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PAISAGEM

Terça-feira, 31.03.15

Aqui perto, as vinhas,

Plantadas entre leivas de lava negra

À espera da poda,

A expelirem um estranho sabor a enxofre…

 

Mais além, os casebres,

Muitos deles, desertos, quiçá abandonados

Mas todos intrépidos,

Encastoados na encosta acolhedora da montanha

 

Por fim, o oceano

Mar imenso, infinito, eterno e buliçoso,

Onde descubro

O vai e vem das marés

- O único e estranho ruído desta ilha do silêncio.

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publicado por picodavigia2 às 14:51

PIRATARIA NA ILHA DAS FLORES (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)

Segunda-feira, 30.03.15

“Meu avô contava que quando ele era rapaz os habitantes desta freguesia e de toda a ilha das Flores viviam constantemente atormentados com medo que fossem atacados por piratas que os roubassem, violassem as mulheres e as filhas e, por fim, os matassem. Ele contava muitas aventuras, entre elas a de um tal capitão Rafael Semes que comandava um navio de piratas chamado Alabama que caçou dezenas de navios da marinha mercante americana, assaltando-os, roubando-os, matando os seus tripulantes e, por fim, afundando-os. Só num mês aquele maldito capturou e incendiou, ao largo das Flores, a escuna Starlaitt, que viajava da Horta para Boston, e ainda várias baleeiras algumas delas que já haviam ancorado na ilha para aguadas e embarcar muitos emigrantes clandestinos, que tentavam a sua sorte na América. Também contava estórias de uma grande batalha que tinha acontecido quase cem anos antes de ele nascer. Nesses recuados tempos, certo dia, a esquadra de um tal lord Tomas, que se encontrava ancorada e escondida na baía da Ribeira da Cruz, ao avistar uns barcos que vinham de oeste lançou-se, precipitadamente, contra eles julgando que eram espanhóis. Nesse tempo Portugal era governado pelos Filipes, reis de Espanha e quem odiava a Espanha odiava Portugal. Porém, em vez de encontrarem navios mercantes, mal armados, os ingleses depararam-se com a frota de defesa das ilhas, constituída por 40 navios de guerra, comandados por D. Alonso de Bázan, que lhes vinham dar caça. A armada inglesa era bem mais pequena, pelo que foi duramente atacada e destruída pelo fogo inimigo, sendo obrigada a fugir como pôde. Mas houve um navio que não conseguiu fugir juntamente com os outros tendo-se demorado em zarpar de Santa Cruz, e acabou por ser capturado pelos espanhóis. Esse combate foi terrível. Foi uma dura batalha que ficou conhecida pela Batalha das Flores Mas meu avô também contava que, por vezes, os piratas até eram amigos e ajudavam a população. Ocasiões houve em que, tanto os piratas como as pessoas da ilha souberam, por interesse comum, cultivar uma convivência amiga e boa camaradagem. O melhor exemplo disso foi o de um tal pirata chamado Pedro Eston, talvez o mais bem sucedido pirata do seu tempo, que chegou a comandar 40 navios com alguns milhares de homens ao seu serviço, o que fazia dele o corsário mais temido no Atlântico Norte, e que angariou uma fortuna pessoal avaliada em dois milhões de libras. Este pirata visitava com muita frequência a ilha das Flores na procura de carne, água e lenha. Pelos vistos chegou a estar de casamento marcado com uma filha do capitão-mor das Flores. Duplamente incomodado com os prejuízos causados pelos navios deste pirata e ainda com a cumplicidade entre florentinos e corsários, Filipe III de Espanha e II de Portugal mandou-o prender. Mas ele era esperto e poderoso e o rei nunca lhe pôs as mãos em cima. Quem foi preso nas Flores, acusado de compactuar por interesses pessoais com os piratas foi o ouvidor e também capitão-mor da ilha, Tomé de Fraga. “

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publicado por picodavigia2 às 08:55

RESPEITO

Domingo, 29.03.15

Eram colegas de profissão e trabalhavam na mesma empresa. Ele mais velho, mais experiente, mais conhecedor. Chamava-se Jerónimo, ia fazer quarenta anos e era um homem vivido, sabedor e comunicativo. Apesar de abalroado por uma ténue calvície, encastoado num corpo franzino, acachapado e pouco desenvolto, revelava uma inebriante simpatia, olhos claros, rosto sereno embora um pouco cerdoso, intercalado com bátegas de um débil e, por vezes, inseguro sorriso. Era um homem de vontade segura, decidido nas suas atitudes. Umas vezes um pouco tímido, outras, excessivamente meticuloso. A impressão geral que dele se tinha era a de que, quando se solicitavam os seus préstimos, desdobrava-se em atenções excessivas, em cuidados demasiados, em preocupações prementes. Ajudava os mais fracos, aconselhava os mais novos, tentava alegrar os mais tristes. Ela mais nova, sem experiência, embora muito inteligente e estudiosa. Havia terminada a licenciatura e fora colocada, como estagiara, na empresa onde ele trabalhava. Foi decidido que havia de ser ele a orientar-lhe o estágio. Natália, para além de simpática e atraente, era uma jovem inebriantemente bela, elegante e delicada. Aplicava-se ao trabalho com afinco, empenhava-se no exercício da sua atividade com dedicação revelando uma enorme vontade de aprender, de singrar com êxito, profissionalmente.

Quando a viu pela primeira vez Jerónimo dos Santos já sabia que iria ser sua estagiária. Não apenas se deslumbrou como também se ufanou-se, em demasia. Não se importava nada de ser o responsável pelo estágio de quem quer que fosse. Conhecia, em profundidade os meandros da sua profissão, tinha um acervo de experiência e de conhecimentos muito grande e gostava de os partilhar. Era considerado como um dos melhores e mais competentes trabalhadores da empresa. Além disso, orientar estágio enriquecia-lhe o currículo e aumentava-lhe o ordenado no fim do mês. Mas ter como estagiária uma jovem bela, terna e meiga como Natália era um orgulho. Fascinava-o ainda mais. Era bem mais agradável trabalhar ao lado duma mulher jovem, bela e bonita. Havia de privar com ela dia a dia, trabalhar a seu lado, partilhar dificuldades, problemas laborais, envolver-se em tarefas similares. Havia de estar com ela em cada momento, não apenas nas horas de trabalho e nas reuniões mas também nos momentos de descanso, nas pausas para o almoço e para o lanche. Haviam de tornar-se grandes e verdadeiros amigos.

Feitas as apresentações, traçadas as metas pretendidas, elaborados os horários de trabalho e as horas de acompanhamento, selecionadas as estratégias mais adequadas ao sucesso da nova estagiária e iniciado o trabalho, Jerónimo passou a considerar Natália não como uma estagiária e aprendiz mas como uma colega, uma profissional. Natália, que inicialmente encarara o estágio com algum medo e apreensão, respirou de alívio. Jerónimo facilitava-lhe ao máximo os trabalhos e estudos. Apoiava-a com carinho, orientava-a com ternura, acompanhava-a com amor, incentivando-a nos momentos de desânimo, ajudando-a reparar as falhas, valorizando os seus méritos, transformando os seus fracassos em vitórias. Natália sentia-se feliz, realizada. Em casa não cessava de proclamar e bem dizer as atitudes bondosas e os gestos de carinho do seu orientador. A mãe, apreensiva, bem a avisava. Que tivesse cuidado! Um homem mais velho, com atitudes tão carinhosas, íntimas talvez, podia muito bem ser lobo com pele de cordeiro. Que se cuidasse! Que se afastasse. Ela que não. Ele era tão bom, tão delicado, tão terno e tão meigo e, sobretudo, tão respeitador, sem nunca tomar uma atitude de que pudesse suspeitar. Não poderia nunca duvidar das suas atitudes, do seu carinho, da sua bondade. Queria-lhe como um pai!

Na empresa, Jerónimo e Natália envolviam-se cada vez mais. Nos corredores, já se comentava, à boca baixa, os excessos de tão íntimo e profundo relacionamento. Jerónimo, ao tomar conhecimento, através duma colega que jurava que apenas lhe queria evitar problemas, ficou mais atento, mas não se desviou dos seus habituais procedimentos. Era a sua forma de ser e nada havia feito que o denunciasse. Nenhuma atitude o comprometia. É verdade que se afeiçoara muito à garota, que lhe queria muito e até, no seu íntimo, desejava-a com mulher. Bela, atraente e meiga atraía-o em cada hora e em cada momento. Quando distante, o fantasma da sua imagem perseguia-o, persistentemente. Mas na presença dela, quando a tinha a seu lado, nos momentos e nas horas de trabalho, apesar de quase perder a respiração, evitava toda e qualquer atitude que o denunciasse. Ajudava-a, apoiava-a, fazia tudo por ela mas sem nunca se comprometer. Natália nunca percebeu que, encoberta entre toda aquele carinho, dedicação e ajuda, havia um grande amor, uma enorme paixão. Continuava, simplesmente, a sentir por ele um grande carinho, uma nobre estima e um sentido agradecimento. Apreciava-o como profissional e sobretudo como homem, sem no entanto o amar de verdade. Jerónimo sabia-o e isso doía-lhe. Encapuzava-se com o manto de um terrível dissabor, refugiando-se numa espécie de fortaleza de silêncio indestrutível, que, emocionalmente, os separava. No seu íntimo contorcia-se de dor, por vezes de raiva, como um condenado. Fazia tudo por ela, desfazia-se em cuidados e preocupações. E a resposta? Apenas estima, consideração, respeito e amizade. Sim! Ela tinha, por ele uma grande amizade e um profundo respeito. Disso não duvidada. O que o trucidava e, por vezes, quase aniquilava era a certeza de que a sua enorme paixão não era nem nunca seria correspondida. Alçapremado num sonho delirante e ousado, caía, vezes sem conta, como um pássaro atingido por um tiro de espingarda. Ela desbaratava-o com uma ligeireza de quem se não impressiona perante nenhuma forma de inocência. Descartava-o sem pejo. Talvez ignorasse ou nem sequer percebesse quanto ele a amava. Para cúmulo, não se coibia de, na sua presença, proclamar um rosário de loas, uma litania de laudes e referências contínuas ao seu namorado.

Mas a matilha dos delatores aumentava, intensificava-se, ganindo com mais insistência. Chegou ao pondo de um pequeno grupo, mais íntimo, não se conter. Mesmo na presença dela disparou. Atirou-lhe de chofre o anátema de assédio. Aquilo não era só profissionalismo. Havia pormenores, atitudes, procedimentos que o denunciavam. Ele descartou-se com a destreza do costume. Ela emudeceu. Não tivera coragem para lhe defender a honra, em público. Mas, no aconchego da intimidade, continuava a confiar nele, respeitá-lo como sempre. Nenhuma palavra, nenhuma atitude, nenhum gesto, jamais, o denunciara. Mas defendê-lo, em público, tornava-se arriscado, pese embora fosse um dever, uma obrigação de que se coibia. Que mais não fosse, havia coisa mais curial, prova mais clara do que continuar ao lado dele, a dar-lhe crédito, aceitação. Era a prova mais evidente de que acreditava na sua inocência.

Mas para Jerónimo o mais preocupante e dramático era o aproximar-se o fim do estágio. Uma esperança havia-o domado durante muitos meses. Agora porém esfumava-se. A empresa não aceitava estagiários. Para além do incerto, ficariam separados. Separados para sempre.

Foi um dia de grande mágoa aquele em que Natália partiu. Encerrava-se, num ápice, o supremo gozo de um ano de convivência, de companheirismo. Envolveram-no dissabores amargos, mágoas dolentes, silêncios profundos. Ela ficava-lhe eternamente agradecida. A promessa de nunca mais o esquecer conjugava-se com a incerteza de se voltarem a encontrar. Nada mais. Um agradecimento selado com um terno e meigo abraço. Do tamanho do mundo.

Na fumaça da separação, Jerónimo viu-a depois, apenas duas vezes. Uma a imiscuir-se entre rajadas de barbárie, outra na doce companhia da mãe. Tinha muito gosto em conhecê-lo e, sobretudo, em agradecer-lhe quanto tinha feito pela filha e, sobretudo, pelo respeito com que sempre a obsequiara.

- Respeito!? – Repetiu Jerónimo, em voz baixa.  E afastou-se, cabisbaixo.e

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publicado por picodavigia2 às 00:00

VIAGENS DA SATA DOS AÇORES PARA O CONTINENTE

Sábado, 28.03.15

O Grupo SATA confirmou que vai passar a assegurar em exclusivo as rotas com obrigações de serviço público que ligam os Açores ao continente português, revelando que haverá um aumento da “capacidade” da oferta em relação ao que acontece atualmente. Em comunicado, divulgado, aquele grupo aéreo açoriano, dono das companhias aéreas SATA Internacional e SATA Air Açores, revela que vai enviar ao Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC), em Lisboa, uma proposta para operar as rotas dos Açores que continuarão a ter obrigações de serviço público a partir de 29 de Março próximo que “responde ao que o Estado Português fixou” e que, “nalguns casos”, ultrapassa “o que está legalmente definido para o verão IATA”.

A proposta que vai seguir para o INAC “tem em atenção o histórico total de tráfego transportado pela SATA Internacional e a TAP em 2014″, explica o documento, depois de a TAP ter confirmado hoje que deixará de voar para as ilhas do Pico e Faial a partir de 29 de Março.

Uma terceira rota manterá obrigações de serviço público, a que liga Santa Maria ao continente, mas a TAP não voa há vários anos para esta ilha, sendo a SATA que transporta os passageiros da companhia aérea nacional.

