PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
OBSTRUÇÃO
Desde um outubro morno e sonso e ela a seu lado, a frequentar as mesmas salas, a circular pelos mesmos corredores, a ter uma ou duas reuniões em conjunto, mas não se falavam. Apenas conversas informais e os cumprimentos da praxe. Muito estranhos, sempre desencontrados à espera de coisa nenhuma. Tempos livres ao relento, por ruas e livrarias. Mas chegou o novembro frio e chuvoso e meteu-se o inverno a obstaculizar passeatas, a tornar tudo mais despretensioso. Além disso, era tempo de acabar com a displicência, com devaneios curriculares e completar horários. Juntou-os a sorte! Na mesma hora, na mesma sala! E a amizade entre eles foi um ar que lhes deu. Fiados no desinteresse dos alunos, na sua generosa objeção de consciência a horas vácuas, pareciam conectados desde há muito, desde de que o mundo era mundo. Um alvoroço estonteante domou-os. Um tumulto demolidor encafuou-os. Puseram-se num aconchego íntimo, agregador e afetuoso. Sem dar ouvidos aos outros que cochichavam numa bisbilhotice intrigante e veníflua. Eles alheados, juntos no desprendimento, felizes da vida, muito aconchegados a entregarem-se em volúpias emocionais, apenas idealizadas, transformando tempos e espaços de suposto trabalho em sonhos de marasmo afetuoso, redutor de insolubilidades. Ele mais afoito e expedito, ela mais audaz e arrojada. Depressa se acacularam de miragens mirabolantes e se entrincheiraram num amor sem misturas. Era o cerco desusado duma pirâmide de desejos, o arrojo inebriante de aspirações. Lá longe Recarei jazia no marasmo da indiferença, da superficialidade.
O Natal chegou com a primeira separação, reciprocamente, dolosa. Embora certos de que o janeiro não tardaria, perante um enlevo tão profundamente gerado, esta primeira separação pareceu-lhes uma eternidade. Ele desolado no silêncio de madrugadas obscuras, ela acaçapada como se lhe tivessem dito que o fim do mundo era naquele instante. Apenas Recarei, saindo do marasmo, rejuvenescia provisoriamente.
Os horários em janeiro não renascem no início do mês. As primeiras semanas são de tréguas e o acerto vai-se impondo com denodada demora. Só lá para o fim do mês tudo parece renascer, retornando os contubérnios de novembro e dezembro. Em contrapartida o enlevo crescia, parecia mesmo chegar até ao céu. Que lhes aumentassem a carga horária. Só ali, juntos estavam bem. Já não ansiavam pelo intervalo seguinte, já não olhavam o relógio, nem a claridade gratificante do dia que, outrora, os cativava. Tal era o enlevo! Falavam de filhos, de projetos, de sonhos, do passado, de tudo! Ele ainda tentou uma saída conjunta, um almoço, um passeio... Uma investida. Ela que não. Sentia-se muito bem ali, lado a lado, naquele enlevo arredondado, naquela entrega virtual, sem suplício, sem tormento, sem mágoa ou mácula, toda embebida uma ternura desusada mas gratificante e bonançosa. Havia de o compensar de outra forma.
E foi numa manhã de um maio florido. Ela, despretenciosamente, encostou-se e agarrou-se a ele como se duma entrega amorosa se tratasse. De soslaio, ele ainda pode ver-lhe uma nesga do peito tumescente e fumegante. Depois encolheu-se. E ele, o palerma, a adorá-la, a controlar ganâncias num imbecil disfuncionamento. Ainda o cetro da impossibilidade o excluía de um atrevimento desmedido, complexado e ela num lisonjeiro panegírico do marido. Um herói!
Ele contorcendo-se com tamanha atrocidade cuidou que tudo ficava por ali. Mas depressa ela se refez. Nem assim se quebrava o transcendental remanso de uma hora semanal. Engoliram a desfeita e ficaram como dantes. Regressaram ao enlevo, ao acariciamento, ao sonho emocional, enquanto, ao longe, o Sol se ia desvanecendo por entre as montanhas e Recarei, pátria de origem, remanescia numa quietude transtornante.
Mas Recarei que se aquietasse! Que fenecesse entre os umbrais do desinteresse e do abandono! Queriam mais? Mas prendê-la num desprendimento absoluto, conduzi-la a uma serenidade abstraída, encaminhá-la pela vereda da doação não era fácil. O espetro da montanha, apesar de distante, meteu-se-lhes de permeio, perseguindo-os a ferro e fogo. E o fim do ano havia de atrofiar tudo por completo, trazer-lhes uma obstrução definitiva. O destino traçar-lhes-ia outros caminhos.
Ela partia, para sempre, numa caminhada definitiva desfazendo os sonhos de um enlevo curto, cerceado e estranho
Apesar de afastada, distante, talvez já o tendo esquecido, ela continua, ainda hoje e tal como ontem, postada na grelha de partida, viva, serena, meiga e doce como sempre. Via-a em delírios ofegantes, em sonhos de magia. Arquejante, tentava libertar-se do pesadelo. Não conseguia. Cada vez mais dorido, confuso, no emaranhado de sonhos opulentos.
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PERDER NAS URNAS, GANHAR NA SECRETARIA
(Texto de Alexandre Homem Cristo)
Vota-se para eleger deputados, mas é indesmentível que no fundamental está em causa a escolha de um primeiro-ministro. É contrariando esse princípio que, perdendo, Costa pretende ganhar na secretaria
Dois milhões e meio de estúpidos. É este o número estimado de portugueses que votarão na coligação Portugal à Frente (PàF) no próximo dia 4, e é assim que no PS os qualificam. Correia de Campos verbalizou-o – o PS vai ganhar as eleições pois “o povo não é estúpido”. E a incredulidade reinante nos bastidores socialistas perante as sondagens, conforme noticia o semanário Sol, confirma o enraizamento da tese no Largo do Rato.
São conhecidos os erros políticos do PS, assim como a sua perturbadora incapacidade para os corrigir. Mas o que está latente nestas declarações de Correia de Campos não é um erro estratégico, é algo que permanece cravado no código genético do PS: a convicção de uma superioridade moral no centro-esquerda ocupado pelos socialistas, que certifica o direito natural do PS à governação do país. É, aliás, um clássico da política portuguesa desde 1976: nas urnas, os votos valem todos o mesmo enquanto, nos jornais e nas ruas do Príncipe Real, há uns que são “melhores” e mais “inteligentes” do que outros.
É por isso que o PS pode perder as eleições, embora tal cenário, aos olhos da arrogância socialista, apenas seja plausível se o povo estupidificar. Ora, como as contingências de uma democracia são uma chatice e a estupidificação é possível, a ambição de António Costa surgiu descontraidamente noticiada no Expresso: mesmo que o PS perca, será ele a formar governo.
Só a arrogância de quem julga deter um direito natural ao poder justifica a insólita ambição de António Costa de governar mesmo que a coligação PSD/CDS vença as eleições – bloqueando a aprovação do Programa de Governo de uma maioria relativa PSD/CDS e construindo entendimentos à esquerda (de resto, absolutamente improváveis). A legalidade não constitui obstáculo, é certo. Mas a ausência de legitimidade política deve estabelecer-se como impedimento: os portugueses votam nas legislativas para eleger deputados, mas é igualmente indesmentível que o que está em causa é fundamentalmente a escolha de um primeiro-ministro. E é contrariando esse princípio que, se perder nas urnas, Costa pretende ganhar na secretaria, contornando uma eventual escolha popular que eleja Passos Coelho primeiro-ministro. O aviso fica feito: sem maioria absoluta, nenhuma coligação que exclua o PS terá condições institucionais para formar governo.
