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O PADRE, O CÃO E A CESTA COM A CHAVE DO SACRÁRIO

Domingo, 15.02.15

Tio Francisco Inácio era um dos homens mais respeitados e dignos de crédito da freguesia. Pai de dois sacerdotes e de mais de meia dezena de filhos, todos muito muito respeitadores e educados, era consultado em demandas, chamado a impedir desavenças, procurado em malogros e, além disso, sempre disposto a ajudar e a dar conselhos a quem mais precisava ou lhos pedia. Todos acreditavam nas suas sábias palavras, aceitavam os seus bons conselhos e tinham por ele uma imensurável consideração.

Certo dia Tio Francisco Inácio deslocou-se, sozinho a Santa Cruz. Partiu de madrugada, ainda noite escura que a caminhada era longa. Calcorreou o Caminho da Missa, atravessou a Fajãzinha, subiu a Rocha da Figueira e chegou aos Terreiros. Aí, rumou a norte, tomando o caminho que dava para Santa Cruz, atravessando os matos da ilha, de lés-a-lés. Em Santa Cruz, a tratar de assuntos aqui, uma ou compra acolá, conversa com algum conhecido à Praça e ter-se-á demorado mais do que estava previsto, abandonando a vila bastante tarde. Quando anoiteceu, mal tinha acabado de subir a ladeira da Ventosa, pelo que atravessou os matos da ilha, no regresso à Fajã, já pela noite dentro. A noite, porém, estava muito escura e os matos cobertos de um denso nevoeiro. Tio Francisco Inácio pouco via à sua frente, pelo que ainda mais atrasou a sua caminhada.

Ao chegar aos Terreiros já passava da meia-noite. No entanto, o nevoeiro era menos intenso, permitindo-lhe visionar com mais facilidade quer os obstáculos do caminho quer animais que pastavam na fresca alfombra daqueles descampados.

Foi precisamente nos Terreiros, antes da vereda que dava para a Caldeira e para o Mosteiro que tio Francisco Inácio foi surpreendido por uma estranha visão: à sua frente, em passos lestos, atravessou-se um padre, acompanhado de um cão e este levava uma cesta na boca, dentro da qual estava uma chave. Aparentemente seria a chave do sacrário, pois estava presa com uma fita, na qual estavam gravados símbolos religiosos. Tio Francisco Inácio, inicialmente, cuidou que fosse o pároco da Fajãzinha, que tivesse sido chamado a meio da noite para sacramentar algum moribundo da Caldeira ou do Mosteiro e chamou por ele. O padre, porém, não lhe deu ouvidos e parecia que quanto mais Tio Francisco Inácio o chamava mais ele fugia. Ainda tentou numa corrida, alcança-lo, mas nada conseguiu. O padre andava muito lesto e sumira-se por entre o nevoeiro, no negrume da noite, deixando tio Francisco Inácio atónito e num grande sufoco. Mais se espantou ainda quando, ao chegar à Fajãzinha, soube que o pároco dormia descansadamente na sua cama e não fora chamado para administrar os Sacramentos da Santa Madre Igreja a nenhum moribundo. Caindo em si, percebeu que aquilo só poderia ter sido uma visão. Uma alma do outro mundo que lhe aparecera. Na verdade, sabia-se que um padre que há muitos anos paroquiara na Fajãzinha deslocava-se, com muita frequência, ao Mosteiro, que nessa altura ainda não era paróquia, sempre acompanhado do seu cão. Tio Francisco Inácio vira alguém que morrera há muitos anos. Como era um homem muito sério, ninguém duvidou das suas palavras. A partir de então, muitas pessoas da freguesia tinham um medo enorme de passar naquele lugar, onde tinha aparecido o padre e o cão com a cesta na boca, contendo a chave do sacrário

Segundo a hipótese mais provável e a ser verdadeira a visão de Tio Francisco Inácio, tratar-se ia do padre Alexandre Pimentel de Mesquita, natural de Santa Cruz e que em 1750 já era cura na Fajãzinha, sendo, mais tarde, vice vigário da mesma paróquia, cargo que manteve até falecer em 11 de Março de 1786.

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publicado por picodavigia2 às 00:19





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