Segundo o comunicado que divulgou hoje, a SATA “assegurará na rota de Santa Maria a duplicação da capacidade atualmente oferecida e, na rota do Pico, a manutenção da capacidade atual nos meses de Julho e Agosto e a duplicação da capacidade atualmente oferecida nos restantes dez meses do ano”.

Na rota de Lisboa para a Horta (Faial), “a capacidade operada durante todo o ano é superior, em 27%, à capacidade efetivamente utilizada em 2014″, revela a SATA, que diz que tem “disponibilidade pontual para responder a eventuais crescimentos de procura” neste caso.

Para além de novas regras de serviço público nestas três ligações, a 29 de Março passam a ficar liberalizadas duas rotas, as que unem as ilhas de São Miguel e Terceira ao continente. Nestes casos a SATA reduzirá a sua oferta atual em Ponta Delgada (São Miguel), para onde começarão a em Abril duas companhias de baixo custo estrangeiras, a EasyJet e a Ryanair, e onde a TAP vai aumentar voos, conforme divulgado pela própria companhia nacional portuguesa de bandeira no dia de hoje.

As ‘low cost’ não se mostraram, porém, interessadas na rota da Terceira, pelo que a SATA, disse Luís Parreirão, presidente do grupo açoriano, na altura, vai reforçar a sua operação neste caso.

Segundo a informação divulgada hoje, a SATA vai fazer onze ligações semanais entre Lisboa e Ponta Delgada de Abril a Outubro, que passam a 12 nos meses de Julho e Agosto.

No caso da Terceira, fará cinco ligações semanais de Abril a Outubro, que sobem para seis em Julho e Agosto.

As ligações da SATA ao Porto a partir de Ponta Delgada serão cinco por semana em Abril, Maio e Outubro, seis em Julho e Setembro e sete em Julho e Agosto.

A SATA voará ainda uma vez por semana entre a Terceira e o Porto durante o verão IATA.

A empresa acrescenta que “todas as ligações entre os Açores e o continente português serão efetuadas em regime de code share com a TAP”, como aliás esta companhia já tinha revelado em comunicado anterior.

 

NB – Dados retirados do site I love Açores.

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publicado por picodavigia2 às 09:04

LINGUIÇA COM INHAMES

Sexta-feira, 27.03.15

Uma das iguarias mais comum na maioria das casas da Fajã Grande, na década de cinquenta, sobretudo nos meses seguintes à matança do porco, era a saborosa e apetitosa linguiça, geralmente acompanhada com inhames, uns de água, das lagoas das Covas, da Figueira, da Alagoinha, das Águas e dos Paus Brancos, outros secos, das terras da Cabaceira, Delgado, Lameiro, Lombega, Moledo do Grosso e de tantas outras. Embora muito poupada, com um pedacinho repartido a cada um dos elementos do agregado familiar, por vezes muito numeroso, a linguiça era uma preciosidade. Como se aproveitava quase toda a carne do porco, em cada casa fazia-se muita longuiça. O processo de a fazer era fácil. Picava-se a carne, procedia-se ao seu tempero de forma semelhante à dos torresmos de vinha-d’alhos. Três dias depois, se fosse necessário, pica-se a carne ainda em bocados mais miúdos com que se enchiam as tripas delgadas que no dia da matança haviam sido muito bem lavadas. Depois de cheias com o auxílio das engorladeiras atavam-se, ambos os extremos com um fio, começando, primeiro, por amarrar um dos lados. Depois, apertando-se bem a fim de que a carne se adaptasse à tripa e se enchesse, ia-se espetando uma agulha para aquela perder o ar. Mas a agulha deveria ter enfiada e estar presa a uma linha, para que não deslizasse e, assim, se perdesse entre a carne, o que seria fatal. Terminada esta tarefa, amarrava-se a outra extremidade e penduram-se no fumeiro, enfiadas numa pau próprio, o pau das linguiças até ficarem bem curadas e louras. Só depois se cortavam aos pedaços e se colocavam nas talhas de barro de baixo de banha, extraída dos torresmos de toucinho do porco. Nos dias em que se coziam inhames, bastava ir à talha e tirar um ou dois toros e fritá-los na própria banha que lhes vinha agarrada. Estava o almoço pronto. E que delicioso que era, sendo normalmente reservado aos domingos ou dias de festa. Em casos de maior aperto e falta da dita cuja, comiam-se os inhames apenas encharcados na banha, onde se podia encontrar um ou outro vestígio da saborosa linguiça. Mas o sabor lá estava e o cheiro também. Às vezes quase se comia apenas ao cheiro da dita cuja.

A propósito do cheiro, contava-se que um homem se havia ido confessar por altura da desobriga. O confessor perguntou-lhe se havia comido linguiça durante as sextas-feiras da Quaresma. Como o homem respondesse afirmativamente, o padre mandou-o, como penitência, colocar uma moeda de escudo na caixa de esmolas da igreja. O homem prometeu cumprir a penitência imposta e foi absolvido. De seguida aproximou-se da caixa das esmolas, tirou do bolso uma moeda de escudo e começou a rodá-la junto à caixa onde devia ser colocada. Como demorasse algum tempo, o padre admirado com aquele gesto, perguntou-lhe:

- Então?! Por que não colocas a moeda dentro da caixa?

Ao que homem respondeu:

- Senhor Padre, eu apenas comi os inhames com o cheiro da linguiça. Por isso a caixa deve apenas cheirar a moeda.

   
aa

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publicado por picodavigia2 às 11:18

REGRAS PARA REEMBOLSO DAS VIAGENS AÉREAS

Quinta-feira, 26.03.15

O Decreto-Lei n.º41/2015 regula a atribuição de um subsídio social de mobilidade aos cidadãos beneficiários, no âmbito dos serviços aéreos entre o continente e a Região Autónoma dos Açores e entre esta e a Região Autónoma da Madeira.

São as seguintes as regras fundamentais para os residentes e estudantes portugueses.

Por residentes entende-se os cidadãos que tenham domicílio fiscal nos Açores e que residam há pelo menos seis meses nesta Região Autónoma. São considerados estudantes os cidadãos com idade igual ou inferior a 26 anos e que ou frequentem qualquer nível de ensino nos Açores e tenham última residência fora da região ou tenham última residência nos Açores e frequentem qualquer nível de ensino fora da região.

O valor máximo do bilhete de ida e volta após reembolso Açores-Continente é de 134 € para residentes e 99 € para estudantes. Nas viagens Açores-Madeira o valor é de 119 € para residentes e 89 € para estudantes. O custo elegível tem que respeitar lugares em classe económica, corresponde ao somatório das tarifas aéreas com as taxas, excluindo os produtos e os serviços de natureza opcional, nomeadamente bagagem de porão, quando esta tenha uma natureza opcional, excesso de bagagem, marcação de lugares, check-in, embarque prioritário, seguros de viagem, comissões bancárias, bem como outros encargos incorridos após o momento de aquisição do bilhete.

Condições de atribuição e pagamento:        

  1. Não é atribuído subsídio social de mobilidade sempre que o custo elegível seja de montante igual ou inferior ao valor máximo indicado anteriormente.
  2. O beneficiário deve requerer o respetivo reembolso aos balcões dos CTT depois de comprovadamente ter realizado a viagem.
  3. O reembolso é requerido presencialmente até 90 dias a contar da data da realização da viagem de regresso.
  4. O pagamento do subsídio social de mobilidade tem lugar no momento da apresentação do requerimento.

Documentos a apresentar     

  1. Cartões de embarque.
  2. Fatura comprovativa de compra do bilhete (devendo a mesma conter informação desagregada sobre as diversas componentes do custo elegível).
  3. Cartão de Cidadão (ou outro comprovativo da identidade, sendo que no caso dos residentes este comprovativo deve ser acompanhado do cartão de contribuinte, de forma a provar que o titular tem residência habitual e domicílio fiscal nos Açores).
  4. Os estudantes devem ainda apresentar um documento emitido e autenticado pelo estabelecimento de ensino, que comprove estarem devidamente matriculados no ano letivo em curso e a frequentar o curso ministrado pelo referido estabelecimento de ensino.

Segundo o jornal Açoriano Oriental o secretário de Estado Sérgio Monteiro sublinhou que com a publicação deste diploma hoje estão reunidas "todas as ferramentas" necessárias para a operacionalização do novo modelo de transporte aéreo para os Açores e para que a liberalização de algumas rotas seja "o sucesso" que todos esperam, levando a um "acréscimo da atividade económica" e garantindo, em simultâneo, "a proteção" dos residentes e estudantes do arquipélago.

 

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publicado por picodavigia2 às 17:29

POEMA AO “BENJAMIM”

Quinta-feira, 26.03.15

Pese embora as diligências feitas, pouco consegui apurar sobre ele, apenas que é natural das Capelas, tendo emigrado para os Estados Unidos. Como, nos contactos que tive com ele, durante o Encontro, se revelou uma pessoa de uma grande bondade, ostentando, permanentemente, um simpático e alegre sorriso e um franco companheirismo e, ainda, porque creio que foi o “benjamim” do Encontro, do qual, na verdade, foi mais um “Senhor”, dedico-lhe este poema de Manuel da Fonseca:

 

MENINO

 

“No colo da mãe,

A criança vai e vem,

Vem e vai.

Balança

Nos olhos do pai,

Nos olhos da mãe

Vem e vai,

Vai e vem

A esperança.

 

Ao sonhado

Futuro,

Sorri a mãe,

Sorri o pai.

Maravilhado.

O rosto puro

Da criança

Vai e vem

Vem e vai,

Balança.

 

De seio a seio

A criança

Em seu vogar

Ao meio

Do colo-berço

Balança.

 

Balança

Como o rimar

De um verso

De esperança.

 

Depois quando

Com o tempo

A criança

Vem crescendo

Vai a esperança

Minguando.

E ao acabar-se de vez

Fica a exacta medida

Da vida

De um português.

 

Criança

Portuguesa

Da esperança

Na vida

Faz certeza

Conseguida.

Só nossa vontade

Alcança,

Da esperança,

Humana realidade.

 

Manuel da Fonseca, in "Poemas para Adriano"

 

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publicado por picodavigia2 às 08:57

A COBRA

Quarta-feira, 25.03.15

Conta-se que numa certa aldeia de Portugal, uma rapariga foi beber água num ribeiro. Ao beber a água engoliu, sem se aperceber, uma cobra pequenina. A cobra permaneceu viva no estômago da rapariga e, à medida que foi crescendo, a barriga da rapariga ia aumentando.

O pai, ao notar que a barriga da filha aumentava, cuidou que ela estava grávida. Furioso decidiu levar a rapariga para um monte, onde a abandonou, a fim de que as feras a devorassem. Muito triste e assustada, cuidando que ia morrer, a rapariga rezou a Nossa Senhora, pedindo-lhe que a ajudasse e a livrasse da morte. A Virgem Maria ouviu as suas preces e apareceu-lhe, ordenando-lhe:

- Vai para casa e diz a teu pai que ponha uma caldeira com leite a ferver ao lume e que te debruce sobre o leite a ferver e o que tens dentro de ti, sairá.

A rapariga regressou a casa e o pai, acreditando nela, fez o que Nossa Senhora lhe tinha dito. Ao debruçar-se sobre o caldeirão com o leite a cobra saiu-lhe e saltou para dentro do leite.

Acrescenta a estória que o pai em agradecimento a Nossa Senhora mandou construir uma capela no local onde a Virgem apareceu à menina.

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publicado por picodavigia2 às 09:22

VIL INDIFERENÇA

Terça-feira, 24.03.15

Ricardo amava Aurora desde de criança. Sem ser uma paixão profunda, uma desmedida loucura, sentia por ela um encanto maravilhoso, uma admiração deslumbrante, um amor sublime. Conheciam-se desde a escola primária. Cresceram, aprenderam, estudaram lado a lado. Ele a admirá-la, a contemplá-la, a amá-la num silêncio magoado. A conter-se, a fechar-se, a esconder os sentimentos. Enfiado no casulo da sua timidez, perseguia-a, seguia-lhe os passos, auscultava-lhe os desejos, antevia-lhe os sentimentos. Ela forte, destemida, alvoroçada, espraiando-se em cometimentos fúteis, adivinhava-lhe os sentimentos, retribuindo-lha com uma vil indiferença. A conviver com todos, sem, no entanto, se entregar a nenhum. Isso, para além de o intrigar, obrigava-o a fechar-se ainda mais, a ocultar-se em sombras mistificadas, a perder-se em desertos de silêncio. Por vezes aparentava querer fugir dela. Por outras simulava afastar-se. Mas não. Queria sim, estar com ela, envolver-se nas suas vivências, partilhar os mesmos espaços, respirar o mesmo ar, talvez moldar-lhe os sentimentos. Ela não percebia, ou melhor, fingia não perceber. Talvez até o julgasse um crápula, um perverso que, simplesmente, pretendia assediá-la. Por isso, em resposta, parecia desfazer-se em desinteresse contínuo, em desatenção permanente. Por vezes rondava a indiferença. Uma verdadeira e vil indiferença. Perdida, entre divertimentos e brincadeiras parecia olvidar os tempos de outrora, marginalizando-o, retirando-lhe, em absoluto, a vontade de querer estar a seu lado, o direito de se aproximar dela, de se tornar companheiro, de se integrar no seu quotidiano. Para Aurora, Ricardo tornara-se uma espécie de ténue brisa, desfeita pela ousadia com que, persistentemente, pretendia toldar-lhe os passos, envolvê-la em cometimentos ousados, depravados. Havia de encaminhá-lo a esquecer os primórdios do seu relacionamento. E foi assim que novos amigos vieram abalroar-lhe o destino. Os seus padrões sentimentais e afetivos alcandoravam-na a um patamar muito alto. As suas atitudes acediam a um mundo de sonhos, de deslumbramento. O seu instinto parecia segredar-lhe que jamais voltaria a sentir o que ele cuidava que ela havia sentido. Ele, cada vez acabrunhado, mais derreado, mais abalroado pelo seu afastamento, mais aniquilado pelo seu aparente desprezo, pela sua enigmática frieza.

