PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
COERÊNCIA E DISTINÇÃO
Nasceu na Ilha Terceira, mais concretamente na Praia da Vitória. Frequentou o Seminário Menor e o de Angra, onde fez grande parte da sua formação académica, revelando-se um aluno muito estudioso e extremamente aplicado. Completada a formação no ensino oficial, licenciou-se em Direito, sendo actualmente um ilustre e prestigiado advogado. No entanto e paralelamente à sua actividade forense, têm desenvolvido uma intensa e notável acção política. Foi membro da Junta Governativa dos Açores, nomeada a 22 de Agosto de 1975, sendo o responsável pela Coordenação Económica e Finanças. Mais tarde, iniciou-se nas lides parlamentares, como deputado à Assembleia Legislativa dos Açores onde, durante as décadas de 80 e 90, desenvolveu uma intensa actividade política, liderando o grupo parlamentar social-democrata no plenário açoriano. Foi também líder do PSD/Terceira, durante alguns anos. Actualmente, embora continuando a exercer a sua actividade como advogado, é deputado da Assembleia Municipal da Praia da Vitória, sendo, também membro da Comissão Permanente da mesma. Em 2008 foi agraciado pelo Governo Regional dos Açores com a Insígnia Autonómica de Reconhecimento.
Condicionado pelos seus afazeres profissionais, participou e acompanhou algumas das actividades do Encontro, tendo duas intervenções importantes, uma, no debate e outra no almoço de despedida, no Hotel de Angra. Foi aí que, na excelência da sua habilidade oratória politico-forense, através de um discurso coerente, emotivo e deslumbrante, cativou os presentes num acervo de memórias e vivências, num registo de sentimentos e recordações, num estímulo a desafios e projectos, num verdadeiro momento de reflexão. Por tudo isso, tornou-se mais um dos “Senhores” do Encontro.
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PUDIM DE ROSQUILHA (PICO)
No Pico, sobretudo nas freguesias do sul da ilha, desde a Madalena à Piedade, as rosquilhas abundam, especialmente, por alturas das em louvor do Divino Espírito Santo. Cozidas nos dias que antecedem as festividades, são conduzidas em açafates, à cabeça, em cortejos e, depois de benzidas, distribuídas por todos os presentes nas festas. Nesses dias as casas enchem-se desse saboroso pão, feita de massa sovada. Hoje, as excedentes são guardadas nas arcas e congeladores mas antigamente eram guardadas até enrijecerem. Era com as sobras das que não se comiam que se fazia um excelente pudim, conhecido por Pudim de Rosquilha. Aqui se regista uma muito antiga receita de confeção desse pudim:
Ingredientes: 6 Ovos; 3 Chávenas de rosquilha esfarelada; 1 Colher se sopa de manteiga; 1 Chávena e meia de açúcar; 3 Colheres de açúcar; 2 Chávenas de leite; Raspa de Limão q b.
Confeção: Queima-se uma chávena de açúcar e mistura-se a manteiga. Depois de estar tudo derretido junta-se o resto do leite. Junta-se a rosquilha, envolvendo muito bem. Por fim misturam-se as gemas batidas. Com ½ chávena de açúcar.
Batem-se as claras em castelo e juntam-se as 3 colheres de açúcar.
Coloca-se a massa no fundo de uma travessa e por cima as claras em forma de suspiros ou merengue.
Vai ao forno a alourar.
Trata-se de um pudim delicioso, para além de um excelente aproveitamento das rosquilhas, quando mais envelhecidas e rijas.
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A CHEGADA DA TELEVISÃO
Tudo mudou em casa do Cambado quando ele regressou de Santa Cruz com um enorme caixote às costas. Dentro trazia uma televisão.
Desde há algum tempo que havia sido colocada uma antena retransmissora bem lá no alto do Pico da Vigia, onde ainda permanecia muito bem conservada a casota que durante anos e anos servira de vigia da baleia. O Senhor Padre, os comerciantes, o faroleiro e as casas mais abastadas da freguesia já se haviam munido da caixa mágica que todos os dias, à tardinha e durante o serão lhes enchia a casa, com filmes, notícias do mundo, desenhos animados, telenovelas e até jogos de futebol. Os filhos do Cambado bem se insurgiam contra o carracismo do pai em não adquirir um aparelho e a mulher, sem querer contrariar o marido, todas as noites corria para casa da vizinha Ester, para ver a telenovela que dava todos os dias, a seguir ao telejornal. O Cambado, no entanto, ia resistindo como podia, opondo-se, determinantemente, a uma compra caríssima e sem interesse. Preferia passar as noites encafuado no café da Engrácia, a cavaquear com uns e outros, a jogar à sueca ou à bisca, a beber uns copos de vinho ou uns tragos de traçado. Os filhos que gostavam de ver sobretudo os macaquinhos e os jogos do Benfica iam, por aqui e por ali, por vezes até espreitando através duma janela da casa do pároco. Passavam todo tempo pasmados, depois de sair da escola diante daquela caixa mágica e, ao chegar a casa, bem se empertigavam contra o pai que não havia maneira de se decidir pela compra da caixa que lhes havia de mudar os costumes. Tanto barafustaram, tanto insistiram, tanto suplicaram e pediram que o pai lá se decidiu pela compra do aparelho.
Veio o Chico da Aninhas pregar-lhe uma antena no telhado. Tanto procurou, rodou, desandou, escavacou e ligou fios que, por fim, encontrou o lugar certo. Os filhos do Cambado de pescoço torcido, a olhar para cima da casa como se estivessem a ver passar um avião, à espera do momento mágico. Podiam ligar! Estava sintonizado, o aparelho.
Os filhos, a mulher e até o próprio Cambado nem cearam na noite desse memorável dia. Sentaram-se em frente ao aparelho e passaram a noite toda a ver, a olhar, a ouvir o que percebiam e o que não entendiam. Deitaram-se alta madrugada e, no dia seguinte, como era domingo, ninguém despegou de casa. Nem a mulher foi à missa, nem os filhos à catequese, nem o Cambado foi sentar o rabo no café. No dia seguinte, no outro e no outro, a coisa foi avagando, mas sempre com um entusiasmo danado, a ver o que dava no aparelho. Em muitos outros dias. Viam quando regressavam da escola ou do trabalho dos campos, à noite, depois do jantar e, durante o fim-de-semana, passavam o tempo diante daquela caixa, pese embora por vezes ela se enchesse de tremeliques e outras transmitisse apenas chuva. Os filhos que andavam na escola não faziam os deveres, não iam brincar com os amigos, os mais velhos deixavam as vacas à fome e a Emerenciana, a mulher do Cambado, deixou, muitas vezes o leite entornar-se sobre o lume, o bolo queimar no tijolo e as batatas apegarem-se ao fundo do caldeirão. E, sempre por causa da porcaria da televisão.
O Cambado é que não gostava nada daquilo. Depressa se arrependeu, desejando que tivesse partido as pernas no malfadado dia em que partiu para Santa Cruz para ir comprar o maldito aparelho.
Finalmente, um dia, em que mais uma vez ficou sem ceia, por o bolo esturricar por completo sobre o tijolo, o Cambado enfureceu-se. Arrancou os cabos e a antena da televisão, levou-a para o andar de cima e guardou-a num armário fechado a sete chaves.
- A partir de agora, só aos domingos vocês vão ver televisão.
Os filhos mais velhos enfureceram, os mais novos choraram e a Emerenciana jurou que ele havia de pagá-las. Ai, se havia.
Durou poucos dias a casmurrice do Cambado. A mulher passava as noites fora de casa e os filhos em casa dos amigos. Ceia nikles. Assim não podia continuar, pelo que decidiu o Cambado desbloquear o aparelho, trazê-lo do sótão e coloca-lo no lugar de onde nunca devia ter saído. O pior é que a televisão era muito pesada e o Cambado, ao descer as escadas tropeçou, caiu nos degraus e, na tentativa de salvar o aparelho, quase que partiu a cabeça. Maldisse a sua sorte!
Mas a verdade é que passado um ano o fervor pela televisão, em casa do Cambado, já era muito menor do que nos primeiros dias em que a trouxe de Santa Cruz. Dois anos depois os filhos iam passear com os amigos atá ao Porto, em vez de ficarem em casa, sentados frente ao aparelho, a ver os macaquinhos e a mulher, todas as noites, preferia ir fazer serão a casa da vizinha. O Cambado voltou a ter ceia pronta a horas e nunca mais o leite se derramou sobre o lume ou o bolo queimou no tijolo.
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FILHA DO MAR
Há muitíssimos anos viveu no lugar onde hoje á a Fajã Grande um bravo e valoroso pescador. Era de avançada idade, assim como a sua mulher. Certo dia, como de costume, saiu para o mar, com o seu barco, para pesca e dirigiu-se para a Baía dos Fanais onde sabia que abundavam vejas, sargos, rateiros, bodiões e muitas outras espécies de peixes. Aconteceu, porém, que apesar de lançar as linhas com os anzóis pregados de excelente isco, e de espalhar bom engodo ao redor do barco, passou a manhã e a tarde e até a chegada da noite, sem pescar um único peixe, de forma que teve que se resignar a voltar para terra sem exibir um peixe que fosse.
No entanto, depois de entrar na Barra e de parar junto ao porto para varar o barco, para espanto seu, uma sardinha emergiu à tona de água e saltou para dentro do barco. O pescador apesar de muito admirado, pois nem era costume avistar sardinhas por ali, como não tinha peixe para comer, levou a sardinha para casa assou-a e deu-a à mulher para que a comesse pois não tinha nenhum outro peixe para a ceia.
Passados alguns dias a mulher, apesar da sua avançada idade, sentiu sintomas de gravidez e, passados nove meses, deu à luz uma menina muito bela, da qual emanava um resplendor mais claro do que o da lua. Ao chegar aos dez anos a menina começou a cuidar de si própria, alimentando-se apenas do peixe que o pai continuava a pescar e dos frutos da terra que trabalhavam. Assim foi passando o tempo, até que a menina se tornou numa formosa donzela. Então, abraçando um dia sua mãe, perguntou-lhe:
— Mãe, não é estranho que seja eu um peixe sendo tu um ser humano?
A mãe respondeu, entre lágrimas:
— Minha filha, isso depende dos obscuros desígnios de Deus. - E, a seguir, fez-lhe a narrativa de como, já sendo de avançada idade, havia engravidado depois de ter comido uma sardinha, nascendo ela algum tempo depois.
Ao saber aquilo a menina teve a impressão de que era, na verdade, filha do mar. Sendo assim só poderia ser uma sereia.
No dia seguinte, depois de passar a noite em grande mágoa, despediu-se da mãe e partiu para o mar., Nada houve que a convencesse a desistir de seu propósito de partir para o mar. Pôs-se a caminho, e depressa chegou junto do mar. Ao tocar na água, o seu corpo como que se transformou. Da cintura para baixo passou a ter forma de peixe e os seus pés transforaram-se numa enorme barbatana. Mergulhando no oceano, nadava como se fosse um peixe.
Mergulhou, mergulhou até que chegou junto dum belo palácio situado nas profundezas do mar. Bateu a uma porta e perguntaram-lhe o que desejava e por que assim se apresentava, e ela respondeu que desejava falar com o dono daquele palácio. Este ouviu a sua estória e percebeu que a jovem era sua filha.
Reconheceu-a, recebeu-a e colocou-a junto com outras filhas também elas sereias como ela e com estórias semelhantes. Mas passados alguns dias a menina aborreceu-se e desejou voltar a terra, à casa onde fora criada com o pescador e a sua mulher. O dono do palácio não a deixou partir. Ali ficou mais alguns anos, ao fim dos quais notou que estava grávida, e pouco depois nascia um menino belo, de aspeto semelhante, em tudo a um ser humano.
Ao alcançar os dezoito anos, o menino pediu à mãe que o deixasse partir, para terra, na procura dos seus avós de que a mãe tanto lhe falava. Tanto pediu e tanto insistiu que a sereia o deixou partir.
