PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O SEGUNDO EXAME OU DA QUARTA CLASSE
Foi apenas nas décadas de 40 e 50 que começou a realizar-se o chamado exame da quarta classe ou exame do segundo grau e que só se poderia efetuar depois de se ter realizado, com sucesso, o exame da terceira classe ou primeiro exame. Até então realizava-se somente este exame. O exame da quarta, nestes tempos, assim como o primeiro exame em tempos idos, não era obrigatório e, por isso, algumas crianças não o faziam. Umas porque revelavam fracas capacidades de aprendizagem outras, na maioria dos casos, porque os pais precisavam delas para as ajudar nos trabalhos agrícolas e, no caso das meninas, para colaborarem nas lides domésticas, no lavar da roupa ou na guarda de algum irmão mais novo. Além disso, este exame tinha um grande inconveniente. É que apenas poderia ser feito nas Lajes e durava dois dias: um para a prova escrita outro para a prova oral. Ora nestes tempos as deslocações da Fajã para as Lajes eram realizadas a pé uma vez que não havia nem estradas nem automóveis. Uma deslocação às Lajes demorava cerca de quatro horas a andar depressa e sem paragens para descansar. Como os exames começavam rigorosamente às nove horas, as crianças teriam que levantar-se alta madrugada e fazer uma viagem cansativa o que havia de refletir-se de forma muito negativa nos resultados do seu exame. Além disso teriam que se fazer acompanhar de um familiar adulto, não apenas durante a viagem mas também nos dias em que permanecia na vila. Isto implicava a perda de três dias de trabalho e uma insuportável despesa que a maioria das famílias não podia ombrear, pese embora muitas crianças se hospedassem gratuitamente em casa dos “Conhecidos” da família. No início da década de sessenta foi abolido o primeiro exame, passando a ser obrigatório o exame da quarta classe. Nessa altura, porém, já era possível realizar a viagem de carro.
A idade mínima para admissão ao exame da quarta classe, naqueles tempos, era de 11 anos completos ou a completar até ao dia 31 de Dezembro do ano em que se realizasse o exame. Excecionalmente era autorizada a admissão de examinandos que completassem 10 anos nesse ano, desde que o professor considerasse que possuía os requisitos de aprendizagem necessários e o pai, ou quem legalmente o representasse, fizesse um requerimento até ao final do mês de Junho desse mesmo ano.
Este exame, na década de cinquenta, já era muito rigoroso, e exigia boa capacidade não só de leitura e escrita mas também de conhecimentos variados. Conhecimentos de Gramática, História de Portugal, Geografia, Matemática, Aritmética e Ciências Naturais e era constituído por provas escritas e orais. No primeiro dia tinham lugar as provas escritas de Língua Portuguesa, que implicava um ditado e uma redação, perguntas sobre as disciplinas das chamadas Lições de Cor e da Aritmética, na qual constava a resolução de um problema que não exigia mais de duas operações e na execução de uma operação Aritmética com a respetiva prova pela operação inversa, tendo a duração de sessenta minutos. Estas provas escritas eram realizadas em conjunto por todos os alunos na mesma sala, na Casa do Espírito Santo das Lajes e estavam presentes três professores, com o denodado intuito de não deixar que os alunos copiassem ou recorressem a cábulas. No segundo dia tinham lugar as provas orais feitas individualmente mas que implicavam leitura e o prestar de contas sobre os conhecimentos adquiridos nas restantes disciplinas, de acordo com os caprichos do júri.
O só então se adquiria o tão almejado estatuto de “não analfabeto” almejado por muitos mas conseguido por poucos. Recordo-me que das cinco crianças que poderiam, por idade, ter feito o exame da quarta comigo, apenas duas o fizeram, sendo eu, felizmente, uma delas.