Sejamos realistas: o cenário é, para além de inédito na democracia portuguesa, extremamente improvável. Qual a probabilidade de o PCP viabilizar um governo do PS por via de uma coligação ou de um acordo parlamentar? Zero. E qual a probabilidade de o BE obter um número de deputados suficiente e, para além disso, estar disponível para um compromisso com o PS? Quase zero. Portanto, mais do que discutir o cenário com que António Costa sonhou, importa salientar que este foi recebido no PS e na imprensa com naturalidade. Ou seja, ninguém aí encontrou uma violação da vontade eleitoral dos portugueses. E ninguém aí identificou um grave problema de legitimidade política. É isso que é revelador: independentemente da vontade dos portugueses, há mesmo quem considere que vale tudo para levar o PS ao poder – e, no fundo, substituir os portugueses na sua escolha eleitoral, numa espécie de uma apropriação da “vontade popular”.
Ora, quem tiver um pouco de memória verificará que, no interior do PS, nada há de surpreendente nesta prepotência, que nasceu com Soares e se afirmou com Sócrates, sustentada no desprezo por um certo provincianismo português – marca histórica do desdém face a Cavaco Silva, Passos Coelho e até António José Seguro, todos vistos no Largo do Rato como meros saloios – e que estabeleceu a confusão entre o PS, o Estado e o poder (um putativo «l’État c’est moi») que Sócrates tão bem personificou. Aí, reconheça-se, o PS de António Costa não é diferente do de Sócrates nem do de Soares: foram os círculos de poder das elites lisboetas no PS que o lançaram para a liderança do partido, perpetuando os tiques do passado. Mas o país, sim, está muito diferente hoje do que era em 2011, em 2005 ou nos anos dourados das décadas de 80 e 90. E, portanto, não é um acaso que tanta coisa tenha falhado na actual campanha do PS.
No dia 5 de Outubro, talvez o PS perceba, finalmente, que o seu maior problema não se encontra nos cartazes, nos discursos ou em alguma estratégia de marketing político mal arquitectada. Pelo contrário, habita na sua própria raiz identitária: é a sua arrogância (moral, social e política) que impede o PS de reconhecer e corrigir os seus erros, em vez de os apontar aos portugueses ou à comunicação social. E é essa prepotência que afasta o partido dos moderados do centro e de quem procura uma solução de estabilidade política. Ora, se o PS quiser ter futuro nestes tempos turbulentos que se avizinham, terá de mudar isso, o que não será fácil. É que Seguro tentou fazê-lo e perdeu o partido. E Costa, que não o considerou necessário, arrisca-se agora a perder as eleições – nas urnas e na secretaria.
Alexandre Homem de Cristo, in Jornal Observador 28-09-15
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A VISITA PASTORAL À FAJÃ GRANDE NA DÉCADA DE CINQUENTA
Foi no início de agosto de 1954, que D. Manuel Afonso de Carvalho, ainda na sua condição de bispo coadjutor Diocese de Angra e bispo titular de Rhaedestus, realizou a sua primeira visita pastoral à Fajã Grande. Toda a freguesia aguardava, expectante e esperançada, a visita do bispo. Há dezenas de anos que um bispo não visitava a Fajã, uma vez que a última visita tinha sido realizada por Dom Guilherme Augusto da Cunha Guimarães muitos anos antes. O pároco, preocupado para que tudo corresse da melhor forma e Sua Excelência Reverendíssima fosse recebido com pompa e circunstância, como convinha a um príncipe da Igreja, mobilizou a parte mais crente do rebanho, na preparação e arranjo de tão abençoado e santificado evento.
Foi, sobretudo, nos dias que antecederam a chegada do Prelado que quase toda a freguesia se empenhou na preparação de tão desejado evento, não apenas na ornamentação das ruas, do adro e da igreja mas também no que à preparação espiritual dizia respeito, nomeadamente confessando-se. É que o prolongado interregno das visitas episcopais originara que quase metade da freguesia tivesse que se preparar para receber o crisma. Mas muitos outros paroquianos também estavam ligados à cerimónia, uma vez que tinham sido recrutados como padrinhos ou madrinhas. A todos fora imposto a necessidade prévia de lavar culpas e confessar pecados, branqueando costumes e purificando atitudes. Daí que durante a tarde da véspera da chegada do bispo a igreja abarrotasse de gente para se confessar. Uma procura penitencial como há muito se não vira e que ultrapassava, de longe, a desobriga pascal. Assim o pároco foi obrigado a convidar para o ajudar no confesso os reverendos párocos de outras freguesias e alguns professores do Seminário a passar férias na ilha. Para além dos confessionários laterais, acrescentou dois ralos suplentes, encravados na grade da capela-mor, enquanto outros padres atendiam os penitentes ao lado d altar-mor e até na sacristia.
O templo convidava à oração e à penitência. Ensombrado numa penumbra clarificante, exalava um cheiro a silêncio, a perdão e a arrependimento simulados. Dos altares, recheados de sécias, gladíolos, azáleas e velas a arder, emanava um perfume doce, atraente e sereno. Das altas janelas suspendiam-se sanefas de damasco vermelho, debruadas a amarelo e cortinas de linho rendado. Homens e mulheres, de joelhos ou sentados, cabisbaixos, entretinham-se, indistintamente, a simular arrependimento e penitência, num esforço improfícuo, de lembrar as culpas de que iriam solicitar perdão. Alguns, menos pacientes, esgueiravam-se, na tentativa de procurar confessor mais benevolente. Outros, já aliviados, bichanavam Padres-Nossos e Ave-Marias, em quantidades variáveis, conforme lhes fora imposto, pelo confessor, de acordo com a quantidade e a gravidade das faltas declaradas. O templo transformara-se, enfim, num epicentro de arrependimento e de perdão! Não havia falta, culpa ou pecado declarado pelo arrependimento dos penitentes, que escapulisse à fúria benevolente e perdoadora dos confessores. Algumas senhoras mais experientes em alfaias litúrgicas haviam preparado a sacristia, colocando sobre o mesão, para que o bispo observasse o seu estado de conservação, a casula festiva, de damasco branco, debruada e bordada a amarelo e que o bispo vestiria, ao chegar ao templo, substituindo a capa de asperges que envergaria desde a Casa do Espírito Santo. Ao lado, os outros paramentos usados ao domingo, o cálice, a píxide, a custódia, a caldeirinha com o hissope, o turíbulo e a naveta, tudo muito limpo e areado, brilhando a novo. Cuidavam as desveladas e castas senhoras que o Senhor Bispo vendo o empenho que o pároco colocava no asseio e manutenção das alfaias litúrgicas, concluísse do seu zelo espiritual, da dedicação religiosa e dos cuidados e orientação que dedicava ao rebanho que, por mandato canónico, lhe havia sido confiado.
