Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



A FESTA DO ESPÍRITO SANTO DA CUADA

Domingo, 31.05.15

A Cuada, embora não tivesse capela ou ermida, tinha uma casa de Espírito Santo, a mais antiga da Fajã Grande, construída em 1841, sendo também uma das mais antigas da ilha, uma vez que antes da data da sua edificação, penas foram construídas na ilha das Flores duas casas de Espírito Santo, uma em Ponta Delgada em 1819, a Casa do Espírito Santo da Terra Chã e outra nas Lajes, a Casa do Espírito santo da Vila, no mesmo ano. A razão histórica que terá levado à construção desta casa, muito antes das duas da Fajã e uma na Ponta, não é fácil de descortinar mas prende-se com algumas narrativas lendárias. Na verdade e segundo algumas lendas, antigamente o povo da Fajã Grande, com as suas habitações muito próximas do mar, era frequentemente assaltado por piratas que entrando no povoado, pilhavam, roubavam, assaltavam e violavam as mulheres. O povo indefeso era forçado a fugir para locais mais interiores, por vezes até para o mato, onde permanecia escondido até os malditos desistirem dos seus malévolos intentos e abandonarem o povoado. Nesses momentos de terror invocavam a ajuda do Senhor Espírito Santo e um dos lugares onde se refugiavam, mais frequentemente, era a Cuada, talvez por ser sítio ermo, encastoado entre arvoredos e plantado num planalto de onde podiam avistar o mar. Daí o facto desta casa do Espírito Santo ter sido a primeira construída em todo o amplo espaço das Fajãs e essa a razão pelo qual, hoje com ontem, estão ligados os habitantes quer da Fajã quer da Fajãzinha.

A casa assemelha-se a uma pequena ermida, onde não falta a torre sineira, e era nela que se realizava a maior festa Cuada – a Festa do Espírito Santo

Eram dois ou três dias de festa. Mas a grande festividade a que se deslocava muita gente da Fajã e da Fajãzinha era no domingo. Durante a semana eram cantadas as Alvoradas, na sexta havia a matança do gado e no domingo, missa com um enorme arraial, no pátio da casa, durante toda a tarde. A festa era realizada no domingo da Trindade, uma vez que o anterior, ou seja, o domingo de Pentecostes era reservado para a festa da Casa de Cima, na Fajã Grande. Era pois na semana da Trindade, durante a qual se cantavam as Alvoradas que também era rezado o terço todos os dias, As alvoradas eram tocadas à terça-feira, quinta e sábado, pelos seus próprios foliões, comandados pelo Bygoret. Acrescente-se que nos domingos anteriores, desde a Páscoa, a coroa da Cuada se deslocava em cortejo até a Fajã, rumando à igreja, onde permanecia juntamente com as das Casa de Baixo e de Cima. Cheia de simbolismo e tradição, a festa da Cuada era muito apreciada e ainda hoje continua a realizar-se, pese embora a Cuada já não possua residentes permanentes.

Atualmente conta com 102 mordomos da Fajã, que no final da sexta-feira e durante a noite vem ao Império da Cuada levantar o seu “arlique/peso” de carne, que cada qual paga. Hoje como antigamente, os chambões são arrematadas com o fim de aliviar o custo da carne de cada mordomo. A festa culmina no domingo com a ida das pessoas levando as insígnias a pé desde o império na Cuada até à igreja da Fajã Grande, sendo que na parte final do percurso são incorporadas uma imagem da Rainha Santa Isabel e as coroas e bandeiras do Espírito Santo das Casas de Baixo e de Cima e de São Pedro que vêm ao seu encontro para em conjunto remarem até à igreja onde é celebrada uma missa cantada.

Hoje como ontem a festa da Cuada atrai e encanta quantos ali se deslocam para festejar o paráclito em domingo de Trindade.

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 08:12

ALMOÇO GAMADO

Sábado, 30.05.15

Como tantos outros trabalhadores, todos os dias ela levava a sua marmita com o almoço. A mãe, ao anoitecer, preparava-o com esmero e carinho. Ao chegar ao local de trabalho guardava a marmita no frigorífico, com um pequeno identificador que a distinguia das outras. Considerava um lugar de segurança.

Certo dia, duas colegas convidaram-na para ir almoçar ao restaurante mais próximo. Ao princípio ainda hesitou. Se tinha ali um belo e saboroso repasto, preparado pela mãe, com tanto carinho!? Mas a amizade e a vontade de conviver prevaleceu. E decidiu-se por acompanhar as colegas no repasto programado. O almoço que a marmita continha ficava para o dia seguinte.

À noite avisou a mãe. Que não lhe preparasse nadinha. Esperava-a a marmita recheada do dia anterior. E lá foi, descansada, despreocupada. À hora do almoço dirigiu-se ao frigorífico com o intuito de aquecer o conteúdo da marmita e iniciar o bródio. Para espanto seu, encontrou-lhe o lugar. Nem almoço, nem marmita. Fora-lhe gamado, o almoço… E a marmita também.

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 10:55

JANTARES DO ESPÍRITO SANTO

Sexta-feira, 29.05.15

Na Fajã Grande chamavam-se Jantares às promessas que as pessoas, sobretudo os americanos, faziam em louvor ao divino Espírito Santo. Essas promessas, geralmente, eram feitas se conseguissem emigrar para a América, se a vida por essas paragens lhes corresse bem, se tivessem sucesso, o que geralmente acontecia. Quando podiam voltavam, de visita, à freguesia para dar o jantar. Estes eram de abrangência diferente. Os maiores eram do Portal ao Risco, abrangendo a Ponta, a Fajã, a Cuada e a Fajãzinha. Outros apenas à Fajã e os mais pequenos a um grupo de pobres, incluindo familiares e amigos. Eram estes os jantares que pessoas prometiam, quando iam para a América e depois vinham pagá-los. Estes jantares incluíam a distribuição da carne e do pão de graça, contrariamente à distribuição nas festas do Espirito Santo em que não era distribuída a todas as pessoas, mas apenas aos que era mordomos e pagavam a carne. Nestas festas não se distribuía pão, e os mordomos pagavam a carne. O dinheiro era para as despesas da festa e as vezes também para pagar a carne, pois tinham que comprar o gado. Algumas vezes certas pessoas faziam promessas de dar um bezerro ou uma vaca. Os mordomos da Casa de Cima, não tinham carne pela festa da Casa de Baixo e vice-versa. Não tinham carne, porque não éramos mordomos, embora houvesse quem fosse mordomo de ambas as casas e até de S. Pedro.

Era no dia da festa depois da missa que na Casa do Espírito Santo partiam o pão doce ou pão adubado como se chamava popularmente.

Os jantares obedeciam ao um cerimonial semelhante aos das festas do Espírito Santo. Alvoradas durante a semana, matar o gado na sexta-feira de tarde distribuição da carne no sábado e festa no domingo.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 13:04

DEA IGNOTA

Quinta-feira, 28.05.15

Menina de tranças, de bonecas e de sonhos!

Sonhava, como sonham todas as crianças,

Com aquilo que havia de ser um dia.

Cedo os seus sonhos se realizaram,

Transformando-se, num equilíbrio de apetências,

Em realizações de desejos e vontades.

 

Senhora, de sonhos domados,

Peregrina de estigmas, acompanhante de angústias e sofrimentos.

De noite, de dia, em turnos, ou no silêncio das madrugadas,

Na abnegação duma entrega persistente,

Transformavas o trabalho em amor, reconstruías destinos desfeitos.

 

Em pose de donzela serena,

Irradiavas alegria, bem-estar, felicidade.

E na cumplicidade de um envolvimento compassivo,

Cativavas, com o doce perfume das tuas palavras,

Atraías, com a suave doçura das tuas atitudes

 

Aureolada de um eterno bem-querer,

Não esbanjavas a ternura dos teus abraços,

Nem aprisionavas a suavidade dos teus sorrisos.

Porque eram as dádivas sublimes e perenes

Com que envolvias e acariciavas quantos te rodeavam.

 

Nem o desconforto dos dias mais enevoados,

Nem o negrume das noites mais turbulentas

Ou sequer as horas de serviço mais urgente,

Te traziam mágoa, dor, sofrimento,

Ou destruíam uma nesga da tua indomável persistência.

 

Circulavas, caminhavas, rodopiavas

Por corredores, salas e enfermarias.

Ortopedia, Otorrino, Anestesia - um desfilar de melodias!

Ornavas-te de delicadeza, revestias-te de bondade,

Impunhas-te por uma nobre e singela competência.

 

Baluarte de bondade e paciência.

Anestesia – Circulante – Instrumentista.

Cativavas os adultos e gravavas no coração de cada criança,

Com o encantamento do teu cativante olhar,

A sublime leveza das madrugadas sem dor.

 

Nunca esqueceremos os afetos com que nos fortalecias!

E se, algum dia, vacilarmos frente à adversidade,

Se desesperarmos perante os amargos da vida

Ou se cambalearmos perante o desencanto, o insucesso, o infortúnio,

O testemunho da tua amizade e a força da tua dedicação,

Serão o baluarte das nossas vitórias, o remanso da nossa persistência.

 

Nova caminhada te espera!

Continua a desenhar o teu sorriso no coração dos que te rodeiam

A oferecer o teu carinho aos mais carenciados.

A partilhar a tua coragem com os que não sabem lutar.

Estaremos contigo, no abraço que riscamos sobre as nossas existências

E que o espaço e o tempo nunca apagarão.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 19:19

FESTA DO ESPÍRITO SANTO EM SÃO CAETANO

Terça-feira, 26.05.15

É por demais sabido que as festas de Espírito Santo, nos Açores, tomam matizes muito diversificadas e expressam tonalidades bem diferentes de ilha para ilha e até, dentro da mesma ilha, de freguesia para freguesia.

São Caetano do Pico é um bom exemplo das diferenças e dissimetrias existentes entre estas celebrações e as que referi, neste blogue, relativamente à Fajã Grande das Flores.

Em São Caetano “atestam-se” ou “arrolam-se” os irmãos, não para receber mas sim para dar, no caso, a tradicional rosquilha, feita de saborosa massa sovada. Cada irmão pode contribuir com um ou com meio açafate, sendo o primeiro de trinta rosquilhas e o segundo de quinze. Quem o entender, normalmente por não ter possibilidade de cozer a massa, pode substituir o açafate do pão por equivalente valor em dinheiro, contribuindo assim para as várias despesas da festa, nomeadamente para a compra das rezes e de outras iguarias destinadas a confeccionar a refeição comunitária que se realiza no dia da festa. É que o almoço conjunto de toda ou quase toda a população da freguesia constitui um dos momentos altos da festa.

Durante a semana que antecede a terça-feira de Pentecostes, dia em que se realiza a festa, canta-se o terço junto das insígnias. Trata-se de um conjunto de invocações ao Espírito Santo, cantadas de forma repetitiva e com uma estrutura semelhante à do terço habitual.

No dia da festa, alta madrugada ouve-se o foguete anunciador do início do cozer da carne. Esta é colocada em mais de uma dúzia de gigantescos tachos e é devidamente temperada. Assim vai cozendo lentamente e formando um saboroso caldo com o qual se irá regar o pão partido a meio, acamado em terrinas e coberto com folhas de hortelã. Antes da missa forma-se o cortejo, com destino à igreja, sendo as coroas transportadas por meninas familiares ou convidadas do mordomo, ricamente vestidas e pelo próprio mordomo, enquanto a bandeira é levada conjuntamente por um casal, umas e outras dentro de quadrados formados por varas, seguradas por crianças. Seguem-se conjuntamente os foliões com tambor, pandeiro e insígnias e o povo. Terminada a missa procede-se à “coroação do mordomo”, rito que consiste na imposição da coroa na sua cabeça, pelo celebrante, ao som do “Veni Creator”, agora numa adaptação vernácula “Vinde Espírito Paráclito”. O cortejo regressa ao local onde é servido, na presença da coroa e da bandeira, a refeição, sendo esta constituída pelas tradicionais sopas, carne assada e arroz doce, tudo regado com vinho de cheiro. Durante o almoço é revelado o nome do futuro mordomo, através de voto de cada irmão.

A festa e o convívio continuam durante a tarde e termina com o seu ponto alto ou seja, com a distribuição das rosquilhas, uma por cada habitante ou forasteiro que participe na festa ou simplesmente passe, por mero acaso, pela freguesia.