Foram meses e anos a construir esta espécie de indiferença simulada. Ele a tentar, a querer impor-se, a desejá-la. Ela a fugir, a afastá-lo a outorgar-lhe, com recompensa, indiferença. Simplesmente indiferença. Por vezes, o empenho dela em desmoronar-lhe os sonhos era tal que o ambiente que os rodeava se tornava quase insustentável. Outras atingia limite.

Aurora era uma mulher forte, afoita e corajosa. Sem ser bonita era bela, sem ser elegante era atraente, sem ser deslumbrante era corajosa. Era enfática, lutadora, sacrificada. Enigmática e, por vezes, contraditória. Caminhava na dúvida mas cheia de certezas. Chorava de alegria e sorria com a tristeza. Acreditava quando ninguém mais acreditava, sonhava quando mais ninguém sonhava, esquecia quando alguém a lembrava. Módica em palavras extravasava de emoções. Escondia-se na sombra dos sentimentos e manifestava-se no encobrimento das atitudes. Parecia assenhorear-se de um suave e enigmático deslumbramento. Vivia com empenho desmesurado e dignidade excessiva, apesar dos dissabores, das desilusões, das traições e das deceções que a rodeavam. Era uma mulher de sonho.

Caminharam, lado a lado, meses e anos pontuados de encontros vácuos, inócuos sem qualquer envolvimento físico. Muitas vezes sem uma palavra, sem um gesto, sem uma atitude. Depois, um afastamento inusitado durante o qual, ela, sem se dar conta, foi esquecendo o que percebera e o que sabia que Ricardo sentia por ela, enquanto ele no deserto da ausência sonhava com aquele corpo forte, túmido, deslumbrante e, terrivelmente atraente. Ele cada vez mais preso ao capricho duma paixão irreal, ela reduzindo-o a um simples, banal e desinteressado amigo.

O tempo passou deixando-lhes marcas indeléveis. Nela aumentando o deserto do esquecimento, da indiferença, nele diminuindo o fulgor da paixão, do amor. Às vezes Aurora tinha dúvidas. Do que significou para si tanta indiferença e os estilhaços caídos sobre Ricardo. Depois recuava e tentava ressarcir-se. Umas vezes tarde de mais, outras, sem ele saber. Um dia quis o destino que se reencontrassem. Foi na festa do Patrocínio. As ruas cheias, a igreja a abarrotar. Depois a procissão, a filarmónica, o arraial e o jantar de encerramento para o qual ambos foram convidados. Nenhum sabia da presença do outro. Estavam sós. Parecia que ao redor, ninguém os conhecia. Sentaram-se juntos â mesa. Um em frente do outro. Conversaram, falaram, mandaram às urtigas bloqueamentos, desertos e indiferenças. Só então Aurora se apercebeu de que, em tempos idos desperdiçara a excelência da paixão que emanava dele. Agora, olhava-o enternecida. Afinal, no fim de um longo percurso partilhado mas desértico, tinha começado a sentir que, verdadeiramente, o devia ter amado desde sempre. Desde os primórdios. Como ele a amava. Enfim! Chegara, na verdade, a hora, de perceber quanto ele a amava, quanto a queria, quanto a desejava. Ele empertigado na excelência dum sonho que afinal parecia tornar-se real. Foi uma pausa longa na indiferença. Um pacto de trevas no esquecimento E se nem a amizade, no passado, parecia uni-los, ela agora navegava no deslumbramento duma paixão comum, recíproca.

Mas, inacreditavelmente, sem que o esperassem e muito menos desejassem, uma densa e escura cortina de fumo desdobrou-se sobre o jantar da festa do Patrocínio, separando-os para sempre, tornando ainda mais terrivelmente assustadora, quiçá definitiva, aquela vil indiferença com que ela, desde sempre, excetuando aquela noite, o obsequiara.

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publicado por picodavigia2 às 00:03

DELÍRIO

Segunda-feira, 23.03.15

O mar,

quando emaranhado de bravura

traz-me

uma onda de tumulto,

uma safra de revolta .

 

É o grito das marés

a despejarem-se,

inconscientes

sobre um cais de lava apodrecida.

 

O bramir das ondas

é eterno!

Sobre ele construirei

uma cabana coberta de choupos

onde as gaivotas

se esconderão nas noites de invernia.

 

Depois, irei permanecer

silencioso,

à espera que renasça

a mais sublime e delirante brisa matinal.

 

- Por favor, deixem-me permanecer neste delírio.

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publicado por picodavigia2 às 21:26

MALDITA CREATININA

Segunda-feira, 23.03.15

A creatinina existe no sangue e é um produto do metabolismo muscular, ou seja do conjunto de transformações e reações químicas dos músculos, através das quais se realizam os processos de síntese e degradação das células. Filtrada do sangue pelos rins e expelida pela urina, as alterações resultantes da sua concentração no sangue são indicadores do estado de saúde ou doença dos rins. Quando a função renal diminui, menos creatinina é expulsa e sua concentração sanguínea aumenta.

Os rins normais filtram cerca de 200 litros de sangue, produzindo aproximadamente dois litros de urina. Quando a função renal diminui devido a lesão ou doença do rim, a taxa de filtração glomerular diminui e os resíduos tóxicos acumulam-se no sangue. Esta insuficiência renal pode tornar-se progressiva e ocorrer em muitas situações de doenças, como a hipertensão. Foi o que me aconteceu. Felizmente a deteção desta minha disfunção renal foi atempada, permitindo uma intervenção terapêutica que me tem impedido de, aparentemente, aumentar as lesões dos meus rins que já perderam cerca 30% da sua função. Mas tudo isto estava estável graças à medicamentação proposta.

As últimas análises vieram trazer-me alguma preocupação, uma vez que referem níveis mais altos da dita cuja. Os valores de referência estão na faixa 0,66 - 1,25 mg/dL. As análises hoje recebidas indicam-me 1,53 mg/dL Mas cuida-se que mais importante que níveis absolutos de creatinina é a evolução dos níveis sorológicos de creatinina ao longo do tempo. Assim um nível crescente poderá indicar dano renal, enquanto um nível decrescente poderá ser indicador da melhoria das funções dos rins.

Nas análises feitas, desde de 1995, os resultados foram os seguintes: 1995 – 1,57 e 1,57; 1996 – 1,48; 1997 – 1,42 e 1,49; 1998 – 1,55; 2000 – 1,41; 2001 – 1,49 e 1,40; 2002 – 1,40 e 1,58; 2003 – 1,67; 2004 – 1,45; 2005 – 1,31 e 1,45; 2006 – 1,35; 2007 – 1,77 e 1,31; 2008 – 1,63 e 1,73; 2009 – 1,56 e 1,49; 2010 – 1,31 e 1,46; 2011 – 1,50 e 1,46; 2012 – 1,66 e 1,62; 2013 – 1,63 – 1,38; 2014 – 1,26 e 1,35; 2015 -1,53.

Maldita creatinina que não me larga ou não baixa aos 1,25!

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publicado por picodavigia2 às 17:20

ACIDENTE NO CANTINHO

Segunda-feira, 23.03.15

No dia 20 de março do ano de 1891 deu-se mais uma trágica morte no mar da Fajã Grande, segundo se pode concluir de dados contidos no livro de registo de óbitos referentes àquele ano. O estranho acidente terá acontecido durante a noite do dia 19 para o dia 20, uma vez que o corpo foi encontrado às 6 horas da manhã, a boiar no mar, no lugar do Cantinho, ou seja no, atualmente, chamado Porto Novo. O cadáver foi identificado como sendo António Joaquim da Silveira, de 32 anos, sem profissão, solteiro, filho natural ou ilegítimo de Maria Emília da Glória. Era neto materno de José António Lourenço da Silveira e de Mariana Claudina da Silveira e nascera a 12 de abril de 1859, tendo sido batizado na igreja paroquial de Nossa Senhora dos Remédios da Fajãzinha a dezassete do mesmo mês, uma vez que nessa data a Fajã Grande ainda não fosse paróquia, embora tivesse uma pequena ermida e um cura pelo cura, o padre António José de Freitas que realizou o batismo. Recorde-se que o padre António José de Freitas nasceu na Fajã Grande em 14 de Agosto de 1808. Era filho do alferes Inácio José de Freitas e de sua mulher Maria de Jesus Ter-se-á ordenado presbítero em 1841, ou alguns anos antes, uma vez que nesse ano já era reitor na Lomba, Em 1848 transitou para a Fajã Grande, como capelão da ermida ali existente, funcionando como uma espécie de curato, pertencente à paróquia das Fajãs, com sede na Fajãzinha, tendo como igreja paroquial, a igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Colocado na sua terra natal, ali permaneceu até 1851. Nessa altura foi transferido para o Mosteiro, regressando à Fajã Grande, tornando-se, em 1861, o primeiro pároco da nova freguesia, onde veio a falecer, a 8 de Março de 1881, com 73 anos.

Filho de pai incógnito, sem profissão e o acidente ocorreu durante a noite do dia da festa do padroeiro da ermida da Fajã Grande, São José. Tratam-se de indícios que poderão permitir que o rapaz, eventualmente, de costumes pouco abonatórios, se possa ter excedido, talvez com bebida ou então poder-se-á ter tratado de um suicídio. O registo, no entanto, nada permite concluir.

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publicado por picodavigia2 às 09:52

ENCONTROS

Domingo, 22.03.15

Foi num julho sem aulas e sem sol. Os placards enchiam-se de cartazes, anúncios e avisos. Punham a escola viva, fresca, desassossegada. Em polvorosa. Professores empurravam-se e acotovelavam-se na tentativa de descobrir e decifrar as tarefas que, por decisão irrefutável do Conselho Diretivo, lhes tinham sido atribuídas e lhes haviam de preencher os dias enquanto aguardavam o almejado agosto, recheado de férias, de descanso e de dias amarelados. Era segunda-feira. Ele aguardava sereno, despreocupado, atrás dos últimos. Aceitava com desfastio qualquer lengalenga trivial que lhe traçasse o destino. Um abalroamento desinteressante a que já se habituara, em anos anteriores. Ela, entre os primeiros da frente, aflita, nervosa, preocupada em saber não apenas o que lhe caberia em sorte mas também os parceiros de tão fúteis tarefas. Perfilava-se na emergência de um dececionante desencantamento. Uma preocupação exageradamente desmedida, desajustada, ingénua e vácua. Não lhe apetecia rigorosamente nada ser emaranhada nalguns daqueles aberrantes e inúteis dinamismos. Muito menos partilhar efémeras e simuladas jactâncias pedagógicas, aliar-se a bajuladores, misturar-se com fiéis servidores, enfim, perder tempo ou imiscuir-se em futilidades. Infelizmente, não se podia excluir daquela lírica empreitada. Os nomes passavam, as tarefas atulhavam-na, as folhas esgotavam-se. No último canto da grelha - Álvaro Belchior, Solange Franco e Sofia Pinto:

- Sortuda! Ficas sozinha com o Belchior! A Solange Franco pisgou-se. Forjou uma escapadela… Vai para uma formação…

Durante os dois anos que ali tinham estado juntos, pouco haviam convivido. Horários trocados. Ela sempre expedita e apressada, pouco conversadora e pouco dada a funçanatas. Ele experiente, desinquietado, por vezes, tímido. Mas cedo dera por tão cativante presença, a que, estranhamente, nunca se aliara. Há muito que a via, que a admirava que sonhava com uma oportunidade de estar com ela, de sublimar a sua presença. Agora, inesperadamente, unia-os o destino. Juntava-os a ocasionalidade. Era justamente a altura de se ressarcir do deserto criado, de lhe dizer tudo o que de há muito sentia e que ela, por certo, não imaginava.

Agendaram, frugalmente, o horário da manhã seguinte. Ele regressou a casa incapaz de a tirar do pensamento. Tivera sorte. Aguardava, com ansiedade, as vivências, os trabalhos dos dias seguintes. Apetecia-lhe perpetuá-los por todo o verão.

- Às dez! – Repetira ela, com um doce sorriso e uma profunda convicção. – Às dez! Não te esqueças.

E ficou-lhe, na ideia, um ténue presságio de que ela também estava feliz por saber que o seu nome tivesse ficado no canto daquela página, ao lado do dele e sem a Solange.

Para além de simpática e atraente era muito bonita. De pele morena, cabelos sedosos e olhos acastanhados, impunha-se sobretudo, pela sua singularidade, pela sua ternura, pela sua sensibilidade. Ao seu lado, como que tímida e desencorajada, ainda o impressionava mais. Os buraquinhos cravados em ambas as faces quando esboçava um sorriso e a inocência do seu olhar davam-lhe um ar de criança grande. Os seios, finamente cobertos por uma leve blusa, pareciam outeiros de virgindade. O corpo, macio, fino, acetinado aureolava-se duma dignidade vertiginosa. Toda ela consubstanciava uma pureza invulgar e inaudita.

