PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A LENDA DA GAIA AZUL
(CONTO POPULAR)
Numa fria manhã de inverno, a gralha ainda dormitava no galho do pinheiro, quando foi surpreendida por um súbito e seco barulho. Assustada, ela pôde ver um homem a desferir o machado no tronco do pinheiro. A gralha ouviu os gemidos agudos do pinheiro, enquanto a seiva de dentro dele transbordava em dor.
Com tristeza, a gralha viu os golpes do machado, cada vez mais intensos, a cortar sem piedade o majestoso pinheiro que por muitos anos deu-lhe abrigo, tornando-se um amigo. Sabia que o destino de tão bela árvore, que por décadas a natureza tecera o porte que apresentava, seria o de uma serraria, transformada em madeira morta para servir aos caprichos humanos.
Impotente diante da tragédia que se abatia sobre o pinheiro amigo, a gralha voou em direção ao infinito, subindo muito além das nuvens, de modo que não pudesse ouvir os gemidos de dor causados pelo corte fatal do machado. Já na imensidão do céu, a pobre ave pôde ouvir uma voz terna a ecoar:
-O coração das aves é misericordioso, revoltando-se com as dores da mata! Bendita sejas tu, avezinha! Tua bondade faz-te digna do mundo. Volta para os pinhais, a partir de hoje tu serás a minha ajudante. Transformarei a tua plumagem em azul, da cor do céu. Quando voltares para os pinhais, vais plantá-los, para que os pinheiros se renovem e jamais se extingam.
-Sou apenas uma ave negra, a chorar a dor dos pinheiros mortos.
-Já não serás uma ave negra, já te disse, terás a cor do céu. Quando comeres o pinhão, tirar-lhe-á a cabeça, para com as tuas bicadas, abrir-lhe a casca. Nunca te esqueças de antes de terminar a tua alimentação, enterrares alguns pinhões com a ponta para cima, já sem cabeça, para que não apodreçam e façam surgir um novo pinheiro. Do pinheiro, árvore da fraternidade, nascerá a pinha, da pinha nascerá o pinhão... Do teu bico cairá a semente que fertilizará o solo.
Ao ouvir a voz, a gralha viu-se no topo do céu. Olhou para o seu pequeno corpo de ave e apercebeu-se que as penas negras tinham ficado azuis. Até onde os seus olhos pudessem avistar, tornara-se uma ave azul, ao redor da cabeça, onde não podia enxergar, continuou com a plumagem preta.
Ao ver a beleza das suas penas, a avezinha retornou para os pinhais. Encontrou todos os pinheiros abertos, a convidá-la para pousar em seus galhos, assim ficariam perenemente. Tão alegre estava a gralha com a sua nova plumagem, que o seu canto passou a ser como um alarido a lembrar crianças a brincar. Assim a gralha, ao voltar, iniciou o seu trabalho de ajudante celeste, ajudando aos pinheiros a renascer dos seus pinhões.
Ainda hoje, quem passa por algumas florestas consegue ver bandos de gralhas azuis matracando nos galhos dos frondosos pinheiros, comendo os pinhões que alegram as festas do povo do lugar.
Conto Popular
Autoria e outros dados (tags, etc)
AQUECIMENTO CLIMÁTICO
“A humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de mudanças de estilos de vida, de produção e de consumo, para combater este aquecimento ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem ou acentuam."
Francisco
Autoria e outros dados (tags, etc)
ENTARDECER
A tarde amortecida se espraiava
Sobre os casais, sombrios, desolados.
E os montes inquietos, desprezados
Na dolência do Sol que se finava.
No silêncio das águas derramava
Matizes de um azul, acrisolado.
Sobre o cais um destino malogrado
Que o choro das gaivotas derramava.
Nas pedras estagnadas, bem se lia
A tristeza de uma noite a despontar
O cansaço de um dia a terminar.
Só eu aquela tarde não sentia…
E assim permaneci, desiludido,
Alheio à natureza, embevecido.
Angra 28 de Junho de 1966
Autoria e outros dados (tags, etc)
O CALHAU DA BARRA
O Poceirão era um enorme lago, uma espécie de gigantesca piscina natural, encafuado entre os rochedos negros do baixio. Tinha forma circular com uma pernada a entrar pela ilha dentro, a terminar no mítico Caneiro do Porto, logo por baixo da Eira. A sua comunicação com o Oceano Atlântico fazia por uma estreita barra, onde pontificava um enorme calhau que havia jus ao nome – Calhau da Barra.
O Calhau da Barra era um enorme e escuro rochedo, povoado de lapas e caranguejos, bem escarrapachado na porta de entrada e saída do Poceirão e como que a protegê-lo das maresias a que o oceano, naqueles meandros, era fértil. Era uma espécie de portal a obstruir as intrigantes investidas das gigantescas ondas que, muitas vezes, ali abundavam. Em dias mais intempestivos e de maior reboliço, o Calhau parecia incapaz de as obstruir e as malditas, acicatadas por fortes ventanias, saltavam como loucas por cima dele e enchiam o Poceirão de espuma branca, transformando as suas águas, habitualmente calmas, numa intrigante e perturbadora revolta. Além disso, traziam consigo enxames e enxames de respingos de salmoura que, não se contentando em ficar por ali, atingiam os cerrados e courelas do Porto, do Estaleiro e da Cambada, cerceando, destruindo, aniquilando as suas verdejantes e promissoras culturas. Um espetáculo deslumbrante e belo para quem passeava por ali, mas um suplício torturante para os agricultores.
De resto o Calhau da Barra permanecia discreto e silencioso. A norte, do lado da Ponta dos Pargos, separava-se de terra por um enorme e profundo valado. Era por aí que entravam e saíam as embarcações. A sul, do lado da Baía da Via d’Água, quase se ligava a terra, através duma espécie de cordão umbilical que eram umas baixas, em horas de maré vaza e de calmaria, com a crista de fora e perfeitamente visíveis à tona d’água. O Calhau tinha a forma duma espécie de campânula gigante, embora na sua vertente oeste, voltada ao mar, tivesse adquirido uma forma lisa, facetada, uma aresta vertical, muito provavelmente, fruto do marulhar contínuo das ondas durante dezenas e dezenas de séculos. Do lado leste, voltado para o Poceirão a sua forma era bem mais oval e a sua estrutura arenosa, em forma de arribas, espécies de degraus, toscos e inteiriçados, que os nadadores mais afoitos subiam com agilidade. Depois, bem lá do alto, atiravam-se de mergulho para o vale da entrada que sabiam possuidor de águas mais profundas e menos perigosas. Como o Caneiro era uma espécie de berçário de nadadores aprendizes, em tardes de calor, sempre cheio de crianças e mulheres a molhar as pernas até ao joelho, muitos rapazes e homens aproveitavam para se banharem em frente ao Porto Velho. Era nessas alturas que os mais afoitos e investidos nadavam até ao Calhau da Barra. Depois subiam-no e mergulhavam bem lá do alto. Chegar ao Calhau da Barra a nado, já era um grande feito. Mergulhar do alto da sua crista um feito notável. Sair pela Barra fora e nadar até ao Cais, um ato heroico. Confesso que o fiz uma vez, acompanhado pelo Cardosinho e pelo José do Urbano! Mas jurei que nunca mais o faria, pois segundo o testemunho de pessoa fidedigna que nos viu de terra, nadámos entre corais e tubarões!
Autoria e outros dados (tags, etc)
O SEGUNDO EXAME OU DA QUARTA CLASSE
Foi apenas nas décadas de 40 e 50 que começou a realizar-se o chamado exame da quarta classe ou exame do segundo grau e que só se poderia efetuar depois de se ter realizado, com sucesso, o exame da terceira classe ou primeiro exame. Até então realizava-se somente este exame. O exame da quarta, nestes tempos, assim como o primeiro exame em tempos idos, não era obrigatório e, por isso, algumas crianças não o faziam. Umas porque revelavam fracas capacidades de aprendizagem outras, na maioria dos casos, porque os pais precisavam delas para as ajudar nos trabalhos agrícolas e, no caso das meninas, para colaborarem nas lides domésticas, no lavar da roupa ou na guarda de algum irmão mais novo. Além disso, este exame tinha um grande inconveniente. É que apenas poderia ser feito nas Lajes e durava dois dias: um para a prova escrita outro para a prova oral. Ora nestes tempos as deslocações da Fajã para as Lajes eram realizadas a pé uma vez que não havia nem estradas nem automóveis. Uma deslocação às Lajes demorava cerca de quatro horas a andar depressa e sem paragens para descansar. Como os exames começavam rigorosamente às nove horas, as crianças teriam que levantar-se alta madrugada e fazer uma viagem cansativa o que havia de refletir-se de forma muito negativa nos resultados do seu exame. Além disso teriam que se fazer acompanhar de um familiar adulto, não apenas durante a viagem mas também nos dias em que permanecia na vila. Isto implicava a perda de três dias de trabalho e uma insuportável despesa que a maioria das famílias não podia ombrear, pese embora muitas crianças se hospedassem gratuitamente em casa dos “Conhecidos” da família. No início da década de sessenta foi abolido o primeiro exame, passando a ser obrigatório o exame da quarta classe. Nessa altura, porém, já era possível realizar a viagem de carro.
A idade mínima para admissão ao exame da quarta classe, naqueles tempos, era de 11 anos completos ou a completar até ao dia 31 de Dezembro do ano em que se realizasse o exame. Excecionalmente era autorizada a admissão de examinandos que completassem 10 anos nesse ano, desde que o professor considerasse que possuía os requisitos de aprendizagem necessários e o pai, ou quem legalmente o representasse, fizesse um requerimento até ao final do mês de Junho desse mesmo ano.
Este exame, na década de cinquenta, já era muito rigoroso, e exigia boa capacidade não só de leitura e escrita mas também de conhecimentos variados. Conhecimentos de Gramática, História de Portugal, Geografia, Matemática, Aritmética e Ciências Naturais e era constituído por provas escritas e orais. No primeiro dia tinham lugar as provas escritas de Língua Portuguesa, que implicava um ditado e uma redação, perguntas sobre as disciplinas das chamadas Lições de Cor e da Aritmética, na qual constava a resolução de um problema que não exigia mais de duas operações e na execução de uma operação Aritmética com a respetiva prova pela operação inversa, tendo a duração de sessenta minutos. Estas provas escritas eram realizadas em conjunto por todos os alunos na mesma sala, na Casa do Espírito Santo das Lajes e estavam presentes três professores, com o denodado intuito de não deixar que os alunos copiassem ou recorressem a cábulas. No segundo dia tinham lugar as provas orais feitas individualmente mas que implicavam leitura e o prestar de contas sobre os conhecimentos adquiridos nas restantes disciplinas, de acordo com os caprichos do júri.
O só então se adquiria o tão almejado estatuto de “não analfabeto” almejado por muitos mas conseguido por poucos. Recordo-me que das cinco crianças que poderiam, por idade, ter feito o exame da quarta comigo, apenas duas o fizeram, sendo eu, felizmente, uma delas.
Autoria e outros dados (tags, etc)
A SOMBRA DAS ORQUÍDEAS
Uniu-os um ocasional e imprevisível destino. Ele viera passar férias a Lisboa, a casa duma irmã que tinha residência na Travessa de Ceuta. Ela morava ali perto, na Rua do Arco do Cego.
Foi uma manhã inolvidável, na piscina dos Amigos de Vénus. O pai dela, Agapito Reboredo, era sócio do grémio e um dos membros mais destacados da direção. Ela tinha entrada gratuita e, lá dentro, gozava privilégios e regalias das quais, por nada deste mundo, abdicava. No epicentro das suas opções estavam os banhos na piscina e os bailes em dias de festa. Ele, ilhéu nativo, sedento de mar e de praia, também desejoso de banhos que a enormíssima e industrializada Lisboa lhe negava, optou pela piscina mais próxima, a dos Amigos de Vénus. Uma amiga dela que o conhecia e sabia-o açoriano informou-a. A sua estirpe, também açórica, foi motivo de aproximação. Coincidência das coincidências! A ilha era a mesma e ele até conhecia, embora vagamente, alguns familiares dela. A amizade solidificou-se. Além disso, ela soube-o deslocado, sozinho, desocupado, quase perdido na enorme urbe ulissiponense. Necessitava de alguém que o acompanhasse, que lhe ajudasse a tornar mais atrativos e aliciantes os dias que havia de passar na capital. Ela estava ali para isso. Contasse com ela.
Nadaram e mergulharam ao lado um do outro, dependuram-se no mural da piscina, com displicência e à vontade, em amena cavaqueira. Tudo nele a empolgava e ele sentia por ela uma desusada e estranha atração.
