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SUBIR A ROCHA

Terça-feira, 07.04.15

Quando eu era criança adorava subir a Rocha da Fajã Grande. É verdade que era uma tarefa árdua, cansativa e desgastante. Eram trinta e duas voltas, cheias de degraus e pedregulhos. Sempre a subir. Mais de trezentos metros. Mas era gratificante, muito belo e adorável. À medida que se ia subindo, sobretudo a partir do Descansadouro ou da Furna da Caixa, começava a desfrutar-se de uma bela vista sobre a Fajã Grande. As relvas, as terras de mato, os cerrados lavradios, as casas, as ruas, o baixio, o cais, o Monchique e a Baixa Rasa. Tudo se via lá do alto como se fôssemos a bordo de um avião. Além disso as voltas da Rocha estavam plenas de fascínio e magia. Algumas tinham nome, outras destacavam-se por nelas existir uma furna. A primeira, a maior e a mais útil furna, era a do Peito. Situava-se logo no início da subida, na décima volta e tinha a forma de uma grande caverna encravada num sítio mais saliente e pedregoso da Rocha cuja forma se assemelhava a um gigantesco peito humano. Por isso se chamava “Furna do Peito”. Esta furna tinha uma dupla finalidade pois servia de abrigo da chuva, de proteção dos ventos e resguardo dos temporais, mas em dias de bom tempo também era útil, pois era lugar de descanso, de repouso e de retoma de fôlego. Mas era também uma espécie de templo rústico, onde entrava quem subia a Rocha, sobretudo quem sentia medo ou revelava maior cansaço e dificuldade durante tão íngreme escalada. A entrada na furna do Peito dava ânimo, fornecia calma, tranquilidade e, sobretudo, a esperança de chegar ao cimo, livres de qualquer perigo ou salvos duma eventual derrocada. Por isso havia sido colocada, numa das paredes interiores da furna, uma grande cruz de madeira. Ao redor de todo o seu interior havia-se construído uma espécie de bancada feita de pedras toscas, onde os transeuntes que ali entravam se sentavam a descansar e a retemperar forças. Muitos homens sentavam-se ali para fumar um cigarro e os que iam ao leite, por vezes, combinavam encontrar-se ali, a fim de subirem em conjunto. Por sua vez, a Furna da Caixa, situada a meio da Rocha, era bastante mais pequena, tinha muito pouca profundidade e situava-se, rigorosamente, a meio da subida. Quem ali chegava, pelo menos, tinha a certeza de que já galgara a primeira metade de tão escabrosa ascensão. Na volta onde se situava esta furna havia uma espécie de miradouro ou descansadouro, com um muro protetor e com uma banqueta em forma de semicírculo e que servia simultaneamente de local de descanso e de observação uma bela vista. Ao perto o verde das relvas da Figueira e das Águas e as terras de mato do Pocestinho e dos Paus Brancos; mais além as belgas da Bandeja e das Queimadas, os cerrados do Alagoeiro e do Mimoio e depois as casas com o vermelho escuro dos telhados a misturarem-se com o verde amarelado das courelas. Por fim e a delimitar a imensa fajã a mancha negra do baixio, recortada por caneiros e enseadas a entrelaçarem-se com o oceano imenso e infinito onde se haviam cravado desavergonhadamente, lá ao longe, a Baixa Rasa e o Monchique. Finalmente, logo a seguir à Fonte Vermelha, a mítica Furna dos Dez Réis, a última, a mais pequena e, provavelmente a mais profunda. Tão pequena que nem uma cabeça humana caberia na sua entrada, tão funda que não se lhe conhecia a profundeza. Era no entanto uma das mais importantes e mais almejada de atingir por todos os que subiam aquele inexaurível alcantil. Por um lado, chegar à Furna dos Dez Réis era ter a certeza de que faltavam apenas dez voltas para chegar à cancela do cimo da Rocha. Por outro lado aquela furna tinha um poder mágico e sobrenatural: quem metesse lá dentro uma mão bem fechada e formulasse um desejo que não fosse muito ambicioso, esse desejo ser-lhe-ia concedido. Mítica também era a Fonte Vermelha com a sua água fresquíssima e saborosa. Água puríssima e como que miraculosa, a daquela fonte, porque suavizava o cansaço, balsamizava o esgotamento físico de quantos por ali passavam quotidianamente e sobretudo dos que subiam aquele alcantil escarpado e abrupto apenas de vez em quando. A água era pura e fresca e servia para saciar a sede, descansar o corpo e aliviar a tormenta. Dizia-se que era a melhor água da ilha das Flores, A fonte era contínua, permanente e eterna. É que a água jorrava, incessantemente, de uma pequena e tosca bica, encravada num tufo da Rocha, onde cada transeunte sequioso colocava uma folha de incenso ou de sanguinho, para ter acesso mais higiénico e eficiente ao consumo do cristalino e diáfano fiozinho. Parecia que quanto mais se bebia mais água brotava do tufo. Todos os que por ali passavam dela bebiam todos os dias e todas as vezes e, não raramente, depois de beber, voltavam a beber muitas outras vezes, quer quando subiam quer quando desciam e o mais curioso é que a fonte nunca secava. Corria sempre, dia e noite, jorrando um frágil mas contínuo veio, lá bem do interior da terra. Mesmo que ninguém a procurasse para beber, a água continuava a brotar e caía solitária mas sussurrante, formando, no chão, uma poça que, depois de cheia e de nela os animais também beberem, ainda escoava pelos degraus e encostas da Rocha, transformando-se num pequeno regato e enchendo com tons de verde, sons de suavidade e aromas de frescura todo aquele maravilhoso lugar – o lugar da Fonte Vermelha. Mas o que eu mais gostava era de chegar ao cimo da Rocha. Após o portal de entrada na primeira relva havia um largo, no cimo do qual existia uma enorme e bem desenhada bancada, protegida do vento norte por uma alta parede, Era aí que descansavam os homens que vinham dos lados do Queiroal, do Bracéu, ou do Curral das Ovelhas. Aproximando-me da beira da rocha observava o baixio com os seus recortes negros, começando na enorme baía da Ribeira das Casas e do Rolo, depois o Cais, a Ponta dos Pargos, onde se divisava perfeitamente a Poço do Cobre, uma espécie de piscina natural, com um calhau no meio. Era aí que a maioria da rapaziada aprendia a nadar, depois de fazer uma pequena iniciação na Poça do Farol. Quem conseguisse ir ao Corvo, isto é ao tal calhau do meio da poça tinha passaporte para ir nadar para o cais. Depois o Poceirão, com o Calhau da Barra espetado à entrada e já próximo da eira o Caneiro do Porto. Depois a baía da Via d’Água, o Rolinho das Ovelhas, Respingadouro, o Caneiro das Furnas, a Ponta da Coalheira, a Retorta, o Redondo e a Poça das Salemas, onde naufragou a Bidarta, já quase tapada pelo Pico da Vigia, A sul ainda era possível observar toda a zona da ampla Fajã, desde da Rocha até ao mar, incluindo a Cuada e a Fajãzinha. Uma adorável vista! Um belíssimo espetáculo!

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publicado por picodavigia2 às 08:02





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