Imiscuíram-se nos trabalhos que o cabeçalho do último canto da grelha lhes impusera, com alegria, prestígio e brilho. Em três dias tudo pronto… Na tarde do último dia, como lhes sobrasse tempo, tiraram uma pausa para o lanche. Ela desabafou:

- Tinha sido tão bom trabalhar com ele e só com ele!

Ufanou-se! Aquilo dito por ela, com tamanha convicção e sinceridade, arrasava-o. Estilhaçava-lhe o coração, açudava-lhe o instinto. Como a agradecer-lhe colocou-lhe a sua mão direita sobre a esquerda dela. Estremeceu. Uma estranha energia fluía do seu corpo, atormentando-o em dulcificado sentimento. Amava-a, de verdade e ele também não lhe parecia ser indiferente.

Foi com muita mágoa e grande dor que se despediram… Até um setembro longínquo. Pelo meio, havia que atravessar um agosto moroso, infinito. De saudade.

No início de setembro ela regressou trazendo um enorme e doce abraço misturado com uma trágica notícia. Aguardava colocação e as probabilidades de não ficar por ali eram muitas. Caíram numa mágoa recíproca. Avassaladora. Ao drama da separação juntava-se o infortúnio do incerto. Separados, viveram dias negros, obscuros, dramáticos. Por fim veio a melhor das piores notícias:

- Fora colocada, sim senhor, mas a mais uns cinquenta quilómetros!

Ele sufocou! Agora que se conheciam, que se amavam, que se queriam tanto um o outro, o destino, perverso e pérfido, separava-os. Apetecia-lhe pedir destacamento. Seguir-lhe as peugadas. Ela bem o tentava demover de tão atroz cometimento. Nas idas ou nas vindas, havia de parar, haviam de encontrar-se, reparando os estigmas da separação. Mas isso seria pouco, muito pouco. Sabia muito bem que era o fim do princípio com que tanto sonhara. Era um destino cerceado pela inacessível presença dela. Os projetos delineados no julho da descoberta, da destruição das sombras e das hesitações abalroavam-se, agora, por completo, deixando-os, estarrecidos, num abandono desditoso e prematuro.

Restava-lhes apenas cravarem, reciprocamente, as imagens de um no outro, e de tal modo se aquietarem, disfarçadamente, inundados no resplendor da esperança de novos e frequentes encontros:

- Sempre que possível!

- Não! Sempre! Sempre! Mesmo quando impossível.

Ela sorriu e partiu triste, muito triste.

Foi pelos Santos que ela lhe telefonou. Propunha-lhe um almoço, a sós. Ela vinha mais doce, mais meiga, mais ternurenta, mais bela e, sobretudo, mais apaixonada.

No enlevo em que ficara, nem atinou com o local. Foi ela que sugeriu. Aceitou de bom grado. Mais do que o repasto agradou-lhe a presença dela. Mais atraente, mais sensível, mais alegre, mais sublime, mais amorosa. Ela própria também desejara muito aquele encontro. Admirava-o, regozijava-se com a sua presença, ufanava-se da sua amizade, amava-o. Os minutos reservados ao almoço tornaram-se escassos e a tarde sumiu-se depressa. Despediram-se, com mágoa, arquitetando novos encontros. Perto da nova escola. Se pudessem aproveitar um furo, um resto de tarde, quiçá uma manhã livre…

E, na verdade, seguiram-se repetidos encontros. Frugais e breves, mas ternos, meigos e muito desejados. No mesmo café, na mesma mesa, no mesmo canto, no mesmo deslumbramento. Pena estarem-lhes cerceados os sonhos, os desejos, a vontade de entrega recíproca. Quando um silêncio intempestivo, contemplativo não os domava, falavam de tudo. Era sempre ela a começar, como no dia em que viram os seus nomes juntos, num dos cantos do placard da escola. Por mais que desejasse, nunca ele se atrevera a dar o primeiro passo. Só quando ela quebrava a soturnidade ele extravasava num contentamento desmedido, novo e puro.

Era outra vez julho. Mas não havia mais nenhum placard cheio de cartazes, a anunciar as tarefas que lhes haviam de preencher os dias enquanto aguardavam o mais terrível agosto de sempre, o agosto da separação definitiva, seguido de muitos outros agostos, setembros, todos os meses do ano, definitivamente, vazios de encontros.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

VIAGEM NA SATA – PARECE INCRÍVEL MAS É VERDADE

Sábado, 21.03.15

Se quiser viajar de Lisboa para o Pico, Açores, no próximo dia 6 de Agosto, o site de marcação e reserva de voos da SATA oferece-lhes, no que à ida diz respeito, várias alternativas, cujos preços variam entre 51,38 e os 322,02 euros, sendo que os preços mais altos se referem às classes Sata-Plus. Fixemo-nos nas duas alternativas mais baratas e mais convenientes, uma vez que garantem a referida ligação num só dia. Em ambos os casos parte-se de Lisboa às 8 horas, chegando-se ao Pico às 16,10. O resto é que é diferente. Muito diferente.

Aqui transcrevo ipsis verbis os dados de ambos os voos:

Hipótese A – Custo total da viagem – 98,50 Euros

Voo 1  Quinta-feira, 6 de Agosto de 2015   

Partida:          08:00  Lisboa, Portugal - Aeroporto, terminal 1

Chegada:        09:30  Terceira, Portugal - Lajes

Companhia:    SATA International S4131     Avião: Airbus Industrie A320

Histórico do voo       

A tempo          Atrasado         Cancelado

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Mudança de avião necessária. Tempo entre os voos = 6:15.

Voo 2  Quinta-feira, 6 de Agosto de 2015   

Partida:          15:45  Terceira, Portugal - Lajes

Chegada:        16:20  Pico Island, Portugal - Pico Island

Companhia:    SATA Air Acores SP476  Avião:De Havilland DHC-8 200 Series

Histórico do voo       

A tempo          Atrasado         Cancelado

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Hipótese B – Custo total da viagem – 51,30 Euros

Quinta-feira, 6 de Agosto de 2015

Partida:          08:00  Lisboa, Portugal - Aeroporto, terminal 1

Chegada:        09:40  Horta, Portugal - Horta

Companhia:    SATA International S4151 Avião:     Airbus Industrie A320

Histórico do voo       

A tempo          Atrasado         Cancelado

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Mudança de avião necessária. Tempo entre os voos = 3:45.

Voo 2  Quinta-feira, 6 de Agosto de 2015   

Partida:          13:25  Horta, Portugal - Horta

Chegada:        14:00  Terceira, Portugal - Lajes

Companhia:    SATA Air Acores SP483 Avião:De Havilland DHC-8 400 Series

Histórico do voo       

A tempo          Atrasado         Cancelado

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Mudança de avião necessária. Tempo entre os voos = 1:45.

Voo 3  Quinta-feira, 6 de Agosto de 2015   

Partida:          15:45  Terceira, Portugal - Lajes

Chegada:        16:20  Pico Island, Portugal - Pico Island

Companhia:    SATA Air Acores SP476 Avião: De Havilland DHC-8 200 Series

Histórico do voo       

A tempo          Atrasado         Cancelado

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Escolha o voo e decifre como faria para pagando menos chegar ao Pico mais cedo. Não se esqueça que a diferença de preços entre as duas alternativas dá perfeitamente para pagar o táxi do aeroporto de Castelo Branco para a Horta e o bilhete da viajem de ferry Horta-Madalena. Ainda pode poupar o táxi do aeroporto do Pico para a Madalena.

Mas pesquisando novas ligações ainda se encontram situações mais estranhas. Uma delas é aquela, embora por preço exorbitante, em que para se chegar, num sábado, do Porto ao Pico, uma das propostas seja realizar o seguinte itinerário: Porto-Ponta Delgada, Ponta Delgada-Lisboa e, finalmente, Lisboa-Pico!

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publicado por picodavigia2 às 14:30

UMA ESTÓRIA DE PESCA

Sábado, 21.03.15

Depois dos catorze anos, foi a vez de eu fazer a inscrição marítima. Tratava-se da licença indispensável para poder embarcar como tripulante em qualquer embarcação. Se por um lado eu até gostava de ir ao mar, por outro, havia que ajudar a assegurar o conduto para a casa dos meus pais. Gostava imenso de ir pescar, no verão, ao chamado peixe de cima de água. Pescava cachorras ou bonitos e bicudas barracudas. Normalmente ia no barco do Tio Francisco Jorge. O mestre era o Francisco, o filho mais velho e por sinal meu vizinho. Como campanha, iam os irmãos dele o António e o Hermenegildo, eu, o meu amigo de infância Adelino Cambóio, meu tio Deodato e o Francisco da Vigia. Certa noite, no mês de Setembro, arreamos com muito bom tempo. A certa altura, pouco depois da meia-noite, estava-mos na marca, fora da Terra do Pão, pescando de linha, às bicudas. Por sinal, estava a ser uma boa noite de pesca. Já tínhamos dentro do barco talvez mais de um cento delas. Entretanto, sentimos que estava a passar por debaixo do barco uns rolos de mar, que aos poucos foram aumentando. O vento era do quadrante Sul. Formavam-se muitas nuvens negras, no horizonte. O mestre, o Francisco Jorge ordenou:

- Aparelhos para a borda e vamos remar rapidamente para terra.

Começavam a ver-se relâmpagos e a ouvir um crescente trovejar. Remávamos aos quatro remos, rumo ao porto da Prainha. As ondas, continuavam a crescer. A trovoada a aproximar-se. Ao longe, via-se no cais a luz dum petromax. Era o Florindo, o João de Manuel da Ritinha e o Aldemiro que já haviam varado e, vendo o tempo a crescer, davam sinal aos outros que ainda estavam no mar, para regressarem rapidamente a terra.

O mar já cobria o cais de ponta a ponta. Eram vagas altíssimas, mas que de vez em quando davam algum descanso. Quando nos aproximávamos do cais, num desses momentos de descanso, aqueles que estavam em terra, gritavam:

- Não encostem! Não encostem! Sigam de vez para o varadouro com tudo a bordo.

A chuva, era quanta Deus mandava, acompanhada de forte trovoada. De repente e sem contarmos, apaga-se-nos a luz. Às escuras, o Francisco não tendo percebido o que lhe diziam de terra, tenta pôr um homem ou dois sobre o cais. Um para passar e segurar o cabo do revés e o outro para alar o cabo da proa como era costume em tais situações. Foi o António Jorge que fora passar o cabo de revés. Mas os cabos eram muito frágeis, feitos de filaça ou espadana, seca e torcida, com uns torcedores de pau. Eis que vem uma enorme vaga de mar. O Francisco bem gritava:

- Aguenta o revés! Aguenta o revés!

O António dá duas ou três voltas com a corda no pau da ponta do cais, segura bem mas a força do mar era maior. A corda rebenta e o barco atravessa-se. Vem uma segunda vaga de mar, volta a embarcação, vem a terceira e a quarta, e, fica tudo à deriva os homens embrulhados na água, o barco virado, as bicudas, albarcas, cestos de asa, remos, tilhas, tudo perdido. Ouviam-se os gritos. Todos imaginaram o pior. Quando o mar voltou a acalmar um pouco, os homens estavam espalhados por aqui e por além. Eu fui projectado pelas ondas para cima dumas rochas, ali ao lado direito da entrada do caneiro, onde me consegui agarrar. Um ou outro marinheiro conseguiu pôr-se a salvo sem grandes moléstias. O António e o Hermenegildo, ao tentarem equilibrar o barco na tentativa de o salvar, ficaram debaixo dele e com as pernas todas esfarrapadas. Com a ajuda dos que estavam em terra, varou-se o barco. Ficou muito danificado. Ninguém pensava mais em bicudas nem alparcas. Parecia um sonho o que acabava de acontecer. Enquanto isto, o Neves, jovem afoito, amestrando o barco do tio dele, José Mateus, continuava pescando, como que se nada se passasse, indo um pouco ao sabor da maré, já do porto para Oeste, ali para os lados da Ribeira Velha. Fomos nós que depois de terminada a nossa odisseia, os ajudamos a salvar, evitando que passassem pelo mesmo. Estes e as suas bicudas foram sãos e salvos e fizeram as suas partilhas, esquecendo aqueles que os haviam ajudado a salvar e que tinham ficado sem uma bicuda para o caldo. Na vida de cada um, há sempre coisas que marcam, mais que outras talvez até mais importantes.

 

N B - Baseado numa estória contada e publicada por António Silva

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publicado por picodavigia2 às 08:35

PUNHOS CERRADOS

Sexta-feira, 20.03.15

“De punhos cerrados, não se pode apertar a mão a ninguém.”

 Indira Ghandi

 

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publicado por picodavigia2 às 20:38

JOÃO DOS SANTOS SILVEIRA

Quinta-feira, 19.03.15

João dos Santos Silveira nasceu na freguesia da Caveira, concelho de Santa Cruz, ilha das Flores, em 13 de Janeiro de 1912 e faleceu em Ponta Delgada, S. Miguel, em 7 de Abril de 1980. Foi professor, bibliotecário e poeta. Com a idade de 14 anos iniciou o Curso Geral dos Liceus na cidade da Horta onde teve os primeiros contactos com as letras, relacionando-se com José da Silva Peixoto e Raul Xavier e publicando os seus primeiros trabalhos poéticos e literários nos jornais Vida Académica, Correio da Horta e As Flores. Na cidade de Ponta Delgada, em 1937 concluiu o Curso do Magistério Primário. Regressado às Flores, nos anos seguintes lecionou na escola da freguesia de Ponta Delgada e, em 1940, foi colocado na escola da vila de Santa Cruz. Para se efetivar, em 1942 regressou à escola de Ponta Delgada, onde residia quando, em 1946, a lancha em que seguia entre Santa Cruz e essa freguesia sofreu um acidente no lugar das Barrosas, tendo se salvo agarrado a um remo, apesar da sua deficiência física. No acidente faleceram 5 pessoas e o mestre foi dado como desaparecido.

