PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A AGRICULTURA (DIÁRIO DE TI’ANTONHO)
Isto é que é uma preguiceira hoje em dia! No meu tempo não era nada disto! Não havia pedaço de terra que não fosse aproveitado. Cultivava-se de tudo um pouco. Os campos enchiam-se com culturas diversas embora, como hoje, o milho fosse o produto mais cultivado, uma vez que era a base da alimentação da gente desta freguesia, sendo ainda muito utilizado na alimentação dos animais, nomeadamente de galinhas e porcos. Era bonito ver por toda a freguesia cheia de estaleiros e mais estaleiros a abarrotar de milho. Algumas famílias, em anos de melhor e maior colheita tinham que construir um estaleiro suplente. Recorriam ao chamado estaleiro de pé de cabra. A sua construção era simples e fácil e poderia ser feito num canto qualquer da courela, junto de casa. Para a sua construção eram precisos três ou quatro paus do mesmo tamanho e algumas taliscas de madeira ou, em sua substituição canas. Os paus eram amarrados conjuntamente na extremidade mais delgada, sendo depois abertos de forma a afastar as extremidades opostas, simulando uma espécie de pirâmide, de três ou quatro faces, com os pés enterrados profundamente na terra, de forma ao estaleiro resistir a ventos e temporais. Depois eram pregadas as taliscas de madeira nas diversas faces da pirâmide, a fim de nelas se pendurarem os cambulhões. Mas a maioria das vezes recorria-se a uma construção mais simples e fácil que consistia numa espécie de grade, feita com dois, três ou quatro paus de lenha com várias tiras de madeira pregadas. Os paus eram colocados paralelos uns aos outros e equidistantes e de seguida neles se pregavam as ripas de madeira ou se amarravam as canas, com fio de espadana, formando uma espécie de grade, deixando, no entanto, numa das extremidades um espaço de cerca de um metro livre de tiras, sendo esta a parte que assentava no chão e servia de pés. Estes estaleiros eram encostados às empenas das casas e neles se iam pendurando os cambulhões. Para que os ratos não subissem pelos paus até às maçarocas, em cada um deles, logo abaixo das tiras, era enfiada um pedaço de lata velha, devidamente furada e presa de modo a não cair. Quem tinha um estaleiro cheio de milho tinha garantido o sustento no ano da própria família. E então se tivesse um suplente… Era uma riqueza!
Nas Furnas, no Areal, no Porto, no Estaleiro, no Mimóio, no Vale da Vaca, na Bandeja e em muitos outros lugares era bonito ver as pequenas belgas e os serrados muito bem trabalhados, sem mondas e verdejantes porque eram muito bem sachados, mondados e adubados e trabalhados. As terras, naquele tempo, produziam muito e de tudo. Os serrados e os currais próximos do mar eram destinados ao milho, mas neles também se cultivava, couves, feijão, batata-doce e, nos cantos milho de vassoura. Nas terras mais abrigadas e protegidas da salmoura, plantava-se alhos, cebolas e ainda se semeava a batata branca, As belgas e os serrados mais do interior, da Fontinha, Bandeja, Ribeira, Queimadas, Fonte Cima e Vale da Vaca eram quase sempre destinados ao milho e batatas, doces e brancas. Havia belgas onde se plantava batata-doce de latada, isto é, a batata-doce sem nenhuma outra cultura, nomeadamente a do milho. Eram as melhores! A sementeira do trigo já era mais rara, fora substituída pela do milho e verificava-se sobretudo no Areal, onde os terrenos eram mais pobres. Nestas terras, no meio do milho semeava-se o trevo, a erva da casta e outras forrageiras para, depois da apanha do milho, amarrar ali o gado à estaca.
Nos cimos das ladeiras, nas encostas dos montes, a separar as pastagens dos terrenos agrícolas existiram pequenas matas de faias e incensos que forneciam a lenha para a cozinha dos próprios proprietários. Muitas destas terras tinham belgas onde se cultivavam inhames e, nas mais próximas das casas batata-doce. Em muitas delas, sobretudo no Delgado, Cabaceira e Caminho da Cuada, cultivavam-se árvores de fruto. Videiras e figueiras proliferavam sobre os maroiços, nem necessitavam de ser trabalhadas, apenas deviam ser limpas de fetos e cana roca. A Rocha também era aproveitada para dela se retirar lenha, incensos para o gado e fetos e cana roca, os primeiros para cobrir o chão dos palheiros e cana roca para a cerca do porco. Até as terras do mato eram trabalhadas, ceifadas e limpas e, naqueles tempos ainda nem existiam os fios de verga, que ligam o cimo da Rocha até cá abaixo, para neles rolarem os molhos de fetos, de lenha, de queirós e de bracéu. Era tudo acarretado às costas pela Rocha. Trabalhava-se muito mas em compensação havia muito pão, leite e conduto de porco. Hoje, com esta moda do sargaço, muito deixaram de trabalhar as suas terras e muitas dos que foram para a América não têm quem as trabalhe.
É triste olhar para essas terras e vê-las abandonadas e cheias de matas. Mas se isto continua assim, daqui uns anos será muito pior. Oxalá esteja enganado.