Chamava-se Marilda e era de uma beleza rara e invulgar. Olhos ligeiramente rasgados, negros, espetados num rosto acetinado, branco e macio, banhado por convulsões atraentes e dulcificantes. A boca um mito de sublimidade a abrir-se com deslumbrante suavidade, a aspersar um sorriso doce, macio e atraente. O corpo esbelto, elegante, altivo, fascinante e sedutor.
No dia seguinte voltaram às instalações do grémio. Desta feita, juntos. Por condescendência do pai ele nem precisava pagar a entrada. Era o que faltava! Voltaram à água, aos mergulhos, à conversa no mural da piscina, onde os seus corpos seminus e gelados, emocionalmente, se tocaram. Ele sentiu um enorme arrepio. Pela primeira vez sentia o aveludado, sedoso e sublime de um corpo de mulher. Nova investida por parte dela que, assim dava mostras de que o queria, de que tinha uma enorme vontade de amarfanhar para si, de o envolver, de o amar. Ele excitou-se ainda mais quando ela, talvez por acaso, talvez propositadamente, lhe encostou a coxa direita aos genitais. Foi como se um enorme abalo removesse avassaladoramente as águas calmas e sossegadas da piscina. Um frémito melífluo, alienígena e arrebatador assolou-o perturbadoramente.
No regresso convidou-o para entrar em sua casa. Que não tivesse pejo! Os pais não estavam mas havia, sempre, por ali irmãos mais novos a entrar e a sair. Aliás, sabia que os pais, à tardinha, ao regressarem do trabalho, teriam muito gosto em conhecê-lo. Tinham manifestado esse desejo, na véspera, quando lhes falara dele.
Anuiu. Foi uma tarde de encanto e de sonho! Mostrou-lhe os recantos da casa que, a partir de agora, havia de considerar como sua. Levou-o para o seu quarto e permitiu que se deitasse na sua cama. Passearam pelo jardim contíguo às traseiras do velho casarão, em desusado contubérnio. Tudo os unia, tudo os fascinava. Tudo nele a atraía, tudo nela desejava. Chegaram os pais, Foi tão deslumbrante o fascínio que o convidaram para jantar. Logo no primeiro dia! Chegou a casa, tardíssimo, com as inerentes preocupações de quem o aguardava, cuidando que se havia perdido nos meandros da gigantesca e labiríntica capital.
Voltaram à piscina no dia seguinte e em todos os outros dias. Cada vez mais unidos, mais deslumbrados e, aparentemente, mais apaixonados. Foram uns dias singulares, aqueles. Num agosto seco e nebuloso mas atrativo e sorridente. As manhãs na piscina com as águas muito quietas e, por vezes, aloiradas por uma nesga de sol que lhe entrava de sudoeste, a agitarem-se, apenas mas permanentemente, com as envolvências descomunais e transviadas que exalavam dos seus corpos, com os murmúrios silenciosos mas muito vivos e persistentes dos seus desejos recíprocos. Ao lado, a lufa-lufa da cidade, com as pessoas a zumbirem, os carros a agastarem-se e o sol a correr, como um louco, que deseja afogar-se no Tejo. Ao longe, as cadeiras do poder a estuporarem os assentos, a partirem os varões laterais, enraivecidas com o azul deslumbrante e bonançoso de cada madrugada. Desesperavam os mafarricos da ordem inócua, os pregadores da inocência camuflada, os predadores das aventuras de inocentes paixões. Senhores da inveja redutora, donos do ódio rastejante, Como serpentes esperavam, à socapa, a inocência despretensiosa da presa sobre a qual haviam de cravar as suas garras e lançar o seu veneno malévolo, horripilante, desolador e mortífero.
Era domingo. Ele ia subir ao pódio a fim de desenfrear a acutilância da sua indomável singularidade. Consagrar-se-ia com arquétipo da excelência. Temia e tremia. Foi ela quem o ajudou. O sucesso bateu-lhe à porta, transpôs os umbrais do sucesso, rondou a esfera da excelência e consagrou-se exageradamente, com a agravante de acicatar ainda mais a inveja reinante e rondante.
Ele agradeceu-lhe. Sem ela não subiria aquele píncaro. Para além de bonita, bela, sublime ela era douta, sensata, competente. Uma senhora!
Foi numa tarde em que regressaram mais cedo da piscina. O sol ainda não se esquivara mas o dia anunciava morrer morno, tristonho e embaciado. Estavam sós. Ela deu-lhe a mão e conduziu ao jardim que ficava nas traseiras da mansão. Sentaram-se muito juntos numa campânula ornada com a sombra de orquídeas gigantes. Corria uma aragem, serena, fresca e deslumbrante. Ela agarrou-se muito a ele e aos poucos foi deslizando, até sentar-se no seu colo. Os corpos colados, arquejantes, silenciosos. Sem que lhe desse tempo, sobre ele despejava algo de inédito e insólito! Cobria-o com uma dádiva, generosa e doce. Uma entrega total! Um silêncio sublime! A redoma de cristal perfumada a alecrim, onde desde há muito o haviam enjaulado, partia-se, repentinamente. O chão revolvia-se em convulsões persistentes e enigmáticas. As árvores, ao redor, balouçavam com frémitos indizíveis e a luxúria de um ou outro pássaro mais arrogante cerceava o perfume dos muros adormecidas e cobertos de limos verdes. Era a hora do silêncio eterno, etéreo e etérico.
Ela, por fim, desfazendo aquele sopro de silêncio indomável, olhou-o enternecida e risonha. Amava-o. Amava-o desastradamente. Encandeando os olhos um no outro, regressaram ao silêncio. Uma, duas, muitas vezes. O resto da tarde, até que o sol, já frouxo e amolecido, fenecesse por completo.
Regressou a casa, louco. Uma abóboda escura, indecisa, tremenda, amortalhada de orquídeas em flor, cobria-o. O rosto afogueara-se de uma áurea, indisfarçável e denunciadora. Marilda, agora com os seus lábios sedosos, ávidos de entrega e senhores de tão doce sublimidade, não lhe saía do pensamento. Cegava-o por completo. Desejava ardentemente chegar ao dia seguinte. Não havia de esperar pelo recanto das orquídeas. A partir de agora era a piscina, o quintal, o quarto dela, o jardim da cidade que ficava mais próximo, para onde programavam passeios em fim de tarde. Agora que lhe tocara o corpo, que lhe saboreara os lábios, que se envolvera com o seu perfume, que lhe sentira o arfar dos seios e até lhe afagara o acetinado dos fémures, ela parecia-lhe cada vez mais próxima e, sobretudo, mais bela, mais atraente, mais pura, mais digna, mais sedutora. O rosto macio e acetinado esbanjava doçura. O corpo, belo e sedoso ombreava uma pureza divinal. Era verdadeiramente bela. E ousava supor que para ela, ele próprio também não lhe era indiferente, embora nunca o confessasse, antes o ocultasse com desvarios audazes e falaciosos.
Os pais não desconfiavam, ou se desconfiavam não se importavam rigorosamente nada. Num passeio a Sintra, simulou indisposição. Impunha-se regressar a casa, imediatamente. Ele havia de a acompanhar… Nem um nem outro dos progenitores se opôs e regressaram, os dois, sozinhos, como se fossem um do outro. Numa noite de sonho!
Começaram os passeios mais frequentes ao jardim da cidade que ficava perto da Arco do Cego. Era um lindo jardim com uma descomunal riqueza botânica, onde passavam as tardes, num doce enlevo, aureolado pela frescura das sombras dos arvoredos, pelo emaranhado dos seus ramos, o verde das suas folhas, o silêncio dos seus troncos ou encafuados nos labirintos das suas raízes gigantes. Por vezes regressavam ao silêncio, numa troca recíproca de beijos e carinhos. A paixão recíproca, una e indivisível avançava avassaladoramente. Ambos sabiam, mas nenhum o confessava. Sem nunca falarem, sabiam ambos que se amavam.
Autoria e outros dados (tags, etc)
DIA DE SÃO JOÃO
Bateram à minha porta
Mas eu não a vou abrir.
Poderá ser outro João
Que me queira iludir!
Hum! Sardinha nos Açores,
Coisa rara e amargada.
Só na urbe de Paredes,
Comes boa sardinhada!
A sardinha congelada,
Nem gelado nem sardinha.
Deve estar sempre bem fresca,
Mesmo se for miudinha.
Ui! Quem trepa é o vinho,
Se bebido em demasia…
Pra evitar tal desalinho
Antes bebesse sangria!
Autoria e outros dados (tags, etc)
NOITE DE SÃO JOÃO
Se eu tivesse um manjerico
Fosse dono dum balão,
Acendia uma fogueira,
Na noite de São João.
Vou colocar uma clara,
Durante a noite, ao sereno,
Vai transformar-se num barco.
Meu sonho doce e supremo!
Vou colocar uma fava,
Debaixo da travesseira.
São João me vai brindar
Com saúde a vida inteira.
Quando a meia noite soar,
Vou à fonte encher a bilha.
Beberai o melhor vinho
Que existe em toda a ilha.
Quando acordar, de manhã,
São João vou visitar
Eu hei de lhe agradecer
Tudo o quanto me vai dar.
Autoria e outros dados (tags, etc)
PASSARÁS, PASSARÁS
Um dos vários jogos que as crianças da Fajã Grande, na década de cinquenta, faziam era Passarás, Passarás. Era durante os recreios da escola, enquanto se esperava pela Senhora Professor, aos domingos, antes da missa e depois da Catequese. Era também e, sobretudo, nas Casas do Espírito Santo, nas noites de Alvoradas, nos dias das Festas e nos Domingos entre a Páscoa e o Pentecostes que as crianças aproveitavam para fazer este jogo em espaço coberto.
O jogo era simples mas implicava um bom número de crianças, sempre a rondar a dezena. Reunia-se o grupo dos interessados em participar e escolhiam-se duas crianças. Estas, sem que o grupo de crianças participantes da brincadeira soubesse, escolhiam aleatoriamente dois nomes de objetos, plantas de frutas, flores, animais, etc. – e cada uma guardava o nome escolhido. Depois posicionam-se em pé, uma de frente para a outra e, de mãos sobre os ombros uma da outra, formando uma espécie de ponte ou arco que serviria para aprisionar, à vez, cada um dos outros participantes. Estes formavam uma fila, com as mãos colocadas nos ombros do parceiro de jogo imediatamente postado à sua frente. A criança que ocupava o primeiro lugar da fila puxava as outras e passava por baixo do arco, formado pelos braços dos outros dois, enquanto iam cantarolando:
- Passarás, passarás, mas algum há de ficar. Se não for o da frente, há de ser o de detrás.
A última criança da fila ficava presa entre o arco formado pelos braços dos dois primeiros participantes e devia responder a pergunta feita em muito segredo, a fim de que os outros não ouvissem:
- Queres pau ou pedra? (por exemplo, ou outro par de dualidades, havendo o cuidado de, na escolha se evitarem nomes mais cobiçados pelos participantes).
A opção escolhida implicava que a criança presa ficasse atrás daquela que escolhera aquele nome, naquele jogo. A fila continuava a passar debaixo do arco formado pelos braços, ficando sempre presa a criança e que era colocada mediante a escola que fizera. Mas isto tinha que ser feito em muito segredo para que os outros ainda não presos, desconfiassem. No fim e após serem presos todos os participantes, ganhava a criança que tivesse maior número de participantes na sua fila.
Autoria e outros dados (tags, etc)
´ÉDIPO E A ESFINGE
Reza a história com a ajuda da mitologia ou esta como auxílio da história, que após o assassinato do rei Laius e do seu filho, príncipe herdeiro, o trono da cidade de Tebas, na antiga Grécia, foi ocupado pelo seu cunhado, Creonte II. Durante os primeiros tempos do seu reinado, Tebas foi assombrada e devastada pela presença de uma Esfinge. Era uma criatura estranha, enviada por Hades, o deus dos infernos, que possuía cabeça de mulher, corpo de leão e asas de águia.
Para além de ter um aspeto macabro, a Esfinge tinha o maléfico dom de, por onde passar tudo destruir, devorando campos, casas e pessoas. Nos intervalos das suas catastróficas atividades, a enviada de Hades passava o tempo a cantarolar uma estranha ladainha, que afirmava ter aprendido com as Musas do Olimpo. Esse cantarolar continha um desafio, um enigma que ninguém até à altura tinha conseguido decifrar. Depois de muito cantar e destruir outro tanto, a Esfinge, sentou-se no alto de um monte e fez a Creonte a seguinte proposta que ele não podia recusar:
" Se algum tebano resolvesse o enigma, ela partiria e a paz regressaria a Tebas. Pelo contrário, todos os tebanos que falhassem seriam devorados e a devastação de Tebas continuaria.