Em Dezembro de 1956, já com 44 anos de idade e 18 anos de serviço, segue com a mulher para a cidade de Ponta Delgada, onde concluiu em 1957 o Complementar do Liceu. Nesse ano matriculou-se no curso de Direito, na cidade de Coimbra, mantendo-se ligado ao ensino para o sustento familiar.

Aí acabou por ser acometido por um acidente vascular grave, que o diminuiu e o obrigou a enveredar pelo curso de Ciências Históricas, após o que regressou aos Açores onde fixou residência na cidade de Ponta Delgada, lecionando no Liceu daquela cidade. Mais tarde empregou-se na Biblioteca da cidade onde acabou por exercer as funções de Diretor. Distinguiu-se como professor, como bibliotecário e como poeta, tendo publicado diversos poemas dispersos na imprensa açoriana e num livro. José Arlindo Armas Trigueiro

Obras principais: O Desterrado e Poemas.

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

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publicado por picodavigia2 às 19:01

RUE LAMARK

Quarta-feira, 18.03.15

O comboio das oito era um caos, uma babel. Carruagens havia onde não cabia mais um cabelo. Nem sardinha dentro de lata. Homens, mulheres, jovens e crianças, uns com destino ao emprego outros à escola, amontoavam-se, apertavam-se, acotovelavam-se, empurravam-se na tentativa de ganhar uma nesga de espaço que lhes permitisse viajar com algum desafogo. Impossível! Ao sufoco e ao congestionamento aliavam-se a indignação e os protestos. Mas nada havia a fazer. Era correr, empurrar, puxar, agarrar, escapulir, na mira de conseguir um lugar, mesmo que fosse de pé, agarrado a um varão ou preso aos barrotes das portas. Em dias de feira tudo piorava. Um martírio, um tormento. As carruagens apinhavam-se e até pareciam rolar mais lentas, carregadas com aquele amontoado de pessoas, a que se juntavam cestos, sacos, malas e muitas outras bugigangas. O comboio deslizava, imerso numa espécie de turbilhão, arrastado, vagaroso, quase morto, a matutar como um imbecil, aos solavancos, sobre os carris, atirando ao ar rolos de fumo enegrecido, intercalados com gemidos roufenhos.

Era na viagem das oito que Eduardo viajava todos os dias. Levantava-se, vestia-se, lavava-se à pressa e corria para a estação na demanda daquele inferno. Um turbilhão a que, com muito custo, se fora habituando. Atrasar-se, impossível. Só de verão havia um pouco mais de espaço e um ou outro assento vago. De resto, aquela inconcebível e hedionda barafunda.

Numa manhã, porém, atrasou-se e deu de chofre com a carruagem em que tentava, a todo o custo viajar, cheia que nem um ovo. A abarrotar pelas costuras. Tentou entrar, sem sucesso. Um valente empurrão e a porta, automática, rígida, implacável, a fechar-se. Trancada a sete ferros! Incapaz de se reabrir. De dentro um sorriso meigo, doce, compreensivo, do tamanho do mundo. Um sorriso de compaixão que lhe veio anestesiar a angústia da perda. Na manhã seguinte apressou-se, esperou na gare e deu de caras com ela, a mulher do sorriso da véspera. Que a desculpasse, que tinha feito o possível e o impossível a fim de que a porta não se fechasse... Esforços inúteis. Nessa manhã, foram dos primeiros a entrar na carruagem da frente. Sentaram-se lado a lado.

Era uma mulher bela! Acompanhava cada frase que proferia com um sorriso de ternura, invulgar e cativante. Chamava-se Isaura, Isaura Nogueira. Fontenelas, por casamento. E para espanto de ambos, trabalhavam no mesmo hospital. Nunca se haviam cruzado, obviamente. Ela fora transferida, uma semana antes, para o Santa Eulália. Trabalhavam em serviços diferentes, mas lado a lado. Regozijaram-se. Haviam não só de viajar juntos mas de conviver em muitos momentos, muitos dias. Todos os dias. Riram como loucos.

No regresso do primeiro dia não viajaram juntos. Mas Isaura não lhe saiu do pensamento. Durante toda a noite. Na manhã seguinte, lá estavam, na gare, bem cedo, à espera um do outro, cumprimentando-se de beijo como se desde há muito se conhecessem e fossem grandes amigos.

Os dias e os meses foram fluindo e consolidando uma amizade sólida, gigantesca e tremendamente deslumbrante. Enquanto aguardavam o comboio, durante as viagens, à hora do almoço, nos momentos de pausa do trabalho. Não havia nada nem ninguém capaz de os separar. Mantinham-se lado a lado, numa comprometedora comunhão de sentimentos, num fascinante partilhar de emoções, num recatado comungar de intimidades. Isaura deslumbrava-se com a pacatez de atitudes dele, com os valores que defendia, com os sentimentos que o domavam. Mas quem mais se empolgava em tão inebriante contubérnio era ele. Admirava-a física e moralmente. Fascinava-se com o elegante perfume do seu corpo, encantava-se com a doçura do seu sorriso, confundia-se com a sua dignidade de mulher, a sua postura, a sua verticalidade, numa palava: ela atraía-o. Avassaladoramente. Isaura era uma mulher de sonho. Um encanto, um deslumbramento. Idolatrava-a. Desejava estar, permanentemente, com ela, sonhava com a sua presença dia e noite, amava-a apaixonadamente. E, em boa verdade, ele também não lhe era indiferente.

Um dia em que saíram mais cedo, rumaram ao shopping mais próximo. Dali a casa dela, um triz. Era um apartamento pequeno, decorado com gosto, ladeado por um exíguo terraço ao lado da cozinha. A sala repleta de fotos. Dos pais, dela, quando criança e quando jovem. Fotos do filho, do casamento e uma, apenas uma, do sacripanta do marido. Homem de negócios e de muitos relacionamentos. Alguns a cravarem-lhe amargos estigmas. A convivência entre eles já passara por melhores momentos. O biltre ausentava-se dias, semanas a fio e, o pior, é que isso já não a incomodava.

Era quase noite quando Eduardo abandonou o apartamento e voltou a casa. Estava feliz mas confuso. Mais. Dominava-o um estranho e duvidoso arrependimento. Fora ingénuo, inseguro, talvez tímido. Podia tê-la abraçado, beijado, possuído. E ela? Rejeitá-lo-ia? Permanecia imerso numa dúvida monumental e tormentosa. Com um crápula daqueles a desprezá-la, talvez até ousasse vingar-se. O facínora tinha cara de cabrão. A cabeça ardia-lhe, atulhada, confusa. Talvez tivesse sido melhor assim. Poupá-la a um leviano atrevimento. A uma ousadia irrefletida. Caso contrário, poderia ter posto termo à enorme amizade que os unia. Desesperado meteu-se no duche e deixou a água escorrer-lhe pelo corpo, reavivando-lhe as estranhas sensações daquela tarde. Embora ela não estivesse ali presente, sentia a fusão íntima dos seus corpos a unirem-se numa sublime-me pulsão. Sem a ter amou-a como se a tivesse. Entregou-se em sonho! Na manhã seguinte, lá estava ela, na gare, à espera dele, com o suave sorriso de sempre, deixando-o imaginar que afinal ela talvez o tivesse possuído da mesma forma como ele a possuíra durante o banho da noite anterior.

Seguiram-se dias de enlevo, empolgantes e resplandecentes. Estar na presença dela, partilhar um momento que fosse, era, para ele, uma sensação algo divina, tal o enorme bem-estar que ambos sentiam, quando se encontravam. Ela também se aventava cada vez mais. Só quando floresceram os primeiros murmúrios entre colegas, ela decidiu aquietar-se, chamando-o para uma conversa séria, fria. Sabia muito bem o que ele sentia por ela. Ele não sabia disfarçar. Mas havia de cuidar-se. Não devia manifestar-se de forma tão contundente e denunciadora. Já se comentava à boca cheia. Haviam de moderar o seu relacionamento. Pulhas! Que não o abandonasse, agora. Inevitavelmente não poderia viver sem ela. Imoral? Mas imoral para quem? Onde estava a imoralidade de ser abalroado por uma avassaladora paixão? Sem ter culpa. Há sentimentos que nos devoram e que não podemos domar. Ela a tentar demovê-lo. Ele num mar de dor e sofrimento.

Dobrado o cabo das tormentas, tudo se reavivou. Apesar dele, nos primeiros dias, muito a custo se encafuar, mais cuidadosa e disfarçadamente, nos meandros daqueles encontros cada vez mais cativantes e envolventes. Mas não conseguiu. Ao fim duma semana, tudo se reavivou e voltou a resplandecer. Meses depois um amigo emprestou-lhes a casa. Não estavam sós. Foi um banho na piscina da luxuosa mansão que permitiu a Eduardo ver e apreciar-lhe o corpo esbelto, acetinado, macio, suavemente bronzeado. Cresceu o fascínio. Aumentou a paixão, aureolada com o sofrimento de saber que ela, afinal, não era sua.

Isaura conhecia-lhe os sentimentos, adivinhara a paixão que ela própria lhe despertara. Sentia-se lisonjeada. Era uma mulher alegre, divertida. Adorava festas e convívios. O sacripanta já lhe propusera o divórcio. Mas ela, em vez de se dilacerar, libertara-se mais. Divertia-se à brava. Extravasava, enquanto ele se fechava cada vez mais no casulo da sua timidez. Maldito divórcio! Enquanto a ela lhe permitia reconquistar a liberdade perdida, exorbitando em devaneios e farras, deixava-o a ele, numa profunda e dilacerante letargia. Sofria com as loucuras que a domavam, com as estravagâncias em que se envolvia. Sensível ao sofrimento dele e a quanto isso lhe trazia de amargo e doloso, Isaura como que se deixava abalroar por uma inequívoca loucura. Sem que ninguém o pressentisse decidiu partir para longe. Emigrar. No início do novo ano seguiria, definitivamente, para Paris. Afastados, ele havia deixar desmoronar, lentamente, a loucura que o perseguia, a paixão que o subjugava.

Eduardo estarreceu! Não podia acreditar! Entrou numa medonha depressão, com laivos de loucura misturados com raiva. Os dias, para ele, tornaram-se negros, o tempo desajustado, o trabalho fútil, a vida sem sentido. Ela apercebendo-se de iminente derrocada, dum colapso brutal, bem o tentava acalmar. Haviam de falar, de ver-se pelo Skype. Além disso, Paris estava cada vez mais perto. Os low cost da Ryanair haviam de a trazer. Talvez o levassem até lá. Mas ele não se continha. Nada o aliviava da sua mágoa, do seu desalento. Simplesmente, lhe pedia, repetidamente, que não fosse, implorava-lhe, ardentemente, que ficasse.

Mas Isaura não se demoveu da sua decisão. E numa tarde fria, negra, asquerosa e degradante partiu. Eduardo chorou, amargamente, a tarde inteira. Ainda lhe telefonou, uma última vez, a tentar demovê-la. Nada. Nas noites e dias seguintes, entre sorvos de amargura e tragos de sofrimento, a imagem dela perseguia-o, aniquilando-o, destruindo-o por completo. Não se contendo, meses depois rumou a Champ d’Ór, à Rue Lamark, unindo-se a ela num longo e profundo abraço. Regozijaram-se, envolveram-se e regressaram, por um dia, às vivências empolgantes das viagens de comboio e das pausas de trabalho no Santa Eulália. Eduardo, tímido voltou a hesitar. Recuou, transformando o que poderia ser uma entrega amorosa, quiçá definitiva, numa simples visita, num vulgar encontro de amigos. Tudo efémero, a exigir um segundo encontro, dois meses depois. Partia, desta feita determinado, plenamente convencido de que o mais sublime e inebriante havia de acontecer. Seria o início da vivência com que há tanto sonhara.

Eduardo, na verdade, ia decidido. Profundamente persuadido. As mensagens e os telefonemas trocados, desde há muito, revelavam que ela também o amava. Chegara o momento. Foi mais fácil encontrar o 1324 C da Rue Lamark. Era a segunda vez que por ali vagueava. Tocou a campainha. Nada. Voltou a tocar. Nada. Apreensivo, tocou mais uma, duas, três vezes. Por fim chegou a voz dela. Sonolenta, confusa e, aparentemente, apreensiva. Que esperasse. Dez minutos. Iria arranjar-se e descer. Que aguardasse no café, em frente.

Eduardo achou estranho! Amedrontado, perplexo, entrou no café. Esperou dez, vinte, trinta… Mais de uma hora. Por fim ela desceu, mas não vinha só.

