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A SENHORA PROFESSORA

Domingo, 02.08.15

Chegou no Carvalho setembro. Vinha do Faial. Trazia, para além de uma enorme vontade de ensinar as primeiras letras à ganapada, uma juventude inebriante, uma desenvolta sagacidade e uma deslumbrante sublimidade. Uma beleza enlouquecedora, uma simpatia enternecedora! É verdade que não conhecia ninguém na freguesia mas depressa se afeiçoou a todos. Só quem nunca se cruzou com ela ou quem não tinha um mínimo de sensibilidade e bom gosto é que podia abster-se de admirá-la, de louvá-la, de bendizê-la. Por recomendação de um amigo do pai que fora guarda-fiscal na Horta, hospedou-se na Assomada, em casa da tia Anastácia que vivia com a filha Filomena. E não apenas a Assomada mas a freguesia toda se deslumbrou de tanta beleza, encanto e jovialidade. Os rapazes desejavam-na com concupiscência e as raparigas olhavam-na com inveja. Os velhos auguravam-lhe inebriante predestinação e as crianças, sobretudo as que frequentava a escola e com as quais convivia o dia inteiro, adoravam-na. Nunca se vira na freguesia tanta graça, tanto encanto, tanta formosura. Além disso era muito dada, falava com todos e sem uma fibra de vaidade. Um fascínio! Partilhava com todos estes dotes uma enorme simplicidade e uma deslumbrante humildade. Trazia consigo, apenas uma pequena mala de couro, onde guardava um ou dois lenços, um perfume suave, as chaves de casa e da escola e outras pequenas bugigangas. Era sobretudo, na escola, durante as aulas que cativava todos. Conhecia as crianças uma a uma e amava-as e tratava-as como se de filhos se tratassem. Vezes sem conta sentava os da primeira classe no seu próprio colo e quando o filho da Gertrudes deitou um pé fora do lugar foi levá-lo às cavalitas a casa, perante o encolhimento da mãe, toda envergonhada. Era como se Nosso Senhor lhe entrasse pela casa dentro. Lamentava-se apenas duma saudade medonha que, a cada momento, lhe atormentava o coração. Os pais, sozinhos, lá longe, em Castelo Branco não lhes saíam da cabeça e, para cúmulo o Carvalho, sempre com uma cartinha e uma caixinha de mimos da mãe, visitava a ilha de mês a mês. Quatro semanas e às vezes mais, vazias de notícias. Pior! Um mês sem lhes poder dar uma palavra de carinho ou ter um gesto de ternura, ou partilhar um afeto.

Embora recebesse de todos os habitantes da freguesia, que até enchiam a casa da velha Anastácia de cestinhas de batatas e cebolas, de litros de leite, de queijos frescos e quartos de bolo, por vezes ainda a fumegar, grande amizade, estima e consideração, eram as saudades dos pais que mais a atordoavam. Da própria pasmaceira da freguesia, do bafo da unissonância que a envolvia nunca se havia de aborrecer. A solidão nunca lhe fora tormento, de tal modo se embriagara no quotidiano morno e monótono da mais ocidental povoação da Europa, que a via correr para a escola de manhã e regressar apenas à noitinha, como se esta fosse e era de facto a única razão de ser da sua presença ali, debaixo daquelas rochas a abarrotar de barrocas e quedas de água. E a senhora professora adaptou-se muito bem aos hábitos e costumes da freguesia, à monotonia daquele pequeno lugarejo encastoado entre o mar e a rocha. Todos a adoravam, rodos a queriam ali para sempre.

Certo dia, porém, o destino modificou-lhe tão desusada vivência. Chegou à freguesia, de visita, um americano. Solteiro, bom rapaz, honrado, filho de pais honestos e bonito, muito bonito. Além disso dizia-se à boca pequena que nadava em dinheiro. Apaixonaram-se loucamente. Dizia, quem privou com eles que foi amor à primeira vista. E passado um mês a senhora professora deixou a escola, as crianças, a casa da tia Anastácia, a freguesia, a ilha e até os pais sozinhos em Castelo Branco e pisgou-se com o americano para a América.

 

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publicado por picodavigia2 às 00:05





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