Desesperado, Creonte decidiu que daria a mão de sua filha a quem fosse capaz de resolver o enigma. Este estava contido na seguinte pergunta:
" Qual é a coisa qual é ela, que tem quatro pernas pela manhã, duas à tarde e três à noite?"
Foram muitos os candidatos a arriscarem a vida e todos eles morreram. A esperança era já pouca quando Édipo, sabendo do desafio, se apresentou em Tebas, junto do rei Creonte. Édipo ao nascer tinha sido abandonado por Laio, no monte Citerão, pregando-lhe um prego em cada pé para tentar matá-lo. O menino foi recolhido mais tarde por um pastor e batizado como "Edipodos", que significava "pés-furados", Édipo foi adotado pelo rei de Corinto e, mais tarde, voltou a Delfos, onde consultou o Oráculo que lhe dá a mesma previsão dada a Laio, que mataria seu pai e desposaria sua mãe. Achando se tratar de seus pais adotivos, fugiu de Coríntio para Tebas. Durante a uma jornada muito atribulada, entre outros episódios, matou o próprio pai. Matara-o, porém, sem saber que se tratava do seu pai, pois cuidara que era um homem qualquer com quem se tinha cruzado e o mandara sair da frente. Junto de Creonte, Édipo jurava que estava porque sabia qual a resposta dar à Esfinge Esta, afinal, era bastante simples: o Homem. E Édipo explicava: Só ele tem quatro patas, quando gatinha em criança, serve-se de duas para andar na idade adulta, e de três quando é velho, pois é obrigado a usar uma bengala.
A Esfinge ao ouvir as palavras de Édipo, sabendo que decifrara o enigma, lançou-se a um precipício. Um sentimento de alívio e uma nova esperança encheram os corações dos tebanos.
Édipo veio, mais tarde, a tornar-se rei de Tebas e, tal como os oráculos tinham previsto, no seu trágico e atribulado percurso viria a casar, sem o saber, com sua própria mãe, a rainha Jocasta, pois Édipo não tinha sido criado pelos seus pais naturais. E foi numa situação de desespero, na altura em que uma peste devastava Tebas, que a verdade lhe foi revelada pelos oráculos, a quem tinha recorrido em busca de melhores novas. Sentindo-se culpado por não ter reconhecido o pai no homem que tinha morto nem a mãe, tomando-a como sua amante, Édipo cegou-se a si próprio, furando ambos os olhos, depois de ter amaldiçoado os seus filhos, enquanto sua mãe se suicidava. De seguida pediu a Creonte, que voltar ao governo da cidade, que o exilasse, suplicando-lhe ainda que tomasse conta dos seus filhos Etéocles, Ismênia, Antígona e de Polinice. Assim fez Creonte II, rei de Tebas.
Autoria e outros dados (tags, etc)
ALVORADAS DE BRUMA
O negrume da noite incendeia
E transforma
O destino dos rochedos plantados à beira-mar.
Ao redor
Soam palavras envenenadas pelo rugir do vento norte
E o perfume das marés sabe a madrugada virgem.
Há insucessos a germinarem, abençoados pela brisa.
Um dia transformarão o universo num rio de silêncio.
E o mar que agora desperta, pacífico
Transformar-se-á num enorme vulcão,
Amarrotado pelo suplício do cais deserto
É o princípio de o dia!
Incendiadas pelo sufoco dos vinhedos
Que chorosos, gritam sobre as encostas de lava negra
e se desfazem, esquecidos, numa ilha sem nome,
As alvoradas da madrugada,
Envoltas em bruma,
Enforcam-se num arco-íris de lava e de vidro...
Autoria e outros dados (tags, etc)
A ÁGUA QUENTE DA COSTA
A Costa do Lajedo era, na década de cinquenta, um dos poucos lugares habitados da ilha das Flores e que não eram sede de freguesia ou curato. Os outros eram: a Cuada na Fajã Grande, a Caldeira, no Mosteiro, o Campanário no Lajedo e a Ponta Ruiva nos Cedros. Os curatos eram dois: a Fazenda de Santa Cruz e a Ponta da Fajã Grande. Atualmente apenas a Costa e a Ponta Ruiva são lugares onde existem residentes permanentes. Outros, como a Cuada, transformaram-se em resorts.
A Costa de outrora era um pequeno local que, apesar de atapetado de férteis terrenos agrícolas e povoado de umas quantas moradias, ficava quase perdido entre o verde das florestas e das pastagens, situado no sudoeste da Ilha das Flores, pertencente à freguesia do Lajedo e ao concelho das Lajes. Tratava-se de um lugar fresco, maravilhoso e idílico, uma espécie de paraíso debruçado sobre o oceano, onde as arribas eram recortadas entre fios ou mantas de nevoeiro, Um vale muito verde e muito fértil. O lugar é constituído, na sua essência, por um extenso vale de terras de lavradio, algumas pastagens e por várias casas. No século XIX, a Costa, era, em grande parte, propriedade do 1.º Barão da Costa, Manuel Pedro Furtado de Almeida, e que depois recebeu o título de Visconde do Vale da Costa, e que casara com Jessie Mackay, filha do Dr. James Mackey, um escocês que foi o primeiro médico das Flores. Durante uma viagem parou nas Flores e ficou tão encantado com a ilha e com as suas gentes que, anos depois, veio com sua mulher Ana Hart, fixar-se ali, onde foi médico e vice-cônsul britânico, e aonde constituiu família. Ali faleceu, deixou filhos e prédios, e está sepultado com a mulher no cemitério de Santa Cruz, em cuja campa consta uma lápide que sintetiza a sua história e a história de sua mulher. A filha Jessie casou com o Visconde da Costa, enquanto o filho James Mackey se tornou num dos maiores empresários em Santa Cruz, onde foi agente de diversas empresas portuguesas e inglesas e também vice-cônsul de Sua Majestade Britânica e delegado do Consulado Geral americano e até importante benemérito. (Cf Susana Garcia in Tribuna das Ilhas)
A Costa, ontem como hoje, é um lugar rico em terrenos aráveis e chegou a notabilizar-se pela sua excelente produção cerealífera. Entre as suas interessantes construções, todas elas casas de habitação e palheiros, destaca-se a Casa do Espírito Santo em forma de ermida, construída em 1893. Na Costa, como aliás em muitos outos lugares das Flores, parece esboçar-se atualmente um regresso de antigos emigrantes, agora aposentados, e até de pessoas de outros países, franceses, alemães, que recuperam casas abandonadas ou constroem novas para lá passarem o verão. Para além de se notabilizar pela excentricidade da sua beleza, pela frescura dos seus recantos e pelo enigmático silêncio que a envolve, a Costa do Lajedo tornou-se conhecida por dois outros motivos. Por ter sido nas suas costas que naufragou, no início do século XX, o Slavónia num dos maiores naufrágios acontecidos nas Flores e por nos seus rochedos, sobranceiros ao mar que a rodeia, existir uma nascente de água quente, a única nascente de água termal conhecida da ilha das Flores. A sua localização, por terra, antigamente, era de difícil acesso e, por mar, obrigava a ter que percorrer grandes distâncias de barco e a subir uma escalada muito íngreme e perigosa. É verdade que a vereda de acesso por terra, apesar de pouco transitável implicava uma admirável vista percorrendo-se um percurso de extraordinária beleza que passa frente ao ilhéu de Barro, pela rocha do Barreiro, onde, em durante anos se extraíu argila usada nos telhais da ilha, pelo ilhéu da Greta e pelo grande rochedo do Forcado. Na Fajã Grande, na década de cinquenta, considerava-se esta água milagrosa na cura do reumatismo e de algumas doenças cutâneas. A sua temperatura é tão elevada que permite cozer peixe ou lapas, que adquirem um sabor único, devido ao facto da água estar numa nascente que o mar cobre, por vezes, em ocasiões de maré-cheia,
O historiador florentino Padre Camões, na sua obra, “Coisas notáveis que há na ilha”, refere ele que “junto ao mar (no lugar da Costa), e ao pé de uma rocha que terá de 20 a 25 braças de altura, há uma fonte de água muito quente que tem uma virtude eficacíssima para todas as moléstias cutâneas. A água é quente em tal grau que, lançando-se-lhe um pequeno peixe, coze-o em poucos minutos; deitando-se-lhe lapas, ou qualquer outro marisco de concha, descasca-os imediatamente. Nota-se-lhe uma particularidade, que tomada em bochechas, só nos beiços se lhe percebe a quentura; no mesmo modo ninguém permanece com as mãos dentro dela. Só com muita bonança se pode ir junto dela de barco, e por terra é muito difícil a descida da rocha; pelo menos homens calçados não descem lá, só se temerários” .
Água Quente da Costa, uma riqueza da ilha das Flores que parece nunca rer sido aproveitada da melhor forma e como merecia.
Autoria e outros dados (tags, etc)
A CANADA DO PICO DO AREAL
Um dos mais emblemáticos e belos lugares da Fajã Grande era o Pico, em cima do qual estava bem escarrapachada a casa de Vigia da Baleia. O Pico que nas suas formas e feitio fazia lembrar os restos de um antigo pequeno vulcão, embora formasse um todo, uno e indivisível, em termos de nomenclatura estava divido em dois lugares. A encosta ocidental, voltada para o mar, mais seca, mais arenosa, mais estigmatizada por salmoura e ventos fortes e, consequentemente, menos produtiva e verdejante, formava o chamado Pico do Areal. Por sua vez a encosta leste, voltada para o interior da ilha, estava sujeita a mais chuvas e humidade, bem como protegida das intempéries marítimas. Nela proliferavam boas relvas, excelentes belgas de batata-doce e uma enorme e verdejante mata que se prolongava ao longo do Caminho da Missa, até à Eira da Cuada. Pelo contrário a encosta marítima proliferava em aridez, sequidão e esterilidade e floresciam enormes e desconexos canaviais ou simplesmente cobria-se da abrupta rudez primordial ornando-se de cascalhos e pedregulhos. Um e outro destes lugares tinham canadas de acesso distintas.
A via que dava acesso ao Pico e à Vigia era a Canada do Pico. Para se subir ao Pico do Areal e às paupérrimas propriedades ali existentes tinha-se acesso pela Canada do Pico do Areal. Esta canada iniciava-se precisamente no Canto do Areal, no local onde terminava a, na altura, desconexa via marginal que se iniciava junto ao Campo de Futebol das Furnas. Subiam-se várias voltas, escarpadas e arenosas, traçadas obliquamente. Assim e à medida que se subia ia-se caminhando na direção da Fajãzinha, tendo ao fundo o oceano. A meio da subida, do lado do mar uns enormes calhaus. Por entre eles pedaços do oceano ora prateado ora revolto. Quando revolto o marulhar roufenho das ondas subia por ali acima como se fosse em eco. Os terrenos circundantes a esta canada e aos quais ela dava acesso eram pequenas belgas, uma ou outra trabalhada onde, a muito se custo, se cultivava a batata-doce. Outras eram pequenas relvas para onde apenas se podiam levar ovelhas pois ao gado vacum era impossível subir a canada. Dessas secas relvas apenas retirava-se somente os fetos para cama do gado. De resto canaviais, urze, e faias pequeníssimas e secas fustigadas permanentemente por ventos e salmoura. Por tudo isso era pouco frequentada esta canada. Meu pai tinha lá uma pequena relva constituída por duas ou três belgas de muito fraca qualidade para produzir erva. Muitas vezes ia lá levar a minha ovelha a pastar. Adorava aquele local. Pela sua aridez, secura e por se debruçar, permanentemente, sobre o mar quer ele estivesse manso ou bravio. No horizonte, navios vindos da América rumavam a norte, com destino à Europa. Um outro para o sul, talvez para o Mediterrâneo ou para a África Alem disso de lá, bem do alto desfrutava-se duma bela vista sobre o mar e grande pate da Fajã. Em frente, divisava-se o Atlântico, desde da Rocha da Ponta até à Rocha dos Bredos. No verão azulado e manso, no inverno revolto e esbranquiçado de espuma, ornamentado pelo Monchique e pela Baixa Rasa, como que envolvendo e abraçando sem disfarce e sem vergonha, em semicírculo, a extensa fajã, desde a Ponta à Eira da Cuada. Depois, mais perto, a extensa mancha negra, basáltica e rendilhada do baixio, com os seus caneiros e enseadas, onde se destacavam ali bem perto a Poça das Salemas, o extenso Canto do areal e o lugar onde, na noite de 25 de Maio de 195 naufragou a famigerada Bidarta. Mais além o Redondo, a Retorta, o Caneiro das Furnas, a Baia de Água e o Poceirão com o Calhau da Barra a fiscalizar passagem para o Atlântico. Mais além, espraiava-se a enorme Baía e a parte mais alta das cascatas da Ribeira das Casas e do Cão. A rocha das Ponta, o ilhéu do Cão e uma boa parte do casario. Já mais perto, a igreja rodeada pelas casas ordenadas em arruamentos simétricos, umas brancas outras cinzentas, com os seus telhados avermelhados, aglomerando-se e misturando-se com cerrados, belgas e courelas onde florescia milho, batatas e couves.