Actualmente a festa do Espírito Santo em São Caetano duplica-se, uma vez que, para além de ser efectuada na Prainha, na terça-feira seguinte ao domingo de Pentecostes, também é realizada, na Terra do Pão, no mês de Julho.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

CENTENÁRIO DO NAUFRÁGIO DA BIDART

Segunda-feira, 25.05.15

Hoje, dia 25 de maio de 2015 faz, precisamente, 100 anos que aconteceu o maior naufrágio de sempre nos baixios da Fajã Grande, na ilha das Flores. Na verdade, foi na madrugada do dia 25 de maio de 1915, pelas 4h30 da manhã, que a barca francesa Bidart, mas que o povo da Fajã Grande havia de alcunhar de “Bidarta”, sob o comando do capitão Jacques Blondel, naufragou por fora da Poça das Salemas, no Canto do Areal. Acossada por um intenso nevoeiro, a embarcação, sem que ninguém se apercebesse, aproximou-se de uma zona de rebentação, embatendo nuns rochedos do baixio que ali existem. Transportava minério de níquel com o valor declarado de 500 mil francos e vinha de Thio, na Nova Caledónia, sulcando os mares dos Açores com destino ao porto de Glasgow, na Escócia,

Por entre a neblina matinal, perante as condições adversas de mar e do vento, não foi possível evitar que a barca encalhasse a uns escassos metros de terra. A bordo, o comandante Jacques Blondel tentava proceder à manobra da embarcação, uma tarefa que não era em nada facilitada pela escassez de tripulantes válidos. Com efeito, em pleno século XX, ainda se morria de escorbuto a bordo dos navios oceânicos. A longa viagem, sem escalas, que a barca Bidart realizava era propícia ao desenvolvimento desta doença, causada por uma deficiência de alimentos frescos e água doce. O escorbuto, causador de perturbações ósseas e de dores musculares, provocava também o aparecimento de fadiga e de depressões, o que em muito terá contribuído para a falta de capacidade da tripulação em evitar o pior. Um dos marinheiros havia morrido na véspera, pese embora o cadáver ainda se encontrasse a bordo.

Após vários dias de sol encoberto e da presença omnipresente de brumas e nevoeiros, durante os quais não fora possível posicionar o navio pelo sol, o comandante estava praticamente perdido, sem poder identificar as coordenadas de navegação. Para piorar ainda mais as coisas, durante o anoitecer do dia 24 de Maio, morreu um dos marinheiros, de nome Letloc. Outros estavam doentes e debilitados. Com o embate nos rochedos, o casco da Bidart partiu-se em dois, vindo a afundar-se até ao castelo de popa, a cerca de 8 metros de profundidade.

Dos outros 22 tripulantes, apenas 14 se salvaram, alguns deles feridos, uns com maior gravidade outros com pequenos ferimentos. Assim que foram recolhidos, por populares que, acordados com os silvos da embarcação, acorreram à costa, lançando cordas e tábuas ao mar. Os náufragos foram agasalhados e tratados pela população da freguesia e recolhidos na loja de uma casa das Courelas, transformada em centro hospitalar de apoio. Consta que o comandante Jacques Blondel, o último a ser salvo foi vestido com roupas de mulher, por já não haver de homem. No meio de todo este azar, no entanto, o mais azarado acabou por ser o imediato. Este, que estava para se casar e que iria assumir o comando da Bidart, já tinha naufragado anteriormente nos Açores quando, simples marinheiro a bordo da galera francesa Caroline, tinha encalhado na vila da Madalena, ilha do Pico, a 3 de Setembro de 1901. Sobreviveu ao primeiro naufrágio mas não sobreviveu ao segundo. Já ao fim da tarde, chegou apoio de Santa Cruz, incluindo o médico que procedeu aos primeiros socorros, fazendo embarcar os feridos mais graves para o hospital da vila de Santa Cruz, no dia seguinte, assim que as condições do mar o permitiram.

Por iniciativa do vice-vigário da freguesia, reverendo Caetano Bernardo de Sousa, fez-se o sepultamento de quatro dos cadáveres com toda a solenidade, com a presença de todo o povo da freguesia. Dois foram encontrados nos mares da Fajãzinha e sepultados nesta freguesia. Dias depois, os sobreviventes embarcaram para Lisboa, a bordo do paquete Funchal, com escala em Angra do Heroísmo a 15 de junho de 1915. Os salvados da barca e da carga foram avaliados em cerca de 300 mil francos, e arrematados por José Azevedo da Silveira por 210$000 réis, no dia 29 de maio. O resto do navio estava submerso a alguns palmos abaixo da linha d'agua, tendo dentro parte da carga e todos os objetos de bordo, conservas e algum dinheiro. Por vários dias, o mar em volta do naufrágio tomou uma cor avermelhada, devido à fuga do minério de níquel que vinha embarcado a bordo da Bidart. No entanto o povo nunca se aproximou na procura de destroços, por cuidar que aquela cor era devida à presença do cadáver de Letoc que nunca foi retirado da embarcação.

A barca Bidart fora construída em 1901, pelos estaleiros navais Chantier Nantais de Construction Maritime, de Nantes. Tinha 2199 toneladas de arqueação bruta e 1917 toneladas de arqueação liquida. O casco era de aço, tinha 84 metros de comprimento, com 12,30 metros de boca e 6,80 metros de calado. Como todas as barcas, tinha 3 mastros, largava pano redondo no de proa e no grande, e um latino quadrangular e gave-tope no de ré. Os mastros de proa e grande tinham dois mastaréus enquanto o de ré - denominado da mezena - tinha um só.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

SENSACIONAL

Domingo, 24.05.15

A Câmara Municipal de Lajes das Flores informa que o trânsito estará condicionado na freguesia da Fajã Grande, nas ruas abaixo mencionadas, na próxima segunda-feira (dia 25), entre as 10 horas e as 18 horas, por ocasião das comemorações do Dia da Região:

 

  • Rua da Via d’Água e Rua do Porto - trânsito somente no sentido descendente Sul-Norte;
  • Estrada municipal da Ponta da Fajã - trânsito somente no sentido Poente-Nascente no troço entre a Rua do Porto e a Rua da Tronqueira;
  • Rua da Tronqueira - trânsito somente no sentido ascendente Norte-Sul.

 

É pedida a colaboração de todos, e que sigam as indicações das autoridades para que o trânsito e o estacionamento decorram da melhor forma possível.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 08:02

A FESTA DA CASA DE CIMA

Domingo, 24.05.15

A festa do Espírito Santo da Casa de Cima realizava-se, sempre, no domingo de Pentecostes, ou seja sete semanas depois da Páscoa. Começava logo de manhã. Os pátios da casa, o largo do Chafariz e a rua Direita, da Praça até à igreja, enchia-se de bandeirinhas, arcos flores e colchas nas varandas e janelas. De manhã, depois de aberta a Casa, pelos cabeças e com o tradicional foguete, os mordomos e outras pessoas afluíam ao amplo edifício, que de madrugada havia sido lavado de uma ponta á outra, a fim de retirar a sujidade e os cheiros resultantes do armazenamento da carne, no dia e na noite anteriores. De imediato a garotada, enquanto esperava pela saída do cortejo, aproveitava para organizar os jogos e as brincadeiras habituais. Chegavam em cortejo e folia as coroas das casas da Cuada, de Baixo e da Ponta. Juntava-se a pequenina, de S. Pedro. À hora marcada organizava-se um cortejo, com destino igreja paroquial, enquanto os sinos repicavam e os foguetes estalejavam no ar e em abundância, ecoando nos outeiros e rochas circundantes. Quanto mais foguetes melhor era à festa e, neste aspeto a Casa de Baixo, que se realizava depois da de Cima, ultrapassava-a de longe, pois para além dos foguetes e fogo preso, à noite, ainda se dava ao luxo de, em pleno arraial, disparar um tiro de canhão. O cortejo, com destino à igreja, abria com a bandeira branca, depois as vermelhas transportadas por rapazes e a seguir as coroa levadas por meninas, ladeadas por outras transportando o cetro e flores, vestidas com trajes adequados e cercadas por outras quatro formando um quadrado com as varas. Seguiam-se os foliões, os mordomos e uma boa parte do povo. O restante esperava, no adro, a chegada à igreja, onde o pároco, como nos domingos anteriores, embora com mais solenidade também aguardava o cortejo e as coroas, à porta do Guarda-Vento.

De seguida, entravam todos na igreja, ao som do “Magnificat”, entoado pelo pároco em canto-chão. A Missa era cantada e terminava com a bênção e a incensação das coroas, enquanto se cantava o hino “Alva Pomba”. O cortejo reorganizava-se novamente, e regressava à Casa, fazendo o trajeto inverso.

Todos voltavam às suas casas para o jantar, a fim de saborearem a carne que cada um havia cozinhado a seu gosto. Na véspera, a carne havia sido temperada e posta em “vinha-d’alhos”. De manhã era “rosada” em banha de porco e depois guisado em caldeirões de ferro, ficando prontinha antes da missa. A refeição era acompanhada normalmente com inhames e pão de trigo, havendo também, quase sempre, pão adubado.

De tarde o povo juntava-se de novo na Casa, para as arrematações, para os cantares, para os jogos, para a quermesse e, sobretudo, para o convívio. As arrematações resultavam das promessas que muitos mordomos haviam feitos em ocasiões de doença ou momentos de aflição. A fé no Senhor Espírito Santo era muita. As ofertas eram feitas de massa igual à do pão doce, mas representando uma parte do corpo, geralmente pés, mãos, braços ou cabeça, que haviam sofrido alguma maleita, ou animais, geralmente suínos ou bovinos, que haviam estado doentes mas que tinham sido curados, por graça do Divino Espírito Santo, a quem agora se agradecia. Outras pessoas ofereciam a massa, mas simplesmente na sua forma habitual de pão. Muitos mordomos que haviam feito promessas mas não tinham conseguido cozer pão, arrematavam uma oferenda semelhante à que haviam prometido e ofereciam-na, a fim de que fosse novamente arrematada.

Como era grande a quantidade de massa oferecida, muita não era arrematada. Era partida às fatias, colocada em açafates e distribuída por todos juntamente com cálices de licor ou de  “vinho fino”.

Todo o pão, tanto o das promessas como o doce e o de trigo, que sobrava era distribuído pelos pobres.

De tarde, realizavam-se as sortes, ou seja, a escolha e indicação dos nomes dos dois cabeças que, no ano seguinte, seriam os responsáveis pela preparação e organização da festa, uma vez que cada mandato, regra geral, durava apenas um ano. Os cabeças eram dois, normalmente designados por primeiro e segundo, sendo que o primeiro assumia as funções de líder. Da lista dos mordomos, os cabeças em exercício, por sua livre iniciativa, escolhiam alguns nomes que liam em voz alta perante todo o povo, que com o seu aplauso, aprovava tais escolhas. De seguida escreviam-nos, um por um, num papelinho que dobravam muito bem para que se não visse o nome que lá estava escrito e colocavam-nos todos dentro da coroa do Divino Espírito Santo. De seguida escolhiam uma criança de tenra idade e pediam-lhe que tirasse da coroa dois bilhetinhos. Fazia-se um enorme e profundo silêncio na sala e todos aguardavam com grande expectativa os nomes sorteados e escolhidos pelo Senhor Espírito Santo e que, dentro de momentos, iam ser conhecidos. Um dos cabeças, muito devagar e com estranha solenidade, abria o papel, fazia uma pausa, e de uma golfada e em voz bem alta, anunciava o nome sorteado. Uma enorme e estrondosa ovação se fazia sentir por toda à casa, seguida por uma grande salva de palmas e um imediato atirar de foguetes, saudando o novo primeiro cabeça, para o ano seguinte. Idêntico procedimento se verificava, quando era tirado e lido o outro nome que indicava quem seria o segundo cabeça.

Mas nem sempre assim acontecia. Por vezes, quando os mordomos entendiam que a festa tinha sido boa, graças à brilhante ação e ao profícuo trabalho daqueles cabeças, tentavam, umas vezes com sucesso outras não, cobri-los com a bandeira vermelha. Se o conseguissem fazer, antes de serem lidos dos dois nomes, as sortes paravam de imediato e seriam eles os cabeças, no ano seguinte. Daí que por vezes se verificassem interessantíssimas tentativas de “ataques e fugas” entre os mordomos que pretendiam cobrir os cabeças para que continuassem e estes que permaneciam de olhos bem abertos e muito atentos para fugirem à cobertura e assim se libertarem de tão trabalhoso e imponente cargo.

A festa terminava, já lusco-fusco, com um novo e último cortejo com a coroa, as bandeiras, os foliões e o povo que se organizava e, partindo da Casa de Espírito Santo, se dirigia a cada uma das casas de ambos os novos cabeças, a fim de lhes dar conhecimento oficial e entregar-lhes “as sortes”.

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 00:05

LEVAR A CARNE

Sábado, 23.05.15

O Sábado, antes do domingo de Espírito Santo, era dia de Festa na Fajã Grande, sobretudo para a pequenada. Era o dia de “Levar a Carne”.

Durante a noite, de sexta para sábado, um grupo de homens juntamente com os cabeças, não dormiam. Ficavam a noite inteira, a cortar, a serrar e a picar a carne. Estendendo molhos e molhos de cana roca sobre o soalho, sobre eles iam colocando os montinhos de carne devidamente pesados, de acordo com os registos do rol e que indicavam a quantidade de carne que cada mordomo pretendia. Havia ainda os montinhos dos que não eram mordomos mas que se haviam arrolado e de outros destinados a esmolas a pobres. Sobre cada um colocavam uma tirinha de papel com o nome do dono da casa a quem a carne se destinava. Depois ordenavam os montinhos por ruas, começando pela Assomada, na casa do Senhor João Fagundes e terminando na Via d’Água, em casa do José Tomé.

