PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O DESCANSADOURO DA CABACEIRA
Não era dos mais importantes, nem muito menos dos mais interessantes ou míticos descansadouros de quantos havia nos caminhos da Fajã Grande. Apesar de tudo era imprescindível e útil. Situava-se no antigo caminho entre St António e os Lavadouros Vale Fundo, na reta que se seguia a uma pequena ladeira com o mesmo nome e onde se situavam algumas das principais propriedades do amplo lugar da Cabaceira do Meio. Apesar de pequeno, este descansadouro proporcionava descanso a muitos homens que por ali passavam diariamente. Por um lado, destinava-se ao descanso dos que, vindo dos Lavadouros, da Alagoinha, da Lombega, do Moledo Grosso, do Lameiro, da Cancelinha e de outras paragens, carregados com molhos, cestos e sacos, que ali paravam, sentando-se nos degraus da canada da Cabaceira de Cima, fumando e conversando. Mas também muitos homens e mulheres vindos da próxima Cabaceira de Cima, ali descansavam. Através duma canada que desembocava ali, aproveitavam-no também para se refazer do cansaço dos trabalhos nas belgas de inhames que por ali proliferavam, de cortar e rachar, lenha, ceifar feitos ou cortar cana roca. Por vezes até paravam ali os animais que seguiam para as relvas dos Lavadouros, mais por conveniência do dono do que extenuados pela longa caminhada.
Mas o que mais caraterizava este descansadouro era que, contrariamente à maioria dos outros, não se situava num largo, mas sim em pleno caminho, sendo as paredes deste que serviam para colocar molhos e cestos, enquanto os assentos, para além dos degraus da Canada da Cabaceira de Cima, eram simples pedras retiradas das paredes e colocada no chão. Eram sobretudo as paredes do lado oeste, duma propriedade que pertencia a meu pai e de uma outra contígua que pertencia ao tio Francisco Inácio e que era trabalhada por um dos filhos, que serviam para colocar cestos, molhos e sacos. Outra característica importante e comum a todos os descansadouros localizados ao longo deste caminho era a de se situar num lugar muito fresco, sombrio e abrigado, pois para além das altas paredes que, regra geral, os ladeavam, neste caso a leste e a norte, perfilava-se ao seu redor um denso arvoredo. As copas das árvores como que cobriam o caminho de um lado ao outro. Este descansadouro, uma vez que não se situava num largo, estendia-se por uma grande área retangular do caminho, com o centro no cruzamento da Canada mas quase nunca se enchia de homens, por haver outros maiores ali perto. A sul e para cima o da Cancelinha, a norte e na direção do povoado o do Delgado e sobretudo o de Santo António. Para além de dar descanso aos homens que acarretavam molhos ou outras cargas trazidos dos campos que possuíam nestes lugares, este descansadouro também dava abrigo a animais sobretudo aos que puxavam corsões, pois sendo aquelas terras muito distantes das casas, regra geral recorria-se a estes meios de transporte, uma vez que assim, numa única viagem, acarretava-se o que às costas seria feito em dez, vinte ou mais vezes. Era sobretudo feitos, cana roca e lenha, incensos para o gado e inhames que se acarretava dali, em corsões ou às costas dos homens
O Descansadouro da Cabaceira tinha, geralmente, um aspeto sombrio, como que acinzentado, o que o tornava, por vezes aparentemente, deserto, misterioso e enigmático. Ali, encastoado entre o arvoredo e as altas paredes, transformava-se num espécie de auditório de silêncio e de mistério onde corriam, incessantemente, murmúrios de memórias perdidas no tempo, sonhos assustadoramente desfeitos e lamentos, inconformadamente, cerceados pelo destino.