Autoria e outros dados (tags, etc)
ARROCHO E APERTO
“Quem muito arrocha pouco aperta.”
Adágio popular muito utilizado na Fajã Grande. Pata o entender melhor, recorde-se que nesta freguesia, anrigamente, era necessário amarrar as carradas dos caros e dos corsões com um grosso cabo que era apertado com os arrochos, dois pedaços de pau curto, sendo um e torto com que se torciam os cabos para que as cargas não caíssem. Como o conteúdo das carradas era mole, como fetos secos, palha, melheirós, rama seca, etc, Por mais que se torcessem os arrochos pouco se apertavam os cavos. Talvez por esta razão para significar que muitos arrochos podem ser em vão. O ditado era aplicado sobretudo aos mais que sendo muito exigentes com os filhos, poucos benefícios tiravam daí. Muitas exigências levavam as crianças a uma esquivança subtil e por outras formas. Douta sabedoria popular que na sua simplicidade já percebia e condenava o uso inadequado da autoridade e sobretudo o seu abuso e o seu exagero. A autoridade dos pais e dos educadores em geral, na formação dos ais novos deverá evitar conceber a autoridade apenas nos seus extremos: autoritarismo ou permissividade. Não há meio-termo. Mas um extremo é tão prejudicial quanto o outro e o ambiente educativo em ambos não ajuda em nada na formação da pessoa Um autoritarismo exagerado que mostra uma posição rigorosa e exagerada dos pais, originará filhos menos dóceis, transformando-se no efeito contrário. Com este adágio pretendia-se pois significar que o autoritarismo exagerado dos pais era prejudicial na educação dos filhos. ad
Autoria e outros dados (tags, etc)
A ORAÇÃO AO ANJO DA GUARDA (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)
Quando eu era criança, meu avô contava dezenas e dezenas de estórias. Muitas delas eram casos verdadeiros que tinham acontecido em tempos muto recuados, outras haviam-se passado quando ele era criança. Algumas dessas estórias narravam casos com acontecimentos assustadores como aquela em que ele numa noite se encontrou com o vulto estranho e que era nada mais, nada menos do que o diabo. Antigamente, as pessoas acreditavam que o diabo costumava andar a tentá-las e que lhes aparecia sobretudo à meia-noite, que era a hora do diabo. Por isso ninguém devia andar longe de casa à meia-noite. Mas antigamente não havia relógios e as pessoas que iam para os campos mais distantes ou que faziam viagens mais longas, muitas vezes, para acabar um ou outro trabalho ou porque se demoravam, ficavam até de noite longe de casa. Como não davam pelo passar do tempo, chegava a meia-noite e nem davam por isso.
Ora num certo dia, meu avô foi a Santa Cruz tratar de uns assuntos e, quando regressava, anoiteceu ainda vinha ele a subir o Rochão do Junco. Continuou a andar, mas como a noite estava muito escura perdeu-se e, passado algum tempo já muito cansado e sem saber onde se encontrava, aproveitou uma furna que por ali existia para dormir o resto da noite. Quando clareasse de manhã havia de reconhecer o lugar onde se encontrava e retomar o caminho para casa. Juntou algumas ervas secas com que fez uma cama e cobriu-se com a froca que trazia ao ombro. Mas não conseguia dormir. Passado algum tempo ouviu um barulho estranho. Levantou-se, pegou no bordão que trazia consigo e saiu da furna a ver o que era aquilo. Foi então que à sua frente viu um vulto negro. Era o diabo em carne e osso. Voltou à gruta, pegou num pedaço de pau e amarrou-o ao bordão formando uma cruz. Saiu de novo e, como o diabo ainda lá estivesse, ergueu a tosca cruz que construíra bem alta e, desenhando com ela uma cruz no ar, gritou bem ato:
- Reda vás, Satanás! Reda vás, Satanás.
Como o diabo não se mexesse, meu avô insistiu, gritando mais alto:
- Reda vás, Satanás! Em nome de Deus Pai, de Deus Filho e de Deus Espírito Santo da Virgem Maria e do meu Santo Anjo da Guarda, eu te arrenego Satanás.
Mal acabara esta oração, o diabo deu um estoiro e desapareceu. Meu avô regressou à furna e pensou que tudo isto lhe tinha acontecido porque, por esquecimento, não tinha rezado, como fazia todos os dias na sua cama, a oração que a mãe lhe ensinara e que devemos rezar todos os dias ao nosso Santo Anjo da Guarda, antes de nos deitarmos. Pôs-se de joelhos e rezou:
- Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, pois que a ti me confiou a piedade divina, hoje e sempre me rege, me guarda, me governa e me ilumina. Amem.
De seguida rezou um Pai Nosso por alma dos seus, levantou-se e, já deitado na tosca e provisória enxerga que ali construíra, concluiu a sua oração, implorando a proteção divina:
- Com Deus me deito, com Deus me levanto, com a graça de Deus e do Espírito Santo. Nossa Senhora me cubra, com seu divino manto. Meu Anjo da Guarda, meu bom amiguinho, leva-me sempre para o bom caminho. Amém! – Por fim, benzendo-se, concluiu – Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amem.
Foi assim que adormeceu descansado, sem ouvir mais barulho algum. De manhazinha cedo, levantou-se e logo encontrou o caminho para casa.
Autoria e outros dados (tags, etc)
FIEL À COOPERATIVA
Sentados à mesa, tendo como cardápio pão de milho e queijo, Amélia advertia o pai:
- Está vendo pai? É preciso por cobro nisto. A Maria Fangueiro inventa muita coisa, mas esta da ovelha fugir para cima dos morangueiros…
- Tenho que falar com ele. É melhor a ovelha passar a andar amarrada.
- Ó pai, não adianta nada! – Esclareceu o Alípio. - Ele é um caganita! Não a aguenta um gato preso pelo rabo, muito menos uma ovelha forte como a nossa.
A Amélia, depois de recriminar o Justino por não deixar o maior pedaço de queijo para o pai, prosseguiu as queixas:
- Pai! Olhe que não há mais queijo. Logo à noite posso tirar dois ou três litros do que vai para a Máquina para fazer um queijo?
- Este mês já se tem tirado muito… Mas olha, como já estão há três meses sem pagar, o melhor é ficar com ele em casa para bebermos e fazer queijo.
E o Justino, de imediato:
- O melhor era deixar a Cooperativa e mudarmos para a Máquina de Cima. O Martins & Rebelo paga todos os meses e paga mais cinco centavos por litro do que a Máquina de Baixo. Muitos já se passaram para a de Cima
- Isso é que nunca! – Contrariou o pai. - Sempre estive na Cooperativa e dela nunca vou sair. O Martins & Rebelo o que quer é destruir a Cooperativa. Paga mais agora e depois quando a Cooperativa acabar e cair na desgraça vai pagar o leite ao preço que quiser. Os que mudam estão a vender-se, estão a destruir a Cooperativa por cinco ou dez centavos. E o trabalho e sacrifício que foi para a criar!... Eu fui um dos fundadores e de lá nunca vou sair. Para esse ladrão do Martins & Rebelo é que nunca vou. Prefiro dar o leite inteiro aos bezerros e ao porco.
Na sua inocência, Amélia a quem incumbia gerir o pouco dinheiro que havia em casa, na compra do café, do petróleo, do sabão e pouco mais, bem aconselhava o pai:
- Pai! Não diga isso! Sei que não gosta do Martins e Rebelo. Mas…É melhor então fazer queijos e até podemos vender alguns.
Ele, porém, permanecia fiel à Cooperativa que ajudara a fundar.
Autoria e outros dados (tags, etc)
PEDIR CARNE À PONTA
Muitos americanos que em tempos idos haviam abandonado a ilha, na década de cinquenta regressavam, geralmente no verão, para darem um jantar, ou seja para cumprir ou pagar uma promessa que haviam feito ao divino Espírito Santo. As promessas ao Senhor Espírito Santo eram feitas, geralmente, em momentos de grande aflição, doença ou de catástrofe ou ainda e com maior frequência se tivessem conseguido realizar, com êxito, a sua ida para a América, se a vida por essas paragens lhes tivesse corrido bem, se tivessem tido sucesso profissional e económico, o que geralmente acontecia. Estes jantares incluíam a distribuição de carne e de pão de graça, a todas as famílias da localidade ou da zona delimitada a quando da promessa. Acontecia porém que a maioria dos americanos prometiam dar o jantar apenas às pessoas e famílias da sua localidade, ou seja na Fajã, na Fajãzinha ou na Ponta. Raros eram os que abrangiam toda a população que ocupava o espaço desde o Portal ao Risco, incluindo, para além daquelas três localidades, a Cuada.
No entanto, estes jantares eram mais frequentes na Ponta, talvez porque o número de emigrantes daquela localidade fosse, proporcionalmente, maior do que o de emigrantes da Fajã. Também se sabia que sendo a carne e o pão distribuído em louvor do Senhor Espírito Santo, a pessoa que cumpria a promessa nunca recusava uma posta de carne aos mais pobres mesmo que pertencessem a outra localidade.
Assim e nos meus tempos de menino, sempre que havia um jantar na Ponta, eu e muitas outras crianças e até alguns adultos que não tinham crianças na família, moradores na Fajã, de cestinha em riste, partíamos para a Ponta, na mira de pedir uma posta de carne e um pão. Os que moravam na Assomada e na Fontinha, para encurtar caminho, seguiam pela canada do Mimoio, até à ponte da Ribeira das Casas, onde tomavam o caminho da Ponta, subindo a ladeira das Covas e o antigo caminho, paralelo à Rocha do Vime, até à Ribeira do Cão. Todos juntos, entrávamos na Ponta, atravessando o casario da rua principal, até à parte norte, ao Outeiro, onde, ao lado da igreja da Senhora do Carmo, se situava a Casa do Espírito Santo. Muito envergonhados, por vezes ridicularizados na nossa condição de pobres e pedintes, pela ganapada da Ponta, com quem mantínhamos uma acentuada hostilidade histórica, entrávamos na casa e sentávamo-nos à espera da nossa vez. A Casa enorme e esconsa exalava um cheiro a sebo e a carne fresca, espalhada sobre folhas de cana roca. Era sábado e o gado havia sido morto no dia anterior. Durante a noite, um grupo de homens havia picado a carne que o Senhor Padre Pimentel já havia benzido. Alguns homens ainda serravam, picavam e partiam. Outros colocavam as postas nas cestas das crianças da Ponta que, acompanhando a coroa, a bandeira e os foliões, a iam distribuir por todas as casas. Só no fim, a que sobrava era distribuída aos pobres da Fajã. La chegava a minha vez. Trémulo aproximava-me e colocavam-me uma posta de carne e um pão na minha cesta. Agradecia e, juntando-me aos outros, regressava a casa feliz. No dia seguinte havíamos de ter lá em casa um almoço bem diferente do dos dias habituais.
Tão contente eu ficava quando sabia que havia um jantar na Ponta. Embora muito raramente também íamos pedir carne a um ou outro jantar na Fajãzinha.
Autoria e outros dados (tags, etc)
O POTE RACHADO
Conta-se que uma humilde e bondosa velhinha possuía dois potes. Todos os dias, saía de casa com eles suspensos, um em cada um das extremidades de uma vara que ela carregava, de palanca, às costas. Um dos vasos era rachado e o outro era perfeito e são. A velha dirigia-se a uma fonte e enchia-os de água. De seguida caminhava na direção da sua casa, onde chegava, ao fim de uma longa caminhada, com o vaso são sempre cheio de água enquanto o rachado chegava apenas meio, uma vez que derramava muita água durante a caminhada.
Naturalmente que o vaso perfeito andava muito orgulhoso, ufanando-se do seu poder e de ser capaz de ajudar a sua dona, enquanto o pobre vaso rachado tinha vergonha do seu defeito, de conseguir trazer apenas metade da água que deveria trazer.
Certo dia, depois de durante dois anos, refletir sobre a sua própria amarga derrota, o vaso rachado, enchendo-se de coragem, disse à sua dona:
- Tenho vergonha de mim mesmo, porque esta rachadura que eu tenho faz-me perder metade da água durante o caminho até a sua casa... Por isso ando muito triste e desgostoso.