 

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publicado por picodavigia2 às 00:14

O DIABO

Terça-feira, 17.03.15

Na Fajã Grande, na década de cinquenta e, provavelmente, nas que a antecederam o Diabo ou a imagem que dele se tinha como que fazia parte do quotidiano da população, intrometendo-se, permanentemente, na vida das pessoas. A sua imagem maligna e perversa estava presente a cada hora, em cada momento, havendo, contudo uma hora especial para ele se manifestar – a meia-noite. Muita gente já o teria visto a essa hora. Por isso era conveniente não andar fora de casa depois da meia-noite. Contavam-se estórias macabras e desoladoras. Desses relatos e também das pregações que eram feitas na igreja, era possível traçar o seu retrato. A imagem que dele se apresentava, sobretudo às crianças, para que o afugentassem e não fossem por ele tentadas, era terrível. A do inferno, onde ele vivia, ainda pior. Dizia-se que diabo era preto, tinha um rabo e dois chifres. As suas unhas eram compridas e pés semelhantes aos das cabras. Faiscava como lume e cheirava a enxofre. Usava uma barbicha em ponta e até trazia um chocalho ao pescoço. Mas a sua imagem não era sempre a mesma, uma vez que para poder tentar enganar as pessoas adquiria formas diferentes. Também tinha vários nomes: belzebu, cão-feio, canhoto, coiso mau, eira má, diacho, dianho, demónio, o que anda à meia-noite, inimigo, mafarrico, lucifer, satanás, cão tinhoso, etc. Contava-se que inicialmente ele teria sido um anjo bom, mas que, por soberba, vaidade e inveja, se revoltara contra Deus. Roído de inveja de outros anjos, pedira a Deus mais poderes e grandezas, mas Deus não lhos deu. Como resposta revoltou-se contra Deus. Essa revolta lançou-o no inferno ou no Caldeirão de Pero Botelho. O diabo, geralmente, não andava sozinho a tentar as pessoas. Andava muitas vezes acompanhado de um séquito de diabinhos e diabretes cada qual mais malino e levado da breca. Residia nas "profundezas dos infernos" alimentando terríveis caldeirões de alcatrão e enxofre a ferver, para queimar os perversos que levava consigo. Costumava a aparecer à meia-noite na encruzilhada dos caminhos para pegar e tentar os transeuntes. Tinha fama de tanto ter procurado ajeitar o nariz da mãe que até o pôs torto; e, por fim matou-a com a tranca da porta. Desconfiava-se também que o maldito costumava carregar o corpo dos defuntos para seus domínios, deixando o caixão cheio de pedras. Não se devia pronunciar o nome diabo. Era pecado entregar, isto é pronunciar o seu nome. Confesso que o fiz uma vez em criança, com esta frase, proferida quando descia a ladeira do Batel:

- Lá vem nascendo o diabo da Lua.

Valeu-me levar com a ponta de uma malagueta cortada nos lábios. Doeu?! Ai se doeu. Uma tarde inteira com a boca debaixo duma torneira de água corrente

Também não se devia falar sozinho porque era falar com o diabo. Não se devia "ter partes" com ele e fugir dele "como o diabo da cruz": nem "acender uma vela a Deus e outra ao diabo". Também era aconselhável "não dar esmola ao diabo nem fazer-lhe promessas", nem "comer o pão que o diabo amassou". "Quem andava em demanda com o diabo anda".

Uma das muitas estórias que se contava sobre o mafarrico era a seguinte:

Estava um homem sentado no bacio a fazer as suas necessidades. Pese embora não fosse o momento mais adequado, aproveitou-o para rezar. O diabo aproveitou a incúria do homem e apareceu-lhe para o tentar, perguntando:

- Que estás aí a fazer?

O homem sem se desconcertar respondeu:

- Estou rezando para Deus e cagando para ti.

Com esta se foi o diabo

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publicado por picodavigia2 às 09:56

TREVAS

Segunda-feira, 16.03.15

Era uma vez um régulo, facínora e depravado, pertencente a uma draconiana dinastia, que decidiu prender, em intransponível ergástulo, um gerontocrata, membro do conselho do reino, só porque o mesmo opinara publicamente, opor-se à oferta e sacrifício de sete jovens, destinadas ao regalo das suas fantasias execráveis e dos seus apetites depravados.

Foi um período de medo e de terror para o reino daquele régulo malévolo que assim, viveu anos e anos, em constante estado de inquietação e insegurança sofrendo e suportando, na maior das ansiedades, os caprichos, veleidades, sarcasmos e depravações deste e muitos outros governantes enfatuados e instáveis, déspotas destemidos, energúmenos insaciáveis, bárbaros facínoras e janízaros meliantes. Uma dinastia de régulos facínoras e depravados, sem escrúpulos, não olhando a meios para atingir os seus malévolos objetivos.

Porém, desta maquiavélica dinastia, surgiu, finalmente, um monarca heteróclito, perdulário e abstracto que, apesar de tudo, se afastou notória e significativamente das frivolidades lascivas e das ditaduras prementes e opressoras dos seus antecessores.

Uma áurea de esperança surgiu, então, nos ânimos dos habitantes daquele reino, agora libertos de férula governação, candidatos esperançados à liberdade e à vivência dos seus projectos colectivos e das suas realizações pessoais e individuais. Não pesava, agora, tão constante, lasciva e continuamente, sobre a sua vida e costumes, a maquiavélica e diabólica governação dos régulos anteriores. Porém, com o passar do tempo, aqueles súbditos cansaram-se de se sentir enfrascados de aborrecimento, arrecadando e armazenando tédio absoluto e desespero permanente, frutos dum cada vez maior afastamento do novo monarca, dos seus deveres de governante real. O novo rei era louco por caça e passava dias e noites nos bosques e nas florestas, na mira de acertar em tudo o que lhe surgisse pela frente. Mesmo no rigor do Inverno, quando os nevões visitavam as montanhas e bosques do reino, zebrando o ar plúmbeo, impedindo e obstaculizando, na totalidade, a concretização dos apetites cinegéticos do régulo, este ainda menos se ocupava com os seus súbditos e com a governação do reino, entregando-se, então, a extravagantes façunatas e lautas comezainas, as quais, embora, não cerceando o alvedrio quotidiano dos habitantes da serra, permitiam um efluente declínio e um evidente desgaste do erário público.

O povo, embora experimentando a suprema vivência da liberdade, estava, porém saturado. A revolução estava eminente! Se as opressões das décadas anteriores tinham coarctado a liberdade e anulado a dignidade do povo, a alienação do monarca reinante desmoralizava o sentido de viver, confundia os valores constitucionais e provocava uma angustiante insegurança e uma confusa incerteza de viver, geradora dum lenocínio galopante, entre os povos serranos.

Os ânimos exaltavam-se, as opiniões dividiam-se e as teorias contradiziam-se. Forças político-sociais obscuras digladiavam-se nas praças e nas vias públicas. O terrorismo já se fazia sentir por toda a parte. Os gritos da revolta eminente ecoavam pelos esconsos mais recônditos da serra. O monarca, porém, continuava calma, impávida e serenamente a alienar-se de tudo e de todos, preparando-se para a caça, simplesmente caçando, ou saboreando lautamente os manjares subsequentes à mesma.

 

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publicado por picodavigia2 às 09:22

SAUDADE

Domingo, 15.03.15

(PEDRO DA SILVEIRA

 

Onde estará agora a que ficou no cais

Quando eu parti?

Tinha o olhar cheio de lágrimas

E com o lenço abanava,

 

            Os garajaus tinham chegado há pouco

            Com o seu coro de alegres pios.

            Na terra um ar todo de festa:

            Era o Verão anunciado.

 

Um fio de fumo fluía da chaminé do vapor,

A sereia apitou o último adeus

- e vim-me embora.

 

            Cada vez mais longe a terra fugia-me,

            Fugia-me… e a noite

            Era aquele lenço branco

            Escurecendo nos meus olhos.

 

……………………………………………………..

 

Onde estará agora

a que deixei no cais e o lenço dela

a despedir-se?

 

Lisboa, 19-III-44

 

Pedro Silveira Fui ao Mar Buscar Laranjas

 

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publicado por picodavigia2 às 15:17

A LENDA DA IMAGEM DE SANTO CRISTO (DA IGREJA DOS FRADES – RIBEIRA GRANDE)

Domingo, 15.03.15

Segundo uma antiga lenda, contada em S. Miguel, certo dia andavam uns homens a pescar no porto de Santa Iria, na freguesia da Ribeirinha, da Ribeira Grande. Com grande esforço aguentavam o barco com os remos lançando a linha, para pescar. Enquanto estavam nesta faina, um dos homens apercebeu-se de que ali perto flutuava uma grande caixa de madeira, já quase podre e era levada pelas ondas na direção de terra, onde decerto ia dar à costa. Levados pela curiosidade, amarraram a caixa e rebocaram-na para o porto, onde, depois de varar, a abriram. Qual não foi o seu espanto, quando viram lá de dentro uma linda imagem de Cristo. Passados os momentos de assombro, depois de muito discutirem sobre a proveniência e o fim a dar à imagem, resolveram dar conta às autoridades marítimas do seu achado. Estas, sem perda de tempo, ordenaram o transporte da caixa com a imagem, para Ponta Delgada.

Arranjaram um carro de bois, carregaram a imagem e lá se puseram a caminho. O carro guinchava, os bois gemiam, porque o porto de Santa Iria fica fundo entre altas arribas. Mas tudo correu normalmente até à Ribeira Grande. Aí, ao passarem pela igreja dos Frades, os dois bois começaram a mugir e estacaram. Não havia maneira de os fazer andar.

Os homens bem os chamava e incitavam a andar. Mas quanto mais insistiam com eles e lhes batiam, mais estáticos permaneciam, apesar das pancadas no lombo e das picadas do ferrão da aguilhada. Os bois não se mexiam, continuavam agarrados ao chão como se estivessem pregados ou uma barreira lhes tapasse a passagem. Perante tão estranho comportamento dos animais, as pessoas que se tinham juntado acharam que havia ali a mão de Deus e que era melhor deixar a imagem do Senhor Santo Cristo na igreja dos Frades, ou igreja dos Terceiros, em frente à qual os bois se tinham negado a continuar a viagem. Retiraram a imagem do carro, cuidadosamente, e levaram-na para a igreja. Depois tocaram os bois que desataram a andar e não mais se negaram a continuar viagem. Essa a razão pela qual a imagem ficou para sempre na igreja dos Frades.

 

NB – Baseada em elementos retirados da Internet

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publicado por picodavigia2 às 00:35

TERRA MATER

Sábado, 14.03.15

Há gemidos de lava morta

sobre o chão ressequido.

 

As ondas voltaram,

numa safra alterosa.

 

A chuva cai, ritmada

num frenesim miudinho,

como se não tivesse medo da escuridão.

 

Todas as violas se calaram.

 Não há retorno das auroras destemidas.

 

A Terra,

apesar de mãe,

envolve um tremendo sufoco.

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publicado por picodavigia2 às 10:43

NAMORO ANTIGO (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)

Sábado, 14.03.15

Estes namoros de hoje são uma pouca-vergonha. Antigamente, o namoro era muito diferente. Os rapazes e as raparigas só podiam namorar diante dos pais e não andavam por aí agarrados um ao outro por tudo o que é sítio, como hoje em dia. Hoje os rapazes e as raparigas começam a namorar sem os pais saberem mas no meu tempo só se namorava depois do rapaz pedir e ter a devida autorização do pai da rapariga para com ela falar. De contrário era um ver se te avias. É verdade que antes de pedir a mão e de namorar a rapariga do seu agrado, que seria a sua futura esposa, o rapaz bem procurava piscar-lhe o olho, olhar para ela com insistência, de maneira a que ela compreendesse. Se o rapaz lhe agradasse ou até já o desejasse, a rapariga ficava um pouco ruborizado de pudor mas arranjava sempre uma maneira de mostrar que também ele não lhe era indiferente. Depois quando se encontravam lá diziam alguma coisa um ao outro mas numa linguagem quase impercetível, como se costumava dizer, falavam de boca pequena. Depois bem procuravam encontra-se nas festas, nas alvoradas, nos caminhos e ao sair da missa. Os rapazes mais atrevidos lá arranjavam maneira de passar à porta das suas eleitas, às horas que calculavam poder descortiná-la, ou se sabiam que ela ia a uma terra, tratar das galinhas ou fazer um mandalete, arranjavam sempre, com artimanhas, uma maneira de se cruzarem com elas. Mas eram precisas mil cautelas! Cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém. É que se o pai dela os apanhasse era um ver se te avias. E naquele tempo havia pais muito rigorosos. Alguns açapavam nas filhas de corda dobrada, outros de fueiro. Só depois de pedida a rapariga, o rapaz podia falar com ela ou namorar, mas sempre ela à janela e ele do lado de fora. Não era como hoje que namoram encostados às paredes, onde querem e entendem, sem ninguém a “apastrá-los”. Depois do pai conceder autorização ao rapaz para falar com a filha, comunicava-a à mulher para que esta ficasse a par da situação e se mantivesse alerta. Ao princípio era só ao domingo em que eram autorizados a namorar e às horas que o pai determinasse, geralmente de tarde. Depois das Trindades, nem pensar. Daí o adágio: “Trindades batidas, meninas recolhidas”

O namoro, antigamente, também não demorava tanto tempo como hoje. Alguns ficam anos e anos a namorar e a fazer sabe Deus o quê. No meu tempo, poucos meses depois de terem autorização para falar os pais começavam a pensar no casamento, iniciando-se os preparativos: a rapariga começava a bordar o enxoval, enquanto o rapaz começava a arranjar maneira de conseguir uma casinha. E quando resolviam casar, o rapaz combinava o dia em que iria pedi-la em casamento. No dia combinado, dirigia-se à casa da rapariga, geralmente acompanhado do pai, a fim de pedir ao futuro sogro do seu filho, a filha dele em casamento para o seu filho. Eram ocasiões muito sérias e de muito respeito. A rapariga nem estava presente. O pai, depois de dar o seu consentimento, é que a mandava chamar para lhe comunicar o pedido que a rapariga aceitava logo e de bom grado. A partir do dia de pedido do casamento, o rapaz já podia entrar dentro de casa e passear com ela aos domingos, desde que se fizessem acompanhar por um familiar. As famílias dos noivos passavam a visitar-se, aos domingos, a convidar-se para as matanças uns dos outros, etc. A partir de então dizia-se que a rapariga já estava comprometida pois tinha namorado da porta pra dentro. O pior é que nestes casos, se o casamento era “desmanchado”, a coitada da rapariga, geralmente, ficava para tia, pois tarde ou nunca voltaria a ser pedida em casamento. No meu tempo, nesta freguesia, infelizmente, muitas mulheres ficaram assim. Nunca casaram, ficaram solteiras toda a vida, arranjando filhos de uns e de outros. Basta ver os livros de assentos de batismos da nossa freguesia, do final do século passado, para perceber isso.

