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A PIA DA ÁGUA BENTA

Quarta-feira, 12.08.15

A Pia de Água Benta era uma espécie de pequena bacia semi circular, feita de mármore ou material similar, encastoada na parde,  existente logo após a entrada da igreja, a seguir ao amplo guarda vento. Na igreja da Fajã existiam duas, uma de cada lado do guarda vento que era servido por duas portas. No entanto, como a porta de uso corrente e habitual era a da direita de quem entrava, ou seja do lado da epístola, era praticamente e apenas esta que era usada por quem entrava no templo e pretendia purificar-se com um pouco de água lustral. Para tal metia a ponta dos dedos na pia, molhava-as na água e a seguir benzia-se. Essa a razão pela qual o sacristão ou as mulheres que aos sábados cuidadavam da limpeza e ornamentação do templo deviam manter a pia sempre com água benta, abastecendo-a com a regularidade necessária. Além disso, por vezes a água esgotava-se rapidamente, dado que algumas pessoas gostavam de lá encher um frasquinho  a fim de levá-a para casa, por vezes, com fins pouco católicos e ortodoxos. Mas a Pia  da Água Benta tinha uma outra função importante. Na parte superior e do lado da parede em que se encastoava, a pia tinha um pequeno tampão de madeira onde se colocavam, geralmente muito bem arrumadinhos, uma série de pequenos objectos: pentes, ganchos de cabelo, terços, medalhinhas, canivete com o ferro enferrujado, aneis, pulseiras, etc. Eram objectos perdidos por alguém e que as pessoas ao encontrá-los, ali os colocavam para que o verdadeiro dono, ao entrar na igreja e ao meter a mão na pia, visse o objecto que perdera e assim o recuperasse, o que diga-se em abono de verdade, nem sempre acontecia. Foi o que aconteceu com mestre Eduardo, um tio da Marquinhas de São João que, depois de muitos anos emigrado na Califórnia regressou à Fajã. Saíra das Flores ainda criança e nunca mais voltara à sua terra natal, desconhecendo por completo pessoas, usos e costumes. Alguns dias após a sua chegada, ao passar em frente à igreja paroquial, decidiu entrar, com a denodada e exclusiva intenção de ver e conhecer o templo. Ao transpor a porta do guarda-vento, reparou, para espanto seu, que por cima da pia da água benta havia uma minúscula prateleira onde estavam colocado os tais objetos. Admirado com aquela panóplia e na tentativa de descortinar a razão por que estavam ali, dirigiu-se à Tia Cristóvão, que, como habitualmente, permanecia horas a fio no templo, em oração, no intuito de descortinar o que aquilo significava. Ela, pacientemente, explicou-lhe tudo bem direitinho e Eduardo achou aquilo muito interessante. Era na realidade uma magnífica estratégia, nunca imaginada pelos americanos, para, com a colaboração de Deus, “devolver a César o que é de César”. Nem na Califórnia e possivelmente em nenhum outro estado americano se havia algum dia projetado ou posto em prática tão simples e inovadora forma de restituir a cada um o que, por direito próprio, lhe pertencia. Encantado com aquela originalidade que engrandecia a admiração que começava a ter pela simplicidade e honestidade das gentes das ilhas, vai disto e, para testar o sistema, tira do bolso interior do seu casaco uma caneta de tinta permanente, novinha em folha, colocando-a na dita prateleira, no meio dos outros objetos. Saiu do templo e foi dar um passeio até ao Porto. Ao regressar a casa, algum tempo depois, voltou a entrar na igreja, não para meter a mão na água lustral mas para reaver a sua bela caneta. Qual não foi o seu espanto ao verificar que lá ainda estavam os outros objetos, mas a sua caneta tinham desaparecido, tinha sido dali retirada por alguém que não o legítimo dono. Admiradíssimo e furibundo foi ter com a Tia Cristóvão, recriminando-a por o ter enganado. Ela emudeceu sem saber o que lhe dizer.

Consta que a Pia de Água Bemta parece ter tido a sua origem na Roma imperial onde nas entradas dos templos do paganismo e nos átrios das casas romanas, havia grandes recipientes de água, para os sacerdotes se purificarem antes dos sacrifícios ou. No caso das moradias para os hóspedes se lavarem à chegada.

Atualmente e em substituição das pias tradicionais que se consideram pouco higiénicas, uma vez que todos, indescriminadamente, metem as mãos lá dentro, um italiano inventou um Dispensador de Água Benta Personalizado, que apenas liberta uma gota de cada vez, semelhante às torneiras dos WC públicos, munidas de sensor. Assim a água benta só é libertada, quando alguém coloca a mão debaixo da respectiva saída. Desta forma, diminui-se significativamente o risco para a Higiene e Saúde em geral. Sobre estes substitutos das tradicionais pias, obviamente que não haverá lugar para colocar objetos perdidos e, assim, a Pia de Água Benta, regressa exclusivamente à sua função pura e original de purificar os que procuram a sua água.

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publicado por picodavigia2 às 00:05





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