A seguir à missa da manhã, depois de estalar um foguete e repicar o sino, o Senhor Padre Pimentel, revestido de sobrepeliz, estola vermelha e barrete de três bicos, acompanhado por meu tio Chico, o sacristão, que levava a caldeirinha com a água benta e um grupo de fiéis, em procissão, dirigia-se para a Casa do Espírito Santo de Cima, a fim de benzer a carne e o pão. Ao entrar na Casa o reverendo, todos se levantavam e fazia-se silêncio. O senhor padres, ensopando o hissope na água da caldeirinha, atirava para cima da carne e do pão, respingos de água, ao mesmo tempo que recitava salmos, antífonas e orações, em latim. Ninguém o percebia. Depois, com a mão desenhava cruzes no ar e todos se benziam. O senhor padre retirava-se depois de lhe ser garantido que lhe iria ser enviada uma bela posta de carne, como recompensa pelo serviço que ele acabar de prestar.

A Casa enchia-se de crianças, munidas de pequenas cestas e travessas. Iriam, para gaudio de todos, distribuir a carne por toda a freguesia. Os homens enchiam-lhes as cestinhas com a carne, onde permanecia o nome do dono da casa a que a mesma se destinava. Não podia haver enganos. Organizava-se o cortejo a caminho do Cimo da Assomada. Os foliões e as bandeiras esperavam na rua. A coroa entrava em todas as casas. Depois da Assomada, havia de ser a Fontinha, com aquela estirada até ao Alagoeiro, onde, muito isolada, ficava a Casa do Luís Fraga. Seguiam-se a Praça, as Courelas e a Rua Direita. De tarde a Rua Nova, a Tronqueira e, por fim a Via d’Água. À frente a bandeira branca, as crianças com as cestinhas e travessas cheias de carne e de pão, as bandeiras vermelhas e a coroa, desta feita levada por um rapaz que a caminhada seria longa e cansativa. Por isso se revezava e voltava a revezar. É que a coroa entrava em todas as casas, mesmo nas que ficavam mais afastadas. Depois os foliões e os cabeças a coordenarem tudo. As crianças tinham que percorrer as ruas várias vezes porque depois de entregar a carne numa casa, voltavam à Casa do Espírito a fim de encherem de novo a cesta. A Assomada, embora não sendo a mais extensa era a rua com mais habitantes e, lá no Cimo, bifurcava-se. Uns tinham que ir para os lados do Covão outros para os do Pico da Vigia, onde, na primeira casa, morava a Senhora Estulana. Além disso a rua tinha diversas canadas que a tornavam ainda maior. A demora era muita, porque acompanhando a criança que levava a carne, a coroa entrava em todas e em cada uma das casas, sendo beijada e venerada pelos presentes. Os foliões cantavam, os sinos repicavam e, de vez em quando, estoirava um foguete. Cantavam-se loas ao Divino: Lavrador da Arada, A Minha Vaca Lavrada, Ó,Venha, etc. Também a Barca Bela: Quem quer ver a barca bela, Que se vá deitar ao mar. Nossa Senhora vai nela, Os Anjos vão a remar. S. Vicente é o Piloto, Jesus Cristo o General. Que linda bandeira levam! A bandeira de Portugal.

Casas havia que para além duma moedinha de dez ou vinte centavos dada à criança, ofereciam uma fatia de pão adubado e um cálice de licor aos que entravam. Os cabeças, com o rol, iam registando e recebendo o dinheiro da carne.

O sábado de Espírito Santo, na Fajã Grande, era totalmente destinado a ir levar a carne aos mordomos e pobres. Cada qual a guisava, em sua casa da forma que queria e entendia.À noite, era o último dia de Alvorada.

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 00:05

MATAR O GADO

Sexta-feira, 22.05.15

A festa do Espírito Santo da Casa de Cima começava na sexta-feira, dia de matar o gado. Num dos domingos anteriores os cabeças haviam percorrido as casas da freguesia, a fim de arrolarem quem desejava comprar carne para o dia da festa. Primeiro arrolavam os mordomos. Cada qual declarava a quantidade de carne que desejava para o dia da festa. Num desses domingos, ou se necessário em dois, de tarde, os cabeças, em cortejo, com os foliões e os símbolos do Divino Espírito Santo, percorriam as ruas da freguesia, a fim de saber a quantidade de carne que pretendiam, pois cada um é que pagava a sua, e se davam ou não davam pão de trigo, uma vez que o pão era oferecido pelos mordomos que tinham mais posses e destinava-se aos mais pobres. Na verdade, este e o excedente de carne eram distribuídos pelos mordomos pobres ou pelos pobres da freguesia que nem mordomos eram. Uma vez que todos compravam carne, indagavam e registavam apenas a quantidade que cada um desejava, escrevendo os nomes numa folha de papel, na qual registavam a quantidade de carne pretendida. Os que não eram mordomos ou os que os o eram, mas da Casa de Baixo ou do Império de São Pedro, se desejassem também podiam ser arrolados, indicando a carne desejada. Havia também que contar com as esmolas para os pobres, para os que não a podiam pagar. Depois de calcular a carne necessária para a festa, quantidade que não variava muito de ano para ano, escolhia-se o gado para abater. Geralmente duas rezes bastavam. Na sexta-feira de tarde, o gado era trazido para junto da casa e amarrado junto ao pau da bandeira. Pouco depois organizava-se o cortejo para o Matadouro que ficava no Porto, num pequeno rolo que existia junto à Baía d’Água e onde, paredes meias com o caminho antigo, haviam um pequeno nicho, construído para o efeito, onde era colocada a coroa. Ao lado as bandeiras, o testo e o tambor. O cortejo descia a rua Direita e a Via d’Água, até ao Matadouro. À frente a bandeira branca geralmente levada por uma criança, filho ou familiar de um cabeça. Depois os animais, devidamente amarrados, presos por uma corda e enfeitados com grinaldas de flores na cabeça. Seguiam-se a coroa e as bandeiras vermelhas transportadas por familiares dos cabeças. Atrás os foliões, muitas pessoas, algumas munidas do material necessário para a matança e de paus e recipientes para trazer a carne e as vísceras, no regresso, já com os animais abatidos. Os sinos repicavam e os foguetes estralejavam tanto na ida com na vinda. Os foliões acompanhavam com os seus cânticos, com destaque para o Lavrador da Arada e a Minha Vaca Lavrada. Uma vez mortos, esfolados e limpos, os animais eram partidos em quatro bons pedaços e transportados, de palanca, aos ombros, em cortejo até à casa, sempre acompanhados pelo cantar dos foliões, pelo repicar dos sinos e por muito povo, sobretudo crianças. As mulheres e familiares dos dois cabeças traziam as vísceras e o sangue em alguidares transportados à cabeça. As primeiras para limpar, guisar e fazer caçoila, O sangue para fazer o sarapatel. Ao chegar à Casa a carne era presa em fortes ganchos de ferro e, mais tarde, colocada no chão, mas em cima de uma boa camada de folhas de cana roca muito fresca e verdinha, à espera de ser picada durante a noite. Esta parte da casa onde ficava a carne havia sido dividida com bancos, para que à noite se pudesse fazer a Alvorada e no fim desta, os jogos, mas num espaço bem mais reduzido do que nos dias anteriores. Só então, lá para depois da meia-noite, um grupo de homens ficaria a desmanchar a carne e a parti-la, formando os quinhões de cada mordomo, de acordo com o que combinara, quando a coroa andara pelas casas a arrolar os mordomos.

Sobre o gado e o dia da matança contavam-se muitas estórias. Uma delas era a seguinte: Antigamente havia um homem que tinha prometido dar um bezerro em louvor do Senhor Espirito Santo. Mas o homem tinha poucas relvas cá em baixo e, alem disso, precisava delas para criar uma única vaca que tinha e que lhe dava o leite para criar os filhos. Por isso levou o bezerro para o Mato, Mas como não tinha relva no Mato, deitou-o no Concelho, isto é, naquelas relvas de ninguém, onde andavam as ovelhas. O homem ia ver o bezerro de vez em quando pois ele estava muito longe, lá para os lados da Pulgueira e das Pontas Brancas. Certo dia, ao ir ver o bezerro não o encontrou. Procurou-o por todos os sítios, um dois, três dias e o bezerro nunca apareceu: Uns amigos foram ajudá-lo, mas nada. Todos cuidaram desapareceu e todos e todos pensaram que o bezerro tinha caído nalgum valado e levado por alguma enxurrada. O certo é que nunca mais ninguém o viu. O homem era pobre e naquela altura a vaca já não dava outro bezerro nem podia comprar outro. Ficou muito triste por não poder cumprir a sua promessa. Mas no dia de matar o gado, para espanto de todos, o bezerro apareceu no Matadouro e. assim, o homem, cumpriu a sua promessa, matando o bezerro em louvor do Senhor Espírito Santo, por isso todos dizem que tinha sido um milagre.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:39

AS ALVORADAS

Quinta-feira, 21.05.15

Na Casa do Espírito Santo de Cima, na semana que, na Fajã Grande, antecedia a festa do Espírito Santo, agendada para o Domingo de Pentecostes, havia alvoradas na terça, na quinta e no sábado, pese embora a casa, que mais se assemelhava a uma pequena ermida, abrisse durante toda a semana, à noite. O mesmo acontecia, em data posterior, na Casa de Baixo

Na verdade, durante a semana que precedia quer uma quer outra das festas, à noite, o povo juntava-se naqueles enormes salões, mesmo em dias que não se cantassem as alvoradas, convivendo através da realização de jogos, bailes e, no sábado, com distribuição de fatias de pão adubado, vinho abafado e licores por todos os presentes.

As Alvoradas eram uma forma de louvar o Divino, através do canto e da folia efetuados por um grupo de homens, chamados “foliões”, na Casa de Cima, comandados pelo Teodósio. Eram anunciadas com um foguete.Munidos de um tambor e dos testos, iniciavam a cantoria fora da porta da Casa. Logo se fazia um silêncio no interior, parando todos os jogos e brincadeiras. Ao ritmo do tambor iniciavam em coro: “Ai Alvorada, Ai Alvorada Santa. Ai, Aqui hoje pelo canto, o Senhor seja louvado. Ai o Senhor Espírito Santo”. E pouco mais acrescentavam do que isso, embora o repetissem várias vezes estas e outras semelhantes invocações. No entanto estes cânticos variavam da terça para a quinta e desta para o sábado, isto é, havia uma alvorada específica para cada dia da semana. Terminadas estas preces ao ar livre, com o povo sempre em silêncio, os foliões entravam na Casa e formavam um círculo em frente ao altar, onde estava a corroa com o cetro, ladeada de flores e velas a arder. Ao lado as bandeiras vermelhas símbolos da carne e a branca, símbolo do pão. Os foliões, começavam a circular no sentido contrário ao dos ponteiros de um relógio e, ao toque do tambor e dos textos, entoavam cânticos apropriadas. Cada folião ao passar em frente da coroa circulava ao contrário dos outros e do seu próprio circular, uma vez que se voltava ao contrário a fim de não ficar de costas para os símbolos do Paráclito que se encontravam sobre o altar. Por fim, parados em frente ao altar e voltados para o mesmo, com o povo todo de pé, cantavam as sete Avé Marias, findas as quais se seguia o oferecimento das mesmas: “Ó estas sete Avé Marias, Ó Senhor, que hoje aqui vos canto, Ó, sejam em vosso louvor, Que ofereço ao Senhor Espirito Santo,” Pedia-se ainda pelas almas dos defuntos e por fim terminavam, cantando da seguinte forma: “Ó Senhor Espírito Santo, Vós que estais no vosso altar, Dai saúde e vida a todos Para vos servirem e louvar.”

Pela sua simplicidade e originalidade se depreende a origem ancestral destes cânticos, uma vez que as festas do Espírito Santo e os costumes com elas, relacionados foram implantadas em Portugal pela Rainha Santa Isabel e trazidas para os Açores pelos primeiros povoadores oriundos do continente português. No continente a sua força esmoreceu, nos Açores, por força do isolamento das ilhas, a festa do Espírito Santo não apenas se manteve como se foi consolidando, de tal forma que hoje estende-se a todas as ilhas, apesar de se manifestar de formas diferentes em cada uma delas. Talvez nas Flores e no Corvo, porque mais separadas das restantes ilhas, estas diferenças sejam mais amplas e as tradições mais originais. Um dos muitos cânticos cantado pelos foliões era o “À Porta das Almas Santas” e que ainda hoje é cantado em muitas regiões do continente por altura da Quaresma. Trata-se duma das mais antigas e arreigadas tradições da religião popular. Nas noites da Quaresma, em cada aldeia reúne-se um grupo de homens vão de porta em porta, iluminando o caminho com lanternas, entoando o cântico, tradição que parece remontar à Idade Média e que é muito semelhante às Alvoradas do Espírito Santo: “À porta das Almas Santas, Bate Deus a toda a hora. Almas Santas lhe perguntam: O que quereis, meu Deus, agora? Quero que venhas comigo, Para o Reino da Glória. Assim como estes, O Lavrador da Arada, A Barca Bela e muitos outros, talvez todos, terão sido levados de terras continentais para as ilhas.