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publicado por picodavigia2 às 08:10

QUE RICA LIGAÇÃO

Sexta-feira, 13.03.15

A SATA Air Açores, hoje, parte do Pico com destino a Ponta Delgada, às 17,15, voo SP 437. Chega a Ponta Delgada às 18,05. No entanto, a SATA Internacional, também hoje, parte de Ponta Delgada para o Porto às 18,00, voo S 4174!

Que rica ligação para quem pretende fazer viagem do Pico para o Porto! E o pior é que isto não acontece só às sextas, nem só para o Porto.

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publicado por picodavigia2 às 18:28

NOVOS VOOS DA SATA PARA LISBOA E PORTO

Sexta-feira, 13.03.15

O Grupo SATA confirmou que vai passar a assegurar em exclusivo as rotas com obrigações de serviço público que ligam os Açores ao continente português, revelando que haverá um aumento da “capacidade” da oferta em relação ao que acontece atualmente.

Em comunicado divulgado em Ponta Delgada nesta quarta-feira, dia 4 de Março, o grupo aéreo açoriano, dono das companhias aéreas SATA Internacional e SATA Air Açores, revela que vai enviar ao Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC), em Lisboa, uma proposta para operar as rotas dos Açores que continuarão a ter obrigações de serviço público a partir de 29 de Março próximo que “responde ao que o Estado Português fixou” e que, “nalguns casos”, ultrapassa “o que está legalmente definido para o verão IATA”.

A proposta que vai seguir para o INAC “tem em atenção o histórico total de tráfego transportado pela SATA Internacional e a TAP em 2014″, explica o documento, depois de a TAP ter confirmado hoje que deixará de voar para as ilhas do Pico e Faial a partir de 29 de Março.

Uma terceira rota manterá obrigações de serviço público, a que liga Santa Maria ao continente, mas a TAP não voa há vários anos para esta ilha, sendo a SATA que transporta os passageiros da companhia aérea nacional.

Segundo o comunicado que divulgou hoje, a SATA “assegurará na rota de Santa Maria a duplicação da capacidade atualmente oferecida e, na rota do Pico, a manutenção da capacidade atual nos meses de Julho e Agosto e a duplicação da capacidade atualmente oferecida nos restantes dez meses do ano”.

Na rota de Lisboa para a Horta (Faial), “a capacidade operada durante todo o ano é superior, em 27%, à capacidade efetivamente utilizada em 2014″, revela a SATA, que diz que tem “disponibilidade pontual para responder a eventuais crescimentos de procura” neste caso.

Para além de novas regras de serviço público nestas três ligações, a 29 de Março passam a ficar liberalizadas duas rotas, as que unem as ilhas de São Miguel e Terceira ao continente. Nestes casos a SATA reduzirá a sua oferta atual em Ponta Delgada (São Miguel), para onde começarão a em Abril duas companhias de baixo custo estrangeiras, a EasyJet e a Ryanair, e onde a TAP vai aumentar voos, conforme divulgado pela própria companhia nacional portuguesa de bandeira no dia de hoje.

As ‘low cost’ não se mostraram, porém, interessadas na rota da Terceira, pelo que a SATA, disse Luís Parreirão, presidente do grupo açoriano, na altura, vai reforçar a sua operação neste caso.

Segundo a informação divulgada hoje, a SATA vai fazer onze ligações semanais entre Lisboa e Ponta Delgada de Abril a Outubro, que passam a 12 nos meses de Julho e Agosto.

No caso da Terceira, fará cinco ligações semanais de Abril a Outubro, que sobem para seis em Julho e Agosto.

 

As ligações da SATA ao Porto a partir de Ponta Delgada serão cinco por semana em Abril, Maio e Outubro, seis em Julho e Setembro e sete em Julho e Agosto.

A SATA voará ainda uma vez por semana entre a Terceira e o Porto durante o verão IATA.

A empresa acrescenta que “todas as ligações entre os Açores e o continente português serão efetuadas em regime de code share com a TAP”, como aliás esta companhia já tinha revelado em comunicado anterior.

 

Dados retirados do Site I Love Azores

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publicado por picodavigia2 às 10:27

O ANÃO

Sexta-feira, 13.03.15

Numa manhã, cálida, fulva e etérea do Outono, chegou à serra um viajante solipsista, misterioso e invulgar. Invulgar porque, imaginem, era um anão. Vinha de longe, de muito longe. Percorrera mares, andurriais e páramos, suportando tempestades e procelas, saltando montanhas de espuma e de submissão, sentando-se à sombra de árvores sem folhas e sem esperança, perdendo-se ininterruptamente em ilhas desertas e em oásis mistificados. Atravessara, com extenuante lucubração, um grande e tórrido deserto, com rios de fogo e pináculos de estranha adoração, onde se perdera e onde, simultaneamente, enlapara muitos dos seus sonhos e fantasias. Mas trazia consigo a experiência da liberdade, a fragrância da dignidade, a auréola da fraternidade, a estranheza da sublimidade e do amor, sobretudo do amor. Sonhava, sempre, que as estrelas são de prata, e que para além de cada oceano, há sempre um outro mar. Ensinava que as nuvens quando se desfazem não pretendem apenas jorrar sobre os mortais a incomodidade da chuva. Aprendera nos campos e nos bosques e estudara com as flores e os pássaros. Acolhia com sorriso as manhãs sombrias, escuras, enevoadas e chuvosas. Era amigo da esperança e das florestas. Pernoitava nos bosques, ao relento, dialogando com o destino e com a solidão. Alimentava-se do perfume das flores e dos frutos. Possuía um coração com aromas de alecrim e sabor a hortelã. Mas tinha um grande defeito: dependia total e exclusivamente do sol, para quem olhava constantemente, sonhando poder, um dia, voar ao seu encontro.

Mais! Era gimnosofista, o anão! Vivia permanentemente nas florestas, abstraído das multidões, convivendo com a frescura e a mansidão dos bosques. Considerava a "noite" como a origem de todos os males e produtora de todas as limitações, e a "escuridão" a filha única da ignorância universal. A fuga a estas maléficas divindades, adquire-se através da sabedoria, filha da claridade, mas que permanece longínqua e quase inatingível, porque libertadora de sucessivas, contínuas e constantes migrações, e que consiste, apenas e simplesmente, na capacidade equívoca de fugir aos pesadelos escuros e tétricos da nossa existência atormentada. Isto apenas se consegue mediante um isolamento total e uma entrega às "hamadríades", ou seja, as ninfas dos bosques, que nascem simultaneamente com as árvores, nunca se desvinculando das mesmas, vivendo e morrendo com elas. A vida duma árvore ninfada ou duma ninfa arborizada é, no entanto, perene e infinita, porque umas e outras dependem da única fonte de vida do universo - o Sol. Por essa razão, o anão entendia, que as árvores nunca deviam ser destruídas, pois o aroma das suas folhas, o perfume das suas flores e o sumo dos seus frutos constituem o alimento primordial e único de todo a raça carracena, pelo que a vida depende, necessariamente e em último grau, da luz emanada pelo astro-rei. Este é um armazém infinito de poder e beleza, receptor tranquilizante de todas as inquietudes. Somente através dele é possível atingir a sublimação da beleza absoluta e, consequentemente, atingir a simplicidade. Assim toda e qualquer oposição à força e à beleza solar devia ser eliminada.

Chegou, pois, o anão, à serra e aboletou-se num tétrico e cavernoso antro, isolado de tudo e de todos. Inicialmente, os serranos, supinamente preocupados com as perversas vicissitudes resultantes da famigerada governação dos seus chefes, não se aperceberam da sua presença. Passados alguns dias, porém, numa tarde clara, florida, perene de sol e de ternura, o anão desceu aos povoados e encontrou a serra na posse plena da sua beleza omnipotente e beatificante, isolada e só, mas acolhedora, glorificante e transcendente.

O povo, ocupado em orgias contestatárias e efervescentes, nem se apercebeu da sua presença e o anão perdeu-se, no meio da confusão que então se gerava, vagueando por entre a população envolvida em deslumbrantes manifestações contra o estado da nação. A revolta agigantava-se cada vez mais. O anão foi apanhado pela manifestante enxurrada, sem se aperceber e sem que ninguém o notasse. Foi levado pela confusão até ao palácio real, que de imediato foi invadido. A multidão, difluída junto à platibanda que o cercava, de rompante, encostou-se aos altos portões que a encimavam e que de imediato cederam e entrou, em turbilhão, pelos pátios ajardinados e pelos salões desertos e esconsos.

O monarca, mais uma vez se ausentara, para se dedicar às suas actividades preferidas e satisfazer os seus reais e eficientes instintos cinegéticos. A última sala a ser invadida foi a do trono. Uma multidão furibunda, intransigente, sedenta de esperança e liberdade, encostou-se à porta e esta cedeu facilmente. De repente, todos entraram, à esmo, pela sala dentro. A confusão era enorme e emaranhada em sucessivos e contínuos atropelos. Ninguém podia fugir, libertar-se ou, tão pouco, mover-se. O anão, hesitante, enleado e ilaqueado, ainda tentou fugir. Não conseguiu. Impossível de todo! Estava completamente preso e assolado, amarrado a uma força infinita, invisível e estranha, que o puxava e que, por fim, sem saber-se como, o sentou no próprio trono real.

De repente, fez-se um enorme e sepulcral silêncio na sala.

O anão estava ali, só, mais a multidão, que, faminta de lenimento, fixava o seu olhar  tímido, mavioso e expectante, no rosto aureolado e blandicioso de tão inesperada e inquietante personagem, que, na realidade e a partir de agora, seria a esperança libertadora da sua estigmatização.

Um grito de alívio ecoou por toda a serra! As árvores ficaram mais  verdes e floridas, as flores mais perfumadas e alegres, os frutos mais aromatizados e saborosos. As aves, encheram-se de coragem, perderam os últimos resíduos de medo e de temor e voaram mais alto. Os animais retoiçavam com mais afinco e blandícia. A suavidade ornamentava o destino de toda a serra. O vento soprava paramentado de ternura e graciosidade.

Porém o monarca emérito, ausente do palácio real, continuava abstraído na prática das artes cinegéticas e pantagruélicas, não se apercebendo, de imediato, que ali terminara o seu reinado e que era substituído na governação serrana por um simples, humilde e heteróclito anão.

A noite, porém, decorreu, em toda a serra, sobressaltada, angustiante e repleta de escuridão e incerteza. Mas a manhã seguinte, surgiu, risonha, afável, simpática e perene de sol e de ternura. Os dias seguintes correram céleres, maviosos e flexíveis. Era imperioso, por parte da nova governação, alterar ou suprimir muitas das leis vigentes, estabelecendo novos rumos, mudando a ordem até então estabelecida.

Os ergástulos foram destruídos, as leis maquiavélicas suprimidas e os decretos aniquilantes anulados. Foi decretado que, a partir de agora, o Sol seria a principal razão de ser e de viver dos serranos pradenses. É que o neo-governante bochimane adorava o Sol. Não podia mesmo viver sem ele. A sua dependência do astro-rei era tal que, sempre este se escondia, quer porque chegasse a noite, quer porque surgisse um dia enevoado, cinzento ou chuvoso o anão refugiava-se no seu mítico falanstério e tremia terrivelmente de frio, sofrendo tão violentas e pitónicas convulsões, que se abstraia total e absolutamente da sua governação protectoral.

Por isso a protecção legislativa ao astro-rei era imperativo constitucional. O Sol recebia assim, por decreto, à boa maneira dos sacerdotes assírios e pré-helénicos, os epítetos de ser supremo, paraninfo real, coração do mundo, razão de ser de todo o universo, detentor dum poder, duma força e duma vontade anteriores ao mundo, regulador da marcha do universo, controlador assumido do destino, significante exímio da grandeza, da dignidade e da perenidade e gerador da contagiante simpatia.

Foram, então, publicados decretos cerceadores dos eclipses e eliminadores dos dias enevoados e cinzentos e promulgadas leis que combatiam, de forma radical e imperiosa, as próprias noites. A Lua, quer na sua extravagante ousadia de gerar eclipses, quer na sua prestigiante função de iluminar a noite, foi decretada como inimigo número um. A duração dos dias de Inverno foi aumentada.