No adro, muitos dos que já se tinham aliviado dos pecados e cumprido a penitência imposta iniciavam a ornamentação. Bandeiras multicolores suspendiam-se, cruzadas, das varandas e beirais das casas. Muitos portões eram revestidos com verdura, a fim de ocultar a sua rudez e pobreza. Uns picavam ramos e folhas, enquanto outros desfolhavam as pétalas das flores. As azáfamas eram grande e a confusão ainda maior do que dentro do templo.
No dia seguinte toda a população, acompanhada da filarmónica Senhora da Saúde, dirigiu-se para o cais, a fim de esperar o Prelado, vindo de Santa Cruz num gasolina, utilizado, habitualmente, na caça à baleia. O Sucessor dos Apóstolos foi recebido, no Cais, com palmas e foguetes. Seguiu-se um cortejo, subindo o caminho do Porto, o Matadouro e a Via de Água até à Rua Direita, onde se situava a casa do pároco, onde D. Manuel se recolheu para descansar uns minutos. A freguesia inteira era um mar de regozijo e satisfação, onde se movimentavam marés de contentamento e ondas de felicidade. O povo todo havia saído à rua ou acorrido às janelas e varandas para ver, saudar e aclamar o Pontífice, que não se poupava a distribuir bênçãos, indulgências e sorrisos.
Passado algum tempo já paramentado de capa de asperges, báculo e mitra, assumindo a verdadeira razão de ser do epíteto de Príncipe da Igreja, o bispo saiu da Casa do Espírito Santo de Cima, percorreu em majestosa procissão a rua Direita toda atapetada e engalanada À frente, os anjinhos de asas brancas e cestas de flores e as crianças da Cruzada Eucarística, cobertas com a cruz de Malta, desenhada a vermelho, em faixas brancas, atravessadas sobre o peito. A seguir os que iam crismar e os padrinhos. Depois os homens de opas brancas e vermelhas, carregando lanternas, pendões, cruzes e velas. Finalmente o clero, envergando sotaina negra e sobrepeliz branca e o pálio, sob o qual seguia o bispo, acolitado pelos ouvidores das Lajes e da Vila. A Senhora da Saúde, persistindo nos seus acordes, por vezes, abafados pelo toque dos sinos ou pelo ribombar dos foguetes, fechava o cortejo. Das janelas, varandas ou pátios, jovens donzelas atiravam pétalas de flores, que o prelado retribuía com bênçãos e sorrisos.
Chegando à igreja, o bispo pegou no hissope que o pároco lhe oferecia e levou-o à cabeça, desenhando cruzes sobre si próprio e no ar. De seguida aspergiu o povo, humildemente ajoelhado, submisso e contrito, enquanto o coro entoava o "Ecce Sacerdos".
Seguiu-se a missa, durante a qual sua Excelência Reverendíssima administrou o Crisma a dezenas de fiéis, muitos deles já adultos e pais de família.
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IDEIAS CLARAS
“Infelizes os homens que têm todas as ideias claras.”
Pasteur
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A MORTE DA VAQUINHA
Era uma vez um pai que vivia, pobremente, com a mulher e um filho. O rapaz era muito apático e passava os dias a descansar, não se interessando por coisa nenhuma. Cuidava, o mandrião, que os pais tinham obrigação de o sustentar.
Certo dia o pai convidou o rapaz para dar um passeio. Caminharam durante um dia inteiro e à noitinha chegaram a uma pequena aldeia. Como já era noite o pai decidiu que haviam de passar ali a noite porque era muito tarde para regressar a casa. Dirigiram-se a uma pequena e pobre estalagem, onde pretendiam pernoitar.
O estalajadeiro, percebendo que eram pobres, disse-lhes que podiam ali ficar, mas deitar-se-iam no chão de um corredor pois não tinha cama para eles. O homem pediu-lhe, então, que antes os deixasse dormir no estábulo, pois era melhor dormir sobre a palha, do que no chão duro e frio.
O estalajadeiro aceitou, mas antes de os dois hóspedes se recolherem ao estábulo para dormir, encetou conversa com eles. O homem perguntou-lhe se ele e a família viviam apenas dos lucros da estalagem. O estalajadeiro explicou que viviam muito pobremente, pois a estalagem era muito pobre e pequena. O que os sustentava era o pouco leite que ordenhavam de uma vaquinha que tinham. Vendendo o leite, embora com alguma dificuldade, conseguia sustentar-se a ela à mulher e aos seus filhos.
Despediram-se.
De madrugada o homem acordou o filho e disse-lhe para se levantarem e saírem, sem fazer barulho, a fim de não acordarem os donos da estalagem ou algum hóspede que ali tivesse pernoitado.
Ao saírem da estalagem, viram um enorme cerrado de terra muito fértil mas não cultivado, cheio de ervas daninhas, onde estava amarrada uma vaca. Então o homem tirou do bolso um punhal e matou a vaca. O filho ficou indignado, mas o pai ainda o repreendeu, mandando que se calasse. E voltaram para casa
Passados alguns anos, o pai perguntou ao filho se ele ainda se lembrava da estalagem onde tinham pernoitado, pois gostava de visitar os moradores. Assim fizeram. Ao chegar à aldeia e depois de procurarem o pai apontou para um grande e moderno hotel, dizendo que era ali a estalagem onde tinham pernoitado. O filho discordou, pois o edifício indicada pelo pai, não era uma humilde estalagem, mas um enormíssimo e sumptuoso hotel. Mas como o pai insistisse, bateram à porta e com surpresa mútua, apareceu o dono da tal estalagem acompanhado da sua mulher. Muito satisfeito por os ver, perante o espanto e admiração deles, disse que tinha uma coisa muito importante para lhes contar.
- Sabe, - disse, - no dia em que foram embora, alguém nos matou a vaquinha cujo leite nos sustentava e ficámos sem saber o que fazer à vida. No meio daquela aflição, reparamos que o terreno que tínhamos era muito fértil e produtivo. Limpámo-lo das ervas daninhas, lavramos, semeamos e agora temos uma tal produção que até exportamos para o estrangeiro os frutos e os vegetais que ali colhemos. Estamos imensamente gratos a quem nos matou a vaca, pois com isso a nossa vida mudou para muito melhor. Com o dinheiro que ganhámos, construímos este grande hotel. Estamos ricos!
Despediram-se. Pelo caminho, no regresso a casa, o pai disse para o filho:
- Compreendes, agora, por que matei a vaca? Estavam acomodados, incapazes de dar um passo em frente para melhorar a sua situação. A morte da vaca despertou-os, abriu-lhes o caminho para o sucesso. Temos obrigação de pensar que dentro de cada um de nós existe sempre algo que pode crescer e chegar bem longe.