O menino partiu em direção a terra, onde chegou, passado algum tempo. Reza a lenda que ainda encontrou a avó muito velhinha e vivendo muito triste e desgostosa com a desaparição de sua filha. Logo que o abraçou, ao saber quem ele era, morreu de emoção. O rapaz sepultou-a e por ali ficou trabalhando as terras dos avós, vivendo na sua velha casa. Reza ainda a lenda que casou e teve filhos, mas nunca voltou ao mar nem comeu peixe, mas todos o tratavam pelo da Filha do Mar.
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ANTÓNIO JOAQUIM FAGUNDES
Rezam as crónicas que António Joaquim Fagundes foi um dos meus bisavós paternos, pois foi o pai da minha avó Maria de Jesus Fagundes. Orgulho-me deste antepassado, que, pelos vistos foi homem bondoso, honrado e trabalhador. António Joaquim Fagundes era filho de Manuel Joaquim Fagundes e de Clara de Jesus e nasceu na Fajã Grande, onde casou, pela segunda vez, com Policena de Jesus ou Policena Joaquina da Silveira filha de António José de Freitas e de Maria de Jesus, pais de minha avó Maria de Jesus. O casamento realizou-se na igreja paroquial da Fajãzinha, no dia 10 de agosto de 1858. António Joaquim Fagundes, no entanto, era viúvo de Mariana Júlia de Jesus, filha de João Jacinto Rodrigues e Catarina Maria, com quem casara em 8- de novembro de 1855. Ainda jovem e antes de casar, emigrou para a Califórnia, embarcando numa escuma, de noite e às escondidas, na Ribeira das Casas, onde se havia escondido na véspera, misturando-se com os marinheiros que haviam ido a terra abastecer-se de água e de víveres. Depois de chegar duma longa e desgastante viagem, que pagou com serviços prestados a bordo, trabalhando como um escravo, dormindo em péssimas condições e alimentando-se com as sobras e restos da tripulação., chegou à costa leste dos Estados Unidos. Como o seu sonho era demandar a Califórnia, percorreu o continente americano de lés-a-lés e, fixando-se na costa oeste, foi parar à cidade de Ione, no condado de Amador. Aí dedicou-se a todo o tipo de serviços que lhe permitiam ganhar algum dinheiro. Desgostoso com a vida de escravo que levava decidiu mudar-se para outros condados do interior e norte, pastoreando ovelhas nos montes e serras, ordenhando vacas em ranchos, trabalhando na agricultura, o que de melhor sabia fazer. Eram terras de abundância e os donos eram generosos, possibilitando que também criasse gado e comprasse terras. O trabalho era mais agradável e os ganhos maiores o que lhe permitiu armazenar algum dinheiro. Alguns anos depois arrependeu-se e, cheio de saudades da sua terra natal, suspendeu a sua aventura americana, regressando à Fajã Grande, com o dinheiro que ganhara e religiosamente poupara. No entanto e porque sabia que o sonho americano nunca havia de se apagar, tirou e trouxe os célebres “papeles” para que os filhos, anos mais tarde, se assim o entendessem, pudessem fixar-se na terra do Tio Sam. Chegou à Fajã com algum dinheiro e, depressa surgiram algumas pretendentes Casou uma primeira vez mas o infortúnio bateu-lhe à porta e, anos depois a esposa faleceu. Casou então em segundas núpcias com aquela que foi a minha bisavó. Construi uma casa, logo ali no início da Assomada, a seguir à Praça e teve vários filhos entre eles Maria de Jesus Fagundes, que casou com António Lourenço Fagundes, no dia trinta dias de novembro de mil oitocentos e oitenta e dois, na igreja paroquial de São José da Fajã Grande, numa cerimónia muito simples mas digna onde foram apresentados os documentos necessários e do estilo corrente, e sem impedimento algum canónico ou civil. No entanto, para poderem casar, os mesmos nubentes tiveram que ser dispensados do impedimento de segundo grau de consanguinidade em linha colateral e igual pelo Excelentíssimo e Reverendíssimo Bispo da Diocese. Ele tinha trinta e três anos, sendo solteiro, lavrador de profissão, natural e morador nesta freguesia e batizado na Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios da Fajãzinha e ela tinha apenas vinte anos de idade achando-se autorizada pelo consentimento paterno para contrair matrimónio, como consta do mandato que apresentaram. Consta que os nubentes se receberam alegremente por marido e mulher e assim em matrimónio procedendo em todo este ato conforme o Rito da Santa Madre Igreja Católica e Apostólica Romana.
António Joaquim Fagundes viu a filha casas com muita alegria. O genro, para além de sobrinho, era um bom homem, respeitado e trabalhador. Também havia tentado a sua aventura na América, mas regressara como tinha partido. Sem dinheiro. António Joaquim ainda comprou terras e teve filhos muito filhos. Uns nasciam mortos, outros morriam depois de nascer e outros vingaram. Quando cresceram alguns zarparam na procura do “Eldorado”, deixando os pais, aos cuidados do irmão mais novo. Impusera-se no entanto, na freguesia António Joaquim Fagundes pela sua bondade e sabedoria. Junto com os filhos trabalhava as terras, lavrava-as, semeava-as, sachava-as e cavava-as. Guardava na loja, ali por baixo da cozinha a Mimosa e a Formosa juntamente com um gueixo que depois de engordar, matava e distribuía a carne pelos pobres em louvor do Divino Espírito, que tanto o havia ajudado enquanto permanecera na Califórnia. As vacas iam-lhe dando leite e ajudavam-no a lavrar os campos e puxar o corção. À noite rezava pelos antepassados que se haviam finado e pelos filhos que haviam emigrado. Foi folião do Espírito Santo e nas noites da Quaresma ia cantar para o Outeiro. Foi sempre um homem pacato e humilde não se entregando a grandes aventuras e devaneios. Transmitiu aos filhos a riqueza da lealdade, a excelência da honra e o prazer do dever cumprido. Não era vingativo nem provocador de brigas e guerrilhas. Dava-se com todos e todos os respeitavam. Cumpria com dignidade os seus deveres morais e religiosos.
Sua mãe, Clara de Jesus era natural de Ponta Delgada e faleceu na Fajã Grande, a 2 de dezembro de 1864, com setenta e três anos. Após o casamento, juntamente com o marido, decidiu fixar residência na Fajã Grande, na rua Assomado onde viveu até ao ano do deu falecimento. António Joaquim Fagundes foi o seu filho mais velho.
António Joaquim Fagundes, já viúvo de Policena que faleceu em 4 de agosto de 1896, faleceu em 9 de Agosto de 1899 e teria cerca de 88 ou 89 anos, dado que os pais casaram em 1809 e ele era o filho mais velho.
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SENHORA SANTANA
Cantilena ainda declamada na Fajã Grande, na década de cinquenta. Um casal desavindo foi implorar a ajuda de Santa Ana. Rezaram assim:
Senhora Santana,
Dai-me um bom marido,
Que este que eu tenho
Não dorme comigo.
Senhora Santana,
Minha mulher mente,
Durmo com ela,
Ela é que não me sente.
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A PERSEVERANÇA DAS ONDAS
"Dai-me, Senhor, a perseverança das ondas do mar, que fazem de cada recuo um ponto de partida para um novo avanço."
Cecília Meireles
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TIRAPUXAS
Álvaro chegou a casa em grande correria. Abriu a porta de rompante e deu de caras com o pai e os irmãos já sentados à mesa.
Foi a Amélia que, em tom ríspido, o interrogou em primeiro lugar. Como ele não respondesse, levantou-se da mesa e apertando-lhe um dos braços, indagou com vigor:
– Só agora!? Este tempo todo para ir ao Outeiro Grande? Só agora? Só? – e, pegando num garrancho de incenso, retirado do monte de lenha guardada debaixo do lar, começou a bater-lhe nas pernas. Dos bolsos das calças curtas caiam maçãs em catadupa. – Toma, toma para andares mais depressa. E ainda por cima com as algibeiras cheias de maçãs. Está vendo pai? Eu não lhe disse? Está aqui a prova. Onde as foste roubar?
Álvaro, voltando-se para o pai, choramingando começou a gritar:
– Ai! Ai! Ó pai, não vê? Ela está-me batendo! Ai! Ai! Eu não as roubei. Foram do Delgado d’avó. Tia Juliana já me disse que quando passar por lá posso apanhar a fruta que quiser.
Logo o Alípio interveio em favor do vergastado, solicitando:
– Amélia, para! – Depois, voltando-se para o irmão - Se vieste pelo Delgado podias ter ido ter connosco à Cabaceira e ajudar a ceifar os feitos e a cana roca.
Álvaro retorquiu:
- Eu não sabia que vocês estavam lá!... Nem tinha foice…
- Ai! Que espertinho! Não tinhas foice… Mas podias a ir atrás fazendo as mancheias.- Retorquiu o Justino.
Passados alguns momentos, o pai, quebrando o silêncio, indagou:
- Álvaro diz a verdade. Onde apanhaste as maçãs?
- Pai, já disse. Foi no Delgado d’avó.
E porque é que vieste pelo Delgado? É muito mais longe …
Álvaro calou-se, Passados alguns momentos, embora de forma hesitante e comprometedora:
– É que…eu…
O pai insistiu, num misto de carinho e autoridade:
- Diz lá porque é que muitas vezes, quando vais levar as vacas ao Outeiro Grande, no regresso, vens pelo Delgado? Pelo Covão é muito mais depressa. Pelo Delgado demoras muito mais… E sabes que fazes falta em casa, para ajudar a tua irmã. Diz lá porque é que vieste pelo Delgado?
- Eu venho pelo Delgado porque tenho medo de passar junto ao Calhau das Feiticeiras. Dizem que elas aparecem lá todos os dias e tem as marcas dos pés bem marcadas pelo calhau acima.
Os outros riam às gargalhadas, recusando acreditar em tal patranha.
- Olha o medroso! – Disse o Alípio em ar de gozo. - Haviam era comer-te. Ó pai ele com as vacas passa e não tem medo. Sem as vacas é que tem medo…
- Eu com as vacas não tenho medo por causa das campainhas. As feiticeiras ouvindo as campainhas das vacas fogem logo. Quando não ouvem barulho é que aparecem…
Todos voltam a rir, mas cada vez mais indignados.
– E pai acredita nisso?
- Olha que já me vieram dizer que deitas paredes abaixo, que abres portais e não os tapas e que atiras pedras às ovelhas do Delfim. Isso não pode continuar assim…
- Ó pai, não atirei pedras às ovelhas do Delfim, foi só ao carneiro. Ele assim que me vê vem pendurar-se ao portal do curral e começa a dar marradas nas vacas.
Álvaro, apesar de revoltado com as culpas que lhe eram imputadas e de que a muito custo conseguia defender-se, sentou-se à mesa e pegando numa fatia de pão, queixou-se:
– Não deixaram queijo nenhum para mim. – Depois voltando-se para o Justino – Foste tu que o comeste todo. És um grande lambão!
Mas o Justino não se conteve e ameaçou-o com veemência:
- Olha que levas… Só comi o meu bocado. E era bem pequeno…
- Come pão sem nada e é se queres. Vou já arrumar a mesa. – Dizia a Amélia, preparando-se para levantar a mesa.
- Para quem não trabalha, pão sem nada já é bem bom.
- É, mas se eu não fosse levar as vacas do primo Luís ele não vos cortava o cabelo de graça…
Foi o pai que, com algum vigor, pôs termo à discussão:
- Basta! Calem-se e deixem-no comer. Ele bem precisa… Eu vou agora a Ponta Delgada e ele vai comigo.
Álvaro, deu um pulo e, saltando da mesa muito contente, exclamou, cantarolando:
– Ui! Já não tenho fome! Já não quero comer! – Vou com pai a Pon-ta Del-ga-da.! Zica-zica… Vou com pai para Ponta Delgada e vocês não vão-ão-ão…
O Alípio e o Justino juntaram-se em contestação. Que o pai nunca se importava com eles. Que nunca os levava a lado nenhum… Que só os mandava trabalhar… Que tinham que fazer tudo… E ele só a passear e sem fazer nada…
- Quando pai foi comprar o bácoro ao Lajedo, foi ele que foi consigo. – Lembrava o Justino.
