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A LIÇÃO DO SILÊNCIO

Terça-feira, 03.02.15

Início de mais um ano lectivo. Turma A. Cerca de trinta alunos irrequietos e barulhentos entram, de rompante, pela sala dentro e acomodam-se ao deus dará, arrastando mesas e carteiras, colocando a sala em polvorosa

Interrogo-me de como serei capaz amansar aquele irrequieto batalhão, de como poderei aquietar aquela chusma de rebeldes. Grito, não grito? Berro não berro? O barulho aumenta, assustadoramente, a cada momento e a confusão impera, sem limites. Há lutas por lugares, empurrões por querer ficar junto à janela, atropelos para ficar à frente e choramingas por não se conseguir o lugar almejado. Há um barulho terrível, gritos ensurdecedores. Penso melhor no que vou fazer, na forma ideal e perfeita de por cobro a tão aberrante agitação e cuido que só há uma forma de desfazer, com eficiência, o turbilhão que, à minha frente, se avoluma a cada momento.

Coloco-me em pé e em silêncio absoluto, de braços cruzados, no meio da sala, a olhar para eles com uma atenção desmesurada e um cuidado excessivo. Permaneço assim, somente a olhá-los com o rigor duma primorosa e condenatória observação.

Não demora muito, um deles, um dos mais calmos e atentos, olha para mim muito admirado e logo faz sinal a um colega. Toca-lhe no braço e, com um gesto de rosto, aponta para mim. Ele cala-se, sossega e senta-se. O colega a quem ele tocara no ombro segue o seu exemplo. São menos dois a fazer barulho. Pouco depois, o primeiro aluno, voltando a encarar comigo, resolve fazer o mesmo com um terceiro colega. O outro que já se aquietara imita-o. Já são quatro os que desembraveceram. Depois mais dois e outros dois. O barulho diminui lentamente e a confusão de decresce, aos poucos. Eu não desarmo. Permaneço igual, parado, de olhar atento, concentrada no que observo. Como pedras de dominó, que vão caindo à medida que umas tocam nas outras, eles também se vão tocando uns nos outros, calando e sossegando, sucessivamente. Metade da turma já tomou consciência da sua atitude incorreta. Corrigiu-se. Agora os que se apaziguaram avisam os outros. A estratégia é sempre a mesma: tocam-se, apontam, olham, tomam consciência do descalabro em que navegam e, por fim, calam-se, pacificam-se. Agora são apenas três que ainda se inquietam e fazem barulho. A maioria recrimina-os, avisa-os, incentiva-os a se acomodarem. Eles apercebem-se do que fazem. Finalmente, apenas, dois que, um pouco envergonhados, parecem não querer dar o braço a torcer. De seguida, pasmam, sem perceber muito bem o que se passa. Permaneço em silêncio, de braços cruzados, em pé no meio da sala, a olhar para eles. Eles, os dois retardatários, por fim, também resolvem aquietar-se. Agora há um silêncio absoluto e total na sala. Trinta alunos! Todos sentados à minha frente, silenciosos, atentos, a olhar para mim.

Eu, finalmente, quebro o silêncio:

- Bom dia!

Em uníssono, com dignidade e aprumo, embora em alta gritaria, respondem:

- Bom dia, senhor professor.

Senti, então, que esta tinha sido a minha primeira grande lição, a lição do silêncio.

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publicado por picodavigia2 às 10:06





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