Fonte de Inspiração - Net
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A LENDA DO SENHOR DE MATOSINHOS
Na Fajã Grande, outrora contavam-se muitas estórias sobre Jesus e as pessoas que o acompanharam durante a sua vida terrena. Muitas destas estórias ou lendas nada tinham a ver com as narrações dos quatro evangelistas, pregadas no púlpito da igreja ou lidas na Bíblia. Eram estórias ou lendas, muitas delas possivelmente baseadas nos evangelhos apócrifos e que não se sabe muito bem como terão chegado aos habitantes da mais ocidental povoação portuguesa. Uma delas era a lenda do Senhor de Matosinhos, segundo a qual Nicodemos, amigo de Jesus, que o defendeu no Sinédrio de que era membro e que lhe deu sepultura juntamente com José de Arimateia. Ora, segundo essa lenda, Nicodemos também era um hábil escultor, reproduzindo em madeira algumas imagens do seu amigo Jesus, as quais, não pode guardar por muito tempo, já que os pagãos apostados em desmentir o cristianismo destruíam tudo o que fosse cristão ou lembrasse Jesus e os seus discípulos. Mas como Nicodemos não queria ver destruídas as belas imagens que elaborara de Jesus que com tanta arte produzira, ao ser perseguido pelos cristãos, preferiu deitá-las ao mar. Uma das imagens lançadas ao mar era um belo cruxifixo representando Jesus pregado na cruz, no alto do Calvário. Esta imagem andou anos e anos no mar até que um dia chegou à praia de Matosinhos, perto do Porto. Em memória deste facto foi construído um padrão naquela praia e o cruxifixo, a cuja imagem faltava um braço por tanto tempo ter andado à deriva na água salgada, foi guardada e venerada pela população daquela localidade nortenha.
Ainda segundo a lenda, vários braços foram mandados esculpir, mas nenhum deles se conseguia ajustar à imagem. Muitos anos mais tarde, andando uma pobre mulher na praia apanhando lenha para abastecer a sua lareira, deparou com um pedaço de madeira maior e diferente dos outros. Chegando a casa, atirou-o para o lume, mas logo este saltou para fora da lareira. Isso repetiu-se por diversas vezes. Sempre que a mulher aquele pau saltava para fora da lareira, sem arder. Esta mulher tinha uma filha muda que, ao ver aquele facto estranho, miraculosamente falou pela primeira vez, dizendo que aquele pedaço de madeira era o braço que faltava ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos.
Correu logo a notícia e colocado o braço na imagem, constatou-se que o mesmo encaixava na perfeição… E até hoje lá ficou!
A partir daí, todos os anos, sete semanas depois da Páscoa, se realizam as festas em honra ao Senhor de Matosinhos.
Ao senhor Arnaldo, faroleiro da freguesia na década de cinquenta, foi atribuído o apelido de O Senhor de Matosinhos. Pelos vistos ele teria realizado uma viagem ao continente, durante a qual visitou a igreja do Senhor de Matosinhos. Ao regressar à Fajã não cessava de narrar esta visita e de falar sobre o Senhor de Matosinhos. Mas a lenda terá chegado à Fajã Grande muitos anos antes da visita dele a Matosinhos.
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HUMILDADE E GRATIDÃO
Fez parte do curso que demandou o Seminário de Santo Cristo em 1959/60, foi um dos antigos alunos do SEA que esteve no encontro de Angra. Convivemos onze anos no Seminário e talvez, por culpa recíproca, “desperdiçámos” algum tempo que poderíamos ter aproveitado melhor para criar, fortalecer e solidificar uma amizade sincera, digna e verdadeira. Agora, já mais amadurecidos, apenas em três ou quatro dias, aproveitamos todo o tempo para recuperar e repor essa amizade, na altura um pouco descuidada. É senhor de excelentes qualidades, de uma humildade soberana, duma simplicidade relevante, sempre disposto a dar os seus testemunhos e a ouvir os outros. Uma agradável surpresa para mim e creio que a recíproca também terá sido verdadeira para ele.
Natural da Ribeirinha, São Miguel, teve um percurso de vida notável, culminando em 1967 com a sua escolha para monitor dos Médios, fazendo parte da última equipa de monitores que o SEA conheceu. Completou o curso de teologia e, posteriormente, fez o seu percurso profissional como professor. De realçar a sua intervenção muito oportuna, no Encontro, durante a recriação do sarau músico-literário, ao declamar um poema em homenagem a Dona Ana Rocha Alves, uma senhora da sociedade angrense dos anos 50, que tinha um coração enorme e que acolhia na sua casa, como se fossem seus filhos, os que iam abandonando o Seminário, por isto ou por aquilo, enquanto aguardavam dias melhores e não tinham onde ficar. Todos os que passaram por casa dela, como o Manuel, chamam-lhe, carinhosamente, “Mãe Ana” e falam dela com um carinho e uma ternura comoventes.
Agora aguardo a sua prometida vinda aqui, ao Porto, em Outubro próximo. Havemos aproveitar para ainda mais recuperar de forma convincente e profícua todo o tempo, para repor e manter bem viva uma verdadeira e recíproca amizade.
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INIMIGAS
(CONTO DE MIGUEL TORGA)
Desde o arraial da Senhora da Fraga que a Cacilda e a Sofia se não podiam ver. Até ali, muito amigas, sempre agarradas uma à outra, como irmãs. Mas meteu-se a ciumeira entre elas, e aquela amizade foi um ar que lhe deu. Fiadas no paleio do Augusto, a prometer um tostão a uma e cinco vinténs à outra, pareciam cadelas ao mesmo osso. Não saberem que quem é homem diverte-se, e que em coisas assim o melhor é fazer das tripas coração e deixar correr! Qual o quê! Puseram-se a dar ouvidos aos vinte anos, e, não e nada, faziam lume mal se encaravam.
Na tal noite da zanga, andavam juntas no adro, felizes da vida, a comer pêras e a beber limonada, quando o rapaz se aproximou, se eram servidas de qualquer coisa. Que muito obrigadas, mas que não tinham fome nem sede.
- E uma prenda?
Que aceitavam, já que estava tão daimoso. Ora, o Augusto, na escolha dos ramos de rebuçados, teve tais artes, que só com a quadra que neles vinha encheu as duas da miragem dum amor sem misturas. Umas patetas! O certo é que, mal o rapaz tirou a Sofia para dançar, a Cacilda ficou como se lhe tivessem dito que o fim do mundo era naquele instante.
Os arraiais da Senhora da Fraga são um bota-fora a noite inteira, com duas músicas a estrondar, uma de cada lado da capela. Fogo, nem se fala. Até de Sanfins se pode ver o céu de Faiões, sem um minuto de intervalo, aberto de claridade. Coisa rica! Pipas e pipas de vinho debaixo da carvalhada, e do melhor, que parece que todos capricham nisso, tascas de fritos, mesas de cavacas e de refrescos, medas de regueifas, carros de melancias, um louvar a Deus. Fartura de tudo para quem tiver conques. De maneira que quem diz: vou ao arraial da Senhora da Fraga e vai, já se sabe que não arranca de lá antes do alvorecer. Por isso, até a Santa estremeceu no altar quando a Cacilda, a todo o pano, que se ia embora. Perguntava-lhe a ti Constança, abismada:
- Que mosca te mordeu, rapariga?! Tu estás maluca ou quê?!
Felizmente que o Augusto valeu àquilo, arredondando a fala e convidando-a também.
Toda babada por dentro, que não, que não dançava. Rogasse outra vez a Sofia. O rapaz insistiu, e o que foste fazer! Agarrou-se a ele e atirou-se à cana verde que parecia um pé de vento! De madrugada, comiam-se uma à outra.
E valia a pena! As palermas a adorá-lo, a quebrar lanças pelo grande adereço, e o ladrão de caçoada! Ainda o cheiro dos foguetes andava pela serra a cabo, já os banhos dele a correr em Favaios com uma de lá!