- Quando foi levar o Boi Lavrado aos Terreiros para o embarcar no Carvalho, também foi ele que foi. – Acrescentou o Alípio.
E a Amélia ainda a lançar mais lenha na fogueira;
- A cunhada de tio Onofre pediu a pai para um de nós ir com ela às Lajes e foi ele que pai deixou ir.
O pai muito a custo lá tentou esclarecer:
- Então vocês não entendem que ele é o mais novo e se fica em casa não faz nada e eu não quero atravessar os matos da ilha de noite, sozinho.
- Pai, mas já é tão tarde! Como é que as estas horas pode ir e vir ainda hoje, a Ponta Delgada? Não é possível! Vá antes amanhã… - Interrogou a Amélia num misto de preocupação e desânimo:
- Está aí um barco de Ponta Delgada, o S. Pedro, de Mestre Gregório. Ele leva-nos para lá. Para cá vimos a pé.
- E o que é que pai vai fazer a Ponta Delgada, com este badameco? – Interrogou o Alípio.
O pai, então, esclareceu:
– Vocês não se lembram porque eram muito pequenos e os mais pequenos ainda nem tinham nascido, mas quando, há anos, eu vim da Terceira de me operar ao estômago, o nosso conhecido de Ponta Delgada, o mestre António Algarvio, veio de propósito aqui à Fajã para me ver. Por mais que eu viva nunca me vou esquecer. E, além disso, devo-lhe muitos favores. Agora, infelizmente, aconteceu-lhe o mesmo. Ele chegou da Terceira, de se operar, no último Carvalho, por isso tenho que lhe ir fazer uma visita e ver como ele está.
- Mas mãe morreu e ele nunca veio ver pai. E os nossos conhecidos de outras freguesias vieram quase todos, até os das Lajes. – Interpelou o Justino.
- Ele não veio porque não podia. Nessa altura já estava muito doente.- Esclareceu o pai.
Enquanto levantava a mesa, a Amélia ia murmurando:
- Favor que lhe façam, pai nunca se esquece de pagar. – Depois implorando - Mas já é tão tarde, mesmo de barco, vão chegar a casa muito tarde e o Álvaro não aguenta a viagem de noite.
- Olha! Fala por ti! Aguento, aguento. Vou levar os sapatos da missa. Nem os estrago, vamos de barco… - Afirmava Álvaro.
- Era o que faltava levares os sapatos bons. Leva os outros, os de pele-de-cabra, que te comprei na loja da senhora Glória, que ainda estão bem bons e estão quase a deixar de te servir. – Ordenava Amélia, enquanto Álvaro protestava;
- Não levo, não senhor. Eles já estão todos rotos e estragados e os monços vendo-me com eles começam a chamar-me “chinelinha”. Levo é os do domingo e pronto. E levo a roupa da missa: as calças castanhas e a camisa cor-de-rosa que o luto por mãe já acabou.
- Vais passear e ainda queres ir de roupa boa. Olha p’ra ele.
- Levas a roupa da escola e os sapatos de pele de cabra ou então vais com essa e descalço. E acabou-se.
– Não! E não e não!
- Álvaro! Faz o que tua irmã manda. Vai vestir-te que o barco deve estar quase a partir.
Álvaro saiu a correr. Depois, voltando, perguntou ao pai:
– O S. Pedro está no Porto Velho ou no Cais?
- No Cais. – E voltando-se para os outros filhos – Ainda é cedo. Vocês os dois vão ao Pocestinho. As últimas belgas têm muita lenha e já há pouca em casa. Tragam cada um o seu molho. Quando chegarem tirem o leite às vacas. E tu, Alípio vais levá-las. Elas hoje vão para a relva da Pedra d’Água. Vem pela Bandeja e traz um molho de incensos, para o gueixo que está à engorda, comer de noite. E tu Justino tiras o esterco do palheiro das vacas e despejas a poça que já está muito cheia. Deita-a no canteiro da batata-doce. E tu Amélia vais à Máquina levar o leite. Mas tira dois ou três litros para fazeres o queijo e como vai sobrar pouco, deita o desnatado ao porco. E não te preocupes se demorarmos. Eu com o pequeno não posso andar muito.
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JANTANDO COM PEDRO
“Jantando com Pedro, não fiando em Pedro.”
Mais um interessante adágio muito utilizado na Fajã Grande, na década de cinquenta. Pelo seu enunciado aparenta, claramente, ter sido trazido pelos primeiros povoadores ou por quem se fixou na freguesia, mais tarde. Isto porque, na verdade, dada a pobreza dos jantares e ainda mais das ceias, na Fajã Grande não era hábito convidar quem quer que fosse para jantar. No entanto, a expressão jantando com pode ser entendida num sentido mais amplo, isto é, tendo muita intimidade com alguém. O provérbio pretende, assim, demonstrar, que o envolvimento excessivo e demasiado com alguém poderá significar traição. Por outras palavras, não se deve dar muita confiança a quem quer que seja pois essa pessoa, mais tarde, pode trair-nos, pode junto de alguém revelar aquilo que de mais íntimo lhe confiamos. Os excessos de confiança e intimidade com alguém devem ser evitados, por isso as pessoas que, num determinado momento, nos são mais íntimas, devem ser objeto de alguma desconfiança. O nome Pedro não parece ter nenhum significado especial. Tanto podia ser Pedro como Paulo, Jacob ou José ou outro qualquer.
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ALIMENTOS QUE NÃO ENGORDAM
Para nos mantermos em forma, obter o peso ideal e ter uma saúde de ferro é necessário atentarmo-nos corretamente durante o dia todo, do café da manhã até à ceia, antes de nos deitarmos. Para quem ainda tem dúvidas sobre o que comer corretamente, é importante ressaltar que as refeições devem ser variadas, leves num total de seis por dia. Segundo os especialistas na matéria há alimentos que não engordam e outros que, pelos vistos, até emagrecem, sobretudo por serem produtos que contêm muita água. Assim, ao ingerir estes alimentos, não só não engordamos como vemos o ponteiro da balança a descer vertiginosamente, o que é excelente.
Entre os alimentos que emagrecem estão, em primeiro lugar os brócolos. Para além de serem uma fonte de água, são também uma ótima fonte de cálcio e fibras, uma boa ajuda para lhe uma sensação de saciedade e só têm 30 calorias por dose. Podem comer-se grelhados.
A couve branca posiciona-se na mesma linha. Rica em antioxidantes e vitamina C, a couve, especialmente a branca, é ótima para o sistema imunitário. Pode come-se ligeiramente salteada e, quando cozida, não deve ser cozinhada demais, pois pode perder os nutrientes.
A Couve-flor também traz muitos benefícios para a saúde, uma vez que é rica em fitonutrientes, ácido fólico, vitamina C e antioxidantes. Cuida-se que para além de emagrecer, ajuda a combater o cancro.
Alface também está nesta lista por ser uma ótima fonte de vitamina B, ácido fólico e manganésio, que ajuda a regular os níveis de açúcar no sangue.
A nível geral, as frutas também não engordam muito.
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DESCOBRIR O CONCELHO DAS LAJES DAS FLORES
Paisagens únicas marcadas pelo vulcanismo, trilhos excêntricos e históricos, baías encantadoras, rochas repletas de quedas de água, poços e lagoas deslumbrantes, zonas balneares convidativas e gastronomia de excelência são algumas das experiências que poderá desfrutar durante uma visita ao concelho de Lajes das Flores.
A Festa do Emigrante poderá também constituir uma oportunidade para descobrir o concelho das Lajes, na ponta mais ocidental da Europa. Neste concelho rico em belezas naturais podem apreciar-se paisagens únicas onde existe uma grande abundância de lagoas, quedas de água, formações rochosas e florestas.
Entre as belezas naturais, sobressaem as sete lagoas deste concelho: Lagoa Negra, Branca, Seca, Rasa, Comprida, Lomba e Funda.
Também neste concelho se encontra o ex-líbris da ilha: a Rocha dos Bordões, um monumento natural regional de invulgar beleza caracterizado por um fenómeno de disjunção prismática na rocha basáltica. Este fenómeno também poderá ser observado na Rocha dos Frades.
Já o Poço da Alagoinha, na Ribeira do Ferreiro, um dos cenários mais magníficos e exuberantes da paisagem açoriana, o visitante desfruta de um conjunto de cascatas que descem uma falésia alta e abrupta, terminando numa lagoa.
O Poço do Bacalhau é uma queda de água com aproximadamente 90 metros de altura. As águas acumulam-se formando num poço natural que convida a um mergulho, podendo assim ser usada para a prática balnear.
O Ilhéu do Monchique é o ponto mais ocidental da Europa, sendo que nos tempos da navegação astronómica servia de ponto de referência para acertar as rotas e verificar os instrumentos de navegação.
O mar está também omnipresente neste concelho garantindo vistas fantásticas e também a ida a banhos. Com este propósito as zonas balneares do concelho, além permitirem a prática balnear sobretudo nos meses de Verão, em que a temperatura das águas são bastante amenas, estão dotadas com várias zonas de lazer.
Assim poderá desfrutar da praia da Calheta, pequena praia de areal preto na baía das Lajes; das piscinas naturais da Fajã Grande, situadas na marginal da Fajã Grande estão rodeadas por um cenário pacífico e relaxante, apenas com o azul do mar a contrastar com as rochas escuras; e a zona balnear da Fajã Grande, um dos espaços mais procurados da ilha durante a época balnear, com uma beleza envolvente inigualável, tem vista para a cascata do Poço do Bacalhau.
Já para quem gosta do aspeto cultural, pode optar por visitar os museus, os moinhos ou as igrejas deste concelho.
Sendo a gastronomia açoriana um dos maiores patrimónios regionais, numa visita ao concelho de Lajes das Flores não pode deixar de experimentar a sua cozinha com pratos diversificados e bastante apreciados. Assim a gastronomia tradicional do concelho é muito marcada pelos produtos obtidos do porco, destacando-se os pratos de linguiça com inhame, o cozido de porco, o feijão assado e a morcela. Outros pratos típicos são os molhos de dobrada e a sopa de agrião.
Do mar destacam-se as tortas de algas marinhas, conhecidas localmente por erva patinha ou erva do calhau, as lapas e a caldeirada de peixe.
Outro prato muito característico são as tradicionais Sopas de Espírito Santo, que integram a ementa da Festa do Espírito Santo, sendo habitualmente confecionadas entre o domingo de Pentecostes e Outubro.
Os queijos tradicionais da queijaria da Fajãzinha e da Cooperativa Ocidental, as filhós e a massa sovada, são também algumas das iguarias que poderá saborear.
Nas Lajes existem bons restaurantes e snack-bares com destaque para o Snack - Bar "Rigoson" o "Beira Mar" e o Snack - Bar "Sport Marítimo Lajense”. Nas freguesias da Fazenda, Fajãzinha e Fajã Grande também existem restaurantes de excelente qualidade. Na Festa do Emigrante, realizada por estes dias, na Vila das Lajes e em que participam todas as freguesias do concelho, também há muitos espaços de comes-e-bebes.
Para dormir o concelho das Lajes reúne uma oferta variada, podendo hospedar-se em alojamentos locais, de habitação, ou rurais muito bem enquadrados com o meio ambiente que o rodeia.
Segundo a autarquia os locais do concelho mais procurados são as Lajes e Fajã Grande, dada a sua proximidade com o mar, mas como alertam dada a existência de uma rede rodoviária totalmente recuperada e em perfeitas condições de circulação, rapidamente se chega a qualquer local da ilha.
Já se optar por acampar também existem zonas para esta opção. Para tal durante o período da Festa do Emigrante, a Câmara Municipal vai disponibilizar um parque improvisado junto do recinto das festas.
NB - Dados retirados do suplemento especial do jornal «Açoriano Oriental» e do Fórum ilha das Flores.