A velhinha sorrindo, respondeu:
- Já reparaste nas lindas flores que nascem somente do teu lado do caminho? Eu sempre soube do teu defeito e portanto plantei sementes de algumas flores na beira do caminho do teu lado e todos os dias, quando regressávamos da fonte, eras tu que, derramando a água, as regavas. Durante dois anos apanhei as flores que ali nasciam para enfeitar a minha casa. Se tu não fosses como és, eu não teria tido aquelas maravilhas na minha casa.
O vaso rachado encheu-se de alegria. Só então percebeu que mesmo as nossas mais estranhas limitações e os nossos maiores defeitos podem sempre transformar-se al algo de muito útil e proveitoso para os outros.
Autoria e outros dados (tags, etc)
TRABALHO E SUCESSO
Integrou o Curso que em 1958/59 demandou o velhinho Seminário de Santo Cristo, da cidade de Ponta Delgada, da qual era natural, mais concretamente da freguesia de São Pedro. Foi um dos alunos da década de 60, do SEA que esteve no Encontro de Angra. Fiz parte do mesmo curso e, consequentemente, convivi com ele durante vários anos no Seminário, estabelecendo-se entre nós uma amizade profunda, verdadeira e recíproca. Aliás, para além de possuir muitas outras qualidades, tinha o condão de ser amigo de todos, revelando-se simples, humilde, respeitador e, permanentemente, disposto a ajudar e a colaborar com os que mais necessitavam. Foi sempre um verdadeiro e sincero colega, senhor de excelentes qualidades, de uma humildade soberana, duma simplicidade relevante e duma boa disposição permanente. Embora o tivesse encontrado recentemente em São Miguel, altura em que me proporcionou um excelente passeio pela ilha do Arcanjo, foi com muita alegria e extrema satisfação que nos reencontramos neste Encontro. A sua presença foi muito agradável para mim e creio que a recíproca também terá sido verdadeira para ele.
Não completou toda a sua formação Académica no Seminário. Complementou-a depois e, profissionalmente, seguiu uma carreira brilhante, a nível do empreendedorismo empresarial, nomeadamente na área do turismo, impondo-se na sociedade micaelense, pelo seu trabalho, pela sua dignidade, pela sua competência e pela sua honestidade, desempenhando vários cargos entre os quais o de vogal da A.A. de Turismo e Hotelaria de Ponta Delgada. Dedicou grande parte do seu tempo na promoção e prática do bridge, sendo Presidente do Club de Bridge de São Miguel e da Associação de Bridge dos Açores, integrando a Comissão Consultiva da “The International Association of the Lions Club” de São Miguel. Foi galardoado pelo Governo Regional dos Açores, na V Gala do Desporto Açoriano, pelos seus 20 anos como dirigente do Bridge de São Miguel.
A sua intervenção no Encontro foi notável, fundamental e importantíssima. Integrou a chamada “Troika” organizadora, cabendo-lhe a tarefa de se responsabilizar e gerir a parte económica, conseguindo vantagens e descontos em hotéis e viagens aos outros participantes e ainda angariando subsídios para que as refeições e a viagem de autocarro pela ilha Terceira fossem gratuitas. Embora trabalhando “por detrás dos bastidores”, sem se notar muito, como é seu timbre, exerceu um papel de relevo na organização do Encontro, contribuindo, substancialmente, para que o mesmo obtivesse um notável sucesso.
Autoria e outros dados (tags, etc)
A CANADA DO CALHAU MIÚDO/MIMOIO
O Mimoio era um dos mais belos e mais produtivos lugares da Fajã Grande. Lugar de grandes cerrados para milho, trevo e erva-da-casta, onde se amarrava o gado à cordada, sítio de excelentes belgas para o cultivo da batata-doce e de uma outra relva de muito boa qualidade de erva. Paraíso de beleza excêntrica, celeiro privilegiado, recanto de quietude. Situado num amplo planalto, a encosta que o projetava sobre toda a zona da Tronqueira era fértil em canas, espadanas, faiais, sanguinhos e uma ou outra babosa. Mas o diabo eram os acessos. Pese embora houvesse três trilhos de acesso ao Mimoio, qualquer um deles era pior do que o outro. O primeiro e o mais usado era o que se fazia através duma canada, conhecida por Canada do Mimoio e que tinha o seu início na Fontinha, junto ao palheiro da porta sempre aberta, de Tio José Teodósio. Um segundo acesso era efetuado por uma outra canada que se iniciava na Ribeira das Casas e se prolongava até ao centro do Mimoio. Como esta canada era menos perigosa e menos íngreme do que a primeira, era por aqui que transitava o gado com destino às relvas e às terras do Mimoio. O terceiro acesso e, curiosamente, o mais alcantilado e escabroso, era o da Canada do Calhau Miúdo, a qual se chamava assim por se iniciar no lugar como mesmo nome, ou seja no Calhau Miúdo. Relativamente aos outros acessos ao Mimoio, este tinha a vantagem de ser o mais curto, embora fosse muito difícil de transitar, porquanto o seu trajeto desenhava uma muito inclinada subida quase toda ela constituída por degraus em pedra rústica, alguns deles muito soltos, a desfazerem-se. A canada iniciava-se quase no cruzamento dos caminhos da Tronqueira, Porto e Ponta, num largo que se servia de descansadouro e que numa das altas paredes que o ladeavam, do lado Porto, era encimada por uma pequena e tosca cruz de madeira. Ali mesmo, ao lado, situava-se a Pedreira, ou seja uma rocha esburacada no termo dos enclaves da Ladeira do Mimóio e que abastecia a freguesia de pedras para a construção de casas e palheiros. Depois e até ao planalto do Mimoio a canada apenas subia, persistente e teimosa. Eram degraus atrás de degraus numa íngreme e sinuosa escalada. No entanto, à medida que se subia e, sobretudo ao chegar-se ao alto, desfrutava-se duma bela e abrangente vista. O casario da Fajã, toda a zona da orla marítima e do baixio, desde o Areal ao Cantinho, a prolongar-se no Rolo, até ao ilhéu do Cão e à Rocha da Ponta.
A Canada do Calhau Miúdo era utilizada como via de acesso sobretudo por altura da apanha do milho que era acarretado em cestos às costas desde dos cerrados até al Largo onde ficavam estacionados os carros de bois. Como o percurso era mais curto, o gado estava menos tempo á espera, menos sujeito à mosca e ao calor e, além disso, a subida efetuava-se de cestos vazios, isto é, sem carga. Apenas na descida se carregavam os pesados cestos às costas ou à cabeça, a abarrotar de belas maçarocas de milho. E como para baixo todos os santos ajudam, na altura da apanha do milho o trajeto da Canada do Calhau Miúdo era o eleito.
Autoria e outros dados (tags, etc)
A LENDA DE PÉROLA REGO
Em tempos muito recuados, na freguesia dos Altares, vivia Pérola Rego, menina muito rica, herdeira de grande fortuna. Descendente das famílias Rego e Baldaia pela linha paterna, e da família Pamplona pela linha feminina. Pérola Rego era bela, com cabelos louros escuros, brilhantes e fartos. Os seus olhos eram castanhos da cor do cetim. A sua pele rosada, era muito fina.
Reza a lenda que tais atributos, aliados a uma grande candura e bondade levaram a que um elevado número de jovens se enamorassem dela. Uma bela manhã ensolarada, Pérola desceu o eirado do solar de seu pai e foi ver a sua imagem refletida nas águas da cisterna da casa.
Uma fada que vivia nas imediações queria defendê-la dos pretendentes, visto que estes não a amavam mas apenas queriam assenhorar-se da sua fortuna. Escondida dentro da cisterna à espera de Pérola, fez um encanto e tomou poder sobre a imagem da menina que se refletia nas águas paradas da cisterna. Começou, então, a engendrar uma forma de a surpreender durante o sono e levá-la para um local seguro no seu castelo encantado, longe do olhar daqueles ambiciosos e malvados jovens.
O palácio da fada encontrava-se no interior da ilha. Tinha lindos jardins e magníficos bosques de árvores típicas das florestas exóticas da Macaronésia. Tinha lindos Azevinhos, Sanguinhos, altos Cedros, belas árvores de Pau-Branco e gigantescos e antiquíssimos Dragoeiros. Era rodeado pelos dourados campos de trigo que se enfeitavam de vermelhas papoilas. No centro destes campos encontrava-se o grandioso castelo feito de brancas pedras de mármore, brilhante marfim, prata e ouro.
À meia-noite do dia de São João, quando as estrelas brilhavam com suavidade e a lua surgia como rainha nos céus, a bela Pérola foi levada para o mágico palácio, durante o sono, envolta nas asas brancas da fada. Pela manhã a notícia do seu desaparecimento espalhou-se, deixando os pais em pânico, o solar em alvoroço e os seus enamorados em ansiedade. Em grupo, os pretendentes recorreram a uma velha feiticeira que vivia no cimo de uma serra e lhes revelou a existência do palácio encantado.
Alguns pretendentes quiseram atacar o castelo, deitando abaixo as muralhas pela força das armas. Outros mais cuidadosos consultaram também uma velha benzedeira que lhes disse que tinham de levar alaúdes e, à maneira dos antigos trovadores, deviam ir cantando versos mágicos e executando marchas de magia que ela lhe ensinaria. Assim veriam ao longe o castelo encantado, visto que uma coisa encantada só se desencanta com outro encanto.
A benzedeira ainda os avisou que iriam encontrar uma inscrição sobre um enorme rochedo: se estivesse gravada a prata, conteria nas suas palavras o modo de atrair Pérola; mas se a tivesse sido gravada a fogo, os seus poderes não tinham força para vencer e nenhum deles merecia o amor da jovem.
Os pretendentes partiram de madrugada, mal o sol raiou. Pelos caminhos iam cantando os versos ensinados pela velha benzedeira. Ao fim de muitas horas de caminhada foi ouvido um grito de alegria. Ao longe via-se recortado na paisagem o palácio da fada, lindo, brilhando à luz do sol nascente.
Apressando o passo, percorreram o longo caminho até ao castelo. Desceram encostas, percorreram vales e subiram serras e colinas. Ao chegarem ao local onde devia estar o castelo, este tinha desaparecido na bruma. No seu lugar encontrava-se uma bela, serena e plácida lagoa de águas claras. Numa das margens, uma mensagem gravada a fogo numa pedra dizia: "Aqui, neste espaçoso lago, escondeu-se o palácio da linda Pérola, a donzela de cabelos loiros". Desiludidos, pensaram que Pérola estava perdida para sempre.
Mas a mãe desta, cristã piedosa, logo na manhã em que a fada lhe levara a filha fora-se ajoelhar diante de uma imagem de São Roque e pedir a sua intervenção. No fim de uma das suas muitas preces, ouviu uma voz ao ouvido que lhe segredou: "Vai tranquila, a tua filha está ao anjo da guarda". No dia de São Pedro à hora do por sol, Pérola apareceu no terraço do solar de seu pai, acompanhada por um Arcanjo. Vinham num batel de marfim puxado por um cisne de uma brancura imaculada.
Anos mais tarde apareceu o verdadeiro amor de pérola, um cavaleiro na demanda do Santo Graal, vestido com uma armadura refulgente. Mas hoje ainda existe o lago encantado onde se escondeu o castelo da fada - a Lagoa do Ginjal.
Dados retirados da Wikipédia
Autoria e outros dados (tags, etc)
FUI A ROMA
Eu fui a Roma
De batata fazer goma
P'ra casar com dez mulheres
O Santo Padre me disse
Não caias nessa tolice
Casa com quantas quiseres,
Toda a moça que é bonita
Que ela chora, que ela grita
Nunca havera de nascer
É como a maçã madura
Na quinta do padre-cura
Todos a querem comer.