Cuidaram todos que, morto o bicho, morta a peçonha. Oh, oh! Nem assim deram o braço a torcer! Engoliram a desfeita e ficaram como dantes, se não pior. E mutuamente a atribuírem-se as culpas de o Augusto bater as asas!
O grande prejuízo! Que valia ele mais do que os outros? Nada. E a prova disso é que não tardou muito estavam casadas, com dois rapazes bem jeitosos, de resto, o Alberto e o Raimundo. Que queriam mais? Mas meteu-se-lhes aquela sizama no corpo, que mesmo depois de o verem arrumado e de se arrumarem também, continuavam a ferro e fogo.
Na boda de ambas ainda houve quem tentasse fazer as pazes. Bondou de bem! Danadas!
Como a Sofia se recebeu primeiro, disse-lhe a Rosa:
- Eu se fosse a ti, convidava a Cacilda... Fostes tão amigas na mocidade!...
Que a não queria ver nem pintada numa parede. E logo naquele dia, de mais a mais! Uma falsa, que se lhe atravessara no caminho como urna ladra! Não. Havia ofensas que nem à hora da morte...
E a Cacilda, quando lhe chegou também a vez, por sinal na mesma semana - o povo dizia até que elas andavam ao desafio -, mal a Pirraças lhe falou na Sofia, credo, mudou de cor e perguntou muito a sério se lhe queriam estragar a festa. A escândula que tinha da outra ia com ela para a sepultura. Com tal gente, bom dia 1 É não fazer caso e deixar correr. Dar tempo ao tempo, que cura meadas e embranquece os cabelos.
Tal e qual. Não tardou muito, nove meses contados, mais coisa menos coisa, tudo se compôs a contento de Faiões.
Certas como relógios, o Abril a cair, e cada uma com o seu menino. Mas a Sofia esteve tão mal, tão doente, custou-lhe tanto o dela, que ninguém a julgava. Febres, acidentes, albuminas, que foi preciso vir o médico, e mesmo assim esteve desenganada. Leite para o filho, viste-o. Sequinha como as palhas! O infeliz chupava um pano molhado em água açucarada, que a Rosa lhe chegava à boca, engolia uma pinga de leite de cabra, cortado, e viva o velho! Mirradinho, de todo.
A Cacilda soube do caso ainda antes de se erguer. Nas terras pequenas, as boas e as más notícias entram pelas frinchas da parede. E já com outra humanidade na alma, mãe de todos os pimpolhos do mundo e solidária com todas as mães amigas ou inimigas, mandou chamar a Rosa e pôs-lhe as fontes do peito à disposição. Com uma condição apenas: que a Sofia não soubesse. À laia de passear o menino, lho levasse lá. E ela havia de ver como o pequeno arribava, que tinha leite naqueles seios que chegava para um regimento. Até lhe doíam!
Assim foi. A Sofia, a poder de remédios e mais remédios, ia tendo mão na vida. E enquanto ela dormia, desmaiava, ou estava para ali amodorrada, a Rosa era como o vento: agarrava no garoto e corria a casa da Cacilda a fartá-lo.
Até que a Sofia arribou. Levantou-se muito fraca, muito amarela, e quis dar de mamar ao filho. Já podia. Mas, quando foi abrir a blusa e pôs à mostra as duas bexigas secas, nem o catraio as quis, nem a Rosa consentiu que lhas metesse na boca.
- Guarda lá isso, mulher, que até o podes envenenar! Eu lhe darei de comer. Olha que à fome não morre!
Humilhada, a Sofia começou a chorar. E ainda mais desespero sentiu, pouco depois, ao ver a criança espernear nos braços da Rosa, recusar a chupeta e começar num berreiro de atroar os céus. O seu rico filho estava doente. Nem comer queria!
A Rosa é que não atribuiu grande importância à birra, como lhe chamou. A criança precisava de sair um migalho, de apanhar sol... Ia passeá-la. A Sofia ficou só, cheia da sua mágoa. Nunca fora fortalhaça, como a Cacilda, mas sempre esperara poder criar um filho, se Deus lho desse. Afinal... E por via disso o menino tinha de beber à sobreposse leite de cabra, que se calhar lhe fazia mal. Valha a verdade que não estava magro... Contudo, sempre era criado como os enjeitados. Que alegria para a Cacilda! Malucava nisto, quando a Rosa entrou com o rapaz, calado e sonolento.
- Vamos experimentar outra vez?
A Rosa respondeu que sim, que ia encher a mamadeira... E nunca mais voltou. Como o menino não ch orava e se lhe ferrou a dormir no colo, a babar-se, a Sofia desconfiou. Ali andava segredo. No meio da tarde cansada, a doente foi-se deitar e pegou no sono. A criança lá estava no berço, rosada como um anjo. Apesar de adormecida, a Sofia continuava na sua grande labuta. A maternidade incompleta doía-lhe na raiz do instinto. E via no sonho o pequeno mirrar-se de fome, vítima inocente de uma mãe que o não era. Ofegante, tentava libertar-se do pesadelo. Não conseguia. Cada vez mais sumido, esquelético, o infeliz acusava-a com os seus grandes olhos negros, que cintilavam da escuridão de umas órbitas fundas como poços.
Num grito de terror, acordou. E deu pela falta do filho.
- Tia Rosa, o menino? - Perguntou, aflita. Respondeu-lhe o homem, da cozinha:
- Tenho-o aqui ao colo... Vê se dormes.
Cresceu-lhe a desconfiança. E no dia seguinte, pé ante pé, ainda a cair de fraqueza, quando a Rosa foi dar um dos tais passeios ao garoto, seguiu-a. Da esquina da rua viu-a chegar à eira e entregar o miúdo à Cacilda, que estava sentada ao sol. Aproximou-se. O pequeno parecia um bacorinho no peito da inimiga. E, quando as outras deram conta, estava ela de pé, maravilhada, a dizer:
- Olha lá se me engasgas o rapaz, ó Cacilda!
Miguel Torga Contos da Montanha
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A PONTE
Conta-se que um ilustre político de um determinado partido, candidato a um importante ato eleitoral, percorria todo o país fazendo promessas em catadupa.
Ao chegar a uma pequena e isolada aldeia do interior, como era seu timbre, nos discursos de propaganda eleitoralista, prometeu mundos e fundos àquela humilde terra: um parque de estacionamento, um centro de saúde, um parque infantil, um lar de terceira idade, uma estrada e no seu empolgamento final, até prometeu construir uma ponte.
Um dos aldeões, mais atento ao discurso do ilustre visitante, enchendo-se de coragem, interveio, contestando:
- Mas para que vai Vossa Excelência mandar construir uma ponte se afinal nós, aqui na aldeia, nem rio temos!?
O político não se atrapalhou minimamente. Sem amolecer o entusiasmo do seu discurso, anunciou de imediato:
- Não há problema, meu caro amigo, Mando também construir um rio.
