PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A CANADA DA FONTE (NA ASSOMADA)
A Canada da Fonte ficava perto da minha casa. Era uma viela exuberante, plena de magia. Haviam-na plantado logo a seguir à primeira curva de quem, partindo da Praça, subia a Assomada. O mais interessante para mim, nos meus tempos de criança é que a Canada da Fonte como que desenhava um semicírculo ao redor da minha casa, formando uma espécie de auréola, de que eu me sentia o centro
Na verdade, a Assomada, embora fosse uma rua retilínea, tinha, ao longo do seu extenso percurso, algumas minúsculas e típicas canadas a aumentar-lhe o casario. Umas com meia dúzia de casas outras com uma ou duas. Algumas desertas. Mas todas pequenas, estreitas e sinuosas. A Cana da Fonte era uma das mais extensas e com maior número de moradias. Iniciava-se num largo que existia em frente à casa das senhoras Mendonças e onde havia uma fonte que lhe daca o nome. Na década de cinquenta moravam nesta espécie de braço principal da Assomada apenas quatro famílias. Tio José Pureza, o António Augusto que durante muitos anos foi o regedor da freguesia, o João de Freitas e o José Fagundes, o que lhe dava uma densidade populacional relativamente baixa. Morariam ali umas umas quinze ou dezasseis pessoas. Em tempos idos, no entanto teriam sido mais, uma vez que havia ali mais alguns edifícios, nesta altura transformados. Uns serviam de casas de arrumos, outros de palheiros de gado. Mas todos, outrora teriam sido casas moradias, pelo que quase triplicaria o número de habitantes desta canada. A canada, desde o seu início até à casa do João de Freitas, possuía uma largura assinalável, pelo que mais se poderia considerar um caminho, por onde passava, à vontade, um carro ou um corsão puxado por uma junta de bois. Afunilando-se logo a seguir à fonte e prolongando-se de seguida numa pequena reta, a canada iniciava-se com a casa do Tio José Pureza, à esquerda de quem nela caminhava, partindo da própria rua da Assomada. Do outro lado duas casas de arrumos. Seguia-se uma curva, a formar um ângulo de noventa graus, prolongando-se, novamente em reta, na direção sul norte. Era em frente à casa do João de Freitas, precedida por uma outra, nessa altura já palheiro, que a canada da Fonte como que terminava, pese embora, de seguida, se prolongasse por uma vereda, atravessando uns terrenos agrícolas ali existentes. Ligava-se a uma outra vereda, esta sim, uma canada no sentido pleno da palavra, com início junto à casa do Catrina e a prolongar-se pelo Pico dentro, paralela às Courelas.
Quantas vezes atravessando a terra da porta de meu pai que separava o pátio traseiro da minha casa da velhinha Canada da Fonte, eu, a correr como um louco, ia postar-me num maroiço a brincar e a apreciar os que iam e vinham percorrendo aquela canada. E não eram poucos. Uns, os que ali moravam na sua faina diária de idas e vindas. Outros familiares que ali vinham de visita. Mas muitos eram também os que por ali passavam, ocasionalmente, na mira de encurtar caminho entre o fundo das Courelas e o Cimo da Assomada. Sobretudo as mulheres que, além disso evitavam passar à Praça e serem miradas pelos homens que ali se sentavam, a bisbilhotar, a falquejar e tecer comentários a quem por ali transitava. Sobretudo às mulheres. Hoje, muito provavelmente, a Canada da Fonte que ornava e dava mais graça à minha casa e que eu guardo na memória cheia de pessoas, de vida e de movimento, ter-se-á transformado num deserto mítico, abandonado.