Acrescente-se que na Ponta, Cuada e Fajãzinha também se cantavam as Alvoradas muito semelhantes às da Fajã Grande. Na Fajãzinha, no entanto, as Avé Maria e alguns cânticos eram bem mais lentos. Dizia-se que era devido ao maior bojo dos tambores. Na verdade os tambores da Fajãzinha eram bem maiores, em volume, do que os da Fajã, pelo que, consequentemente, tinham um som bem mais cavernoso e lento.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

AS FESTAS DO ESPÍRITO SANTO NOS AÇORES

Quarta-feira, 20.05.15

(TEXTO DE CARLOS ENES)

Desde o século XVI que as festas em honra do Divino Espírito Santo começam a ser postas em causa e até perseguidas pelos membros mais altos da Igreja Católica. Julgavam os contra-reformistas do Concílio de Trento que elas tinham um cunho acentuadamente pagão, pelo que deviam ser saneadas do calendário de festividades católicas. Também em Portugal, incluindo os Açores, se verificou uma notável e eficaz oposição a tais festividades. Nos Açores, porém, houve forte resistência a tal oposição eclesiástica, pelo que as festas continuaram a celebrar-se com todo o seu esplendor e grandiosidade, mantendo muitos dos tais ritos ancestrais alcunhados de “pagãos” pelos responsáveis da Igreja Católica.

No entanto, nas ilhas açorianas as festas de Espírito Santo, vividas e celebradas pelo povo com grande devoção, até porque resultavam muitas vezes como forma de agradecimento a Deus pelo auxílio recebido por altura das crises sísmica, foram também objecto de perseguição, sobretudo durante a dominação filipina, época em que chegaram a ser proibidos os bodos.

Estas festas foram sendo aos poucos, pela dinâmica da própria sociedade, depuradas de várias "atitudes de desrespeito" para com o sagrado, como resultado da própria evolução dos costumes e das práticas sociais.

Os anos sessenta do nosso século correspondem ao início do grande ponto de viragem da sociedade açoriana. Nesta década assiste-se à desarticulação das formas de solidariedade comunitárias que ainda subsistiam entre os camponeses. A partir dos anos setenta, modificou-se profundamente a estrutura da sociedade tradicional açoriana, com a diminuição da população activa ligada à agricultura e o crescimento acentuado do sector de serviços. Nos meios rurais, com a predominância da actividade pecuária, instalou-se o individualismo e muitas formas de solidariedade foram desaparecendo nestes últimos anos. Ao mesmo tempo, cresceram os índices de escolaridade e alfabetização em todo o arquipélago e os valores e padrões culturais da juventude açoriana, com uma maior abertura ao exterior por influência da televisão, têm sofrido uma forte aculturação.

As festas do Espírito Santo pelo seu forte enraizamento têm permanecido, mas a pujança e o entusiasmo vividos até aos anos sessenta sofreram um forte abalo. As "folias" com os bezerros enfeitados, música e cantoria, realizadas nas vésperas da "função", foram desaparecendo. A festa levada a efeito na 5ª feira de bodo, dia em que os carros de bois se engalanavam para ir buscar o vinho, também sucumbiu. Nos dias de hoje, o vinho é transportado em camionetas sem qualquer carácter festivo. Na maior parte das freguesias já não se realiza o bodo e as promessas individuais já não preenchem oito Domingos da quadra do Pentecostes. As elevadas despesas inerentes à realização de um "Função" e a mudança da mentalidade das pessoas, que já não estão dispostas a suportar sacrifícios e canseiras, têm contribuído para alterar a essência da festa do Espírito Santo. Muitas pessoas pagam a sua promessa individual, recebendo, apenas, o Espírito Santo em casa durante uma semana, realizam a coroação, mas já não oferecem o banquete nem as esmolas aos pobres. A atitude de repartir com os outros a riqueza vai sendo cada vez menos assumida. De uma forma nítida, os sentimentos individualistas vão ganhando terreno, transferindo-se para o Estado a responsabilidade da solidariedade para com os outros. A subida do nível de vida e as exigências de bem-estar já não se compadecem com as tradicionais formas de afirmação. Por outro lado, as festas do Espírito Santo vão sofrendo a concorrência de outras festas mais dinâmicas, mais emotivas e mais espectaculares em que cada um, individualmente ou em grupo, procura outras formas de exibição ou separação do outro. E por isso a rivalidade cada vez mais exacerbadas entre as festas levadas a cabo em cada freguesia ou cidades do arquipélago.

Apesar de todas estas alterações, em que são evidentes os sinais de decadência em relação a um passado muito recente, vão surgindo novos dados que revelam uma vontade de continuar com a festa. Há poucos anos, na freguesia de Vila Nova, ilha Terceira, o Centro de Convívio da terceira idade da freguesia assumiu, como instituição, realizar uma "função" para preencher uma vaga em aberto num dos oito Domingos destinados ao culto. Por outro lado, também na ilha Terceira, neste ano, um grupo de mulheres decidiu organizar a festa do Império do Canadá de Belém. É muito provável que o exemplo prolifere e, no futuro, o monopólio até aqui exercido pelos homens, possas ser compartilhado com as mulheres na organização da festa.

Independentemente do que possa vir a acontecer no futuro, parece evidente que, neste final de século, estamos numa fase de transição, com importantes alterações de forma e conteúdo nas tradicionais festas do Espírito Santo no Açores

 

Carlos Enes

 

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

TERÇO DO ESPÍRITO SANTO

Terça-feira, 19.05.15

Estalou o foguete! Muitos já haviam chegado. Outros só depois do estoiro. Todos, à medida que iam chegando, entravam e, em pouco tempo, enchiam a sala, onde, num dos cantos, um altar fora armado, sobre o qual estava colocada a coroa de prata, com o cetro engalanado com uma fita branca, ladeada por jarras com flores e castiçais com velas a brilhar. Ao lado do altar, as bandeiras vermelhas, debruadas a amarelo com os símbolos do Paráclito. As mulheres e as crianças apinhavam-se, em filas, ao redor do altar. Postada na primeira, em frente à coroa, Maria Florinda iniciava a reza do terço em louvor do senhor Espírito Santo. Os homens enchiam a cozinha, o corredor e, alguns, por não terem lugar na casa ou por cuidarem que era mais fresco, optavam for ficar no balcão da sala. Outros em frente à porta da cozinha. Ao chegar, tiravam os bonés e benziam-se desajeitadamente. Pouco depois, pedia-se silêncio. As vozes mais finas, mas também mais afinadas das mulheres, iniciavam a cantoria:

- Adoremos com afeto de alma, o Espírito Santo Divino!

Logo as vozes grossas e pouco sincronizadas dos homens e de uma ou outra mulher que chegara mais tarde e não tivera lugar na sala, respondiam:

- Que dos céus desceu sobre nós, ó incêndios de amor divino.

As mulheres insistiam e os homens voltavam a retorquir. Dez vezes com a mesma música e a mesmas invocações. Outras tantas vezes quantas as Ave Marias de cada mistério do Rosário de Nossa Senhora, instituído e pregado por S. Domingos. Ao chegar à décima, a Maria Florinda que ia contando as invocações pelas camândulas de um terço acastanhado, dava sinal de mudança, levantando o braço bem alto para que todos vissem. As mulheres, sobretudo as mais atentas, alteravam, de imediato, a cantoria:

- Glória ao Pai que nos criou, glória ao Filho que nos remiu!

Os homens não se faziam esperar:

- Glória ao Spirito San, que em suas graças nos concebiu! 

Depois, unindo todas as vozes, as da sala, do corredor, da cozinha e dos pátios:

- Fazei ó Santo Espírito, a Deus Pai, Filho, amar. A um só Deus em três pessoas, no Céu pra sempre adorar

E logo continuavam, agora alterando a ordem das invocações. Primeiro o grupo dos mais distantes do altar, dos de cantar tosco e desajeitado, a começarem

No fim do terço, todos juntos iniciavam e cantavam a Salve Rainha. Depois, com profunda intensidade e comoção de voz, cantavam, três vezes: Senhor Deus de Misericórdia/Virgem Mãe de Deus, rogai por nós. A Florinda voltava a assumir a presidência, oferecendo Pai-Nossos sucessivos, que eram rezados por todos: pelos irmãos falecidos e pelas intenções do mordomo. O Terço terminava com o “Oferecimento ao Divino Espírito Santo”, durante o qual cantavam: Ó Senhor Espírito Santo/Nós roguemos com clamor/Mandai oprimir à terra,/Que não haja mais tremores. Sois pai de misericórdia/Livrai-nos de todo o mal/Não castigueis com tremores/Esta ilha de ofendal. Não desprezeis a fé grande/Com que nós recomendamos/Fazei como Pai Divino/Naja que nós o merecemos. Barca onde embarcou Cristo/Na galera tão real/Feita em tão bela hora/Para aquele general. À popa leva sentado/Santo António com seu véu/Que rica viagem de anjos/Leva Jesus para o Céu. Senhor que lá estais em cima/Nesses Céus de alegria/Vos peço que nos chamais/Para a Vossa companhia. Andavas tão vigiado/Sem saberes da partida/Morte de uma ocasião/Vida nova vida. Chega-te à confissão,/Se te queres confessar/ Morte da ocasião/ É o laço do pecado. Mil vezes cada dia/ Tua alma com diligência/ Toma paz e alegria/Que é da boa consciência. Quando Deus formou a terra/Bons e maus Deus os criou/Quando nos Céus se encerram/Só os bons Deus os guardou. Ó Senhor eu vos ofereço/Esta nossa devoção/Seja honra e glória Vossa/Para nossa devoção.”

Terminado todas estas orações o Mordomo, retirando o cetro do interior da coroa, distribuía-o pelos presentes que o passavam de mão em mão. Enquanto se cantava o hino “Alva Pomba”, o cetro passava de mão, a fim de que cada um dos presentes, o osculasse com o maior respeito, dignidade e veneração.

Estavam ali reunidos porque se aproximava a Terça-Feira, o dia da festa do Espírito Santo na Prainha. O Mordomo fora escolhido, no ano anterior, por escortino dos irmãos, para presidir, orientar, organizar, transportar a coroa para a igreja e, por fim, coroar no dia da Festa. Para além de se empenharem em ajudar o mordomo, cada qual havia de cozer o seu açafate de rosquilhas. As mulheres levá-los-iam em cortejo até ao adro, onde as rosquilhas seriam distribuídas por todos. Na verdade, no Pico e de modo muito peculiar, em São Caetano, desde os primórdios do povoamento que o povo, frequentemente, fustigado por crises sísmicas e temporais, implorava o auxílio divino, centrando a sua fé na Terceira Pessoa da Trindade. Em São Caetano, freguesia onde, desde os tempos mais remotos se enraizou uma profunda, convicta e autêntica devoção ao Espirito Santo, as festividades em honra do Paráclito tinham a sua expressão mais visível, por um lado, nas funções realizadas ao longo do ano e, por outro, na festa, celebrada na Terça-feira de Pentecostes. Umas e outras eram antecipadas e preparadas por uma novena, realizada em casa do mordomo, duranta a qual se cantava o terço. A festa, para além da celebração solene da eucaristia incluía um cortejo em que os irmãos transportavam em açafates ornamentados com toalhas com rendas e bordados artesanais, as suas ofertas de pão, sob a forma de rosquilhas, que, à tardinha e após o arraial, seriam distribuídas por todo o povo.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:05

TORMENTO

Segunda-feira, 18.05.15

(DE COELHO DE SOUSA)

 

 Saudade

 Não te vás embora.

 

Eu sei que tu presente és um tormento,

Mas és maior tormento quando ausente.

 

Hás-de fazer do meu olhar um rio.

 - E todo o rio vai bater ao mar.

 

Eu tenho no meu peito um mar sem horizontes…

Se há nele tardes de finados cor de chumbo,

 

Também há manhãs de Páscoa esplendorosas.

 E sempre em todo o mar há uma vela branca

 Aonde o amor divino anda embarcado.