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OS LABREGOS
Na Fajã Grande, na década de cinquenta, utilizava-se, com frequência a apalavra labrego ou o seu plural, labregos. Com ela se referiam geralmente os rapazes mais estouvados, atrevidos, por vezes até malcriados que gozavam os outros e lhes faziam partidas. Aquilo é que são uns labregos, ouvia-se com alguma frequência. Na verdade, na língua portuguesa, a palavra labrego, como adjetivo, entre outras coisas significa ser grosseiro ou malcriado. No entanto tomada como substantivo a palavra tem um significado um pouco diferente. As pessoas mais antigas falavam em labregos como seres ou personagens míticas, semelhantes às feiticeiras que, pelos vistos, viviam durante uma parte do ano no mar e outra no mato, bem lá no interior da ilha. Havia mesmo quem cuidasse que os labregos eram diabos que vinham do outro mundo a fim de levar pessoas com eles para o Inferno. Mais contavam os nossos avoengos de que era na noite das candeias, ou seja no dia dois de fevereiro que os labregos saltavam do mar para a terra, subindo as ribeiras e escondendo-se no mato, para voltarem ao mar seis meses depois. Nessa noite ninguém devia sair de casa ou ir para o mar, nem aproximar-se da costa ou das ribeiras, nem andar sozinho, nem sequer deixar as portas das casas abertas. Caso contrário seriam atacados pelos labregos. Pelos vistos comer alho ajudava a afugentá-los.
Sobre eles contavam-se várias estórias. Uma delas era a seguinte: certo dia, na noite de labregos, ou seja, na noite do dia dois de fevereiro, estava um grupo de homens a falar sobre os labregos que haviam de saltar para terra e subir as ribeiras naquela noite. Uns que eles existiam outros que não. Mas verdade é que todos evitavam andar sozinhos naquela fatídica noite. Um deles, muito anamudo e que se gabava de não ter medo de nada nem de coisa nenhuma, jurava a pés juntos que naquela noite ou em qualquer outra noite ia sozinho à costa, à Ribeira das Casas ou a outra ribeira qualquer. Até ia ao mato se fosse preciso. Mesmo à meia-noite. Os outros que não e ele que sim. E vai daí fazem uma aposta. Aquela hora ele subia, sozinho, a Ribeira das Casas até ao Poço do Bacalhau. Apesar de a noite estar escura como breu o homem aceitou a aposta e lá caminhou. Mal tinha passado a ponte e começado a subir a estreita vereda que dá para as relvas e lagoas circundantes ao Poço do Bacalhau, ouviu uma voz rouca e desconhecida que disse:
— Agarra, agarra que é ladrão.
Cheio de medo, todo arrepiado, o homem meteu a mão no bolso e sentiu que tinha consigo um dente de alho. Fora a mulher que, quando soube da aposta, temendo o pior lhe meteu um dente de alho no bolso. O homem pensou que era um milagre de Deus que lhe dava o alho para que o comesse e se visse livre dos labregos. Comeu o dente de alho e logo ouviu outra voz ainda mais rouca que disse
— Não o agarres, que ele comeu alho e bolo do borralho.
O homem ficou todo arrepiado. Cheio de medo, a tremer como varas verdes, voltou para trás e correu para casa, um pé não apanhava o outro. Ainda lhe parecia mentira quando se achou deitado na cama, com a porta bem ferrolhada, ao lado da mulher que não pregara olho até ele voltar.
No dia seguinte o caso espalhou-se pelo povoado e todos diziam que tinham sido os labregos o que ele tinha ouvido.
Nunca mais o homem voltou a fazer apostas, muito menos as que tivessem a ver com labregos.
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DIANAS
Num dos últimos anos do meu percurso como professor, na lista dos nomes dos alunos de uma das turmas que me foram atribuídas, no início do ano lectivo, constavam nada mais, nada menos do que sete “Dianas”. Uma enorme confusão, agravada com a coincidência de cinco serem “Diana Maria” e destas, pior coincidência ainda, serem “Diana Maria Pereira”, com agravante de todas elas teimarem em serem tratadas por nenhum outro nome ou sobrenome que não fosse o primeiro e original - Diana. Um imbróglio de difícil solução. É verdade que a uma fora atribuído o número nove, a outra o dez e à terceira o onze, precisamente e em função dos outros apelidos, mas isso resolvia muito pouco, sobretudo no estabelecimento do nosso relacionamento quotidiano ou na sua própria identificação. Tinha lá algum jeito chamar pela Diana Nove, ou pedir à Diana Dez que se calasse, ou à Diana Onze que viesse ao quadro! Claro que não.
Depois de muita discussão decidiu-se que o melhor era ficar cada qual com o seu nome. Ninguém queria ser Diana Dez, Diana Pequena, Diana de Beire ou Diana de outra coisa qualquer a não ser dos sobrenomes com que foram registadas e que haviam herdado dos seus progenitores. E assim ficaram, cada qual com o nome que era seu, não tendo nenhuma culpa de que alguma outra o tivesse partilhado ou dele se apropriado.
E o ano foi decorrendo, não sem alguma confusão, diga-se em abono de verdade.
Certo dia, já ia o ano letivo no segundo período, uma delas, furiosa, veio ter comigo, a ameaçar que pretendia trocar de nome. Já não aguentava mais aquilo. Estava farta de passar por preguiçosa, desatenta, mal-educada e de ser responsabilizada por fazer coisas que afinal eram as suas homónimas que faziam. É verdade que o seu nome era motivo de orgulho. Mas um grande problema havia surgido. Na secretaria enganaram-se e mandaram uma carta paras os seus pais quando afinal os destinatários deveriam ser os pais de outra com o mesmo nome. Raios! Eles abriram a carta e quase morreram de desgosto e vergonha. Notas negativas, mau comportamento e outras más referências. Foi a mãe que impediu que o pai lhe chegasse a roupa ao pelo. Perante tamanha indignação, bem argumentei que mudar o nome não adiantava nada nem coisíssima nenhuma e que essas trocas, por vezes, aconteciam mesmo com alunos que tinham nomes diferentes. Os pais não liam o envelope, abriam a carta e zás – deparavam-se com uma enxurrada de desagravos que não pertenciam ao seu educando. Mas ela insistia: que estava simplesmente no top escolar da indecência e da má figura, sem, obviamente, ter culpa alguma. Continuei a tentar acalmá-la. Mas nada. A raiva e contestação continuavam viçosas. Tentei demonstra-lhe que em Portugal existem mais de mil cidadãos com o nome de José Pereira da Silva… E que a confusão é iminente e inevitável. Nos tribunais, na polícia, nas finanças, nos hospitais, nos correios, nas portagens das autoestradas e até na igreja. Que um amigo meu ao ir tirar o registo criminal lhe foi passado um documento em que ele estava implicado em processos judiciais por tráfico de drogas e homicídio e que já tinha estado preso. E era tudo falso devido a uma confusão de nomes. Ela nada. Teimava em querer mudar de nome e não havia maneira de a fazer mudar de ideias. Ainda lhe expliquei que mesmo quando os nomes de duas ou mais pessoas são exatamente iguais é possível distinguir uma pessoa da outra, observando, por exemplo, o documento de identidade, uma vez que a diferença se faz na filiação, na naturalidade, na data de nascimento e, principalmente, nas impressões digitais. Que não queria saber de impressões digitais nem de nenhumas outras impressões… Queria simplesmente saber o que havia de fazer para mudar de nome.
- Trocar o nome não é tão fácil. – Expliquei. – É um processo muito complicado e interdito aos menores. Segundo a legislação em vigor: No caso de homônimo, não há previsão legal para a mudança. “Vão depender de um parecer do Ministério Público, em primeiro plano, que pode ser favorável ou não, e em segundo plano do juiz, que pode conceder ou não”. Além disso, - acrescentei. - O processo é demorado, muito demorado. Pode levar anos e anos a ser decidido.
