PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A TERRA DO SOL POENTE
Era uma vez uma terra, uma freguesia se quisermos ser mais precisos, que em tempos idos, apesar de pobre, todos os dias se enchia de Sol, de pessoas e de felicidade. Os seus moradores trabalhavam muito, sachavam, mondavam, cortavam, cavavam e lavravam os campos e tudo crescia, florescia, amadurecia e surgiam belas colheitas, pese embora, por vezes, ventos, tempestades e salmouras as tentassem destruir, pois aquela terra ficava perto do mar e era assolada, frequentemente, por fortes ventanias vindas do norte. Naquela terra, apesar de pobre, humilde e muito sacrificado, o povo vivia em paz, amor e felicidade. O Sol acordava todas as manhãs, surgindo, destemido, lá por detrás dos matos e só se ocultava à tardinha, quando amarelado e fulvo parecia que era engolido pelo horizonte. E os habitantes daquela terra, todos os dias, à tardinha, sentavam-se às portas das suas casas, postavam-se às janelas, acocoravam-se num descansadouro ou desciam até à beira-mar para ver o pôr-do-sol, na terra do Sol Poente.
Um dia, porém, começaram a chegar nuvens escuras àquela terra. Primeiro uma, depois duas e, finalmente, muitas e ainda mais e mais. E o Sol, que era a vida daquela terra, desapareceu, para nunca mais aparecer e, consequentemente, nunca mais se pôr. Nunca mais houve pôr-do-sol na terra do Sol Poente.
Aos poucos, a escuridão, o desalento e a tristeza invadiram aquela terra. Muitos habitantes partiram para terras distantes. Outros, os mais velhos, partiram para a eternidade.
É verdade que chegaram novos habitantes, mas não perceberam, não entenderam e, sobretudo, nunca foram capazes de compreender, sentir, apreciar e viver a beleza, a simplicidade e grandiosidade daquela terra, simplesmente porque nppunca viram o pôr-do-sol, naquela terra do Sol Poente.
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O TOUCINHO E O ESPETO
“ Deus dá o toucinho a quem não tem espeto.”
Este adágio, muito utlizado na Fajã Grande, parece ser, sem sombra de dúvida, uma espécie de tradução ou de adaptação de um outro muito conhecido e citado em todo o país; “Deus dá nozes a quem não tem dentes.”, com o qual se pretende demonstrar que a natureza, por vezes, é pródiga, porquanto protege, apoia ou enche de bens aqueles que não precisam e que deles não podem usufruir. Era também isso que se pretendia demonstrar, na Fajã Grande, ao referir o adágio do toucinho e do espeto. Na verdade, a muitas pessoas são proporcionados bens, condições de vida, talvez até dons e alegrias, de que não sabem usufruir e, consequentemente, desperdiçando-os. Esta adaptação daquele adágio, na Fajã Grande, prende.se, muito naturalmente com o facto do porco e, consequentemente o toucinho, como que fazer parte da alimentação quotidiana, revelando-se um alimento precioso. Sendo assim, é fácil compreender-se o seu sentido e a intenção com que era usado. Na realidade com ele queria significar-se que muitas vezes se desperdiçam as boas oportunidades que a vida nos proporciona. Há quem as não as aproveite, apesar de serem proporcionadas, enquanto outros as aproveitariam se elas lhe fossem disponibilizadas.
Curioso é o facto de se relacionar o espeto com o toucinho, talvez para o assar. Mas na Fajã Grande não se usava espeto para assar toucinho Este era simplesmente cozido ou frito sob a forma de torresmos. Por sua vez o espeto era usado para assar maçarocas, no forno ou num brasido, quando estas ainda restavam verdes, isto é quando vertiam leite.
É, pois, estranha esta referência feita ao espeto utilizado para assar o toucinho, porquanto na Fajã Grande não era costume assar-se o toucinho na brasa, muito menos enfiado num espeto. Na Fajã Grande o espeto era usado, quase exclusivamente, para assar maçarocas de milho, quando este ainda veria leite, isto é, quando ainda estava verde, enquanto o toucinho se comia cozido em sopa ou frito, sob a forma de torresmos. Isto significa que este adágio, muito provavelmente, terá sido importado ou trazido pelos primeiros povoadores, como aliás muitos outros.