 

Saudade, embarca no meu peito…

… E não te vás embora.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 13:47

CAMPEÕES NACIONAIS DE FUTEBOL

Segunda-feira, 18.05.15

O Benfica sagrou-se, ontem, pela 34ª vez, Campeão Nacional de futebol. Até hoje, apenas o Belenenses e o Boavista, para além dos três grandes (Benfica, Sporting e Porto), conseguiram ser campeões nacionais. Pertence ao Benfica o maior número de vitórias no Campeonato Nacional. O Porto ganhou o título 27 vezes, enquanto o Sporting foi 18 vezes campeão. Eis a relação dos campeões:

I Liga

1934/35 FC Porto  

1935/36 Benfica

1936/37 Benfica

1937/38 Benfica

Campeonato Nacional

1938/39 FC Porto

1939/40 FC Porto

1940/41 Sporting

1941/42 Benfica

1942/43 Benfica

1943/44 Sporting

1944/45 Benfica

1945/46 Belenenses

1946/47 Sporting

1947/48 Sporting

1948/49 Sporting

1949/50 Benfica

1950/51 Sporting

1951/52 Sporting

1952/53 Sporting

1953/54 Sporting

1954/55 Benfica

1955/56 FC Porto

1956/57 Benfica

1957/58 Sporting

1958/59 FC Porto

1959/60 Benfica

1960/61 Benfica

1961/62 Sporting

1962/63 Benfica

1963/64 Benfica

1964/65 Benfica

1965/66 Sporting

1966/67 Benfica

1967/68 Benfica

1968/69 Benfica

1969/70 Sporting

1970/71 Benfica

1971/72 Benfica

1972/73 Benfica

1973/74 Sporting

1974/75 Benfica

1975/76 Benfica

1976/77 Benfica

1977/78 FC Porto

1978/79 FC Porto

1979/80 Sporting

1980/81 Benfica

1981/82 Sporting

1982/83 Benfica

1983/84 Benfica

1984/85 FC Porto

1985/86 FC Porto

1986/87 Benfica

1987/88 FC Porto

1988/89 Benfica

1989/90 FC Porto

1990/91 Benfica

1991/92 FC Porto

1992/93 FC Porto

1993/94 Benfica

1994/95 FC Porto

1995/96 FC Porto

1996/97 FC Porto

1997/98 FC Porto

1998/99 FC Porto

1999/00 Sporting

2000/01 Boavista

2001/02 Sporting

2002/03 FC Porto

2003/04 FC Porto

2004/05 Benfica

2005/06 FC Porto

2006/07 FC Porto

2007/08 FC Porto

2008/09 FC Porto

2009/10 Benfica

2010/11 FC Porto

2011/12 FC Porto

2012/13 FC Porto

2013/14 Benfica

2014/15 Benfica

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 00:05

O CEVADA

Domingo, 17.05.15

Antigamente, na Fajã Grande, poucos eram os que escapavam â fúria agressiva de serem contemplado com um apelido. Pôr um apelido em alguém, antes que mais, tinha como objetivo primordial humilhar, espezinhar e apoucar, pelo que, a maioria das vezes eram resultantes de uma inveja gritante. Além disso era uma bizarra forma de gozo ou divertimento. Por isso, punha-se um apelido a este e àquele por tudo e por nada. Por coisa nenhuma. A maioria das vezes herdavam-se os apelidos de pais e avós. Foi o meu caso. Herdei “Chinelo” de meu pai, simplesmente porque ele, antes de adoecer, andava sempre descalço. Certo dia, à tardinha, após lavar os pés antes de se deitar, resolveu vir sentar-se à Praça. Com objetivo de não os sujar, a fim de não ter que os lavar outra vez, apresentou-se à Praça, areópago fajãgrandense da crítica, do mexerico e da má-língua, calçando uns chinelos velhos que eram pertença da minha avó Maria de Jesus. Foi tiro e queda! Para além de gozado e apoucado, ficou logo alcunhado pelo “Chinelo”, epíteto de que os descendentes haviam de herdar. Mas não fiquei por aqui em termos de herança de apelidos. Também fui presenteado com o de “Cevada”, este por herança materna, pois fora atribuído a meu avô, José Batelameiro, um depurativo de Bartolomeu, uma vez que o avô dele e meu trisavô se chamava Bartolomeu Lourenço Fagundes, que por sua vez era neto de um outro Bartolomeu com o mesmo nome tenente de um dos fortes que existiam na Fajã Grande naquela altura

Sempre me intrigou a razão de ser deste estranho apelido, até porque o cultivo da cevada na Fajã Grande era quase nulo. Apenas se comprava cevada já moída para juntar ao café, à chicória ou até às favas.  Minhas tias, ou por ignorarem ou por vergonham, também não desvendavam o mistério. Só mais tarde descobri o enigma. Meu avô, como a maioria dos jovens da freguesia, quando jovem emigrara para a Califórnia, trabalhando por aqui e por acolá. Às tantas foi apanhado com um saco de cevada às costas. Nada de anormal se a cevada não fosse roubada. Mas a verdade é que, pelos vistos, não teria sido ele a roubar a dita cuja e nem sequer sabia que era roubada. O roubo era da responsabilidade do “bossa” para quem ele trabalhava. A prová-lo é o facto de ele nunca ter sido preso, nem sequer julgado. Mas lá que ficou com apelido, ficou e eu herdei-o necessariamente.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:33

AS POUPANÇAS DO MATIAS

Sábado, 16.05.15

Conta-se que, antigamente, numa determinada freguesia do Pico, havia um fulano chamado Matias. Como trabalhava longe e, naquele tempo, faziam-se todas as deslocações ao redor da ilha pé, Matias vinha a casa apenas de oito em oito dias, pernoitando, durante a semana, no local de trabalho, aproveitando as noites para algumas aventuras e florestias, pouco recomendadas a um pai de família.

Ao regressar a casa, a mulher, ao apreciar meticulosamente aquilo que cuidava ser de seu uso exclusivo, achando-o em degradadas condições para quem se devia ter poupado e descansado uma semana, reclamava aos quatro ventos:

Matias, Matias! Isto não são poupanças de oito dias.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:15

MAU AGOIRO

Sexta-feira, 15.05.15

(UM CONTO DE VITORINO NEMÉSIO)

A Canada do Búzio era uma bocarra, um deserto. Não se via vivalma. Só as faias da terra e as do norte vingavam ali entre silvas... – suor de sangue! Escorralho do Rei dos Reis coroado por mangação! O lugarejo molhava as suas abas naquele mar podre e morto, a matutar como um tolo nos penedos da Ponta do Cavalo vigiada dos garajaus – ou então, bravo e alto, fora de suas estribeiras, atirando a espuma às poças.

Era daí que uns pinheiritos – poucos mas bons e baixos como uma quadrilha de ladrões – se atreviam a subir com os braços cheios de pinhas: uns, cornudos e torcidos; outros, esbracejando direitos no meio da lava e dos faiais. Pareciam talhados nos lombos verdes do mar e atirados vivos à costa. O vento carpinteiro levava-lhes a agulha e o cheiro delicado da resina. Vento excomungado, que parecia falar-lhes ao ouvido: «Abriguem-se vocês! Vá... Abaixem-se aí!»

A casa da Cacena ficava plantada neste inferno. A Canada do Búzio parecia uma goela aberta à noite. Vizinhança – nenhuma. Só de verão havia um pouco de alegria e de cor nalguma maçã madura. O mês de Abril começava a consolar quem no via carregado de flores brancas e de botões cor-de-rosa. O pêssego amadurecia tarde, corado duma banda só. A faia do Norte, de casca sardenta, cobria-se de bagas meladas que era um louvar a Deus! Em Setembro as uvas tingiam as pernas dos homens enterrados nos lagares e o vinho esguichava nas dornas, enquanto as cisternas vazias mostravam os fundos cor de telha, e o grilo, nas gretas, era um saudoso namorado. De noite, a lua subia a terraço. De dia, o sol era um rei em seu balcão...

Ah! Mas, dobrado o cabo de Todos-los-Santos e dos Fiéis Defuntos, a casa da Cacena era uma barca à flor do mar das vinhas. Turvava-se tudo. O cebolinho de ao pé do forno ficava de cabelo ceifado: Aqueles casebres mais pareciam fojos de bruxas do que tectos de gente baptizada. Se não fosse algum molho de palha que o Menino Jesus sempre acende, o Inverno era frio como a neve e negro como um tição.

Ora, seriam umas três da manhã (água, se Deus a dava!) quando João se ergueu do quente da enxerga e disse para a velha:

– São horas, minha Mãe! Aqueça-me uma pinga de leite...

A Cacena era uma triste mulher, sozinha neste mundo. O Rei, ou lá quem quer que é que bebe o sangue dos pobres, tirara-lhe o bordão da velhice mandando-lhe o filho às sortes e levando-o para o Castelo. De nada serviram os pedidos ao Doutor, a este e àquele: os cambos de ofertas; os presentes; uma ave ou duas debaixo do lenço, algravitadas, bravas nos corredores. Tempo perdido! O rapaz ficou apurado para caçanha. E então veio a recruta, com madrugadas, frios, muito poucas dispensas... As correias da mochila levaram-lhe uma tira do lombo; as botas do Casão fizeram-lhe um calo de sangue. Enfim, já praça pronta, houve a peste numónica em Santa Bárbara e ele foi destacado lá para os quintos...

Entretanto a triste Necessidade (a feiticeira!) fazia o seu pé de alferes à porta da casa sem homem. Primeiro, a coivinha atempou; passante disso, morreu a leitoa empachada. E um belo dia, de manhã, um tição de lume queimou as faias da cozedura, o fogo passou-se à copeira, e, emmentes o diabo esfrega um olho (cruzes!), o forro do sótio ardia todo. Acudiu-lhe a vizinhança em peso (ninguém está livre de trabalhos!) e à força de água e de machado salvaram o resto da poisada – seja pelo santo amor-Deus!.

Quando João soube disto, no Castelo, chorou malaguetas curtidas e quase se pôs de joelhos:

– Só uns dias meu promeiro! Foi a casinha que me ardeu... A prove da minha mãe stá pràli sozinha, sem ter quem no ganhe...

Então o Capitão, com pena dele, fez «cantar à Ordem» aqueles três diazinhos «a benefício dos fundos do caldeiro», como se dizia na Peluda. João andou a tirar umas esmolas para ajuda da casa, com dois amigalhaços, como quem pede para toiros. Um deu vinte tábuas de forro; outro, uma mancheia de telha; outro, os barrotes, de amor-Deus. O Niquinha tirou dois dias de obras, e lá levantaram ambos a cozinha, com frechais e asnas novas.

– Que mais quer, minha Mãe? – disse ele, cobrindo a velhota de beijos. – Nem que vossemecê se tornasse agora a casar... Nã l’há-de chover pinga dentro, se Dês quiser!...

E, com efeito, não choveu. Mas vem o caim dum pé de vento, uma noite, e leva de guinda o postigo envidraçado para cima duma riça de silvas.

– Mais fizera a Nosso Senhor Jasu-Cristo! – cramou a Cacena resignada, de mãos postas. E pôs um rolho de trapos no buraco do seu postigo.

Mas desde esse dia reparou que, muito madrugada, mal luzia o buraco, vinha um biquinho esfregar-se melgueiramente no chumaço, e logo, pela calada, três unhinhas de nada riscavam. Aquilo era no batente – ora, se não! O certo era que se não ouvia mais nada senão dali a um pedaço: Umas asinhas miúdas vinham espenujar-se no trapo; uns pios de aflição pareciam picar-nos o juízo como pontinhas de alfinetes.

Era ao azular da hora de alva. No quarto da pobre Cacena, por cima da cama, a telha de vidro ia-se enchendo de flor de anil e azulão, a todo o comprimento; e, assim abaulada, cismava-se no caixão de um pagãozinho que um anjo levava para o céu.

Três dias e três noites a fio a Cacena malucou naquilo. Afinal... – labandeiras!

Eram as labandeiras! São passarinhos brandos de asa, de rabo de forquilha, que às vezes malucam nos caminhos em riba de burgalhaus, e que, ao ouvirem o passo mais à toa, tremem da passarinha, dão duas guinadas de espreita e põem-se ao fresco, todas repatanadas, até encontrarem solidão.

Desde menina que a Cacena com elas vivia e labutava, mas benzendo-se:

– não porque levem bruxedo, mas porque a triste sina se apega adonde elas apontam os biquinhos. A coderniz é pior. Quando Herodes mandou botar o bando e degolar os Inocentes, que José prantou a Senhora mai-lo Menino na burra e abalou para o Egipto, as codernizes, amassadas nos restolhos, davam fé daqueles santos pelingrinos e, voando baixo, toca a chocalheirar:

– «Cá vão eles! Cá vão eles!»

Mas as labandeiras vinham e, com a rabadilha em forquilha, lá iam apagando as passadas do santo carpinteiro e os sinais dos cascos da jumenta. Por isso o Senhor disse à paqueta da coderniz:

– Deixa tu estar, corsaira, que não hás-de pôr pé em ramo verde! E Nossa Senhora apartou as labandeiras para suas galinhas. Mas lá que têm pitafe, têm. Donde lhe vem, não sei. Têm-no co elas…

Agora, de mais a mais viúva e apartada do fi lho, à Cacena pareciam de propósito aquelas andadas dos bicos peneirando-se, salpicando o telhado com as asinhas de rasto, de ponta a ponta do cume.

Uma tarde, estando a cardar lã de ovelha, à porta, deu fé de que uma delas aporfiava na dança. Era um gorgulho de ave, de olho vivo. Bateu-lhe as palmas, de cá; pegou numa pedrinha, uma coisa de nada, e varejou-lha rente. Mas o bicho fez a modo um pouco caso e veio tombando duma asa até lha passar rente à boca.

– Jasus!

Disse isto e, em menos dum amén, o Trigueiro que passa da cidade:

– Boa noite, tia Cacena! O sê João lá deu baixa ò espital.

– Que me dizes?! Ai, s’o mê fi lho me morre!...

– Não se afl ija, serva de Deus! Aquilho não há-de ser nada... Veja mãis é se lhe manda coisa duma quarta de açucre.

Essa noite desceu como um fugido à justiça; as cancelas do céu fecharam-se de repente. A terra fi cou como uma furna negra, sem o mais leve clarão; a escuridão das canadas parecia tinta de escrever. Às vezes, dentro em casa, um vento parecia dançar de porta a porta, que batia, a moda do Pirolito que bate, que bate... Pirolito que já bateu...

Como se lhe tivessem dado com um barrote nos peitos, a Cacena meteu-se para dentro de casa e afundou no xailinho a sua triste cisma. A panela da ceia cantava com água choca e feijões. Em baixo, na pedra do lar, a cinza e a sombra do lume jogavam à Pata-Cega.

Passaram-se quase oito dias – e o Trigueiro sem trazer notícia de alívios do doente. Às vezes, para não ouvir a velha, furtava-lhe a volta e seguia pelo Rebalde até à Praia. A tia Cacena passava as manhãs no trabanaco, sentada a remendar; à tarde engaroupava-se no xailinho e esperava o carteiro à sua porta. Fazia para a ceia coives espernegadas. Daquela boca para baixo não lhe passava oitra coisa.