Como ela insistisse, curioso, indaguei:
- Mas afinal que nome gostarias de ter se pudesses mudar?
- Carlos! – Respondeu sem hesitar,
Estarreci, ao mesmo tempo que senti um enorme orgulhozinho!
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A RIBEIRINHA DO PICO
A Ribeirinha do Pico assenta a sua história no espaço físico entre a rocha alta e baixa, e o interior montanhoso, numa extensão de cerca de um quilómetro, toda virada para a ilha em frente, São Jorge, e a três quilómetros da freguesia da Piedade. Compreende uma zona mais alta – a freguesia da Ribeirinha propriamente dita, e uma zona mais baixa, de veraneio – a Baixa.
Os povos que a habitaram foram buscar o sustento à terra que lavraram, mondaram, desbastaram, juntando pedras, fazendo maroiços, paredes, bardos de abrigo. Das zonas baixas até ao monte mais alto cultivaram vinhas, milho, trigo e outros cereais. Nos espaços mais reduzidos fizeram batatas, inhames, feijão e outros primores de ir à mesa. Dos animais domésticos fizeram a força motriz para a lavra e o transporte. Deles retiraram o sustento: o leite e o queijo. Da ovelha, a lã para o agasalho. Dos suínos tiraram a carne e a gordura. Fizeram enchidos e fumeiros, condutos para o inhame da meia encosta. Estenderam a matéria-prima do leite das vacas, à indústria de produtos lácteos. Construíram por isso sociedades de produção de manteiga que exportavam para o Continente. Hoje, só restam as ruínas dos espaços utilizados, e algum documento perdido nas gavetas de alguns familiares. Aproveitaram a energia do vento para os moinhos de moer. Como não eram suficientes, e nem todos podiam pagar a moenda, muitas foram as atafonas movidas pela força dos mansos bois de lavrar. Moinhos e atafonas fazem parte, hoje, das memórias. Só ruínas e destroços.
Dos mais hábeis e destemidos, nasceram as profissões. Na pedra, foram mestres. Exemplos ainda existem, espalhados pelo casario. A Igreja Paroquial e a antiga Escola e Casa do Espírito Santo, esta com data de 1895, são exemplos. Outros, infelizmente, acabaram no entulho do lixo que não serve. Estenderam a arte por terras vizinhas e pela ilha de São Jorge onde por lá chegavam a estar semanas e meses na construção de casas. Uma delas foi a Igreja de São Tomé, para os lados do Topo, destruída pela crise sísmica de 1980. Das peles dos animais fizeram o calçado – as albarcas. E do cedro, fizeram as galochas. Veio o sapateiro e agasalhou os mais abastados. Vieram outros e mais outros. Alguns assentaram profissão em terras vizinhas. Com a madeira cobriram os tetos de abrigar as casas, fizeram rodas dentadas para moinhos e atafonas, fizeram cangas e “canzis”, arados e carros de bois, cangalhas para burros e bestas.
Na Ribeirinha nasceram as primeiras iniciativas, na ilha, para modernizar a carpintaria e a arte da madeira, destacando-se também alguns notáveis mestres do ferro.
Não menos importante foi a obra das mãos femininas. Se os homens foram mestres, não menos o foram as mulheres, companheiras e geradoras de filhos. Cozeram o pão, cardaram e fiaram a lã. Fizeram sueras e meias de agasalho. Secaram e debulharam os milhos, enchendo as caixas do grão para o pão de todo o ano. E nos campos foram sempre ao lado do arado, deitando à terra a semente de matar a fome.
Os campos foram pródigos para todos. Mais para uns do que para outros. Todos tiveram a sua quota parte. Dos que emigraram, muitos fizeram fortuna. Os mais abastados mandaram os filhos estudar e alguns singraram. Foram professores, advogados, médicos, engenheiros, enfermeiros, jornalistas, padres, deputados, juízes, um monsenhor, um bispo e um notável maestro.
Os anos 50 do século passado foram determinantes para o desenvolvimento da Ribeirinha. Mais do que a estrada Lajes/Piedade, foi a abertura da estrada Piedade/São Roque que abriu por completo as portas aos anseios e preocupações, até então puras miragens, utopias e sonhos, só compensados nos caminhos da emigração e desfeitos mais tarde. Nos últimos anos foram melhoradas as antigas canadas de acesso, refundidas e adaptadas às exigências dos novos meios de transporte e até à beira rocha, o acesso, agora, é de fácil melhoramento para viaturas ligeiras. É de valor acrescentado para as propriedades circundantes.
Todavia, o maior interesse está no mirante sobre a arriba, pois ultrapassa o interesse local. O Alto dos Cedros é, na verdade, um mirante, menos grandioso do que o da Terra Alta na estrada corrente, mas não menos belo. É importante que seja procurado por visitantes, que hoje, com frequência, desembarcam e vão ao encontro de todos os recantos da ilha. O acesso pedonal, do mirante à profundidade da beira-mar, continua. Os trilhos podem de novo ser melhorados. A costa marítima, pródiga que sempre foi nas coisas que o mar produz, lá continua esperando por quem gosta de molhar os pés nas águas do baixio e provar do que ele oferece.
Se os acessos, hoje, são estruturas que melhoraram a vida dos habitantes, não menos importante foi o primeiro abastecimento de água. Com efeito, a partir de 1955 a água chegou à freguesia em cinco chafarizes e dois bebedoiros públicos. Para trás ficaram os calvários diários de ir, à fonte da rocha, buscar água para os amanhos da casa, sobretudo quando os tanques esvaziavam ou subir as encostas para ir lavar roupa para o Paul do Juncal. A água foi um salto qualitativo. Hoje, é um bem precioso que vai a todas as casas.
No campo recreativo e cultural surgiu o Salão da Casa Nova, hoje Centro Comunitário da Casa do Povo da Ribeirinha, servindo para os mais variados eventos culturais, religiosos e recreativos. Munida de espaços exíguos, no início da construção foi mais tarde melhorada, e hoje, embora permaneçam os espaços iniciais, possui as instalações próprias para os dias de maior movimento, como sejam as Coroações do Espírito Santo. Por fim, veio a luz comunitária, hoje é pública a rede elétrica. Sempre na Ribeirinha se fizeram cantares pelo Natal, pelas Matanças, pelo Carnaval, pelo Espírito Santo. Sempre se cultivou o hábito das chamarritas e dos bailes de roda, antigamente nas salas maiores das casas de habitação, hoje nos salões comunitários. Notáveis foram os Ranchos do Natal, os Bandos do Carnaval, os Foliões, sem esquecer as satíricas festas dos cornos do 25 de Abril, dia de São Marcos. São também de assinalar os eventos criados por professores, padres e outros carolas de habilidade nata, como sejam os teatros populares, comédias e dramas, e atos de variedades, nos palcos improvisados por ocasião das festas de verão, à claridade da luz incandescente de petróleo, dependurada nos cantos da boca do palco. Hoje, os salões da Ribeirinha e da Baixa são espaços que esperam pelo público e pelos artistas.
