; mas que remédio teve senão pôr-se a caminho. Na primeira terra a que chegou, pregou um edital em que dizia: "Quem quiser alguma coisa para o Inferno, amanhã parte um mensageiro." Isto causou grande curiosidade, até que chegou aos ouvidos do rei, que mandou chamar o rapaz. Perguntou-lhe o rei: – Como é que você vai ao Inferno? – Real senhor, por ora ainda não sei; ando em procura dele, e irei lá, dê por onde der. – Pois bem, disse o rei, quando encontrares o Diabo, pergunta-lhe se ele sabe de um anel de muito valor que eu perdi, do que ainda tenho grande desgosto. Chegou o rapaz a outra terra e botou o mesmo anúncio. O rei também o mandou chamar: – Tenho uma filha que padece uma doença muito grande, e ninguém lhe acerta com o mal. Já que vais ao Inferno quero que saibas por lá onde é que estará a cura. O rapaz partiu sempre à procura do Inferno, e foi dar a uma encruzilhada em que estavam dois caminhos, um com pegadas de gente, e o outro com pegadas de ovelhas. Pensou, e por fim seguiu pelo caminho das pegadas de gente; ao meio dele encontrou um ermitão, de barbas brancas, que rezava em umas camândulas muito grandes, e lhe disse: – Ainda bem que tomaste por este caminho, porque esse outro é o que vai para o Inferno. – Ó, senhor! E eu há tanto tempo que ando à procura dele! O rapaz contou-lhe todo o acontecido; o ermitão teve compaixão dele, e disse: – Já que tens de ir ao Inferno, vai, mas sempre leva contigo estas contas, porque antes de lá chegar tens de passar um rio escuro, e há-de ser um pássaro que te há-de levar para o outro lado; e quando ele te quiser afundar no rio, joga-lhe as contas ao pescoço. Daqui em diante não sei mais o que te sucederá. Assim aconteceu. Chegado ao Inferno o rapaz teve um grande medo, e viu para ali um forno vazio e escondeu-se dentro dele. Quando estava todo agachado, passou uma velha muito velha e viu-o. – O menino aqui! Ora coitadinho, que é tão lindo; se o meu filho o visse matava-o, com certeza. O que veio cá fazer? O rapaz contou tudo à mãe do Diabo; a velha teve pena dele, e disse-lhe: – Olhe; pois deixe-se ficar aqui escondido, porque eu não sei quando o meu filho virá; ele está assistindo à morte do Padre Santo, que está nas agonias, e quer-lhe apanhar a alma. O rapaz pediu à velha se sabia do Diabo as perguntas de que trazia encomenda. Quando estavam nestas conversas chegou o Diabo bufando; a velha escondeu-o logo, e disse: – Anda cá, filho, para descansares; deita-te aqui no meu colo. O Diabo deitou-se e ficou logo a dormir. A velha foi muito devagarinho com as unhas e arrancou-lhe um anel que tinha debaixo do braço. O Diabo mexeu-se desesperado, gritando: – Isto o que é? – Ai, filho, fui eu que me deixei dormir, e dei uma pendedela em cima de ti. Estava a sonhar com aquele rei que perdeu o anel, e que nunca mais o tornou a achar. – Pois é verdade esse sonho, respondeu o Diabo; está debaixo de uma laje ao pé do repuxo do jardim. O Diabo tornou a ficar a dormir; a velha sorrateira arrancou-lhe o segundo anel. O Diabo tornou a acordar desesperado: _ Tem paciência, filho; tornei-me a deixar dormir e a sonhar com a filha daquele rei que nenhum médico sabe curar. – Também é verdade; a doença dela é o sapo-sapão, que está metido no enxergão. Tornou o Diabo a dormir. Para arrancar o anel do olho é que foram os trabalhos. A velha tirou-o com um espéculo, e o diabo com a dor e zangado com as pendedelas, saiu pela porta fora. O rapaz recebeu tudo da velha; voltou para o mundo e foi entregar as contas ao ermitão. Depois passou pela terra do rei que tinha perdido o anel, que lhe deu muito dinheiro quando o tornou a achar debaixo da laje. Depois passou pela corte do rei que tinha a filha doente, disse onde estava o sapo-sapão. A princesa melhorou logo, e o rei pediu-lhe para que dissesse a paga que queria. – Quero que Vossa Majestade me dê o seu poder por oito dias. O rei mandou deitar um pregão para ele governar oito dias; o rapaz partiu logo para a terra do sogro, e deu ordem logo que lá chegou para o mercador dentro em meia hora lhe vir falar à sua presença. O mercador foi, mas quando chegou era já mais de uma hora. O rapaz disse: – Podia-o mandar matar, por me ter desobedecido, em vir depois da meia hora. – Ó senhor, não me demorei por minha vontade. – Pois sim. Mas porque não soube em tempo desculpar aquele pobre sargento que pôs fora de sua casa? O mercador conheceu então o antigo noivo de sua filha, que tinha sempre chorado, confessou o seu erro, e pediu-lhe de joelhos muitos perdões. O rapaz entregou-lhe os anéis do Diabo, e nesse mesmo dia casou com a sua namorada, por quem tinha metido um pé no Inferno. (Adaptado de Teófilo Braga)

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publicado por picodavigia2 às 20:35


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