Enfim, o Natal chegou. Chega sempre. Umas vezes é frio, outras chuva...

Há anos sem uma coisa nem outra – e sempre pobreza! sempre desconsolos e lágrimas em casa de quem nas chora! Também há casas sem vagar nem água para vertê-las; outras são tão alegres ou tão tristes, que nem cara têm de coisíssima nenhuma!

É na maior parte dessas casas que o Menino Jesus reina entre trigos sem terra, e é aí que se come bolo-rei, figo passado, cabaço, canja de galinha...

– Dá Deus nozes a quem nã tem dentes! Ter uma pessoa a mão incarangada a pontos de le custar a apanhar a ponta do xaile se Pele cai, e havê-las senhoronas, que é só chomar a aia que as venha vestir e calçar! Mum grande é o mundo, graces a Deus! E maior ainda a Mezricórdia Devina!

«Quem fosse à Missa do Galo!... Galo? «Qu’é dele os esporães? Caldo de frango nunca fez mal a doente, nem a velha. Mãis o poleiro, deu-le o rato... foi-se toda a ninhada da pedrês. João, que é que tens? João, tu oives! A manta de fi ampua está ali na caixa; queres-ia-a? Nã te dou lençóis de linho, que os nã tenho, meu home! Mãis stá calado, fi lho! Stá caladinho, qu’a mãe vai ò mato e já vem, meu amor! Vamos cozer de tarde, pois... ! Nã te dou pão de milho azedo, discansa! O milho amarelo secou no tirante e na burra estes dois meses, filho! Faço-te um esfregalho... Faço-te um esfregalho...

«E, vai daí, há casas ricas e casas proves. Deus dá o frio cunforme a roipa. Nosso Senhor Jesu-Cristo nasceu em Belém para nos remir e salvar e, vai, Herodes Antipas manda botar o bando: «Que toda a criença nacida por li seja degolada imcuntinente»... Por isso José pegou no bordão, escanchou a Senhora na burra co anjo de Deus ò colo e se largou prò Egito. Dá-me dali o bordãozinho, não oives? João stá pior... Burra na na tenho, mãis tenho pernas. O Egito será no Castelo? Quem tem boca vai a Roma. Só eu incaranguei .

Na Canada do Búzio o Natal desse ano não podia ser mais festejado. As estrelas próprias dum céu limpo e frio brilharam por cima da casinha consertada depois do fogo. Um soldado magro como um cão e de barba de dias deitava a mãe velha e tonta na cama e aquecia-lhe o caldo da panela.

Vitorino Nemésio, in O Mistério do Paço do Milhafre, 1949

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 09:25

HOMENAGEM A PEDRO DA SILVEIRA

Quinta-feira, 14.05.15

A Câmara Municipal das Lajes das Flores vai homenagear o autor, poeta, investigador histórico e literário, tradutor e etnógrafo fajãgrandense Pedro da Silveira através de um conjunto de atividades, que decorrerão de 14 a 16 de Maio, e que contam com a participação de personalidades que se destacam a nível regional, nacional e internacional pelo papel preponderante que têm na área da literatura.

Os convidados visitam nesta quinta e sexta-feira as Escolas de Santa Cruz e das Lajes, em iniciativas que visam promover o gosto pela leitura, escrita e pela literatura açoriana. Ainda na sexta-feira haverá a apresentação do livro “Marta de Jesus (a verdadeira)” de Álamo de Oliveira e uma tertúlia sobre Pedro da Silveira, Roberto Mesquita e Alfred Lewis que pretende salientar a importância dos vários poetas e escritores da nossa ilha.

O próximo sábado será um dia inteiramente dedicado a Pedro da Silveira, sendo descerrada na Fajã Grande uma placa em sua homenagem e tendo lugar no Museu Municipal a sessão solene onde serão interpretados e musicados poemas de Pedro da Silveira por Nina Soulimant, José Agostinho Serpa e Isabel Mesquita. Será também apresentada uma breve performance de declamação de poemas seus e, para marcar o final deste conjunto de eventos de homenagem, será servido um porto de honra a todos os presentes.

Estas diversas atividades inserem-se nas comemorações dos 500 anos do concelho das Lajes e contam com o patrocínio da SATA, que através do seu apoio permitiu a realização do evento com a presença de tão ilustres convidados.

Recorde-se que Pedro da Silveira foi um dos grandes poetas açorianos do século XX e deixou uma marca cultural profundamente impressiva. Este multifacetado autor fajãgrandense ilustrou a literatura açoriana – que defendeu frontalmente como teórico, historiador e crítico, até contrariando alguns meios intelectuais do Continente – foi também um dos seus mais persistentes e criteriosos divulgadores, tendo-se dedicado ainda a importantes recolhas de literatura oral.

Pedro da Silveira foi autor de várias obras de poesia, entre as quais se contam «A ilha e o Mundo», «Sinais de Oeste», «Corografias», «Poemas ausentes» e «Fui ao mar buscar laranjas», o primeiro volume da sua obra completa. Com uma vasta colaboração dispersa por jornais e revistas nacionais e estrangeiras, Pedro da Silveira foi ainda autor de duas antologias de poetas açorianos, sendo que no prefácio de uma das quais – «Antologia de poesia açoriana – do século XVII a 1975» – ensaia uma tentativa de autonomia da literatura açoriana das restantes literaturas de expressão lusófona.

A sua poesia manteve sempre uma forte ligação ao solo açoriano e de modo muito especial à fajã Grande, não deixando, porém, de dialogar cultural e poeticamente com «as ilhas todas do Mundo». Foi um dos promotores da elaboração da «Enciclopédia açoriana» e preparava uma «História da literatura açoriana» quando faleceu. Integrou, até 1974, o conselho de redação da «Seara Nova», tendo sido até 1992 funcionário da Biblioteca Nacional, da qual foi diretor dos Serviços de Investigação e de Atividades Culturais.

 

Dados retirados dos “sites” da Câmara Municipal das Lajes e do Forum Ilha das Flores

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 00:11

A SAFRA DO SARGAÇO

Quarta-feira, 13.05.15

Meu pai levantava-se, todos os dias, muito cedo. Alta madrugada! No Inverno, ainda noite escura. Calçava umas botas de borracha, pegava num bordão, numa corda e numa foice e ia à lagoa das Covas, para os lados da Ponta, ceifar um molho de erva que trazia às costas, a pingar e a verter-lhe água pelo corpo. Era o alimento do gado leiteiro, que o alfeiro não merecia tão grandes sacrifícios. A maioria das vezes quando eu e meus irmãos nos levantávamos, ele já tinha ido e voltado, com a tarefa eximiamente cumprida, pese embora chegasse a casa todo molhado.

Esta rotina diária era quebrada quatro, cinco ou seis vezes por ano. No Inverno. Era nos dias em que, após o arrancar das profundezas do oceano, a maré da madrugada, acossada pelo marulhar das ondas, enchia o Rolo de sargaço. Nesses dias, meu pai, ao chegar à Ribeira das Casas, mudava o seu rumo. Alterava o seu destino. Dirigia-se para o Rolo. Como era dos primeiros a chegar, fixava-se logo ali, a seguir ao ilhéu do Constantino, local onde a safra era mais proveitosa. Depois de chegar delimitava o seu terreno, demarcando-o com uns pedaços de cana, de paus ou até com uma ou outra peça de roupa. Muitos outros homens seguiam-lhe o exemplo. Alguns, até, antes dele. De seguida, pedia a alguém que nos avisasse da sua inexorável mudança de planos. Que lhe levássemos os garfos de tirar esterco, cestos e café com pão. Então começava a trânsfuga do sargaço que as ondas traziam, atirando-o mais para cima, para sítio em que a maré, quando voltasse a subir, com as suas altivas e bravias ondas não lhe chegasse e, assim como o tinham trazido, o levasse. Nós acordávamos sobressaltados e corríamos ansiosos, à frente, com os cestos e os garfos. Minha irmã, atrás, com o bule do café, um pedaço de pão e queijo ou doce de laranja. A manhã era toda para a trânsfuga. A maré, ao subir, mesmo que as ondas acalmassem, levava todo o sargaço que não tivesse sido acautelado. Às vezes, com um pouco de sorte, caldeado com o sargaço, vinha um polvo, ainda vivo. Meu pai, com agilidade, virava-lhe o capucho e havíamos de o comer à ceia, guisado com batata branca.

Minha irmã voltava a casa e, antes das badaladas do meio-dia, na torre da igreja, já lá estava, com um cesto carregado de pão, torresmos, toros de linguiça ou tortas de ovos e inhames, pão e um bule de café.

Nós, famintos, recebíamo-la em festa. Ao redor já muitas famílias se sentavam para o bródio. Era sobre o sargaço, castanho e perfumado a maresia que nos sentávamos, ao redor da toalha. Era como se fosse dia de festa.

De tarde o trabalho era bem mais árduo. Todo aquele sargaço tinha que ser transportado em cestos, acarretados às costas, a pingarem água, para o lago. Cada família tinha o seu lago. Os lagos eram pequenos cubículos de terreno, entre o Rolo e o caminho da Ponta, divididos com pedras do rolo, ordenados e organizados, ladeando pequenos corredores, formando autênticas ruas. Uma central e mais larga, outras transversais, mais estreitas. À medida que os montes subiam, formando altos paralelepípedos, transformavam-se em espécies de casas ou edifícios, que ainda mais caracterizavam aquele local, assemelhando-o a um pequeno povoado. Cada qual pretendia ter um monte mais alto do que o do vizinho mas todos acalcavam muito bem o seu sargaço para que este aquecesse bem, fermentasse e apodrecesse transformando-se em excelente estrume para os campos.

De tarde o calor era muito. A sede grassava. Meu pai mandava-me buscar água. Ali bem perto, mesmo ao lado da Ribeira das Casas havia uma lagoa que pertencia ao Fernando de Ti Manuel Rosa. Era meu vizinho e isso facilitava-me a entrada numa propriedade privada. La num canto, protegido por uma enorme parede voltada a nordeste havia uma nascente que abastecia a lagoa. A água era fresquíssima e muito saborosa. Pegava na maior folha de inhame que ali havia e transformava-a num recipiente que enchia e trazia a meu pai. Ele fazia um furo na folha. A água esguichava e ele bebia como se fosse duma torneira. Bebia e voltava a beber. Depois passava a meus irmãos que também se deliciavam com a água. A noite chegava. Minha irmã regressava com a ceia e com duas lanternas. Bolo frito, queijo e café. Depois, meu pai acendia as lanternas. Uma ficava no rolo, onde se continuavam a encher os cestos. Outra no lago cada vez mais alto. Alguns só com escada. O Rolo era agora um mar de luzes a petróleo e petromax. Um espetáculo verdadeiramente deslumbrante.

Terminada a safra do sargaço, já noite adiantada, cansados mas felizes e contentes, voltávamos a casa.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 09:13

VENTO DE MAIO

Terça-feira, 12.05.15

“Maio ventoso/ano venturoso.”

 

Talvez porque maio fosse um mês em que as culturas ainda eram “bebés” e, por conseguinte, abrigadas pelas paredes de cerrados e courelas, os ventos não lhe faziam muito mal. Provavelmente até as beneficiariam. Daí este adágio muito utilizado na Fajã Grande, a querer significar que soprassem fortes ventanias em maio, pois nos meses seguintes os ventos, se existissem, seriam bem mais prejudiciais. Isto porque numa ilha onde, contra tudo e contra todos, o vento soprava frequentemente e com muita intensidade.

Talvez este maio ventoso inspirasse o poema do cantor e compositor brasileiro Salomão Borges Filho, mais conhecido como Lô Borges, Vento de Maio:

 

“Vento de maio rainha de raio estrela cadente

Chegou de repente o fim da viagem

Agora já não dá mais pra voltar atrás

Rainha de maio valeu o teu pique

Apenas para chover no meu piquenique

Assim meu sapato coberto de barro

Apenas pra não parar nem voltar atrás

Chegou de repente o fim da viagem

Agora já não dá mais...

Vento de raio rainha de maio estrela cadente

Chegou de repente o fim da viagem

Agora já não dá mais pra voltar atrás

Rainha de maio valeu o teu pique

Apenas para chover no meu piquenique

Assim meu sapato coberto de barro

Apenas pra não parar nem voltar atrás

Rainha de maio valeu o teu pique

Apenas para chover...

Nisso eu escuto no rádio do carro a nossa canção

Sol girassol e meus olhos abertos pra outra emoção

E quase que eu me esqueci que o tempo não pára

Nem vai esperar

Vento de maio rainha dos raios de sol

Vá no teu pique estrela cadente até nunca mais

Não te maltrates nem tentes voltar o que não tem mais vez

Nem lembro teu nome nem sei

Estrela qualquer lá no fundo do mar

Vento de maio rainha dos raios de sol

Chegou de repente o fim da viagem

Agora já não dá mais pra voltar atrás

Rainha de maio valeu o teu pique

Apenas para chover no meu piquenique

Assim meu sapato coberto de barro

Apenas pra não parar nem voltar atrás

Rainha de maio valeu o teu pique

Apenas para chover no meu piquenique...”