Autoria e outros dados (tags, etc)
A ESCOLA MASCULINA
Até aos finais da década de quarenta havia duas escolas primárias, na Fajã Grande. Uma masculina, outra feminina. A escola masculina funcionava na loja ou primeiro piso da casa do Senhor Padre Pimentel, sendo um dos seus mais prestigiados mestres, o professor Orlando. Já não frequentei esta escola, uma vez que me matriculei na primária em Abril de 1952, por condescendência da Dona Ana Freitas, professora na então escola mista, que funcionava na Casa do Espírito Santo de Baixo. O professor Orlando era, segundo rezam as crónicas de então, um professor muito exigente e rigoroso, não se abstendo de abonar umas valentes reguadas aos que se distraíam, davam erros ou não aprendiam, mas era um homem de grande cultura e sensibilidade artística. Ensaiou vários teatros na freguesia e compôs alguns poemas que, musicados, ainda hoje ecoam nos ouvidos dos mais velhos. Talvez o mais conhecido tenha sido uma espécie de hino da Rua Direita: Rua Direita, em que eu hoje moro/Ela que enfeita a Fajã que adoro/Novos e velhinhos têm que a passar/E até os parezinhos que vão a casar…
Nesta altura o ensino primário já era obrigatório em Portugal e os rapazes entravam para a escola aos sete anos, só se podendo matricular quem tivesse sete anos feitos no início de outubro de cada ano, data em que abria a escola. Mas a escolaridade obrigatória era apenas de três anos, divididos em três classes, para crianças com idade compreendida entre os 7 e os 12 anos. Quem não obtivesse aproveitamento e não conseguisse o primeiro exame, só podia sair da escola aos doze anos de idade, ficando com o estatuto de analfabeto. Era, pois, necessária a realização do exame do primeiro grau, exame este, extinto mais tarde. Os pais de cada criança eram responsáveis pelo cumprimento desta obrigação, pelo que sempre que ocorresse incumprimento, eram obrigados a pagar uma multa. Assim a maior parte das crianças saía após este 1º exame ou depois de completar com aproveitamento a terceira classe, uma vez que não era obrigatório o segundo exame, após a quarta, o qual só podia ser feito nas Lajes. Aquele exame, no entanto, já era bastante exigente, sendo constituído por uma prova escrita e outra oral. A prova escrita obrigava aluno a um ditado de 8 a 10 linhas, extraído do livro de leitura, uma redação muito simples com o mínimo de quatro linhas e a resolução de cinco problemas de aritmética de uso comum, não podendo envolver qualquer um deles mais de uma operação. As provas escritas tinham uma duração total de cento e vinte minutos, com um intervalo de quinze. Eram feitas numa folha de papel almaço, de trinta e cinco linhas, na qual era vincada, antes do início da prova, a margem de um quarto da largura do papel, na qual o aluno não podia escrever. A prova oral era constituídas pela leitura e interpretação de um texto do livro de leitura do aluno, escolhido pelo professor, por vezes abrindo à sorte, e pela resolução, no quadro preto, de problemas que não envolvessem mais de uma operação. A duração da prova era de quinze minutos por cada examinando e entre as provas escrita e oral havia um intervalo mínimo de sessenta minutos.
Alguns rapazes faltavam com alguma frequência à escola para poderem ajudar os pais, não havendo grande controle no pagamento das multas.
Nesses tempos, na escola, não se aprendia apenas a ler e escrever e a História de Portugal, Aritmética e as Ciências. Havia momentos em que se aprendia moral, religião e bons costumes. Aos sábados de manhã havia escola, geralmente com aulas de canto coral, educação cívica, jogos e brincadeiras. As crianças aprendiam a brincar e a cantar, nomeadamente o Hino Nacional, o Hino da Escola. Consta que aquele professor também ensaiou teatro com as crianças.
Nos intervalos os rapazes corriam para o pátio da Casa do Espírito Santo de Cima que ficava ali perto e jogavam ao peão, o Burro do Lamé, à Barra, ou com a navalha no monte de areia e, embora mais raramente, às pedrinhas.
Os livros e os cadernos eram levados num saco de serapilheira juntamente com a pedra, um retângulo de ardósia encaixilhado numas tiras de madeira, onde se escrevia com um lápis também de ardósia e se apagava com o bafo da boca. O lápis de ardósia que custava dez centavos ia-se amolando e desgastando, mas era preciso aproveitá-lo enquanto escrevesse. Por fim, quando já não se conseguia pegar bem com os dedos, metia-se num pequeno e fino canudo de cana que se ia apanhar à ladeira, onde elas abundavam.
A escola eram um amplo salão com porta e janelas para a Rua Direita e para as Courelas. As carteiras eram de maneira e postavam-se, em filas para a secretária do professor, ao lado da qual ficavam os quadros pretos e um mapa de Portugal e outro do mundo. Pregado na parede um cruxifixo e aos lados as fotografias de Salazar e de Carmona.
Autoria e outros dados (tags, etc)
RELIGIOSIDADE
A principal e mais importante manifestação religiosa do povo da Fajã Grande, como aliás de quase toda a população dos Açores, centrava-se na devoção ao Espírito Santo e nos festejos que a mesma protagonizava. Na verdade o sentimento religioso do povo da Fajã Grande, na década de cinquenta e nas anteriores, tinha uma expressão muito ampla, peculiar e emotiva nas festas do Espírito Santo, realizadas nos seis impérios existentes na freguesia: Casa de Cima, Casa de Baixo, Ponta, Cuada, São Pedro da Casa de Cima e São Pedro da Ponta. Embora grande parte das atividades celebradas em honra do Paráclito se realizassem nas casas que cada império possuía, uma boa parte das mesmas centravam-se na igreja paroquial e tinham o seu epicentro na celebração da missa, geralmente festiva e cantada. Sabe-se que esta devoção, no caso das Flores e do Corvo, onde não há memória de abalos sísmicos como nas restantes ilhas açorianas, se deveu à luta que o povo tinha que travar para fugir às frequentes investidas e ataques dos piratas que, frequentemente, demandavam as costas da ilha para atacar, incendiar, roubar e destruir. Além disso, tal como nas outras ilhas as epidemias e as pestes grassavam em abundância. Também elas, inesperadas e destruidoras, terão feito avivar, em muito a devoção com o Espírito Santo.
A segunda mais clara manifestação da religiosidade do povo fajãgrandense na segunda metade do século XX, parece estrar ligada à devoção das almas, ou seja, ao culto dos mortos. Na verdade, a devoção e o culto das almas ocupavam, literalmente, um lugar de relevo no top da religiosidade e das celebrações litúrgicas, na Fajã Grande. Havia entre toda a população uma muito acentuada espécie de “cultura do além”, repleta, por um lado, de mitos, lendas, tradições, extravagâncias, ingenuidades e medos, mas, por outro, eivada de convicções embora limitadas, certezas geralmente inconsequentes, esperanças inexplicavelmente obscuras e de quotidianas e convictas realizações. Era sobretudo no mês de Novembro, cognominado de mês das almas que esta religiosidade se tornava mais patente. Neste mês, todos os dias, com exceção dos dias um e dois e dos domingos, realizava-se, na igreja paroquial, a novena das almas. Já noite escura a igreja enchia-se de gente como se de domingo se tratasse e era celebrada missa finda a qual era rezados responsos por alma dos familiares de todas as famílias da freguesia, incluindo a Cuada e a Ponta. O pároco, devidamente paramentado, rezava um responso por cada um dos agregados familiares da Fajã, agrupados ao longo dos vários dias, desde o cimo da Assomada e até ao fim Via d’Água. Como as famílias obviamente eram muitas mais do que os dias do mês, o pároco agrupava em cada dia o número razoável e adequado de agregados familiares, sendo que, no entanto, rezava separadamente os responsos, ou seja um pelos defuntos de cada família. Entre a reza de cada responso o pároco pegando no hissope encharcava-o na caldeirinha da água benta que o sacristão lhe apresentava, dava uma volta ao tapete e aspergia-o em cruzes sucessivas dos quatro lados, enquanto os sinos dobravam a finados. No dia dois fazia-se romagem ao cemitério, enquanto os sinos dobravam a finados. Era o chamado enterro do Velho Laranjinho. No dia um do mesmo mês, de tarde, tirava-se uma derrama para as almas. Homens percorriam todas as ruas da freguesia juntando o milho que cada família oferecia e que ia sendo armazenado em casa do mordomo. Este era vendido e o dinheiro da venda, assim como o das línguas dos porcos, arrematadas por altura das matanças, era destinado a celebrar missas pelas almas. Além disso cada família, consoante as suas posses mandava celebrar, frequentemente, missas, por alma dos seus familiares falecidos. Muitas pessoas, em momentos de aflição ou ao serem fustigados por alguma desgraça, recorriam às Benditas Almas, prometendo fazer uma derrama pela freguesia.
Outra estranha forma de religiosidade verificava-se durante a Quaresma. Era o Cantar no Outeiro. Sobranceiro à Fajã Grande, quase paralelo ao Pico da Vigia, fica o Outeiro, em cuja parte mais alta, no meio de imensa e diversa vegetação, está colocada uma enorme cruz, branca, ingente, altiva e teúrgica, como que a abençoar a freguesia. Antigamente era junto a esta cruz que, nas noites das terças e sextas-feiras da Quaresma, um grupo de homens, quer chovesse, quer ventasse, depois de subir por um trilho estreito e íngreme, ajoelhava e entoava cânticos religiosos e impropérios diversos e prolongados. As suas vozes, ecoando nas encostas dos montes, ressoavam e repercutiam-se sobre os telhados das casas da freguesia. Então todos os lares as pessoas paravam o trabalho ou suspendiam a ceia e ajoelhavam e rezavam Padres-Nossos e Ave Marias, de acordo com a orientação dos cantores e, unindo-se às preces deles, suplicavam auxílio para os necessitados, prosperidade para os pobres, perdão para os delituosos e beneficência para os infelizes e sofredores.
Outra interessante forma de religiosidade fajãgrandense eram as Procissões das Rogações, realizadas nas Têmporas de Setembro ou quando havia secas prolongadas. Eram procissões de penitência e oração, sem Santos e sem andores, onde apenas seguia a cruz paroquial, revestida de manga roxa. Depois os homens, a maior parte de opas, as mulheres de cabeça coberta e no fim o pároco que aspergia e benzia os campos por onde a procissão passava, ao mesmo tempo que entoava, em latim e enquanto os sinos dobravam, a ladainha de todos os santos. Nos períodos de seca era, geralmente, o povo que as pedia e o pároco levava uma pequenina e velha imagem de Sant’Ana, a quem se dirigiam vários cânticos e preces, seguidas das ladainhas. As procissões das Rogações normalmente percorriam as Courelas, Rua Nova, a Via d´Agua e a Tronqueira, ou seja as zonas onde as terras eram mais próximas do mar, atingidas pela salmoira, mais secas e onde a recolha dos produtos agrícolas se verificava mais cedo.
Outras manifestações interessantes eram as festas religiosas, da Senhora da Saúde, São José, Senhora do Rosário, Santo Amaro, Senhor dos Passos, Páscoa e Natal e ainda as da Comunhão Solene e primeira Comunhão. Na igreja também se realizava a Via Sacra, na Quaresma e as devoções à Senhora de Fátima e ao Coração de Jesus, nos meses de Maio e Junho e as novenas do Natal, estas realizadas de madrugada.
Em quase todas as casas rezava-se o terço à noite e as pessoas saudavam-se com expressões religiosas: “Fique com Deus”, “Deus te ajude”, “Deus vos nos dê muita saúde”, “Vamos passando melhor do que merecemos a Deus”, etc., etc. Ao passarem por uma cruz ou pela igreja e ao ouvirem as Trindades, todos os homens tiravam os bonés ou chapéus. No caso das Trindades as mulheres rezavam o “Anjo do Senhor, anunciou a Maria”. Á noite rezava-se ao “Anjo da Guarda” a seguinte oração: “Anjo do Senhor/Meu zeloso guardador/A ti me confiou a piedade divina. Hoje e sempre me rejas, guardes e ilumines. Amen.” Em qualquer lugar onde morria, repentinamente, uma pessoa colocava-se um nicho com uma cruz, assim como nos cruzamentos de três caminhos. Muitas crianças andavam com o escapulário da Senhora do Carmo e havia algumas mulheres, sobretudo na Ponta, que vestia permanentemente o hábito da Senhora do Carmo. Muitas mulheres e crianças usavam uma cruz ou uma medalha ao pescoço.
Autoria e outros dados (tags, etc)
UM PARAÍSO ENCAFUADO ENTRE O MAR E A MONTANHA
A freguesia de São Caetano do Pico, pertencente ao concelho da Madalena, fica situada na parte Sul da ilha e alojada no regaço de uma pequena baía, denominada “Baía da Prainha”, onde assenta um pequeno porto, actualmente quase desertificado e dedicado exclusivamente a pequenos barcos de pesca e recreio ou a “banhocas”. A sua zona costeira, actualmente, é muito procurada por mergulhadores, por ser possuidora de espaços submarinos de rara pulcritude.
