PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
MÃE SENHORA
Mãe:
sobre o restolho do lodo apodrecido
esmagaste o estrondo das vielas desertas.
Mãe:
sobre o raiar duma aurora atordoada
semeaste o perfume dos trigais abandonados.
Mãe:
sobre o sufoco duma aventura cerceada
resgataste o brilho das ondas revoltadas.
E apenas tinhas,
ao teu lado,
uma titubeante brisa matinal.
Mãe:
Senhora!
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INDEPENDENTISMO
Sabe-se, hoje, que o lugar da Fajã Grande terá sido povoado logo após o segundo povoamento da ilha das Flores, pelo que nos finais do século XVI, já existiriam seres humanos no lugar onde hoje se situa aquela que é considerada a freguesia mais ocidental da Europa.
As razões que levaram alguns dos primeiros colonos a fixarem-se neste aprazível local ter-se-ão prendido, decerto, com o seu clima, com a riqueza do seu solo, com a abundância da água das suas ribeiras e com o fácil acesso ao mar. Na verdade Gaspar Frutuoso em Saudades da Terra, referindo-se ao lugar da Fajã Grande escreveu: “Dali a um quarto de légua está uma Fajã, chamada Grande, que dá pão e pastel, em terra rasa, com algumas engradas onde entram caravelas de até cinquenta moios de pão a tomar o pastel que nela se faz, onde também há marisco e pescado de toda a sorte, e no cabo dela está um areal, de meia légua de comprido, em que sempre, anda o mar muito bravo; e dali por diante, a outra meia légua, é tudo rocha talhada, onde se apanha muita urzela, e de muita penedia por baixo, em que se cria infinidade de marisco e grandes caranguejos e desta mesma maneira corre a rocha um tiro de bombarda até uma ponta, que sai ao mar um tiro de arcabuz, com um baixo de pedra, que tem lapas e búzios; e, logo adiante da ponta, se faz uma baía, onde com ventos levantes ancoram navios de toda a sorte e também naus da Índia. No meio deste ancoradouro cai da rocha no mar, a pique, uma grande ribeira.”
O povoado, embora, integrando a paróquia das Fajãs desde 1676 como um simples lugar, cresceu rapidamente, sobretudo porque cedo se transformou num verdadeiro centro de estranhas mas frequentes transações comerciais, chegando mesmo as caravelas da Índia a encontrar ali um desembarcadouro para refresco e víveres na seu regresso, já que esta era a primeira terra que encontravam ao demandar a Europa vindas da África e Ásia. Piratas e corsários também terão encontrado ali, um local, com uma população com que podiam estabelecer uma relação colaborativa, já que isolado do mundo o povoado da Fajã Grande não poderia obviamente defender-se, mas poderia beneficiar com a venda de comestíveis frescos e outros produtos.
Tudo isto fez com que a população da Fajã Grande, ao longo dos tempos, manifestasse interesse em firmar-se como freguesia independente. O primeiro sinal deste independentismo deu-se com a construção de uma pequena ermida dedicada a São José em 1757 e que permitia ao povo evitar deslocar-se à igreja da Fajãzinha, a fim de participar nos ofícios e celebrações religiosas, uma vez que a ermida, nesse mesmo ano, foi dotada de um capelão, em regime de exclusividade, o padre Francisco de Freitas Henrique, natural do mesmo lugar. Foi com muito esforço e sacrifício mas com uma enorme força de vontade que o povo conseguiu este empreendimento, pois conta-se que, ao regressar da missa, da Fajãzinha, calcorreando o atual Caminho da Missa, o povo aproveitava para carregar as pedras com que construiria a sua ermida.
Porém, os sinais mais claros deste espírito independentista surgiram, sobretudo na década de cinquenta do século XIX, altura em que é feito, formalmente, um pedido ao Governador da Junta Geral do Distrito, no sentido daquele lugar se tornar independente. Por essa altura surgem vários testemunhos em prol da criação da futura paróquia da Fajã Grande. O próprio chefe do distrito da Horta considera que criar ali uma freguesia será de grande serviço feito aquele povo.
A constituição da nova freguesia contou, também, com a colaboração do próprio pároco da paróquia da Senhora dos Remédios que se deslocou a Lisboa, a bordo do iate Santa Cruz, “para tractar duma pretenção com que andam há muitos anos os povos da Fajam Grande que desejam que se crie n’ella uma freguesia independente da Fajãazinha, a que estãi sujeitos.
Finalmente as pretensões dos fajãgrandenses foram satisfeitas em 4 de Abril de 1861, data em que foi autorizada, por decreto real, a desanexação das povoações da Fajã Grande, Ponta e Cuada, a fim de que passem a constituir uma freguesia independente. A ereção da nova paróquia foi formalizada por alvará, no mesmo ano, do Bispo de Angra, D. Frei Estevão de Jesus Maria.
Finalmente a Fajã Grande atingia o objetivo de há muito desejado – ser uma freguesia independente.