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TRELA COM TRELA
Passeava com um cão, preso por uma trela, pelas ruas desertas. Ninguém imaginava o bem que lhe sabia aquela brisa entontecida, vinda do mar, com um sussurrar meigo, apesar de distante. Já não conseguia ver a montanha cravejada de um negrume cinzento e espesso que aguentara todo o dia e jurava persistir durante a noite. Talvez a madrugada seguinte fosse um sorriso de ternura alvo. Às oito e vinte e cinco em ponto havia de passar em frente ao hall de entrada do grande hotel. Eram infindáveis os sorrisos flavescentes, o olhar trémulo, a decisão de continuar a prender o cão pela trela. Um encontro inesperado, de segundos que nada decidiria mas que os deixaria enlevados, embevecidos. E o cão a vociferar num inequívoco tormento de estar preso. Recusava postar-se ali, a dar trela, preso à trela, a negociar um milímetro que fosse de intimidade, de entrega, de respeito e de consideração. Se a trela lhe exigisse mais um esmerado sorriso, oferecê-lo-ia, de bom grado, mesmo que tivesse que se atrelar à trela. Ficaria ali a tarde toda, as tardes todas mesmo que a montanha nunca se descobrisse e o mar não cessasse o seu sussurrar roufenho. Tinha a certeza que se esvairia num entrega íntima e infinita. E foi o som surdo de um navio naufragado há séculos que o acordou. Era como se o infinito dedilhasse um piano e das teclas desafinadas saísse uma melodia seráfica, virginal. Voltou-se e, por momentos, desejou ser ele a estar preso à trela, a fim de prolongar indefinidamente a aquele encontro e a conversa que o envolveu. Desejava simplesmente uma trela com trela.
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OS ORATÓRIOS
Na Fajã Grande, na década de cinquenta, em quase todas as casas havia um oratório, geralmente, colocado em lugar de destaque sobre a mesa da sala e ao redor do qual, se colocavam fotografias de familiares, muitos deles ausentes para a América e um ou ojutro já falecido. Os oratórios eram pequenas caixas de madeira, com o lado da frente substituído por um vidro, uma espécie de nichos. Uns tinham o vidro encastoado em portas, mas na maioria o vidro era pregado na própria madeira do oratório. Estes raramente se abriam. Alguns destes oratórios eram mais trabalhados e eram encimados por uma pequena cruz, tendo na parte inferior ou na base uma espécie de peanha. Dentro eram colocadas imagens de Jesus, de Nossa Senhora ou de santos, destinados à devoção particular. As pequenas coroas do Espírito Santo que também existiam nalgumas casas eram colocadas no lado de fora, junto a algumas estampas de santos. O costume de ter oratórios em casa parece ter-se originado na Idade Média e manteve-se até ao século XX, sendo, muito provavelmente, trazido para as Flores e, mais concretamente, para a Fajã Grande, pelos primeiros povoadores. Nos primórdios do seu aparecimento, os oratórios seriam monopólio de reis, de príncipes, de nobres e das famílias mais abastadas. Nesses tempos eram muito ricos e artisticamente trabalhados, imitando pequenas capelas pintadas a ouro. Mais tarde generalizaram-se e as famílias mais pobres passaram a ter os seus altares particulares e à medida que o culto aos santos se propagava, estes altares ou capelas aumentavam. Este hábito popularizou-se e chegou às colônias portuguesas através dos colonizadores. O costume floresceu nos Açores, onde os frequentes perigos a que a população estava sujeita, não apenas pelas catástrofes naturais como também pelos ataques da pirataria obrigavam a população indefesa, a pedir a proteção de Deus, da Virgem e dos Santos. As igrejas umas vezes não existiam, outras ficavam longe das moradias e, além disso, de noite estavam fechadas. Os oratórios eram a solução que permitia ter sempre "à mão o santo da nossa devoção”, cuja proteção se implorava a cada hora do dia ou da noite.
Para além de um cruxifixo presente em todos os oratórios e que era colocado nas mãos dos moribundos quando se pressentia que a morte se aproximava, os oratórios na Fajã Grande, tinham geralmente imagens de Sagrado Coração de Jesus, de Nossa Senhora do Carmo, de São José, de Santa Teresinha e de Santa Rita. Junto deles existia uma pequena lamparina, com o vidro fosco e com chama de pouca intensidade que se acendia durante o dia e a noite sempre que alguns dos santos concediam o dom pedido ou impediam que uma desgraça acontecesse. E era muito o que se pedia aos santos aprisionados dia e noite nos oratórios.
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PRATOS TÍPICOS
Despertar para os "valores culturais tradicionais" de uma comunidade, por mais humilde, pequena e pobre que ela seja, e fazer o seu registo ad perpetuam rei memoriam, é cada vez mais interessante, necessário, imperativo, frequente e comum. Em toda a parte. Nas Flores e na Fajã Grande, uma minúscula comunidade açoriana encastoada entre o mar e a rocha, isolada por veredas, ribeiras e grotões, também tem, obviamente, os seus valores culturais, os seus costumes, as suas tradições, as suas lendas e até a sua história. O Pico da Vigia, desde sempre tem alertado e até registado, embora de forma simples, os seus valores a diversos níveis, permitindo realizar um conjunto de recolhas que, uma vez armazenadas, explicam, conservam e preservam aquilo que foi o dia-a-dia dos nossos antepassados, os seus hábitos, costumes e tradições. Infelizmente quase tudo é feito, apenas, de memórias. Por vezes, no entanto, tratam-se de recolhas completas e pormenorizadas de valores tradicionais, com destaque especial para os costumes e tradições, onde se inclui a culinária. É verdade que hoje nos podemos confrontar com outras pesquisas mais persistentes, com trabalhos mais interessantes e valiosos. Sem tudo isto, muita coisa se perdia, pois poder-se-ia cuidar que o mundo, sobretudo o do passado, nada mais era para além de nós próprios. É também com intenção de desenvolver o turismo de que a Fajã Grande é uma espécie de ex-libris da ilha das Flores e atrair turistas para esta ilha que estas pesquisas mais presentes se tornam no nosso quotidiano.
A Fajã Grande não era muito rica em culinária, aliás não o era em nenhuma outra coisa. Mas possuía os seus pratos típicos. Os principais tinham a sua origem no porco, cuja matança, em Dezembro era efetuada em quase todas as casas, incluindo as mais pobres. No dia da matança saboreava-se a deliciosa caçoila feita com algumas das vísceras do animal e um pouco de carne da barriga. Nos dias seguintes vinham os torresmos e a linguiça, os ossos salgados e o toucinho, por vezes cozido numa sopa de agrião, de couve ou de funcho as morcelas, o sarapatel e o molho de fígado. Nos dias de festa, se houvesse carne de vaca, ela era guisada. Na sua ausência era substituída por galinha, sobretudo pelo Carnaval e pelo Natal. No domingo subsequente ao dia de fio era o carneiro guisado que imperava. O consumo do porco perdurava por todo o inverno e estendia-se aos meses de verão e outono. Intercalava-se com tortas, com peixe frito, lapas, feijão e o tradicional mangão. Por vezes imperava uma boa sopa de feijão, couve, repolho, agrião e até de funcho. Sopas de pão ou bolo do tijolo e leite constituíam o cardápio da ceia. Raramente se faziam as fatias douradas. Quando mais velho, o pão era estufado. Doces eram raros: as filoses pelo Carnaval, o arroz doce pelo Natal e o pão adubado ou massa sovada pelo Espírito Santo e Santo Amaro. As escaldadas cozidas no formo, em vez do pão, também eram frequentes, assim como o milho cozido e a abóbora. As papas também eram muito frequentes à ceia. As finas e as grossas, as fatias. No dia seguinte eram cortadas à talhada e, por vezes, fritas.
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CHARLIE E A FÁBRICA DOS DOCES
A Academia de Dança do Vale do Sousa apresentou ontem, 18 de Julho, no Auditório do Europarque, na Vila da Feira, um deslumbrante e mágico espetáculo de ballet, intitulado “Charlie e a Fábrica dos Doces”. Trata-se de uma excelente adaptação do filme “Charlie and the Chocolate Factory”, com letra de Ana Queirós e encenação de Ana Quelhas, em que participaram cerca de duzentos bailarinos e bailarinas pertencentes aquela escola de dança duriense, num maravilhoso e encantador espetáculo de som, cor, música, movimento e magia, fortemente aplaudido pelo numeroso público que, literalmente encheu o auditório. A música é da autoria de Artur Guimarães, Diogo Santos Silva e Rodolfo Cardoso. Por sua vez, a coreografia foi da responsabilidade de uma equipa constituída por Andrea Galpo, Ana Sofia Rodrigues, Bárbara Teixeira, Bianca Tavares, Catarina Pacheco, Cláudia Regado, Liana Oliveira, Joana Quelhas e Mafalda Deville.
Assim como no filme, o protagonista Charlie Bucket (Bernardo Costa) é um garoto pobre, que vive com a mãe, a Senhora Bucket (Margarida Garcês) numa pequena e pobre casa. Como a maioria das crianças Charlie adora chocolates, mas que a mãe, por ser muito pobre, não lhe pode oferecer, apesar de perto do seu casebre existir uma enorme e enigmática fábrica de maravilhosos e saborosíssimos doces, pertencente ao senhor Willy Wonka (Beatriz Maltez). A fábrica, no entanto, fechou, mas passados alguns anos reabriu e Willy Wonka lança uma estranha promoção: em cinco das inúmeras barras de chocolate que a fábrica produziu, colocou cinco convites dourados, que davam a quem os achasse o direito de passar um dia visitando a fábrica e naturalmente apreciando os variados doces que produz. Charlie tenta adquirir uma dessas barras, mas não tem nem dinheiro nem forma de encontrar nenhum dos convites. Além disso os chocolates com os convites estavam espalhados um por cada um dos cinco continentes do globo.
Mas há quem descubra os convites. O primeiro é encontrado por uma criança, Augustus Gloop (Tomás Ruão), o segundo por Veruca Salt, (Ádila Magalhães), o terceiro por Violet Beauregarde (Ana Margarida Menezes) e o quarto por Mike Teavee (José Pedro Costa).
O último convite foi achado por uma mulher da Rússia, mas descobriu-se que, afinal, era falso, precisamente no momento em que Charlie o encontra, conseguindo, assim, o tão almejado direito de visitar a fábrica, o que acontecerá na segunda parte do espetáculo.
Na Fábrica dos Doces, Charlie aprecia o fabrico de uma enorme e variada coleção de doces, representados em sublimes e mélicos bailados, todos eles executados pelos vários grupos de bailarinos e bailarinas das diversas classes que constituem a academia. Entre estes doces destacou-se, de modo muito especial e emotivo, o “Algodão Doce”, divinalmente apresentado pelas pequeninas bailarinas da classe Pré-Escola, em que está integrada a debutante bailarina Graziela Fagundes.
Como conclusão, Charlie Bucket mostra-nos que tudo é possível, levando-nos a conhecer um mundo de doces e guloseimas, sorrisos e perigos medos e conquistas… (Cf. Guião)
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JOSÉ CARLOS VIEIRA SIMPLÍCIO
José Carlos Vieira Simplício nasceu no lugar da Silveira, freguesia das Lajes, ilha do Pico, em 4 de Agosto de 1937. Estudou no liceu da Horta e no Seminário de Angra. Ordenou-se sacerdote em 1965, partindo de seguida para Timor, onde foi secretário particular do bispo D. Jaime Garcia Goulart, diretor do semanário Seara e professor do liceu. A partir de 1969 paroquiou na Califórnia, entre a comunidade açoriana, fundando a igreja de Nossa Senhora dos Portugueses em Turlock. Regressado aos Açores, foi nomeado reitor do Santuário do Bom Jesus, em S. Mateus do Pico. Mais tarde paroquiou na ilha de S. Miguel. Atualmente reside na Terceira.
Além da missionação, tornou-se conhecido pela sua investigação da história da Igreja nos Açores e do seu contributo missionário no Oriente e na América.