Esta freguesia possui uma beleza ímpar e uma singularidade singela em boa parte, devido à sua posição geográfica, dado que fica instalada entre o mar e a imponente montanha do Pico. É essa singularidade que lhe vai dispondo o casario ao longo de encostas soalheiras e montanhosas, ao mesmo tempo que lhe sulca e encrava os vinhedos, as florestas, as pastagens e, sobretudo, os terrenos de cultivo e de mato por entre socalcos de ribeiras e de ravinas, designadas por quebradas, sendo mesmo a freguesia que mais se aproxima da altíssima e magmática montanha. Por tudo isso recebe influências climáticas únicas e ímpares beneficiando da protecção dos ventos norte e noroeste que sopram, desalmadamente, durante o Inverno ao redor daquele enorme gigante de lava que é a montanha do Pico. Assim e quando o vento sopra vigoroso, roufenho e frígido, acompanhado por fortes chuvadas, nas restantes freguesias da ilha, São Caetano goza de um clima ameno, de um Sol radiante e de uma calma e tranquilidade invejáveis. Mas mesmo quando o vento sopra de sul, revoltado e furioso, criando um enorme e tremendo reboliço na terra e sobretudo no mar, a paisagem adquire uma beleza transcendente, enigmática e contagiante. Assim é, em Novembro, São Caetano e de um modo especial a Prainha do Galeão. É também a proximidade da montanha que dá grande sinuosidade ao território, assinalando-o com diversas elevações designadas cabeços: o da Prainha e o do Mistério, a Rocha Vermelha e o Paul ou sulcando-o por várias ribeiras: da Prainha, do Dilúvio, da Cancela, da Grota, da Laje e a Ribeira Grande. Esta sinuosidade fez com que os antigos caminhos fossem, na generalidade, autênticas canadas, sendo que algumas delas, em boa hora recuperados e reconstruídos, foram transformados, actualmente, em trilhos turísticos que conduzem qualquer viajante a apreciar o rico património paisagístico desta localidade, destacando-se o trilho da canada de São Caetano que se inicia junto à Prainha do Galeão, em forma de escadaria e o da canada da Ribeira da Prainha, trilho que ligava a Prainha do Galeão à parte superior da freguesia e que era usado por pescadores e baleeiros. Local de interesse histórico e paisagístico é também o Largo das Fontes, situado no antigo acesso às pastagens dos matos e famoso pelas suas fontes e como local de encontro e descanso dos homens que dia a dia subiam as encostas da montanha a tratar do gado ou até tirar-lhe o leite. Junto ao mar, para além das ruínas de um antigo poço de maré, infelizmente abandonado por indesculpável incúria, situam-se as tradicionais adegas feitas de pedra de lava e que enriquecem, não apenas a paisagem, mas também a história e a cultura locais. Ainda, mais junto ao mar, a antiga casa dos botes baleeiros, actualmente como que transudada em vivenda e um nicho dedicado a São Caetano, precisamente no local onde os primeiros colonos que ocuparam aquela localidade terão construído uma ermida dedicada ao padroeiro, contento o referido nicho uma suposta pedra da mesma e a primitiva imagem de São Caetano. Foi também neste local que um dos primeiros povoadores, de seu nome Garcia Gonçalves, mandou construir um galeão como forma de pagamento de dívidas ao rei Dom João III. Essa a razão pela qual esta localidade, popularmente, ainda hoje se chama “Prainha do Galeão”.
Autoria e outros dados (tags, etc)
DIANA
Entrou na sala, pela primeira vez, já o ano letivo teria começado há uns bons quinze dias. Sem se dar conta do feito, armara-se em objetora de consciência ao ensino e, consequentemente, emperrara a sua própria entrada na escola. Contra a sua vontade e para que não se desperdiçasse o abono, uma furgoneta, enferrujada e a desfazer, despejara-a ao portão da escola sem amparo e sem contemplações. Os outros rodopiavam, corriam, saltavam como labregos. Ela com carra de pau, carrancuda e abrupta, enfiada num canto como bicho amedrontado depois de preso em jaula. Nem saco, nem pasta, nem o que quer que fosse trazia, para além daquele corpo esquelético, franzino encimado por um rosto triste e desconfiado, meio coberto por uns cabelos emaranhados, luchosos e desalinhavados. Hesitei aproximar-me. Preferi segui-la, de longe, sem perder de vista, aquele pacote de medo e de indefinição, aquele amontoado de abandono e tristeza. No meio de empurrões e sacudidelas, entrou na aula, apática, indiferente, como se estivesse noutro local, noutro espaço, noutro mundo, onde os seres que a rodeavam falavam uma linguagem diferente da sua. No rosto transparecia-lhe um alheamento perplexo, indefinido e castrador. Passou a aula, em silêncio a olhar para coisa nenhuma. No fim, enquanto os outros vinte e sete saíam aos tropelãos, radiantes e felizes, ávidos de uma coboiada de dez minutos, adiantei-me para que não saísse. Aproximei-me e meti conversa. Muda que nem um cepo. Carrancuda que nem uma tartaruga. Olhos bem cravados no chão, não tugia nem mugia. Insisti e sentei-me em frente, a fim de que nos pudéssemos entender melhor e que ela sentisse que o meu olhar era de respeito, de carinho, de vontade de libertá.la. Começo pelo que, de momento, me parece lhe será mais grato. Tento recorrer a uma linguagem que entenda. Responde com monossílabos, Insisto:
- Teu pai? Onde trabalha?
- Debaixo da terra!
Arrepiei-me. Numa frustrada tentativa de esclarecer percebi que trabalhava em Lisboa, no metro. Depois vieram a mãe, os sete irmãos mais novos, três mais velhos e uma sobrinha. Vida desgraçadas, estraçalhadas, desfeitas, entre escombros, sem recordações, entrelaçadas em percalços, fomes e consumições. Em pequena partira a cabeça contra uma parede, com repercussões na memória e na capacidade de entendimento, que já era frágil. O irmão mais pequeno partiu uma perna e a mãe parira um outro irmão já morto. A casa? Feita de lama e negrume, sem pão, sem alegria, cinzenta e feia. Era ela que cuidava dos irmãos…
- Não gosto da escola. Não gosto dos professores. Os professores são maus.
Na Primária levara porrada da meia-noite. Queria ir para casa. Preferia passar fome do que estar ali presa. Sim, passava muita fome, em casa. Trabalhava que nem uma burra… Mas em casa, agora que o pai se pirara para bem longe, já não levava porrada.
Eu nunca me senti tão impotente e incapaz! Pouco percebia do que ela narrava. Imaginava quase tudo. Entre nós havia uma inquebrável barreira que nos afastava fatalmente, mas que não fora eu, nem ela a construir. Pior! Do lado dela a barreira estava pintada de medo. Medo de tudo. Medo de mim! Medo do professor! Nunca tal me acontecera! Aquietei-me um pouco imaginando quanta dor, quanta angústia, quanto sofrimento lhe enchia o peito. Sorri e, ao de leve, com as costas da mão, acariciei-lhe o rosto negro, intumescido, lavrado de dor e debruado de infelicidade.
Veio mais um dia. Depois dois e três, em que ela alternava vindas com faltas. Quando chegava eu saudava-a com um sorriso meigo e carinhoso e deixava que navegasse no seu mundo de indiferença, onde o ódio que inicialmente imperava, agora parecia ir amolecendo. Diluindo numa esperança fictícia, inexistente.
Uma semana depois, decidi recomeçar, sem saber bem por onde:
- Brincadeiras?
- Não tenho tempo para brincar. Televisão não tenho. Nunca vou ao café ver. A minha mãe é doente. Está sempre de cama. Não pode fazer nada. Há tempos deu-lhe um fanico. Eu não quero que ela morra. Eu é que limpo, lavo e faço o comer. Agora, meteram-me aqui e não posso ajudar a minha mãe.
- Teu pai? Não vem a casa, pelo menos ao fim de semana?
- Não. Não sei porquê, mas acho que ele anda com outra lá em Lisboa. Se eu pudesse, se me deixassem eu ia era trabalhar. Ganhava dinheiro para comprar café e remédios para a minha mãe. Quero que ela fique boa, não morra. Se ganhasse mais punha o dinheiro no banco para comprar uma casa… Não quero que meu pai venha para casa. Ele já me bateu três vezes com uma corda. Ainda tenho marcas nas costas. A minha irmã fugiu de casa e já teve um filho. Meu pai quase que a matou à pancadaria.
Interrompi aquele turbilhão, aquele mar de mágoas e dores. Apeteceu-me dar-lhe cem escudos, para café para a mãe e pão para ela e para os irmãos. Hesitei. Se alguém soubesse, corria riscos de ser mal interpretado ou até acusado do que quer que fosse.
Á minha frente instalava-se um ano letivo indefinido e indeterminado. Decidi que não me havia de preocupar com o que ela aprendesse ou não aprendesse, mas sim com a maneira como ela se havia de sentir. Para começar, tinha a certeza absoluta de que se ela, que até tinha nome de deusa, Diana, se sentia mal, muito mal.
Autoria e outros dados (tags, etc)
QUALIDADE DE OURO PARA A ZONA BALNEAR DA FAJÃ GRANDE
A Fajã Grande, nos últimos dias, foi presença diária em todos os jornais e notícias dos Açores e em muitos do Continente, uma vez que foi cenário de vários programas televisivos gravados em direto pela RTP Açores, no último fim-de-semana, inclusive o Telejornal que assinalou a comemoração do Dia da Região Autónoma dos Açores e, sobretudo por ter sido palco escolhido para as celebrações do Dia da Região Autónoma dos Açores, instituído pela Assembleia Legislativa em 1980, celebrado no passado dia 25, segunda-feira do Espírito Santo, precisamente no dia em que se assinalava os centenário do maior naufrágio de sempre nos baixios da mais ocidental freguesia açoriana.
Agora uma outra notícia lançou a Fajã Grande para as páginas dos jornais. Segundo o Público, a Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza - voltou a atribuir classificação "Praia com Qualidade de Ouro" à Zona Balnear da Fajã Grande (Porto Novo). Esta classificação é atribuída anualmente por aquela Organização às praias portuguesas com melhor qualidade da água. Este ano, foram distinguidas 314 zonas balneares em 90 municípios, entre território continental e insular. Para receber a classificação de Praia com Qualidade de Ouro, a água balnear tem de que ter sido excelente nas quatro últimas épocas. Esta classificação é uma mais-valia para uma zona já conhecida, quer pela sua beleza ímpar quer por ser uma zona balnear muito atrativa. Essa a razão por que a Câmara Municipal das Lajes das Flores, no seu site, justifica ter tentado, aos poucos, ir dotando aquela área com melhores condições para a prática balnear e de lazer.
Para receber a classificação de praia com qualidade ouro, uma zona balnear para além de ter qualidade “excelente” da água nas quatro últimas épocas balneares deverá possuir no seu palmarés que todas as análises do último ano deverão ter passado nos critérios mais apertados da Diretiva europeia sobre as águas balneares.
Autoria e outros dados (tags, etc)
O QUEIROAL
O Queiroal era, em extensão, um dos maiores lugares da ilha das Flores que pertenciam à freguesia da Fajã Grande. Situado lá bem no alto e no interior da ilha, o Queiroal distinguia-se pela exuberância dos seus recantos, pelo verde das suas pastagens, pelo abrupto dos seus pináculos e ravinas, pelo esconso dos seus grotões e valados, por um indefinido e silencioso mistério envolvente. Situado no extremo leste da Fajã, do lado oposto ao oceano e muito distante do povoado, o Queiroal era zona de excelentes pastagens, separadas umas das outras por valados e grotões onde floresciam intensos bardos de hortênsias multicolores que lhe davam um colorido inebriante, delicioso e mítico. Situava-se na fronteira com o concelho de Santa Cruz, nomeadamente com as freguesias dos Cedros e de Ponta Delgada. Uma parte do Queiroal, em termos de localização geográfica e administrativa, já pertencia ao Concelho de Santa Cruz, porquanto os proprietários de algumas relvas tinham que ir pagar a faxina às Finanças da vila de Santa Cruz.
Uma parte do território do Queiroal era constituída por montes e por planaltos onde havia grandes pastagens separadas por sebes de hortênsias, valados e grotões. Ao meio e quase a atravessá-lo de este a oeste expandia-se e prolongava-se num vale, aprazível, fresco, verdejante e de uma beleza rara mas encafuado e escondido bem lá no centro da ilha, sem canadas, caminhos ou outros meios de acesso. Apenas através de veredas íngremes e de atalhos sinuosos, atravessando valados e saltando grotões, lá se chegava. Por isso pouca gente conhecia este idílico local, enquanto muitos outros, simplesmente, o ignoravam, pois quase ninguém por ali passava e era escasso e reduzido o número de pessoas que ali se deslocava, nas suas fainas diárias, de acompanhamento e vigilância do gado ou para ceifar os fetos e limpar as pastagens. Para quem partia da Fajã Grande, o Queiroal constituía o fim de todos os atalhos, o termo de todos os caminhos, o início do degredo, do deserto, do emaranhado. No entanto a sua localização era privilegiada, em função da vista que dali se desfrutava sobre uma boa parte da ilha e do oceano, inserindo-se, além disso, num cenário maravilhoso quase bucólico, ideal para um desenvolvimento de aliciantes projetos turísticos, na década de cinquenta ainda impensados e hoje denegridos. Além disso, a sua localização permitia que grande parte do seu território se visse do povoado. Muitos homens sentados na banqueta da Casa do Espírito Santo de Baixo, de tarde, a descansar, conseguiam ver as rezes que pastavam naquelas verdejantes pastagens. Eram, na verdade excelentes as pastagens do Queiroal. Essa a razão por que mesmo muito distantes, muitos proprietários colocavam lá as vacas de leite com a obrigação de ali se deslocarem todos os dias para a ordenha, o que era imensamente cansativo e desgastante. Eram também muito férteis aqueles terrenos e, apesar de situadas no mato, num clima frio e intempestivo, o Teodósio chegou a lavrar alguns e a semear milho. O milho era bom e os resultados da colheita excelentes, mas o diabo era transportá-lo, em cestos, às costas até ao cimo da Rocha e, pior, ao descer a Rocha. Um martírio.