Na própria bandeira da nação serrana foi mandada afixar a inolvidável imagem do maior e mais importante astro do universo, na sua postura mais digna, gratificante e criadora - nascendo. Por toda a parte, dentro e fora do palácio real, surgiam desenhos e imagens do Sol. Nos jardins reais, foram mandadas erigir duas estátuas: uma do deus Apolo e outra do rei Hélio e as salas foram ornamentadas com frescos e baixos-relevos representando os episódios mais significativos da vida de Faetonte, o mais importante filho do Sol que, estando um dia a jogar apaixonada e emotivamente com o seu amigo Epapo, este, ao ser derrotado, desentendeu-se com ele e lançou-lhe à cara alguns insultos, nos quais se incluía uma grave e ofensiva suspeita de que ele não era filho do Sol, o que punha linearmente em causa a seriedade da sua mãe. Faetonte foi queixar-se a esta que, de imediato, o mandou certificar-se junto do Sol. Este, encontrando o filho, a quem desde há muito procurava, despojou-se dos seus próprios raios em benefício do filho e jurou conceder-lhe tudo o que ali mesmo lhe pedisse, como real prova da sua efectiva paternidade. O jovem Faetonte pediu-lhe que o deixasse conduzir, apenas por um dia, o seu próprio carro. Não era essa a vontade paternal, mas como prometera em juramento e não podia voltar com a palavra dada, o Sol emprestou-lhe o seu carro puxado por fortíssimos cavalos e deu-lhe a respectiva certificação de condutor. Os verdores de Faetonte levaram-no, em louca correria, até ao horizonte terrestre. Foi aí que os cavalos, ao aproximarem-se da Terra, se assustaram e os raios de Faetonte começaram, de imediato a queimá-la e a incendiá-la, ao mesmo tempo que afastando-se, ela arrefecia. Gerou-se, assim, um caos universal, que culminou em tempestades ciclónicas e diluvianas, trovoadas contínuas, cataclismos destruidores, inundações arrasantes, tendo sido, o próprio Faetonte, fulminado por um raio, caindo o seu corpo no rio Eridano, perante o choro e o lamento de suas irmãs e do seu amigo Cícuo. A desordem no universo foi tal que, durante um ano, não houve Sol e a corrida dos cavalos tão violenta que do carro ficou um rastro no firmamento, que se prolongou até hoje e que ainda se pode observar - a Via Láctea.

Estas imagens, gravadas nas paredes o palácio real, contribuam, significativamente, para valorizar a força, a grandeza e a imperiosa consistência que o Sol, agora, passava a ter, na vida e nos costumes do novo governante. Este acordava todas as manhãs, na esperança de ver nascer o astro-rei. Caminhava pelos campos e pelas bosques, alta madrugada, ansioso e expectante, tímido e submisso, na certeza de que ele em breve, surgiria no firmamento, na sua grandiosidade e omnipotência, espargindo, com os seus raios luminosos, simpatia contagiante, irradiando doçura, emanando dignidade, aquecendo os bosques e as florestas, aconselhando as flores e os pássaros, passeando ao lado das montanhas, dignificando o perfume das flores e transformando em sublimidade a perene doçura dos frutos. O dia surgia, então, pacífico, alegre, e bonançoso. A água dos regatos e arroios corria, agora, mais  límpida e cristalina, a fluidez fora irradiada, a inconstância abolida e a indefinição suprimida. O sol assumia-se, na realidade, na sua total e infinita plenitude - rei e senhor do universo. Era, assim, reposta, nas cercanias serranas, a ordem mitológica, assíria e pré-helénica, desfeita pela perturbante missão da História, acolitada por imperativos religiosos ou racionais.

O povo, cedo, entendeu o que se passava. As alterações eram tais, que era impossível não entendê-las. Preferiu, no entanto, ocultar-se, calar-se, aguardar os acontecimentos, sentindo a perene e constante ternura de sentir que agora fora decretado o direito de sonhar e de imaginar a aventura e a fulgurante consonância de conquistar o próprio destino. Por outro lado, a protecção e o constante acompanhamento que lhe era dado, por parte do novo governante, permitia não apenas que aceitasse a mudança, mas também que a anelasse e que a quisesse ou até mesmo que a procurasse.

Os dias sucediam-se, pois, repletos de paz e de tranquilidade. O povo pradense balsonava-se de ocupar o 1º lugar no top da euritmia e da ataraxia contemplativa. As manhãs consolidavam-se perenes de irradiações solares e erguiam-se acolhedoras e tranquilizantes, geradoras de orgasmos emocionais, transmitindo à serra um potencial de vida, de doçura e simpatia contagiante, nunca antes conseguida. Quando o dia, impelido pela beleza solar, se extravasava na sua delirante bonança, os arbustos cresciam, as árvores davam mais flores e mais frutos, as aves construíam ninhos de raios de luz e de esperança, o povo refugiava-se nas sombras do destino, o anão pura e simplesmente contemplava o sol ou as imagens que dele rodeavam os mistérios do reino.

A vida, na serra, era agora a certeza institucionalizada. Era possível sonhar-se com a perene transcendência de se poder sonhar mesmo não sonhando. O teorema hélénico dos filósofos socráticos fora traduzido para a neo-cultura serrana: "a verdade é que estamos sempre a sonhar, pois quando estamos a sonhar, estamos de facto a sonhar e quando estámos a não-sonhar, também estamos a sonhar que não estamos a sonhar". Por isso, toda a serra sonhava.

Porém, inesperadamente, um dia, sem que ninguém se apercebesse ou desejasse, chegou, o primeiro e grande Inverno. De imediato os dias escureceram totalmente, as flores fecharam-se, as folhas caíram, as árvores murcharam, os animais, em aulidos de dor, refugiaram-se nos seus esconderijos. As encostas serranas cobriram-se com um manto acinzentado de neve. O anão tremeu de frio, como nunca tinha tremido até então e escondeu-se, fechou-se, enclausurou-se e chorou amargamente. É que não havia nem leis, nem decretos que imperassem sobre as leis da natureza e transformassem aqueles frios e terríveis dias de inverno, fazendo regressar à serra a ternura, o calor e a fragrância solares.

A vida na serra paralisou totalmente. O frio e a neve destruíram tudo e todos. Apenas a perene certeza do retorno sazonal e ansiado da longínqua primavera, justificava a angustiante mas ousada volúpia de viver.

O anão tremeu de frio dias a fio, semanas inteiras, meses consecutivos. Do sol, apenas a ténue esperança de regressar o mais cedo possível, pondo termo a tão angustiante e tétrica lucubração.

 

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publicado por picodavigia2 às 00:06

O DECEPADO

Quinta-feira, 12.03.15

Conta-se que D. Garcia, Governador do Castelo da Penha Garcia, raptou, numa certa noite de tempestade, Dona Branca, figura de grande beleza, filha do Governador de Monsanto. Este ficou furioso e perseguiu D. Garcia durante meses, até que o apanhou. A justiça impunha para estes casos de rapto de donzelas a pena de morte. Mas o Governador de Monsanto condoído por causa da filha decidiu punir publicamente D. Garcia, tendo substituído a pena capital pela amputação do braço esquerdo. Segundo reza a lenda a figura do decepado, continua ainda, no alto das torres, vigiando e olhando o morro sobranceiro de Monsanto.

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publicado por picodavigia2 às 16:18

Nº 21 MARIA

Quinta-feira, 12.03.15

“Aos sete dias do mes de Julho do anno de mil oitocentos e sessenta e um, pelas oito horas da manhã, na egreja Parochial de Nossa Senhora dos Remédios, freguesia da Fajansinha, concelho da vila das Lajens, distrito eclesiástico da Horta, Diocese de Angra, eu presbítero José Maria Henriques Álvares, vigário da mesma freguesia, baptisei solenemente um indivíduo do sexo feminino quem dei o nome de Maria, e que nasceu ás seis horas da tarde do dia dois do dito mês e anno filho natural primeiro do nome de Francisco Lourenço Mancebo, trabalhador e de Maria dos Santos, parochianos desta freguesia e moradores no logar da Fajamgrande, neta paterna de Manuel Joaquim Fagundes e de Clara de Jesus e materna de José António Camarão e de Maria dos Santos. Foi padrinho António Pereira solteiro trabalhador e morador na Fajamgrande os quais todos sei serem os próprios. E para constar lavrei em duplicado o presente assento de baptismo que depois de ser lido e conferido perante o padrinho, comigo o assigna de cruz  por não saber assignar. Era ut supra.

(Seguem-se 3 assinaturas em forma de cruz)

O Vigário José Maria Henriques Álvares”.

Este é o registo de batismo da última criança nascida na Fajã Grande e batizada na igreja da Fajãzinha por aquela ainda não ser paróquia. A partir de então os registos começaram a ser feitos no cartório da igreja paroquial da Fajã Grande. Há no entanto uma criança da Ponta que depois desta data, ainda se batizou na igreja paroquial da Fajãzinha.

Acrescente-se que das 21 crianças batizadas na igreja da Fajãzinha naquele ano, até esta data, 9 nasceram na Fajãzinha, enquanto das outras 12, 9 nasceram na Fajã e 3 na Ponta, o que só por si parece justificar a criação da nova paróquia, que abrangia os lugares da Fajã, Ponta e Cuada. Esta criança 

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publicado por picodavigia2 às 10:49

JACOB TOMAZ

Quinta-feira, 12.03.15

Jacob Tomaz, a nível cultural, foi um dos mais ilustres florentinos. Nasceu na freguesia da Fazenda, concelho de Lajes, em 25 de Junho de 1922. Mas visitava a Fajã Grande com muita frequência. Faleceu em 19 de Março de 1999 num hospital de Fresno, Califórnia, cidade para onde emigrara em 1972.

Era filho de Mariano Tomaz Pereira e de Maria José Jeremias Tomaz Pereira. Descendia de ilustres famílias florentinas de origem nórdica, de cuja linhagem se orgulhava.

Na escola da fazenda fez a instrução primária com excelente aproveitamento, após o que seguiu para as cidades da Horta e de Ponta Delgada, onde concluiu o Curso Geral dos Liceus. Aí foi um aluno brilhante, tendo suspendido o ensino para prestar Serviço Militar, em Tavira. Regressado à ilha das Flores, desempenhou profissionalmente na vila das Lajes, durante vários anos, o cargo de Despachante Oficial da Alfândega da Horta e, mais tarde, o de solicitador judicial da Comarca das Flores. Foi um dos fundadores e proprietários da Drogaria Florentina, nas Lajes. Essa empresa, para além de perfumaria e drogaria, vendia medicamentos, sob a responsabilidade dos médicos municipais, servindo assim as populações das freguesias limítrofes, numa altura em que apenas havia uma farmácia na vila de Santa Cruz.

Mas foi como intelectual e investigador histórico que Jacob Tomaz se distinguiu, fazendo então importantes relacionamentos nessas áreas. Foi o grande obreiro da edição dos “Anais do Município de Lajes das Flores”, conjuntamente com Pedro da Silveira, em 1970. Nela foram inseridos importantes estudos históricos sobre o concelho das Lajes das Flores. Jacob Tomaz colaborou com Armando Cortes-Rodrigues na recolha de folclore florentino para o Cancioneiro Geral dos Açores, bem como com outros investigadores que se interessavam pelos assuntos florentinos, designadamente com o Tenente Coronel José Agostinho, na pesquisa de aves, plantas, rochas e outros assuntos de interesse histórico das Flores. Além disso, recolheu músicas e textos do folclore florentino, gravando vários números, nomeadamente o que Maria Antónia Esteves introduziu no seu disco Canto do Prisioneiro, relativo à música tradicional açoriana.

Durante a sua vida colaborou em vários jornais, com artigos sobre os mais variados temas, sobretudo de interesse histórico e cultural, designadamente no Jornal de Tavira, Correio dos Açores, Diário Insular, Diário de Notícias, Correio da Horta, O Telégrafo, As Flores, A Ilha e Portugal Madeira e Açores.

Foi durante vários anos presidente da Direcção da Cooperativa de Lacticínios Senhor Santo Cristo dos Milagres da Fazenda das Lajes, Presidente da Comissão Concelhia de Assistência de Lajes das Flores, Provedor da Santa Casa da Misericórdia, vereador da Câmara Municipal de Lajes das Flores, onde desempenhou as funções de Vice-Presidente, durante o primeiro mandato da Presidência de José de Freitas Silva, iniciado em 1948.

Em 1972 abandonou a ilha das Flores e partiu para os EUA, onde fixou residência na cidade do Fresno, Califórnia. Contava já 50 anos de idade. Aí, depois de passar por serviços vulgares na indústria hoteleira, trabalhou numa repartição de finanças públicas, onde tinha por funções o controlo das declarações de impostos. Apesar de viver longe da sua terra natal, continuava intimamente ligado e apaixonado pela investigação histórica açoriana, designadamente pela da sua querida ilha das Flores. Durante a sua vida sempre se dedicou â recolha e guarda de objetos antigos e de valor histórico, tais como imagens, louças, selos, livros, moedas, medalhas e marfins ou scrimshaws

Em 1988, doou ao Governo Regional dos Açores 31 scrimshaws, a maior coleção privada da especialidade e que, atualmente, se encontra no Museu dos Baleeiros das Lajes do Pico e que possui grande valor histórico.

Jacob Tomaz distinguiu-se, sobretudo, como investigador histórico de elevado mérito, e era dotado de privilegiada inteligência e possuidor de elevada cultura.

 

NB – Dados retirados do Jornal Tribuna das Ilhaspessoas

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