Obras Principais: O Culto de São Tomás de Aquino no Seminário Episcopal de Angra, Os Maiores Dias da Vila da Madalena, Padres da Ilha do Pico Alunos no Seminário Episcopal de Angra, Subsídios Biográficos e, Daqui Houve Missionários até aos Confins do Mundo.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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REVOLUÇÃO VIOLENTA
“Aqueles que tornam impossível uma revolução pacífica tornam inevitável uma revolução violenta.”
J. F. Kennedy
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ILHA MONTANHA
No magro chão de lava há perfume
E o fluxo das marés sabe a frescura.
O Pico é um retalho de verdura
Do sopé da montanha até ao cume.
E se as fontes andejam de secura
Ou se o chão treme e arde em cruel lume
- Dias de terror, laivos de negrume -
O mar se abre logo. - Tanta fartura!
Zonzos, os currais negros dos vinhedos
Transformam esta lava em doce mosto!
Trabalhos tão sofridos são folguedos…
E nesta ilha de lava ressequida,
Até festas e folgas, em Agosto,
Joeiram o chão seco, dão-lhe vida!
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ENALTECIMENTO DA LAVA
O Pico, visto lá do alto, parece um respingue de lava, atirado à toa, para cima do Atlântico. Outrora lava vermelha, incandescente, fumegante e destruidora, mais tarde negra, inturgescida, basáltica e besuntada de enxofre, agora aureolada de verde, benéfica, produtiva, atraente e perfumada de mosto e de salpicos de maresia.
Mas ontem como hoje, esta lava é uma espécie de sangue negro, fecundo e vigoroso, derramado sobre um chão pétreo e consistente, que o alimenta, o tonifica e o transforma em vinhedos, em campos de milho, em pastagens ou em encostas a abarrotar de florestas de faia, de incenso e de árvores de fruto que o vão atapetando a escarpada montanha do sopé até ao cume, onde, umas vezes, escorrem flocos calcificados de gelo, outras fragmentos caramelizados de neve, e onde sopra sempre um vento destemido, mesmo violento, mas com um ar enternecedor de benfazejo, sobretudo quando acompanhado pelo suave lacrimejar do orvalho acariciador das madrugadas.
A lava é vida neste Pico. A lava é esperança neste mar. A lava é crença deste povo. A lava é suco generoso, é chão amigo. A lava é uma espécie de bálsamo tonificante e fertilizador, que transforma o sofrimento em promessa, a angústia em esperança, destruição em recompensa, o deserto em abundância, o nada em tudo.
A lava, nascida bem lá no fundo da Terra, sobe à tona e alastra por aqui e por além, cobre tudo, verte-se em torrente sobre este chão e nele desliza como se fosse um rio gigantesco e negro, a arfar de desejos inexperientes, sem pontes, sem açudes e a perder-se por entre andurriais angustiantes, a entrincheirar-se entre margens de suplício. Mas um rio cheio de esperança contagiante, a abarrotar de alegria inocente e pura, a transbordar de madrugadas sonhadoras.
A lava do Pico é um rio de espuma incandescente, a deslizar por entre pedaços de chão rachado, a fertilizar os vales, a enrijecer os montes, a calcificar os pântanos e as lagoas, a alimentar os vinhedos e as florestas, a perder-se, como que envergonhado e tímido, no meio de um oceano de desejos indefinidos, transformando-se em gigantescas marés de graça, de solenidade e de ternura
E a lava negra deste Pico, ontem vermelha e destruidora, transformou-se, por mãos calejadas e dolentes, num gigantesco e pétreo manto verde de esperança.
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OS MURMÚRIOS DOS BÚZIOS
Viver junto ao mar, numa casa simples, pequenina, ou numa adega transformada em moradia mas ornada com flores de algas e perfumada com os afagos oscilantes das marés, senão deslumbrante é encantador Mas se quisermos ser mais precisos, afinal, numa ilha, por mais alta e maior que ela seja, nunca se mora junto do mar. Na verdade, numa ilha é sempre o mar que mora junto de nós. É o mar que impera no nosso quotidiano, que o cerceia com um marulhar contínuo sobre as rochas, com uma maresia persistente, decalcada em ondas baloiçantes, a perderem-se num vaivém irrequieto, umas vezes embravecido outras ternurento, mas sempre a trazer uma salubridade adocicada, uma brisa inebriante, um resfolgo de liberdade.
Desde criança que que ma habituei a viver junto do mar, embora noutra ilha, mais pequenina e sem montanha. Vezes sem conta ouvia a minha avó, de olhar fixo no horizonte, contar: quando Deus o criou, o mar pediu-Lhe que o deixasse crescer um cabelo em cada ia. Deus não autorizou. Então o mar pediu-lhe que o deixasse comer uma pessoa por dia. Ou então explicava: o mar, para além de maior e de mais inquietante, também é mais rico do que a terra. Mas não eram as histórias, os tesouros dos navios encalhados, nem o ouro das caravelas perdidas, nem os cofres dos piratas naufragados, nem sequer o pescado fluente, quotidiano, despejado sobre o cais, a ressuscitar o reboliço da lota que me cativava. Por nada disso ansiava. Do mar, eu queria apenas os búzios.
Nesses tempos de criança, lembrava-me frequentemente de ter lido no livro da quarta classe um poema que dizia: Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal. É este mar salgado, recheado de história e de saudade, paternal e amigo, que me atirava respingos de salmoura, que, por vezes, até me cobria de espuma e que me transformava numa espécie de escudo translúcido que me protegia de nevoeiros e caligens. Belo poema aquele, uma espécie de cântico dos cânticos, um elogia da maresia, talvez o hino daquele torrão azulado, enorme, que, por vezes e em sonhos, me parecia tornar o nundo infinito. Mas do mar não queria nem o infinito, nem o azul, nem sequer as lágrimas dos seus heróis, transformadas em cristais de sal. Do mar, eu queria apenas os búzios.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. Terminava assim aquele belo e sublime poema de Fernando Pessoa. E um poeta nunca se engana a versejar sobre o mar. E sobre o mar não faz versos apenas um poeta. Talvez até muitos outros poetas tivessem trovado sobre o mar. Quando morrer quero levar comigo um pedacinho do mar, para recuperar o tempo que vivi sem ele. Escreveu Sofia noutro belo poema. Mas também do mar não queria outrora, nem quero hoje, os poemas, embora me deleite a apreciar alguns deles. Do mar, eu queria e quero apenas os búzios.
Nestas tardes solarengas dou comigo a caminho do mar. Por vezes, até nas madrugadas sombrias, nas tardes enevoadas e nas noites de Lua Cheia escapulo para junto do mar. É uma mágoa, um tormento, uma angústia, uma consumição, ver este enorme lençol de água, sem Sol, sem uma réstia de luminosidade que, ao menos, tivesse ficado esquecida do dia anterior. Mas dura pouco esse cenário. A aureolar-se aos poucos, depressa se vai transformando num clarão que clarifica e enternece as rochas, os baixios, os escolhos e até o sargaço que, arrancado das profundezas pela força das correntes, flutua suavemente sobre as águas. Mas do mar não quero nem as rocha nem os baixios, nem escolhos, nem sequer o sargaço, mesmo já postado em terra e a secar, no estio. Do mar, quero apenas os búzios.
Depois são as ondas, umas vezes pequeninas, lisas, sonolentas, outras enormes, gigantescas, altivas, bravias, mas sempre a irem e a virem, num vaivém ritmado, umas vezes mais suave e embelecido outras, agreste, toldado e raivoso, a saltarem por entre os esconderijos das enseadas, repletos de sombras e de mistérios ou a enrolarem-se nos pedestais das baixas e dos ilhéus, cravejados de lapas e assolados por caranguejos. Mas do mar também não quero nem as ondas, por mais mansas e quietas que estejam, nem os ilhéus, nem o negrume basáltico dos baixios. Do mar quero, apenas, os búzios.
Estranha obsessão esta, a de nada mais querer do mar, para além dos búzios. E sabem porque do mar quero apenas e somente os búzios? Simplesmente para os colocar junto ao ouvido e ali ficar, um minuto que seja, a ouvir o suave murmurar do oceano. É que dentro dos meandros cavernosos e enroscados das suas conchas, o mar nunca é revolto, não há tempestades nem bravezas e as ondas, ali, ouvem-se sempre, suaves e doces, os seus murmúrios, como se fosse em eco, a baloiçarem sempre, num vaivém ternurento e meigo, semelhante, talvez mesmo igual, àquele com que as mães embalam os seus filhos.
Quão deslumbrantes são os murmúrios dos búzios.pico
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O PICO EM JULHO
Mas os dias, neste julho, no Pico não são todos de chuva, nem nunca chove todo dia. Na verdade, em julho, desfruta-se de um tempo de verão. A ilha reveste-se de bonança, de tranquilidade, de graça, de beleza e duma amena solicitude. Simplesmente invejável! A montanha, imponente e altiva, cobre-se, bem lá no cume, de um véu alvíssimo, enternecedor, enovelado pelos raios doirados de um Sol acariciador e compassivo. Depois, pelas encostas abaixo, a escorrer como se fosse lava, um manto verde de pastagens e de florestas, a cobrir os andurriais circundantes, a derramar-se e a estender-se até às terras de cultivo e aos vinhedos, já de cachos imberbes, à espera da última sulfatadela quase até aos casebres e às habitações das pequenas mas graciosas povoações, plantadas à beira-mar, como que a fazer uma espécie de ponte de alvura e graciosidade, entre a montanha e o oceano, entre a terra e o mar.
Na realidade, neste Julho, o Pico tem usufruído de um Sol bonançoso e benfazejo, que se atira em catadupa, abrupto e à esmo, parece mesmo que inconsciente ou quase louco, pela montanha abaixo, iluminando os seus recantos mais recônditos, aquecendo as encostas menos soalheiras, acariciando os andurriais circundantes, cavalgando sobre o dorso negro da ilha. Depois, numa louca correria, avança até cá a baixo, na direcção de campos e pastagens, de hortas e quintais, borrifando-os de verde, transformando-os em vida, conferindo-lhes uma frescura mágica, um dinamismo sobrenatural, um capacidade produtiva senão única, pelo menos rara e pouco vulgar. Nas encostas do Pico, com este Sol tonificante e com a chuva, sempre atrevida, sempre atiradiça e sempre à espreita duma oportunidade, por mais pequena que seja, para substituir o Astro-Rei, tudo vegeta, tudo floreste, tudo renasce e tudo se torna vida. Até as ervas daninhas. No ar paira um perfume a vinhas empoladas e figueiras debutantes, das encostas chovem sabores de incensos e de faias, nas hortas e pomares vertem-se sumos adocicados e até nos maroiços reina o sabor apetitoso, do funcho, da hortelã, da salsa e do rosmaninho. Os campos a abarrotar de milhos ainda imaturos, à espera do primeiro desbasto, mas muito verdes e viçosos, embora sem a liberdade das ervas que proliferam nas pastagens do mato, porque limitados e condicionados pela vontade dos agricultores, pelas limitações dos terrenos ou pela falta da água. Mas até nos matos a vida nasce, cresce, se firma e estabelece. Aa vacas rodeiam-se das suas crias. Há vitelos rechonchudos e vivaços. As cabras nos currais regalam-se com faias, com os incensos e com os excedentes dos milhos. Os pássaros povoam os ares em alegres danças e enigmáticos cantares e até mar, bem plantado ao redor da ilha, como que se torna mais calmo, mais azul, mais tranquilo. Lá ao longe uma embarcação, um veleiro, um navio de que se adivinha o destino.
Tudo é vida, tudo é graça, tudo é luz, neste Pico de um Julho que parece curto! O tempo é de Sol, de visibilidade, de calma, tranquilidade e de bonança. Os dias são de luz, de brilho, de paz, de trabalho e de alegria. Transformam-se em vida, são a própria vida. A vida dos que aqui vivem, trabalham, labutam e erguem uma enorme montanha coberta com um manto de sonhos retalhados, de esperanças desfiadas, de tranquilidade e de quietude perenes.