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 08:42

DESTROÇADO

Segunda-feira, 11.05.15

 

MENU 60 – “DESTROÇADO”

 

ENTRADA

Folhados de atum, salpicados com alface e tirinhas de cenoura embebidas em creme de atum, cebolinha e alho.

 

 

PRATO

 

Pescada à Brás, enformada obre crosta de pão torrado, barrado com creme de queijo fresco e ervas aromáticas.

 

 

SOBREMESA

 

Pera e Gelatina de Morango.

 

******

 

Preparação da Entrada: Escorrer a água da conserva, juntar-lhe a cebola e o alho picados e um pouco de azeite. Misturar até formar um creme. Cortar pedacinhos de massa folhada e recheá-los com o creme. Levar ao forno. Depois de frios acompanhar com alface picada e tiras de cenoura cozidas, embebidas no creme,

Preparação do Prato: - Cortar a cenoura em tiras e cozê-las. Cozer a pescada e parti-la. Refogar uma cebola com alho em azeite. Misturar a pescada, a cenoura e batata palha. Envolver bem, Misturar uma clara de ovo e continuar a envolver. Colocar em forminha e servir sobre o pão torrado barrado com o creme de queijo.

Preparação das Sobremesas – Confeção tradicional.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 10:07

O DESCANSADOURO DO CIMO DA LADEIRA DO COVÃO

Domingo, 10.05.15

Embora não fosse muito movimentado, uma vez que servia apenas de local de descanso para os homens que iam e vinham para a Pedra de Água, para o Outeiro Grande e para o Alto do Covão, o descansadouro do Cimo da Ladeira do Covão era um dos mais deslumbrantes descansadouros de quantos havia na Fajã Grande. Situava-se bem lá no alto, onde a ladeira terminava. Era constituído por uma bancada natural, feita de pedregulhos soltos encostada a uma alta parede que protegia de ventos e chuvas, quando vinham do sul e do oeste. Se o vento soprasse do norte, havia uma alternativa. Abrigar-se no início da vereda que dava para as terras do Alto do Covão.

A Ladeira do Covão era, incontestavelmente, a mais desnivelada, a mais íngreme e a mais abrupta ladeira de todas as que possuíam os tortuosos caminhos e veredas da Fajã Grande. Situava-se logo a seguir ao Cimo da Assomada, no Vale da Vaca e ligava o antigo caminho da Cuada, das hortas e dos Lavadouros com a Canada do Covão, ou seja com a penhascosa e escarpada vereda de acesso à Pedra d’Água e ao Outeiro Grande, a meio da qual se engastava o mítico e tenebroso Calhau das Feiticeiras. Situava-se pois, a referida Ladeira, numa elevada e altiva encosta, Mas o que ainda mais caracterizava a Ladeira do Covão e que lhe dava um ar de singularidade, é que se alongava, de um dos lados, como que paralela ao Vale da Vaca, enquanto do outro se confundia com a encosta subjacente, povoada de silvas, de vinháticos, de cubres, de funchos e de canaviais, donde emanavam cores e perfumes diversificados e atraentes e onde a passarada esvoaçava em acasalamentos ou na procura estonteante de sítios mais adequados para os ninhos. Do seu cimo ou seja no local onde havia o pequeno descansadouro, desfrutava-se de um cenário deslumbrante, duma vista maravilhosa. Ao perto o enorme vale onde predominavam as terras e cerrados de milho, muito verde e robusto, mais ao longe a Assomada, com as suas casinhas a agregarem-se e a protegerem-se entre as encostas do Pico e do Outeiro, mais ao longe, a Rua da Direita com o seu casario altaneiro e a igreja com o campanário a sobressair sobre os telhados e, ainda mais ao longe, o mar, o Monchique e os navios. A protegê-la as encostas sombrias do Pico da Vigia.

E como subir a Ladeira do Covão representava um gigantesco esforço e um enorme cansaço a existência do descansadouro, lá no cimo, era como a cereja em cima do bolo. Ali, no entanto, descansavam não apenas os que subiam, muitas vezes levando o gado para as relvas do Outeiro Grande e Pedra d’Água, mas também os que desciam vergados ao peso de molhos e cestos, pois por aquelas bandas, para além das pastagens existiam bons terrenos agrícolas onde se cultivava, para além do milho, excelentes batatas-doces. Além disso o descansadouro para além de muito abrigado e protegido de ventos e chuvas, caracterizava-se, sobretudo, porque como que suavizava o cansaço de quem ali se sentava, galvanizado pelo encanto da paisagem circundante, aureolada com o estonteante colorido da vegetação, com o perfume das flores, com os sabores dos frutos e, sobretudo, com a sublimidade do canto dos pássaros.

Os molhos, cestos e outros carregamentos enquanto os homens se sentavam a descansar e a fumar, eram colocados sobre uma plataforma que ladeava a ladeira do lado da encosta. Também era ali que se juntavam os homens, entre os quais Mestre Augusto Mariano que por ali tinha muitas relvas e terrenos agrícolas, enquanto aguardavam a hora da ordenha, na altura em que o gado estava amarrada à estaca, alimentando-se de trevo e erva-da-casta e trilhando os terrenos.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 08:47

LIGAÇÕES PORTO – PICO - PORTO

Sábado, 09.05.15

A SATA alterou para melhor, para muito melhor as ligações Porto-Pico-Porto. Assim é possível viajar do Porto para o Pico e vice-versa, em quase todos os dias da semana, sem ter que pernoitar em S. Miguel ou noutra ilha ou paragem qualquer. Excetua-se a quarta-feira, nas viagens Porto/Pico e a terça, no regresso Pico Porto. Tudo isto em função de uma coordenação de voos com a TAP entre Porto e Lisboa, o que até agora não acontecia. Assim nos dias em que não era possível viajar do Porto para S. Miguel ou Terceira e obter ligação para o Pico, agora a excelente alternativa é fazer escala por Lisboa. Uma medida excelente! Se a isto juntarmos as ofertas de preços mais baixos, em que se conseguem bilhetes de passagem Porto-Pico-Porto. Em pleno mês de Agosto, por cerca de 120 euros, compreende-se que a situação melhorou e muito. Bem hajam. Necessário é que medidas futuras não destruam as condições atuais. A mudar-se que seja sempre para melhor.

É este o horário que o site da SATA disponibiliza a quem quer viajar do Porto para o Pico e vice-versa.  

 

Dia da Sem.

PORTO - PICO

PICO - PORTO

Domingo

Partida: 07:30     Porto

Chegada:08:20   Lisboa

Partida: 12:30     Lisboa

Chegada:13:45   Ponta Delgada

Partida: 14:40     Pico

Chegada 16,20     Pico

Observação: inclui 1 escala técnica

Partida: 10:25     Pico

Chegada:11:00   Terceira

Partida: 13:20     Terceira

Chegada:14:00   Ponta Delgada

Partida: 18:00     Ponta Delgada

Chegada:21:10   Porto.

Segunda

Partida: 12:35     Porto

Chegada:13:55   Ponta Delgada

Partida: 14:40     Ponta Delgada

Chegada:16:20   Pico

Observação: inclui 1 escala técnica.

Partida: 17:25     Pico

Chegada:21:50   Lisboa

Observação: inclui 1 escala técnica

Partida: 23:55     Lisboa

Chegada:00:50 00:50 +1 dia Porto

Terça

Partida: 10:20     Porto

Chegada:11:10   Lisboa

Partida: 12:30     Lisboa

Chegada:13:45   Ponta Delgada

Partida: 14:40     Ponta Delgada

Chegada:16:20   Pico

Observação: inclui 1 escala técnica.

 

Quarta

 

Partida: 10:25     Pico

Chegada:11:00   Terceira

Partida: 12:40     Terceira

Chegada:15:55   Porto.

Quinta

Partida: 12:35     Porto

Chegada:13:55   Ponta Delgada

Partida: 14:40     Ponta Delgada

Chegada:16:20   Pico

Observação: inclui 1 escala técnica

Partida: 16:45     Pico

Chegada:17:35   Ponta Delgada

Partida: 19:10     Ponta Delgada

Chegada:22:15   Lisboa

Partida: 23:55     Lisboa

Chegada:00:50 +1 dia Porto

Sexta

Partida: 07:30     Porto

Chegada:08:20   Lisboa

Chegada:13:45   Ponta Delgada

Partida: 14:40     Ponta Delgada

Chegada:16:20   Pico

Observação: inclui 1 escala técnica

Partida: 10:25     Pico

Chegada:11:00   Terceira

Partida: 14:25     Terceira

Chegada:15:05   Ponta Delgada

Partida: 18:00     Ponta Delgada

Chegada:21:10   Porto.

Sábado

Partida:   13:40   Porto,

Chegada: 14:30  Lisboa

Partida:   15:15   Lisboa,

Chegada: 16:55  Pico

Partida: 17:40     Pico

Chegada:22:05   Lisboa

Observação: inclui 1 escala técnica

Partida: 23:55     Lisboa

Chegada:00:50 +1 dia Porto         

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 08:54

O PÃO COM MANCHAS DE SANGUE

Sexta-feira, 08.05.15

Era um alvoroço desusado lá em casa. À sexta-feira mãe e filhas acendiam o forno, amassavam, talhavam e enchiam o forno de pão, Terminada a cozedura e depois de o cobrir durante algumas horas com grossos cobertores quando o iam partir para comer, todos os pães no meio tinham uma enorme mancha de sangue. Primeiro as mulheres, depois os homens quando chegavam a casa, regressados dos campos. Todos ficavam admiradas e, olhando uns para os outros, sem perceber o que se passava. Depois perguntavam e procuravam saber se alguma mulher que o tivesse amassado não teria um corte ou feridas ou qualquer sangue nas mãos, Mas nada, E na sexta-feira seguinte e em muitas outras, apesar de lavarem muito bem as mãos antes de o amassar e de o tender, acontecia o mesmo. Muito espantadas e nervosas, as mulheres perguntavam:

- De onde virá este sangue?

Calaram-se muito bem, pois cuidavam que era um castigo divino, por expiação de pecados antigos.

Certo dia umas vizinhas vieram contar uma notícia estranha. Em casa de uns parentes, para os lados da Rua Nova acontecia o mesmo. Era mesmo sangue. Era um castigo. Só poderia ter sido um cunhado da Cuada. Fizera uma promessa ao Senhor Espírito Santo e nunca a cumpria.

- Que o fossem castigar a ele e aos filhos.

Mas a tragédia continuava. Chegaram a oferecer um pão. Espanto dos espantos. Esse não tinha sangue. Apenas na própria casa, quando partiam o pão, ao meio, havia sempre uma mancha de sangue. Ai, em casa, o pão aparecia sempre ensopado com uma mancha de sangue. Esta insustentável e dolorosa situação durou muitos meses. Bem se interrogavam, bem questionavam e pediam a Deus para que aquilo acabasse… Mas nada! Sempre o pão raiado de sangue. Não encontravam resposta para tamanha tragédia:

- Mas que diabo é isto? – Perguntavam os homens que não acreditavam em patranhas.

- Que mistério é este. Será um castigo de Deus? – Interrogavam as mulheres. - Que desgraça é esta que nos bateu à porta? Nós não temos culpa dos outros não cumprirem o que prometeram ao Senhor Espírito Santo.

Sabiam agora que o pão que uma filha do cunhado que fizera a promessa cozia também tinha sempre sangue. Por isso, só podia ser por causa da promessa não cumprida. Era um sinal, um aviso…

Mas verdade é que precisavam de comer o pão, apesar do medo. A princípio cortavam a parte onde havia o sangue e comiam a restante. Mas por fim já não o queriam comer. Tinham nojo embora soubessem que o amassavam com muita limpeza.

Um dia uma vizinha veio de visita e ofereceu-se para amassar o pão.

- Hoje sou eu que lhe amasso o pão! Vamos lá ver se é só nas vossas mãos ou se o que eu amassar também vai ter sangue. Vamos desfazer este mistério.

A mulher lá foi e amassou o pão. O sangue continuou a aparecer. Uma grande manha lá no interior do pão. Mas porquê se a mulher não tinha nenhuma ferida nas mãos. Veio outra vizinha e depois outra. Cozeram mais pão. Sempre que o cortavam ao meio, lá estava a mancha de sangue. Parecia castigo! Aquilo não é boa coisa, já assustava.

Felizmente, alguns meses depois cessou. O pão depois de cozido, ao partir-se estava absolutamente normal. Sem qualquer mancha de sangue.

