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AS TÂMARAS DO GIL

Quarta-feira, 08.04.15

O Gil morava na Rua Direita. No entanto, como a casa ficava um pouco afastada da rua, com a casa de Tio José Luís pela frente, a casa do Gil tinha dois acessos que a ligavam à rua Direita. Um deles era uma pequena canada em forma de L, com o vértice no curral do porco, paredes meias com o lado norte do adro da igreja. Era por aí que se tinha acesso à porta da cozinha e também era por aí que o Gil entrava e saía com as vacas uma vez que o palheiro e a casa de arrumos ficava ao lado da casa. Acresce dizer-se que as vacas do Gil usavam belas campainhas, com sons inconfundíveis e belíssimos, Era também por esta canada que se tinha acesso à cozinha do José Natal. De resto mais nada por ali. O outro acesso à casa do Gil, o principal e o mais importante, era feito através de um estreito e comprido pátio, contiguo a um chafariz que havia na empena sul da Casa do Espírito Santo de Baixo e que ligava a porta da sala da casa à Rua Direita. Era pois a entrada nobre, por onde entrava a Coroa do Espírito Santo ou saía um funeral. Junto ao portão desse pátio, à direita de quem entrava, havia uma enorme tamareira, árvore pouco vulgar e muito rara na Fajã Grande, uma vez que se trata de uma espécie com habitat em climas mais quentes. Era, no entanto, uma tamareira diferente das do deserto, assemelhando-se a ima árvore mediterrânea. Nesses tempos da década de cinquenta, a escola primária que já era mista, funcionava no edifício da Casa do Espírito Santo de Baixo. A tamareira era uma enorme árvore que dava uns belos frutos chamados tâmaras. Quando maduros eram muito saborosos, tinham uma cor amarelada e um cheiro delicioso. Mesmo apanhadas verdes elas amadureciam facilmente, sobretudo se colocadas no escuro.

Ora a tamareira do Gil para além de dar uma fresca sombra a quem ali se sentasse a descansar, na primavera enchia-se de pequenas flores, que pouco depois se transformavam em belos e apetitosos frutos. A ganapada da escola, durante os recreios é que não lhes dava tréguas. Uns atrás dos outros, por vezes dois a dois, mas sempre às escondidas do Gil ou da sua irmã, a zelosa Ricardina, os garotos mais triqueiros subiam a árvore, papavam todas as tâmaras maduras e enchiam tudo quanto eram bolsos das calças e mangas de froca amarradas na ponta com as verdes que depois guardavam em casa, geralmente, no escuro, entre roupa, até elas amadurecerem As caixas e os armários onde as guardavam cheiravam que era um consolo. O pobre do Gil é que ficava a ver navios, isto é, sem tâmaras maduras ou sequer verdes. O Gil, por altura dos recreios escolares, geralmente, não estava em casa. Era a irmã, a Ricardina que vinha enxotá-los. Como era um pouco lenta, quando chegava junto da árvore de garrancho na mão, xou xou como se estivesse a enxotar galinhas, já os monços haviam fugido a sete pés, de bolsos cheios de tâmaras. O Gil era mais rápido e em vez de garrancho trazia um forte bordão de nespereira. Bem mais perigoso. Muitas vezes nem havia garotada na árvore. Só para ver a Ricardina de garrancho ou Gil de bordão assomarem à porta, bem gritavam, do meio da rua:

- Ó Giiiiiiiiiiiiiiiiil! Olha os monços nas tâmaras.

O Gil ao aperceber-se do embuste ainda mais furioso ficava:

- Deixa estar que ainda te vou apanhar um dia e vou pegar-te pelo papel da barriga e dar contigo contra uma parede, grande sanababicha.

Então de longe para não serem apanhados, lá vinha a cantilena, uma espécie de “Hino do Gil” que a ganapada toda sabia de cor:

 

Gil da Costa,

Caga bosta,

Tem um cão

Que caga pão,

Tem uma gata

Que caga nata,

Tem uma velha

com um facão 

Que rapa merda

Todo verão.                     

 

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publicado por picodavigia2 às 05:00





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