Mas o Pico, com este tempo admirável, também é simplesmente invejável, para os que o demandam nesta época. Na realidade quem visita os Açores, nomeadamente a ilha do Pico, para além de desfruir de um tempo maravilhoso, pode ufanar-se de ter o privilégio de apreciar paisagens de uma beleza rara, de uma expressividade inconcebível e duma graciosidade invejável. Assim como o Pico, as restantes ilhas açorianas, são na realidade espaços raros, desconhecidos, privilegiados, como que encerrados numa espécie de redoma de cristal, que urge quebrar.
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A CHUVA E OUTROS ENIGMAS
A chuva, aqui no Pico, embora muitas vezes incomodativa, insensata e até indesejada, é um dom sagrado, uma dádiva celeste. Sem água não há vida na Terra, sem água as colheitas não crescem, não se desenvolvem, não produzem. Aqui, no Pico a única água que alimenta os campos e que dá vida às plantas, que faz nascer as sementeiras, que fortifica as árvores de fruto é da chuva. Por tudo isso a chuva é um enigma abençoado. Quando chove, os agricultores ficam mais descansados e satisfeitos e os criadores de gado regozijam-se, porquanto a chuva, para além de fortificar a erva das pastagens, enche os poços de água, a fim de que os animais possam saciar a sua sede. Mesmo que sejam uns ligeiros chuviscos, são sempre abençoados. Aliás as aguaceiras torrenciais, exageradas, geralmente são prejudiciais. O Pico é, por natureza uma ilha muito seca. No seu subsolo existe pouca água. As nascentes e as fontes não são abundantes. Por isso a chuva é quase sempre desejada. Desejada sobretudo quando numa manhã soalheira se arrancam as mondas, se alisa a terra, se fortalecem as plantas e as árvores de fruto. Dormir a sesta e acordar ao som ritmado das gotas a baterem no telhado, ou a espalharem-se no chão é sentir uma enorme dulcificação. Depois vem a noite, mais escura, mais densa, mais brumosa, a preparar-se para que o céu de madrugada se abra e volte a derramar sobre a terra o dom sagrado da chuva. Muita chuva! A necessária para que tudo nasça, cresça e se desenvolva. É verdade que umas vezes castiga, outras amordaça e algumas incomoda. Por isso é que nos atira para outras paragens, com outros destinos. A vizinha vila da Madalena é um deles. Ao regressar um sol abrasador a tornar ainda mais frutífero o dom sagrado das chuvas que o precederam, esta madrugada. De manhã anuncia-se chicharro fresco. De tarde aquieta-se o espírito. O Pico é assim. Um amontoado de emoções espontâneas, imprevisíveis. Um mundo de contrastes e enigmas. Sobretudo de enigmas, por vezes contraditórios. De manhã chuva de inverno, à tarde sol de verão. Ontem vento norte, hoje vento sul. Montanha descoberta e logo a seguir um nevoeiro cerrado até ao casario. Ontem o mar manso, hoje revolto. Sol de rachar em São Caetano. Aragem fresca e brumosa na Madalena. No meio desta panóplia de enigmas impõe-se o regresso à vila. Ao porto chega o ferry vindo do Faial. O cais de embarque a abarrotar de pessoas, de carros, de movimentos, de luz e de cores. O cais, ponto de partida e de chegada. No cais velho fervilham pequenas embarcações à espera dos que sonham, talvez amanhã, com a aventura de observar baleias ou golfinhos. No novo, para a partida carregam-se malas, trocam-se abraços, evadem-se emoções. Mas já não há homens de albarcas, chapéus de palha e calças de cotim a soltar as amarras perdidas e desgastadas pelo tempo, nem mulheres de avental de chita e lenço de merino, com cestas de fruta à cabeça. Na chegada arrastam-se sobre o pedregulho dezenas de barcos que durante a madrugada e a manhã se embalaram, ao sabor das ondas, na pesca do chicharro, das cavalas, das abróteas, das garoupas e dos bocas-negras, ou as traineiras que perseguem pesqueiros mais distantes na busca de bonitos e albacoras.
Lá ao fundo o Faial a espreguiçar-se sob uns tímidos raios de Sol a descaírem para os lados das Flores. Atrás a enorme e altíssima montanha do Pico, ravinada de lava, aspergida com salpicos de nuvens e envolvida por um clarão de imponência e singularidade. No meio, a separar as duas ilhas, o mar, azul, coroado com ondas de sonho e respingos de fascinação.
Como é tão igual e tão diferente este Pico de hoje e o Pico de ontem. Este Pico de enigmas e mistérios.
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MAR
Quando se vive numa ilha ou, sobretudo, quando nela estagiamos apenas alguns dias, temos a agradável sensação de ter uma companhia permanente e protetora: o mar. Aqui, acolá, além, ele está sempre a nosso lado. Ainda noite escura abre-se uma porta, espreita-se por uma nesga da janela e lá está ele. Em qualquer vereda, caminho ou estrada em que se transite ele acompanha-nos. Espraiamo-nos sobre um miradouro, sentamo-nos no banco de um jardim ou debruçamo-nos sobre o peitoril duma janela e ele lá esta, à nossa espera. Umas vezes calmo, tranquilo, meigo e sossegado. Outras, roufenho, revoltado, malino, como se tivesse o diabo no corpo. Umas vezes faz-se acompanhar duma beleza ímpar, espelhando uma claridade, serena, silenciosa e acolhedora. Outras vezes, com o silêncio da noite, traz a Lua como companheira, a transformá-lo, nas noites mais claras, num imenso lençol brilhante e prateado, nas mais sombrias num enorme tapete azulado e fofo.
Hoje o mar esteve muito calmo e sereno. Por vezes parecia-me ouvir o seu silêncio. De manhã, apesar de ainda lusco-fusco me entrar pela vidraça, desprezei-o. Simplesmente fiz de conta que não existia, pese embora, ao acordar, olhasse para ele durante alguns momentos. Abraçado à intimidade do amanhecer, teimava que eu o sentisse, que o ouvisse, pelo que se fazia presente através de uma ou outra pequena onda que, rolando lentamente, se vinha desfazer, num leve e suave murmúrio, junto aos penedos do baixio, espalhando-se, de seguida, sobre os laredos circundantes. Uma irrequieta tranquilidade atraente que eu desprezei! Um murmúrio de silêncio enternecedor que eu não quis ouvir!
Mas eu enlevava-me com outras tarefas. O mundo é feito de bons e maus. Assim como os homens também os vegetais. Na terra semeia-se e planta-se os que nos vão alimentar. Cava-se, alisa-se a terra, semeia-se, planta-se, rega-se e aduba-se. Logo se aproveitam as mondas, as ervas daninhas a florescerem, como danadas, no meio deles, a atrofiá-los, a destruí-los – os feijoais, os tomateiros, as cebolas, os pimentos, as nabiças… É imperioso arrancá-las, destruí-las, deixando aos bons a possibilidade de se desenvolverem, crescendo com mais fulgor, com mais sucesso. Mais e melhor produtividade. O mar lá ao longe, entristecido, morno, pensativo. A natureza, porém, é mãe, protetora, auxiliadora. E durante a tradicional sesta no santuário do vinho - a adega - uma chuva miudinha, conciliadora, caritativa. Uma dádiva divina.
Foi esta chuva, benevolente e protetora, a escoar-se pelos contrafortes da montanha que, obstruindo a continuidade do trabalho agrícola, me fez regressar ao omnipresente mar que, apesar de toda a minha indiferença, continuava à minha espera. Não hesitei e caminhei como um louco na sua procura, com uma vontade enorme de o abraçar. Atirei-me a ele como São Tiago aos mouros! Agarrei-o, abracei-o, beijei-o, enleei-o, envolvi-me com ele numa doce, morna e suave banhoca.
Ali ao lado uma casa de lava negra, carcomida. À janela, uma velhinha também o olhava, com ternura, com carinho e, talvez com saudade. A janela, encravada na empena oeste do minúsculo casebre, abria-se e despejava-se sobre um pequeno e estreito atalho, feito de pedregulhos toscos, emaranhados entre cascalho, desenhado sobre uma rocha a arfar de silvados e vinhedos. A velhinha permanecia, absorta e alheada, com a mão direita sobreposta ao olhar, como que a tapar-lhe as incandescências que o espectro do astro-rei, no seu ocaso, deixara desenhadas no horizonte em traços amarelos, alaranjados, vermelhos e violetas.
Regresso aos campos mas a persistência da chuva obstrói qualquer atividade. O mar continua ao meu lado, sempre presente. Teima em não querer abandonar-me. O Sol há muito que se perdeu. Depressa chegará noite, serena, silenciosa e acolhedora. Mas a montanha cobriu-se de um nevoeiro, denso, aborrecido a afastar as cagarras dos seus cânticos e bailados. Acendem-se luzes, mas tão enfurecida é esta bruma e tão ávida de tudo dominar e obstruir, que se atirou à bruta, sobre o mar tirando-lhe o brilho, a quietude e o silêncio. Este mar que me perseguiu durante todo o dia, agora, envergonhado e tímido, vai-se perdendo aos poucos como se simplesmente fosse o restolho duma sombra entontecida.
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ADORMECER EMBALADO COM O CANTO DAS CAGARRAS
O silêncio da noite, neste Pico, se conquistado no seio duma adega é deslumbrante e encantador. Como a neve do inverno, derrama-se sobre o cume da montanha e, transformando-se em sinfonia prateada, desce pelos valados e grotões, escorrendo em fios de prata até aos povoados, como se fosse uma ribeira de magia e de sonho. A noite torna-se assim numa dádiva, num dom que urge saborear. Saborear este silêncio morno, adocicado, ternurento, oferecido pela pureza original da ilha acasalada com a quietude envolvente do mar, apenas recortado pelo fascinante e mavioso canto das cagarras. Uma serenata divina, transcendente! Os machos, menos frequentes, nas suas vozes de barítonos, num encanto mais sereno e tranquilizante. As fêmeas, mais espevitadas e atrevidas, num cantarolar ondulado, com denodada intenção de, ingloriamente, desfazerem a quietude e o repouso que desce das encostas da montanha. Uns e outros em bailados de sombras, transformando o que resta do azul do firmamento numa enorme teia. É bom e doce adormecer embalado no silêncio deste cantarolar. A noite transforma-se num enorme manto de sublimidade e de sonho. O céu enche-se de mais estrelas, a terra agiganta-se em quietude e o mar transforma-se num enorme tapete prateado. É a insustentável magia da noite deste Pico paramentado de lava e de fascinação, a pedir à Lua, agora de dia para dia mais teimosa em aparecer, que cheque depressa, que torne ainda mais encantador este silêncio misterioso, esta deslumbrante mansidão em que o mar se envolve com a ilha, embebedando-a com o sabor adocicado da brisa. Tudo o necessário e indispensável para fazer esquecer os grunhidos roufenhos das cidades de cimento, o burburinho persistente das ruas apinhadas de carros e de gente, as prisões paralisantes no elevador do quinto andar, o emaranhado aterrador dos barulhos que desfazem o silêncio.
Mas se o adormecer no silêncio desta noite é deslumbrante e enternecedor, o amanhecer do dia seguinte, entre currais de lava enegrecidos e sulfurosos, é maravilhoso e sublime. O Sol tímido ao princípio, depressa se torna vivaz e corpulento e acaba por desfazer todas as sombras. É o Pico na sua excelsa e genuína pureza. É verdade que, talvez por ser muito alta e esguia, a montanha ora se banha de Sol ou de vento, ora se envolve em neblinas e chuviscos. Mas todos os cenários lhe dão uma beleza excelsa, pura e inigualável. Mesmo coberto de bruma, salpicado com os respingos de ondas altivas o Pico mantém a sua dignidade de montanha ajuizada, que atrevidamente, em cada manhã, dia após dia, com a mesma solicitude, nos abre a janela e nos visita, trazendo consigo o perfume dos vinhedos, o sabor das frutas amadurecidas, a aridez dos currais de lava,
Depois é atirarmo-nos desalmadamente à terra. Arrancar as mondas. Limpar o chão das ervas daninhas. Dar largas às laranjeiras, pessegueiros, pereiras, damasqueiros e figueiras. O bafo deste chão lávico há-de, em breve, adorná-las de flores e de frutos. A Ribeira, orlada com raios de sol e purificada com os salpicos da chuva transformar-se-á num verdadeiro paraíso terreal. O suor hoje vertido e o cansaço alcandorado nesta manhã do segundo dia transubstanciar-se-ão, mais tarde, na doçura duma laranja, dum pêssego ou de um damasco. Ao lado há feijoais a despontar. Tomateiros, cebolas e bata-doce. Alguns dos feijões mais espigadotes, já prontos para a colheita, foram imolados numa saborosa salada. Outros enriquecerão a sopa do jantar. Refeições recheadas de sabores do Pico!