Nunca se soube a razão de tão estranho fenómeno, porque afinal a promessa não foi paga.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 08:59

A LENDA DA MULHER DE BRANCO

Quinta-feira, 07.05.15

Contava-se que antigamente, assim como aparecia uma mulher com pés de cabra na Ladeira das Covas, também, para os lados da Pedra Vermelha, no caminho que dava da Cancelinha para o Tufo da Cuada, de vez em quando, aparecia uma mulher, esta com pés normais mas vestida de branco. Pelos vistos, assim como a da Ladeira das Covas, ninguém conseguia falar com ela, pois a mulher de branco, logo que via alguém aproximar-se, fugia a sete pés, como se fosse um relâmpago, desaparecendo, de imediato, por entre matas e silvados. Segundo uma antiga lenda que se contava na Fajã Grande (se não se contava devia contar-se), esta mulher, quando era nova apaixonou-se, loucamente, por um pescador. Certo dia, o pescador saiu para o mar, na sua faina diária, a fim de pescar, prometendo-lhe, no entanto, que ao voltar, haviam de se casar, na ermida que existia no povoado. A mulher ficou tão feliz e tão entusiasmada que logo se vestiu com as roupas de noiva. Depois correu para o Porto e sentou-se sobre uma pedra, junto ao mar, esperando por aquele com quem havia de casas naquele dia e que havia de ser o seu marido. Esperou dias e noites mas o seu apaixonado nunca regressou da faina da pesca. Nem naqueles dias, nem nos dias seguintes, nem nunca mais. Como durante aqueles dias não acontecera nenhuma tempestade que lhe virasse o barco e ele morresse e como também não poderia fugir para outra ilha num barco tão pequeno, nem passasse por ali nenhum navio que o levasse, cuidou-se que o mais certo seria uma sereia o ter enfeitiçado e levado consigo para o fundo do mar. A mulher, percebendo que o futuro marido, nunca mais havia de regressar, ficou tão desesperada e furiosa que enlouqueceu, indo refugiar-se para as bandas da Cancelinha, nunca mais despindo as suas roupas brancas, de noiva. Desde então, passou a ser vista por aqueles caminhos e canadas, caminhando por aqui e além, na procura de frutos e de raízes silvestres com que se alimentava, transformando-se, ao que o povo dizia e, pelos vistos, acreditava, numa feiticeira.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 09:24

GASPAR FRUTUOSO

Quarta-feira, 06.05.15

O historiador Gaspar Frutuoso nasceu em Ponta Delgada, em 1522 e faleceu na Ribeira Grande, em 1591. É conhecido como o autor de Saudades da Terra pelo que é considerado o «pai» da história açoriana. Estudou na Universidade de Salamanca entre 1553 e 1558, obtendo o grau de bacharel em Artes e em Teologia. Durante a frequência da universidade salmantina, beneficiou da atmosfera cultural renascentista que lá se respirava e tomou contacto com autores e obras da Antiguidade Clássica. Muita da sua produção literária e teológica ter-se-á perdido.

Gaspar Frutuoso, com as Saudades da Terra, pretendeu fazer um elogio aos Açores e às suas gentes, servindo o texto como um instrumento para a promoção do arquipélago junto da corte castelhana, produzindo uma narrativa no interior da qual as ilhas açorianas surgem devidamente integradas no mundo atlântico e insular de Quinhentos. O início da redação da obra pode situar-se na década de 1580 e, desde então, quase até à morte, o cronista foi elaborando e actualizando os seis livros que compõem as Saudades da Terra. O Livro I é dedicado à história geral e do Atlântico, com ênfase nos arquipélagos das Canárias e de Cabo Verde e nas ilhas de Castela; o II tem como objecto a Madeira e fundamenta-se na narrativa de Jerónimo Dias Leite; o III aborda a ilha de Santa Maria; o IV, mais desenvolvido e rico de pormenores, concentra-se na história e geografia de S. Miguel; o V, conhecido como a «História de Dois Amigos da Ilha de São Miguel», é uma peça literária distinta, um texto ficcional que representa uma pausa na narrativa histórica anteriormente desenvolvida; e, por fim, o VI tem como fulcro as ilhas dos grupos central e ocidental.

A sua formação erudita e a leitura atenta de autores clássicos e coevos colocam Gaspar Frutuoso entre a elite cultural do seu tempo. O cronista recorreu também à «memória viva», consultando pessoas de idade avançada, contemporâneas ou testemunhas directas de certos acontecimentos. Na sua tentativa de recolher dados de forma exaustiva, Gaspar Frutuoso procurava socorrer-se de todas as fontes de informação ao seu dispor. De igual modo, mostrou-se, também, um observador cuidadoso da geografia física, da fauna e da flora locais Saudades da Terra representam um dos pilares da cultura genealógica local, em particular nas ilhas de Santa Maria e de S. Miguel. Apesar de alguns erros que se podem assinalaras Saudades da Terra permanecem um repositório importante de informação para os dois primeiros séculos do povoamento das ilhas e constituem um monumento ímpar da historiografia açoriana. José Damião Rodrigues

Sob o ponto de vista filosófico As Saudades da Terra abrem com uma extensa reflexão sobre o sentido da dimensão histórica do homem e o alcance da luz esclarecida da razão para dominar os impulsos e promover o conhecimento da verdade. O pensamento de Frutuoso organiza-se no seio da mundividência do Génesis, de modo especial, da experiência do pecado e da culpa, em que o homem, após ter perdido a inocência que a relação directa com a Verdade e o Bem lhe conferia, vive uma situação de exílio expiatório, de errância, desterro, abandono e esquecimento. O pecado e a queda trouxeram a dissolução da perfeita harmonia entre o querer e o saber e criaram um ambiente de hostilidade entre o homem e a natureza, em que a morte constitui a maldição suprema e o livre arbítrio o afasta da autenticidade duma vida orientada pelos ideais da Verdade e da Justiça. Para Frutuoso, a liberdade concebe-se a partir da ordem incondicional da Verdade e do Bem, duas referências que revestem uma dimensão de exemplaridade e transcendem todos os condicionalismos naturais. A experiência do mundo e a acção humana compreendem-se, portanto, não apenas em função das variáveis que a ciência e a história procuram equacionar e elaborar, mas também em face dum horizonte de autenticidade que, embora só se explicite pela mediação dos acontecimentos que fazem a história, permitem considerar cada momento pela transcendência de um sentido incondicional que o ultrapassa.

Sob o ponto de vista literário e de acordo com a historiografia da época, na escrita e na concepção das Saudades da Terra confundem-se a história e a literatura, unidas na tentativa comum de sondar e explicar o próprio homem pelas suas acções e, ao mesmo tempo, de doutrinar e moralizar, propondo caminhos abertos pelos exemplos apresentados. Não se estranhará, pois, que o valor das Saudades da Terra não se resuma ao interesse da crónica, ao interesse do registo da história das ilhas. Em Saudades da Terra, Frutuoso mostra-se atraído pela observação e pela interpretação dos fenómenos da natureza.

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 09:00

O CAGÃO DA VISITA

Terça-feira, 05.05.15

Na Fajã Grande, antigamente, o Cagão da Visita era uma espécie de figura imaginária, enigmática, mítica e lendária cujo nome, a brincar, se atribuía às crianças quando eram muito medrosas. Ser Cagão da Visita era sinónimo de ser muito medroso ou de ter muito medo ou ter medo de tudo. Como ter medo significava ter falta de coragem ou de força, também se chamava Cagão da Visita a quem era muito fraco ou não podia com quase nada. A criançada, no entanto, não gostava rigorosamente nada de ser presenteada com tal epíteto.

O Cagão da Visita era uma figura mítica, semelhante a várias outras existentes na freguesia, como o “Velho Laranjinho”, o “Antonico Passarico”, o “Velho Entrudo”, o “Ano Velho”, o “Coiso-Mau”, o “Ze da Góstia”, o “Siçaricalho” e, sobretudo o “Papão Feio”, embora com características e simbolismos muito diferentes. Como todos estes e muitas outras personagens míticas, o “Cagão da Visita” apenas existia na imaginação das crianças e de quantos adultos a ele se referiam, não por nele acreditarem mas para, na brincadeira, assustarem, vilipendiarem, amedrontarem ou recriminarem as crianças sobretudo pela sua pequenez, insuficiência, fraqueza ou sujidade, resultante de necessidades fisiológicas ainda não controladas. Muitas vezes porém, a enigmática personagem também era utilizada para caracterizar os mais crescidos, sobretudo ente a rapaziada, neste caso significando uma humilhação, um insulto

Como personagem mítica, o ”Cagão da Visita” possuía uma forte componente simbólica com muito pouco ou nada de real, a não ser o simbolismo. Já os povos da antiguidade, quando na sua falta de conhecimento científico, não conseguiam explicar os fenômenos da natureza criavam mitos com o objetivo de dar sentido às coisas do mundo, de melhor as entender. Além disso, os mitos e as personagens que os integram transmitem-se de geração em geração, sendo, não apenas uma forma de as unir na sua cultura e nas suas tradições mas também um meio de transmissão de conhecimentos e alertar as pessoas sobre perigos ou defeitos e qualidades do ser humano. Cada povo e cada civilização criou os seus símbolos ou seja personagens imaginárias, integradas nos seus costumes e tradições, e que se misturam com fatos da realidade para dar sentido ao seu quotidiano. Assim terá nascido o Cagão da Visita e os seus similares, embora a origem do seu nome seja um pouco estranha e difícil de explicar.

Eventualmente esta figura poderá ter a ver com São Cagão, ou Caganer, que se venera nalgumas regiões de Espanha, nomeadamente na Catalunha. Representado sempre agachado, de calças arriadas e em pleno ato defecatório, ele simboliza a fertilidade e a necessidade de adubar a terra para as colheitas do ano seguinte. O mais natural é, no entanto, que nada tenha a ver com esta personagem fajãgrandense e que o nome visita seja entendido como tal, isto é no seu significado real. Perante uma visita nunca se deve defecar. Quem o faz é porque não tem força coragem ou capacidade de se controlar. Quando, nas suas brincadeiras, duas crianças se zangavam e uma desafiava a outra para guerrear, se esta se recusava ou esquivava era, de imediato, alcunhada de Cagão da Visita, o que diga-se de verdade, ninguém queria ser.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 09:20

ELEGÂNCIA E DISTINÇÃO

Segunda-feira, 04.05.15

Natural da Fazenda das Lajes, ilha das Flores, na senda de um irmão mais velho Nuno Vieira demandou o Seminário de Angra, no ano lectivo de 1953/54, onde completou o nono ano de formação académica. Algum tempo depois fixou-se nos Estados Unidos, licenciando-se em Humanities and Social Science pela UMass Dartmouth e com Mestrado em Bilingual Studies with concentration in English as a Second Language pela UMass Boston. É diplomado em Inglês, Português, Espanhol, Latim e Psicologia Escolar pelo Departamento de Educação de Boston.

Durante o seu percurso no Seminário e porque as nossas origens convergiam na mesma ilha, permitindo assim que nos encontrássemos, vezes sem conta, quer em férias, quer em longas viagens de ida e volta a bordo do velhinho Carvalho Araújo quer ainda nos dias em que, conjuntamente com os outros seminaristas das Flores, aguardávamos transporte para as Flores, contactei muito de perto com o ele, gerando-se, entre nós uma enorme amizade, uma estima mútua, uma empatia desmedida e uma consideração recíproca. Revelou-se sempre um jovem de um trato de elevadíssima educação, duma delicadeza excepcional, dócil, meigo, afável, muito humano e compreensível, sempre atento aos problemas e vicissitudes dos menos protegidos e sempre disposto a ajudar os mais fracos. Um companheiro admirável, um colega excelente um amigo de verdade!

Como aconteceu com tantos os outros que passaram pelo SEA nas décadas de 50/60, perdemo-nos no percurso do tempo e obstruíram-se, entre nós, todos os contactos. Apenas uns tempos antes do Encontro, havíamos levantado um pouquinho do véu que encobria, reciprocamente, as nossas vivências. Hoje é professor aposentado do Ensino Secundário, em Stoughton, Massachusetts, mas continua a leccionar Latim no Stonehill College, universidade situada em Easton, Massachusetss. Homem de grande cultura, interessado pela literatura e pela escrita tem publicado artigos nos jornais Portuguese Times (New Bedford), A União (Terceira), Sol Português (Toronto), O Dever (Pico), As Flores (Ilha das Flores), no Blog Comunidades, na revista Atlântida e Boletim Núcleo Cultural da Horta.

E como muitos outros, de longe veio para o Encontro, carregadinho de a enorme alegria e a gigantesca vontade de todos ver e abraçar, de trazer à memória as vivências, as alegrias e até, um ou outro estigma, dos tempos em que juntos, frequentámos o SEA. A sua presença acrescentou uma áurea de sublimidade ao Encontro, pautando-se por uma ternura enorme, um carinho desmesurado, uma simplicidade serena, uma alegria expansiva e uma atenção minuciosa a tudo e a todos. Espelhando-se num passado de antigo aluno nobre, generoso, digno, fraterno e afectuoso, pautou a sua presença no Encontro do passado mês de Julho por uma excelência que aspergia carinho, emanava docilidade, porque continha armazenada uma sensível e doce saudade, uma sublime e transcendente amizade. Por tudo isto e por muito mais tornou-se um dos “Senhores” do Encontro.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

tags:

publicado por picodavigia2 às 17:18

HISTÓRIA DO SR MAR

Domingo, 03.05.15

(POEMA DE MATILDE ROSA ARAÚJO)

 

Deixa contar...

Era uma vez

O senhor Mar

Com uma onda...

Com muita onda...

 

E depois?

E depois...

Ondinha vai...

Ondinha vem...

Ondinha vai...

Ondinha vem...

E depois...

 

O menino adormeceu

Nos braços da sua Mãe...

 

Matilde Rosa Araújo, O Livro da Tila

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado por picodavigia2 às 11:22


Pág. 1/2





mais sobre mim

foto do autor


pesquisar

Pesquisar no Blog  

calendário

Maio 2015

D S T Q Q S S
12
3456789
10111213141516
17181920212223
24252627282930
31