Era no Queiroal que se localizava o Pináculo com o mesmo nome. Era um enorme e abrupto rochedo como que plantado em riste no meio de um enorme e elíptico vale forrado de fresca alfombra e ornamentado de bardos de hortênsias. Apontado para o céu, visto de lado era como se fossem duas mãos postas, mas observado de frente, assemelhava-se ao frontispício de uma gigantesca catedral medieval. O Pináculo, situado num vale amplo, rodeado de vegetação luxuriante, impunha-se, sobretudo, no seu topo com dois picos, um semelhante a uma torre e o outro em forma de triângulo, como que simulando a parte central e superior da fachada de um templo. Esta era, muito provavelmente, a razão de ser do seu epíteto.
O acesso ao Queiroal, para além de longo e demorado, era muito difícil. Primeiro a íngreme subida da Rocha e o atravessar daqueles lameiros das primeiras relvas, onde proliferavam inúmeros e minúsculos mas extremamente pantanosos afluentes da Ribeira das Casas. A partir do Caldeirão da Ribeira das Casas não havia caminho, seguia-se por trilhos que, para além de maus, eram inseguros e pouco acessíveis, uma vez que a vereda, aparentemente, parecia diluir-se, mesmo fechar-se, obstruir-se com bardos de hortênsias, de queirós e de cedros, com copas seculares e enormes, que ali se haviam desenvolvido em excesso. Como alternativa era possível seguir através das relvas, sem trilhos demarcados ou veredas decalcadas sobre a erva, gastando-se em distância o que se poupava em esforço descontrolado e, por vezes, improfícuo.
Outra curiosidade deste idílico lugar onde se situava o famoso Pináculo é que do sentido contrário não havia qualquer tipo de acesso. Era uma floresta densa de cedros e queirós, obstruindo toda e qualquer passagem. Isto porque terminava ali o território da freguesia da Fajã Grande e iniciava-se o da de Ponta Delgada, já em pleno concelho de Santa Cruz. Dados estes condicionalismos, nas belas pastagens do Queiroal grassavam pequenas manadas de gado alfeiro, um manso e domesticado que ali era colocado temporariamente e outro quase selvagem, ali nascido e que dali havia de ser retirado, apenas quando gordo e arrolado, pronto a embarcar no Carvalho com destino a Lisboa.
Resta acrescentar que o Queiroal era limitado a norte pelo concelho de Santa Cruz, a leste pela Água Branca, a oeste pelo Cimo da Rocha e pela Caldeirinha e a sul pela Ribeira das Casas, onde pontificava o mítico Caldeirão. O seu nome deriva, naturalmente, de ser um local onde florescia muita urze, uma endémica açoriana, nas Flores conhecida por queiró.
Quem mais propriedades tinha no Queiroal era o Lucindo Cardoso. Por essa razão deslocava-se para ali quase todos os dias, a mondar a ceifar fetos e a tratar do gado. Por vezes ali passava a noite numa furna. Além disso, referia-se e elogiava com frequência as propriedades que ali possuía. De tanto por lá andar e de tanto àquele lugar se referir foi apelidado de Homem do Queiroal.
Autoria e outros dados (tags, etc)
OS ARROCHOS
Na Fajã Grande, onde abundavam canadas, veredas e caminhos toscos e sinuosos, a maioria dos produtos agrícolas, assim como a comida para os animais, a cama para os mesmos e a lenha para o lume eram acarretados às costas dos homens ou à cabeça das mulheres, em pesados molhos ou em carregadíssimos cestos ou sacos. No entanto e por alturas em que uma ou outra colheita abundava, ou em que era necessário transportar maiores quantidades de um determinado produto, recorria-se ao transporte em corsões ou aos carros de bois, uns e outros puxados por uma ou duas rezes, consoante fossem de canguinha ou de junta. Era o caso da apanha do milho, da lenha para a matança, da rama seca para o inverno, da cana roca para a cerca do porco ou dos fetos para a cama do gado e de alguns outros produtos. Nestas circunstâncias recorria-se a enormes carregamentos em que os produtos eram colocados em grande quantidade e, nalguns casos, com gigantesco volume, sobre o carro ou corsão. Para que os produtos se segurassem e não caíssem durante o transporte, com os solavancos do veículos, por vezes a empeçar em grossos pedregulhos quer os corsões quer os carros eram ladeados pelos fueiros, apertados, ao meio por uma atiradeira. Para o transporte do milho ou do estrume eram usadas as ceiras de vimes. Mas na maioria dos casos os produtos amontoavam-se soltos em cima do veículo. Mas como a carga, geralmente, excedia em muito a altura dos fueiros, tinha que ser amarrada e apertada com um grosso cabo, preso num e no outro lado do veículo abraçando todo o carregamento. Mas apertá-lo com a força dos braços era impossível, devido ao grande tamanho da carrada e à grossíssima espessura do cabo. Para apertar os cabos recorria-se aos arrochos.
Os arrochos eram dois pedaços de pau devidamente preparados e adequados para apertar o cabo que segurava uma carrada de lenha, fetos, incensos, melheirós, rama, erva, etc. Um deles era direito e pontiagudo numa das extremidades, a fim de ser espetado na carga, junto ao cabo. O outo, por sua vez, era um pouco mais curto e torto ou arqueado. Enrolado no cabo, ia girando à volta do primeiro, de maneira que o cabo se fosse enrolando e, consequentemente diminuindo de tamanho e apertando a carga. Ambos os arrochos eram furados numa das extremidades, no caso do direito na extremidade que não era pontiaguda, sendo presos uma ao outro com uma corda. Assim, por um lado, quando não utilizados, o facto de estarem amarrados permitia que não se perdessem e fossem presos a um fueiro e, por outro, quando utilizados, a corda servia para os prender ou amarrar ao cabo, impedindo-os de se soltarem, deixando que o produto transportado se soltasse e caísse.
Eram pois muito úteis estes arrochos e todos os lavradores os tinham. Alguns eram muito bem trabalhados, pois quanto mais limpos fossem os paus de nós e cascas, mais lisos ficavam e melhor apertavam. Os lavradores mais cuidadosos com os seus apetrechos agrícolas, por vezes, até os untavam com o sebo com que que eram untados os eixos dos carros, no sítio onde rolavam entre os queicões ou nos tamoeiros que prendiam os cabeçalhos às cangas
Autoria e outros dados (tags, etc)
TAÇA DE PORTUGAL
O Sporting conquistou este domingo, pela 16.ª vez, a Taça de Portugal de futebol, ao derrotar o Sporting de Braga, no desempate por grandes penalidades, após um empate a dois golos no final do tempo regulamentar. Com esta conquista o Sporting volta aos títulos sete anos depois. Numa partida de muitas emoções, o Braga chegou a ter o jogo na mão, ao estar a vencer por 2-0 e com mais um jogador, mas o Sporting superou-se e empatou mesmo no final do tempo regulamentar. Depois de um prolongamento sem golos, os bracarenses vacilaram da marca das grandes penalidades e a festa no Jamor ficou verde e branca.
A Taça de Portugal é uma competição portuguesa de futebol organizada pela Federação Portuguesa de Futebol e disputada por todos os clubes da Primeira Liga, Segunda Liga, Campeonato Nacional de Seniores e os 20 vencedores das Taças Distritais. A competição teve início em 1938, mas não se realizou nas épocas de 1946/47 e 1949/50. Os jogos disputam-se utilizando o sistema de eliminatórias a uma mão, com exceção das meias-finais que se disputam a duas mãos.
O Benfica é o maior vencedor da competição, com 25 troféus conquistados. Porto e Sporting estão agora empatados, uma vez que ambos conquistaram a taça por 16 vezes. O Boavista ergueu o trofeu por 5 vezes e o Setúbal 3, assim como o Belenenses que a conquistou também por 3 vezes. Na lista dos vencedores segue-se a Académica com 2 vitórias e Braga, Guimarães, Beira-Mar, Estrela da Amadora e Leixões venceram o troféu apenas 1 vez cada.
Eis a lista de vencedores e finalistas vencidos, com os respetivos resultados:
1938–39 Académica 4 – 3 Benfica.
1939–40 Benfica 3 – 1 Belenenses.
1940–41 Sporting 4 – 1 Belenenses.
1941–42 Belenenses 2 – 0 Guimarães.
1942–43 Benfica 5 – 1 Setúbal
1943–44 Benfica 8 – 0 Estoril
1944–45 Sporting 1 – 0 Olhanense
1945–46 Sporting 4 – 2 Atlético
1947–48 Sporting 3 – 1 Belenenses
1948–49 Benfica 2 – 1 Atlético
1950–51 Benfica 5 – 1 Académica
1951–52 Benfica 5 – 4 Sporting
1952–53 Benfica 5 – 0 FC Porto
1953–54 Sporting 3 – 2 Setúbal
1954–55 Benfica 2 – 1 Sporting
1955–56 FC Porto 2 – 0 Torreense
1956–57 Benfica 3 – 1 Sporting da Covilhã
1957–58 FC Porto 1 – 0 Benfica
1958–59 Benfica 1 – 0 FC Porto
1959–60 Belenenses 2 – 1 Sporting
1960–61 Leixões 2 – 0 FC Porto
1961–62 Benfica 3 – 0 Setúbal
1962–63 Sporting 4 – 0 Guimarães
1963–64 Benfica 6 – 2 FC Porto
1964–65 Setúbal 3 –1 Benfica
1965–66 Braga 1 – 0 Setúbal
1966–67 Setúbal 3 – 2 Académica
1967–68 FC Porto 2 – 1 Setúbal
1968–69 Benfica 2 – 1 Académica
1969–70 Benfica 3 – 1 Sporting
1970–71 Sporting 4 – 1 Benfica
1971–72 Benfica 3 – 2 Sporting
1972–73 Sporting 3 – 2 Setúbal
1973–74 Sporting 2 – 1 Benfica
1974–75 Boavista 2 – 1 Benfica
1975–76 Boavista 2 – 1 Guimarães
1976–77 FC Porto 1 – 0 SC Braga
1977–78 Sporting 2 – 1 FC Porto
1978–79 Boavista 1 – 0 Sporting
1979–80 Benfica 1 – 0 FC Porto
1980–81 Benfica 3 – 1 FC Porto
1981–82 Sporting 4 – 0 SC Braga
1982–83 Benfica 1 – 0 FC Porto
1983–84 FC Porto 4 – 1 Rio Ave
1984–85 Benfica 3 – 1 FC Porto
1985–86 Benfica 2 – 0 Belenenses
1986–87 Benfica 2 – 1 Sporting
1987–88 FC Porto 1 – 0 Guimarães
1988–89 Belenenses 2 – 1 Benfica
1989–90 Estrela 2 – 0 Farense
1990–91 FC Porto 3 – 1 Beira-Mar
1991–92 Boavista 2 – 1 FC Porto
1992–93 Benfica 5 – 2 Boavista
1993–94 FC Porto 2 – 1 Sporting
1994–95 Sporting 2 – 0 Marítimo
1995–96 Benfica 3 – 1 Sporting
1996–97 Boavista 3 – 2 Benfica
1997–98 FC Porto 3 – 1 Braga
1998–99 Beira-Mar 1 – 0 Campomaiorense
1999–00 FC Porto 2 – 0 Sporting
2000–01 FC Porto 2 – 0 Marítimo
2001–02 Sporting 1 – 0 Leixões
2002–03 FC Porto 1 – 0 União de Leiria
2003–04 Benfica 2 – 1 FC Porto
2004–05 Setúbal 2 – 1 Benfica
2005–06 FC Porto 1 – 0 Setúbal
2006–07 Sporting 1 – 0 Belenenses
2007–08 Sporting 2 – 0 FC Porto
2008–09 FC Porto 1 – 0 Paços de Ferreira
2009–10 FC Porto 2 – 1 Chaves
2010–11 FC Porto 6 – 2 Guimarães
2011–12 Académica 1 – 0 Sporting
2012–13 Guimarães 2 – 1 Benfica
2013–14 Benfica 1 – 0 Rio Ave
2014–15 Sporting 2 – 2 SC Braga