Mas o melhor que cada adega tem parece ser o remanso de se poder dormir uma sesta. Prazer endémico, cerceado após meia hora, por imperativos de uma viagem à vila da Madalena. O Governo subsidia as passagens aéreas dos residentes que viajam por conta da transportadora aérea açoriana, se o valor das mesmas exceder cento e trinta e quaro euros. O pagamento é da responsabilidade dos Correios. Obviamente que é necessário apresentar documentos, provas da viagem. Faltava-me, por incúria minha, o recibo. A alternativa que me é proposta é ir pedir uma fatura aos escritórios daquela companhia aérea, situados escassos metros. O meu pedido é aceite e obtenho o documento necessário. Volto aos correios. Para espanto meu não tenho direito a receber o reembolso por quanto, embora tendo viajado após o dia 29 de março, adquiri o bilhete em 6 de janeiro, o que me faz perder o direito ao reembolso. O mais estranho é que se apresentasse o recibo seria, provavelmente reembolsado uma vez que, pelos vistos, os recibos eletrónicos não referem a data da compra do bilhete. Boa! Juro que hei-de voltar aos correios de recibo em riste!
Para sobreviver ao desencanto destas burocracias nada melhor do que um mergulho na piscina da Madalena. E que boa que estava a água! No regresso a casa ligo o rádio do carro. A RDP Açores está a transmitir, em diferido, uma entrevista com a doutora Maria Barroso, falecidaesta manhã, gravada há oito anos. Uma excelente entrevista! Deslumbro-me com os testemunhos da senhora e das interessantíssimas mensagens que eles encerram, sobre o país, a política, o governo, a sociedade, a educação, a solidariedade e, sobretudo, sobre o período após o 25 de Abril. Embevecido com os testemunhos da senhora, confesso que senti uma enorme pena de ela não ter sido Primeira Ministra deste país ou até Presidente da República.
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CHEGAR AO PICO
Chegar ao Pico, de avião, é atirar-se abruptamente sobre pedaços de lava, rebolar-se sobre o restolho do enxofre e emaranhar-se nos resquícios dos vulcões, para de seguida, se amenizar com a frescura das brumas que emergem do oceano, adornar-se com o perfume dos vinhedos a abarrotar de cachos imaturos, aspergir-se com os salpicos da maresia das ondas desfeitas e cerceadas pelos rochedos negros do baixio. Chegar ao Pico é ter a agradável sensação de se abraçar a natureza original, ter à sua espera o sussurrar das fontes secas, o suco adormecido das ribeiras silenciosas e vazias, o vicejar dos feijoais, o desabrochar dos vinhedos, a sombra dos laranjais ainda imberbes… Para trás fica um Porto histórico, encastoado a sul da província duriense, a abarrotar de calor, de pessoas, de fumos, de cansaço e de obras no aeroporto Sá Carneiro. Ressalve-se a praia da Memória assinalada com o monumento que lhe deu nome, gratinada por uma desmesurada calmaria. Lá em baixo é tudo minúsculo e a orla nortenha, de Aveiro a Viana, como que se vai diluindo, aos poucos, até desaparecer por completo, como que envergonhada com o seu estaticismo, mistificado e inseguro. Mas este pássaro gigante que fura os ares, rasga as nuvens e penetra no firmamento a uma velocidade estonteante e vertiginosa, caminha como um louco perdido em deserto, na procura das ilhas de bruma. Sobe e atravessa o firmamento como se quisesse agarrar as estrelas mais distantes. No seu interior um silêncio gigantesco, embrulhado no rom-rom da maquinaria, apenas quebrado pela lufa-lufa da tripulação a servir a tão almejada e anunciada refeição ligeira. Bem ligeira que esta é! Uma sande de fiambre enfeitada com folhinhas de alface e restos de tomate… E tanta comida que havia ontem na Quinta da Lavandeira!
Absorto a tudo isto, este pássaro, gigante enlouquecido, continua a sua correria. Umas vezes, parece enraivecido, e tremelica como um moribundo, mas logo depois se aquieta, como que arrependido. Em breve ultrapassará Santa Maria e chegará à ilha do Arcanjo, que Natália Correia descreveu como …Eterna em chão escasso. Fulva de gado ao dia. À noite morna. Embebida no verde. E o mar colaço. Primeiro a Ponta da Madrugada e o Nordeste a prolongar aquela espécie de torrão pintado de um verde tão verde que jorra por toda a parte, atulhando os campos, cobrindo as montanhas, ornando os caminhos, salpicando a orla das estradas, abalroando as casas e as igrejas, correndo pelo leito das ribeiras e até se refletindo enigmaticamente na pureza imensa e infinita do oceano. Ali tudo é verde! Apenas o céu permanece, na sua essência, azul, muito azul, como se fosse um enorme manto protetor de toda aquela aguarela monumental e sublime. Primeiro o Nordeste coroado pela serra da Tronqueira, enigmático paraíso do priolo. A Povoação com os seus gigantescos socalcos, com as cristas povoadas de Lombas. Vila Franca, orgulhosa do seu ilhéu, a espraiar-se sobre o mar e a Lagoa tranquila, sossegada e sonolenta. Finalmente Ponta Delgada, povoada de igrejas, castelos, palácios, monumentosa, a indicar que o princípio de tudo começa mesmo ali.
Depois de ir saltando de ilha para ilha, por vezes sem lhes tocar, emerge lá no alto, para além das nuvens, o cone vulcânico do Pico, o mais emblemático do arquipélago, quiçá de Portugal. Perde-se e volta a aparecer, num mágico convite como que a querer convidar-nos, como que a envolver-nos num terno abraço. Uma conversa com o reverendo ouvidor da Ilha Montanha, anestesia os sobressaltos de subidas e descidas. Lá ao longe a Graciosa. São Jorge atravessado a meio e, por fim, o Pico na sua imponente plenitude. Ter um carro no aeroporto é uma dádiva dos deuses. Voltinha à chave, depois outra chave e ainda mais uma chave. A terceira é da adega, que espera submissa e ansiosa, hoje como ontem a assumir um papel importante e de destaque no quotidiano da população, nos seus costumes, tradições e até na sua própria economia. Embora vocacionada desde sempre como local de fabrico do vinho e, sobretudo, da sua guarda, a adega transformou-se numa espécie de granja onde, juntamente com o vinho, o bagaço e a angelica e, misturados com barricas e garrafões, se guardavam murmúrios e sonhos ou num granel onde, aos odores opacos e perplexos do mosto a fermentar, se adicionavam e misturavam ressonâncias mágicas e ecos de memórias e tradições, ou seja, num local de sonhos, de fascinações extasiantes e de enlevos arrebatadores. Uma espécie de epicentro da sublimidade, do enlevo, das ausências impostas, das negações forçadas e de carências postuladas, tudo isto motivado por uma insularidade rural, assumida, rústica e mística. Uma coisa é certa: o objetivo primordial, primitivo, único, insubstituível da adega ainda se mantém, porquanto, hoje como ontem e apesar do seu estatuto de multi usus, a adega constitui-se num verdadeiro “santuário”, onde o vinho é deus e o bagaço e a angelica as primícias originais da sua omnipotente e todo-poderosa obra criadora.
Depois há o périplo inicial, obrigatório e tradicional. As primícias evadem-se e enchem-nos de esperança, outorgam rugosidade. Na Funda, nos Cabeços, na Ribeira e no Dilúvio, tudo viceja e floresce. Louvado sejais Senhor por Vos dignardes enriquecerer-nos com frutos da terra!
Por fim, a noite cai e com ela desce sobre a montanha uma bruma sonolenta e triste. A ousadia do barro parece abalroar uma deserta quietude! Pela Páscoa quero voltar a este Pico, pintado de lava, para saborear o Pão de ló que há-de emergir do barro, como o suco vermelho despontará destes cachos ainda verdes e imberbes. Agora há que aguardar que o silêncio da noite desfaça os enigmas deste primeiro dia de férias, senão atribulado pelo menos turbulento. Amanhã nascerá um novo dia, o segundo. Calem-se todas as vozes, para apenas se ouvir o cantarolar das cagarras!
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NAU CATRINETA (II)
Outra versão popular da Nau Catrineta:
Lá vem a Nau Catrineta,
Que traz muito que contar,
Há sete anos e um dia
Que andam de volta do mar!
Não tinham já que comer,
Nem tampouco que manjar.
Já mataram o seu galo
Que tinham para cantar.
Já mataram o seu cão
Que tinham para ladrar.
Já mataram o seu gato
Que tinham para miar
Não tinham mais que comer,
Nem tampouco que manjar.
Botaram sola de molho
Para no outro dia jantar.
Mas sola era muito rija
Que não a puderam rilhar.
Botaram sortes ao vento
Quem haviam de matar,
A primeira que caiu
Foi ao capitão general.
- Arriba, gageiro, arriba,
Arriba ao mastro real!
Olha se vês parais reais
Ou reinos de Portugal?
“Eu não vejo tuas praias,
Nem reinos de Portugal,
Vejo três espadas nuas
Todas para te matar.
- Arriba, Pedro, arriba,
Meu marinheiro leal;
Olha se vês minhas terras,
Ou reinos de Portugal.
O gageiro lá em riba
Em altas vozes gritara:
“Alvíssaras, senhor, alvíssaras
Meu Capitão general!
Que eu já vejo as tuas terras
E reinos de Portugal.
Se não nos faltar o vento
A terra iremos jantar.
Lá vejo muitas ribeiras,
Lavadeiras a lavar;
Vejo muito forno aceso,
Padeiras a padejar.
E vejo muitos açougues,
Carniceiros a matar.
Também vejo três meninas
Debaixo de um laranjal.
Uma lavrando ouro,
Outra a prata real;
A mais bonitinha delas
Em procura do dedal.
- Essas três são minhas filhas,
Todas três te eu hei-de dar.
Uma para te vestir,
Outra para te calçar,
A mais bonitinha delas
Para contigo casar.
“Não quero as tuas filhas,
Que Deus tas deixe gozar;
Que eu tenho mulher em França,
Filhinhos de sustentar:
Quero a Nau Catrineta
Para nela navegar.
- A Nau Catrineta, amigo,
Eu te não posso dar.
Assim que chegar a terra
Pois ela vai a queimar.
Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o não saibas contar.
“Não quero os teus dinheiros
Pois te custam a ganhar;
Quero a Nau Catrineta
Para nela navegar,
Que assim como escapou desta
Doutra ainda há-de escapar
Romanceiro anotados por Teófilo Braga.
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A IGREJA MATRIZ DE PENAFIEL
A Igreja Matriz de Penafiel situada bem no centro da cidade foi construída no século XVI, no local onde se encontrava uma antiga ermida edificada em honra do Divino Espirito Santo. Trata-se de um edifício renascentista de três naves e quatro tramos, ou seja, quatro unidades rítmicas, formadas por uma abóbada e elementos de descarga de força, definidos transversalmente por dois arcos torais e longitudinalmente, também por dois arcos mas formeiros e que separam a nave principal das laterais, e ainda por arcos cruzeiros, que formam as arestas ou nervuras da abóbada. As naves, por sua vez, estão separadas por duas arcadas de arcos de volta perfeita apoiados em colunas jónicas, e cobertas por abóbada de berço. A igreja foi mandada construir, ao gosto manuelino, por João Correia, rico mercador da cidade de Penafiel, para aí albergar o seu túmulo, constituído por uma lâmina de bronze de tipo flamengo onde aquele mandou gravar sua imagem. O túmulo está na capela do Senhor dos Passos, que corresponde à antiga capela-mor da ermida do Espírito Santo, coberta por abóbada estrelada. A capela-mor, cujo espaço foi ampliado em 1694, alberga um grande retábulo rocaille dourado.
O templo, no exterior, apresenta u modelo de fachada-retábulo de linhas austeras e despojadas e preserva ainda o remate ameado com merlões chanfrados e uma janela decorada com pérolas, abre-se para a nave lateral do lado do Evangelho através de um arco quebrado com três arquivoltas de toro e escócia, sendo rematada por uma abóbada tardo-gótica de nervuras ou arestas. O portal é enquadrado, a cada lado, por pares de colunas jónicas e encimado por entablamento decorado com motivos geométricos. Sobre este, o habitual nicho foi substituído por uma pintura que representa São Martinho repartindo a sua capa, ladeada por duas cartelas inscritas com as datas que possivelmente se reportam ao início das obras do templo e à sua sagração. De cada um dos lados do conjunto retabular do portal foram rasgadas duas janelas. O conjunto da fachada é rematado em empena, e do lado esquerdo, embebida pela estrutura do corpo da igreja, foi edificada a torre sineira. Inserida no cunhal existe uma gárgula, que, possivelmente, formaria um par, sendo que a outra gárgula se encontrava no cunhal oposto. Esta gárgula, de construção muito tosca, apresenta forma de cabeça humana e caracteriza-se por um grande arcaísmo formal e plástico que nos indica que a sua realização e construção terá partido de um artista local, pouco experiente em tais construções. Foi executada em granito, o que faz com que apresente semelhanças com cachorros ou modilhões românicos. As gárgulas, na arquitetura, são desaguadouros, ou seja, são a parte saliente das calhas de telhados que se destinam a escoar águas pluviais a certa distância da parede e que, especialmente na Idade Média, eram ornadas com figuras monstruosas, humanas ou animalescas, comumente presentes na arquitetura gótica. A palavra em origem no francês gargouille que significa gargalo ou garganta. Acredita-se que as gárgulas eram colocadas nas Catedrais Medievais para indicar que o demônio nunca dormia, exigindo a vigilância contínua dos fiéis. No templo penafidelense ainda se destaca a fachada maneirista, de parede lisa rasgada por duas amplas janelas que flanqueiam o pórtico, composto por colunas jónicas e entablamento clássico sobre o qual se desenvolve um nicho retangular, com a representação policromada de S. Martinho e do mendigo, encimado por rosácea.
Recorde-se que Penafiel, na Idade Média, se chamava de S. Martinho de Moazare e, mais tarde, Arrifana do Sousa e era um pequeno povoado que tinha sede na capela de Santa Luzia. Em meados do século XVI, ascendeu a sede da própria freguesia e a nova igreja foi construída. A parir de então passou a chamar-se Penafiel. Cuida-se que este topónimo tem origem de os fiéis de Arrifana, durante as obras de construção da sua igreja se deslocavam a Meinedo para assistir à missa. No regresso a casa vinham carregados de pedras para a construção do templo. Os habitantes de Meinedo, ao vê-los tinham pena deles Pena fidelis, ou Penafiel A pequena freguesia de Arrifana de Sousa ascendeu a vila em 1741.Trinta anos depois no reinado de D. José, dão-se novas alterações. El-Rei solicitou ao Papa Clemente XIV, a criação de uma diocese e um novo bispado em Penafiel, com sede em Arrifana de Sousa, desfazendo a área existente da diocese do Porto. Assim a diocese de Penafiel, hoje uma sé titular, foi criada em 1 de Junho de 1770 por bula do Papa Clemente XIV, desanexada da diocese do Porto. Com a elevação da vila de Arrifana de Sousa a cidade por D. José I, sob o nome de Penafiel; a criação da nova diocese duriense ficou em parte a dever-se ao desejo do Marquês de Pombal e Ministro de D. José, de afrontar o bispo do Porto, com o qual digladiava havia algum tempo, retirando-lhe assim uma fatia muito significativa da sua diocese e, mais importante que isso, os respetivos rendimentos. Foi nomeado para prover o cargo episcopal Dom Frei Inácio de São Caetano, confessor da princesa da Beira D. Maria. Esta, ao subir ao trono em 1777, conseguiu a renúncia de Frei Inácio no ano seguinte, e pedia pouco depois a abolição da diocese ao Papa, sendo esta reincorporada, novamente, no bispado do Porto. A atual igreja matriz foi destinada a catedral e a residência do bispo num edifício da rua do Paço, que assim houve jus a este nome.
Foi neste belo e histórico templo que hoje, 5 de Julho de 2015, se batizou o Gonçalo.
NB – Para a construção deste texto foram retirados alguns dados da Wikipédia.
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A ÁGUA
A água é um bem natural, um recurso indispensável à vida. Possui um enorme valor económico, ambiental e social, fundamental à sobrevivência do homem e à subsistência dos vários ecossistemas do planeta Terra. A água, pois, é fundamental para o homem porque é um recurso natural único, escasso e essencial não apenas à sua vida mas também à vida de todos os seres vivos. Uma zona do planeta abundante em água é fértil e produtiva. Por sua vez, as zonas onde falta este importante recurso natural são áridas e desertas.
Ora a Fajã Grande era um lugar muito fértil em água. Embora a sua vizinha Fajãzinha fosse considerada a freguesia açoriana com mais água no subsolo, a Fajã não lhe ficaria muito atrás. Primeiro porque debruada a oeste por uma enorme e extensa orla marítima, muito recortada e assimétrica, com imensas enseadas, baías e caneiros a penetrarem por terra dentro e a vazar-lhe salpicos de salmoura e respingos de maresia. Depois a rocha que a protegia dos ventos de leste, por onde desciam várias ribeiras e dezenas e dezenas de grotas e veios de água. Muitas das ribeiras, depois de cair em deslumbrantes cascatas, deslizavam pelo chão, até desaguar no mar, povoadas, por vezes, de belos e frescos lagos e prolongadas por estreitos e úteis regos. Os primeiros destinavam-se a lavadouros de roupa e bebedouros de animais, outros transformavam-se em força motriz que movia os moinhos. Noutros casos as ribeiras, ao atirarem-se, do alto e abrupto rochedo, caíam no chão, formando poços, sendo os mais emblemáticos e míticos o do Bacalhau e o da Alagoinha, hoje transformados em interessantes pontos turísticos. Por vezes a água das ribeiras era desviada através de regos e levada não apenas para os moinhos mas para rega de campos mais distantes. Em diversos lugares, como as Covas, a Ribeira das Casas, a Figueira, as Águas, os Paus Brancos e o Curralinho, a água que brotava do subsolo era tanta que encharcava os terrenos, transformando-os em pântanos. Eram as lagoas, onde a erva, devido à permanência constante da água a jorrar de dentro da Terra, crescia abundantemente, obrigando a que fosse ceifada e trazida para os palheiros para alimento das vacas leiteiras. Nestas lagoas e nas margens das ribeiras, também devido à abundância de água, cresciam inhames e agriões sem que fosse necessário trabalhá-los.
A freguesia possuía água canalizada desde a década de cinquenta, sendo esta captada do subsolo r armazenada num tanque ou depósito que existia no Alagoeiro. Os fontanários, chamados fontes, eram cerca de uma dúzia, espalhados pelas várias ruas e os poços do gado cinco ou seis sendo que nalguns a torneira, reduzida a um simples tubo, estava sempre aberta, como no caso do poço do Alagoeiro, o maior da freguesia. Fora do povoado existiam muitas outras nascentes de água, algumas delas também transformadas em chafarizes, como o de Santo António, no caminho que dava para a Cuada, o do centro da Cuada e o da Rocha, onde existia o mais mítico e emblemático de todos – a Fonte Vermelha.
Com tanta água não admirava pois que esta palava entrasse na Toponímia da freguesia. Eram vários os lugares com o nome “água”. Uma rua chamava-se Via d’Água e outra Fontinha, Havia os lugares de Baía d’Água, Pedra d’Água, Água Branca, Águas e muitos outros com nomes relacionados com a água, como Lagoinha, Alagounha, Fonte Velha, Fonte Nova, Fonte Simão. Lavadouros, Alagoeiro, Fontecinma, Tanque, Grota da Lagoinha, etc.
Além disso a Fajã Grande ainda tinha a água da chuva que, sobretudo no inverno, caía diariamente sobre o povoado, encharcando, alagando, molhando e, muitas vezes, impedindo o trabalho nos campos.
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NORBERTO ÁVILA
O dramaturgo Norberto Ávila Soares nasceu em Angra do Heroísmo, a 9 de Setembro de 1936. Frequentou a Universidade do Teatro das Nações, em Paris e foi o criador e da revista Teatro em Movimento; na Secretaria de Estado da Cultura, da qual também foi director. Também chefiou a divisão do Teatro e dirigiu, na Rádio Televisão Portuguesa, uma série de programas dedicados à actividade teatral portuguesa. Paralelamente, traduziu obras de consagrados escritores e dramaturgos.
Norberto Ávila é um dos mais reconhecidos, traduzidos e representados dramaturgos portugueses. Com perfeito domínio da técnica teatral, as suas obras representam o que há de melhor na nossa literatura dramática contemporânea. Nelas consegue uma plena vivacidade do diálogo, uma boa definição dos personagens, um humor inteligente e uma inegável riqueza poética. A diversidade temática percorre mitos da Grécia Antiga e da literatura mundial, mergulha nos temas bíblicos e da história de Portugal e penetra nos problemas político-sociais contemporâneos. Com formação humanista, procura nas suas obras escalpelizar relações sociais com o objectivo de provocar reacções transformadoras e construtivas. Os seus trabalhos têm sido representados por numerosas companhias portuguesas e estrangeiras. O seu texto mais conhecido, As Histórias de Hakim, foi traduzido em 16 idiomas e representado na Alemanha, Áustria, Checoslováquia, Coreia do Sul, Croácia, Eslovénia, Espanha, Holanda, Roménia, Sérvia e Suíça. Pela qualidade da sua obra foi premiado várias vezes. Para além de dramaturgo, é autor de um romance, de contos e poesia publicada em diversos jornais. Colaborou na Enciclopédia Luso-Brasileira, com diversos verbetes relacionados com o teatro, e tem vários artigos nas revistas Panorama e Teatro em Movimento. Os Açores também estão presentes na sua obra. Em O Homem Que Caminha sobre as Ondas debruça-se sobre a emigração para o Canadá; em A Paixão segundo João Mateus, versa a Paixão de Cristo de forma dramática, com linguagem popular da ilha Terceira, na perspectiva de um poeta popular, João Mateus; Antero de Quental e a Geração de 70 são abordados no seu romance No mais Profundo das Águas.
Outras obras: Teatro - A Descida aos Infernos, O Servidor da Humanidade, A Ilha do Rei Sono, As Cadeiras Celestes, D. João no Jardim das Delícias, Viagem a Damasco, Florânia ou A Perfeita Felicidade, Magalona Princesa de Nápoles, As Viagens de Henrique Lusitano, A Donzela das Cinzas, Arlequim nas Ruínas de Lisboa, Os Doze Mandamentos, O Marido Ausente e Uma Nuvem sobre a Cama. O seu principal romance intitula-se No mais Profundo das Águas.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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TÃO BADALÃO
Tão, badalão,
Cabeça de cão.
Toca no sino.
Chama o sacristão.
Tão, balalão,
Agarra o ladrão,
Menina bonita
Não tem coração.
Tão, balalão,
Senhor capitão,
Espada na cinta
Sineta na mão.
Tão, balalão,
Cabeça de cão
Cozido e assado
No meu caldeirão.
Tão, balalão,
Senhor Capitão
Orelha de porco
Pra comer com feijão.