Nos tempos que correm, a freguesia da Ribeirinha goza de estatuto próprio e soube aproveitar os benefícios da Autonomia e do seu estatuto próprio. A água pública vai a todas as casas. A luz também. O asfalto cobre os caminhos principais. A qualidade de vida chegou. Importa conservar, consolidar, não estagnar.
NB – Dados retirados do blog de E.P. “Alto dos Cedros.
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A FREGUESIA DA FAJÃ GRANDE
A Fajã Grande é uma das freguesias mais povoadas do concelho das Lajes, apesar de atualmente ter menos de 200 habitantes. Localizada na costa oeste da ilha das Flores, confronta com as freguesias das Lajes, da Lomba, de Ponta Delgada e Fajãzinha e representa o lugar mais ocidental de toda a Europa. Um pouco afastado encontra-se o ilhéu de Monchique, o último sinal físico que separa o Velho do Novo Mundo, assim descrito pelo padre José António Camões, na sua obra «Roteiro exato da costa da Ilha».
Administrativamente, só na segunda metade do século XIX, a Fajã Grande obteve a sua autonomia política e religiosa. A freguesia de Nossa Senhora do Remédios das Fajãs, atualmente da Fajãzinha, a que pertencia o lugar da Fajã Grande, havia sido instituída em 1676 englobando os lugares da Ponta, Fajã Grande, Caldeira e Mosteiro. Nesse ano haviam sido desanexados os lugares da Ponta da Fajã, relativamente ao da Ponta Delgada, e do Mosteiro, relativamente às Lajes. Ora, só passados duzentos anos, a provisão do Bispo de Angra datada de 1861 institui a paróquia de São José da Fajã Grande em conjunto com as povoações da Ponta e Cuada.
Através da colorida descrição que Gaspar Frutuoso nos oferece na sua obra «Saudades da Terra», pode-se inferir que na época a Fajã Grande era centro de grandes transações comerciais, chegando mesmo as caravelas da Índia a encontrar aqui um precioso desembarcadouro. Por outro lado, o autor faz ainda uma clara referência à riqueza e variedade do pescado da região, ainda hoje preservado. Apesar de atualmente não registar tão grande azáfama a Fajã Grande continua a encantar quem a visita, pela amenidade do seu clima, pela transparência das suas águas ou pelas suas piscinas naturais, enfim, assume-se hoje como uma verdadeira estância de veraneio para todos os florentinos e muitos visitantes de outras ilhas, de outras regiões do país e até do estrangeiro.
De todos os lugares que compõem esta pitoresca freguesia, dois sobressaem pelas suas paisagens naturais: a Ponta da Fajã Grande e a Cuada.
A Ponta da Fajã é uma localidade imaginária e de sonho, num mundo marcado pela solidão e pela falta de determinados valores. Desde que serviu de fronteira entre as freguesias de Nossa Senhora do Remédios de Fajãzinha e de São Pedro da Ponta Delgada, o destino desta região ficou para sempre traçado. Atualmente, com as suas cascatas de águas e escorrer pelas escarpas abaixo, a Ponta da Fajã Grande é um idílico lugar onde vivem menos de 20 pessoas. Com tradições profundamente rurais, aqui ainda se ouve o cantar dos pássaros, o murmurar das águas e o marulhar do mar, por vezes intempestivo.
A Cuada, palavra que deriva de saracotear, ou seja, "andar de um lugar para o outro", foi uma povoação que, desde cedo, sentiu o fenómeno da desertificação. Este airoso terraço entre a Fajã Grande e a Fajãzinha, encontra-se assim associado, na mais pura tradição florentina do aldear, aos contrastes e dissabores que, com o tempo, foram surgindo na Fajã e que levaram algumas famílias a abandonarem a sua terra natal. Hoje, quase todo o povoado foi recuperado para fins turísticos o que constitui sem dúvida um exemplo de turismo rural de sucesso. Aldeia da Cuada, assim batizada, apesar de a palavra “aldeia”, segundo Pedro da Silveira, não ser usada nos Açores para designar qualquer lugar povoado, é um sítio convidativo à paz e ao bucolismo que a ilha das Flores inspira.
Porque as pessoas são parte integrante da História de cada região, a freguesia da Fajã Grande orgulha-se de ter sido o berço de algumas personalidades que, no seu tempo e à sua maneira, contribuíram para o seu engrandecimento. De entre as várias individualidades florentinas, destacam-se o padre José Luís de Fraga, pelos seus dons de orador, escritor e músico; e Pedro da Silveira, historiador e poeta, com vários trabalhos publicados.
NB - Dados retirados do Fórum ilha das Flores e da C.M. das Lajes das Flores.
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O SAMACAIO DE VITORINO NEMÉSIO
Samacaio deu à costa
Sem ser navio nem peixe:
Eu arribei a uma vida...
Queira Deus que não me deixe!
Samacaio foi à América,
Veio de lá calafona:
Trouxe uma suera de lã
Pró peito da minha dona.
Vitorino Nemésio
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A SENHORA DE BRANCO
Conta-se que há muitos anos, vivia isolada no lugar do Areal, bem junto do mar, uma mulher pobre e humilde juntamente com a sua filha. A mulher era de avançada idade e, devido à sua simplicidade e ingenuidade, e sobretudo devido à sua pobreza, muitas pessoas do povoado faziam troça dela, sendo constantemente alvo da chacota e de descrédito por toda a população do povoado. Mãe e filha viviam miseravelmente e passavam muita fome.
Certo dia enquanto a velhinha e a filha, como habitualmente, estavam sentadas à mesa, tendo á sua frente apenas uma tijela de caldo de couves e uma côdea de pão velho e rijo que lhe haviam oferecido, bateram-lhe à porta. A noite já ia adiantada e como tivessem medo, cuidando que fosse alguém que lhes quisesse fazer mal, não abriram a porta, mas perguntaram quem estava de foa, a bater. Ninguém respondeu, mas de repente a velha porta de madeira rangeu e rodando sobre as dobradiças de ferro abriu-se e apareceu uma formosa senhora vestida de branco que nem a idosa nem filha conheciam. No entanto, a velha convidou-a a entrar e a sentar-se à sua mesa. Haviam de repartir com ela a parca e pobre ceia que tinham e que por caridade lhes haviam oferecido.
A Senhora de Branco agradeceu tão grande generosidade e entrando, disse:
- Não me posso demorar. Ide, de pressa, avisar a toda a gente da Fajã, Cuada e Ponta que fujam para o mato antes de amanhecer. Um barco de piratas, poderosos e salteadores vai chegar, durante a madrugada, a este areal. Os piratas vão entrar por terra dentro, roubando, destruindo, violando as mulheres, matando os velhos e as crianças.
E dito isto, desapareceu. Apesar de ser noite escura a velha e a filha deixaram a sua ceia e correram na direção do povoado, indo de porta em porta, batendo, chamando e acordando as pessoas, dizendo a todos que fugissem de suas casas, que subissem a rocha e se escondessem no mato porque de madrugada chegaria mais um barco de piratas, salteadores, ladrões e assassínios. A população troçou delas, poucos foram os que acreditaram na profecia e muitas pessoas até as insultaram por lhes baterem à porta àquela hora da noite. Mas a velha, acompanhada da filha, pôs-se, imediatamente, a caminho do mato, subindo a rocha àquela hora da noite. Algumas pessoas, muito assustadas, também as seguiram. Durante toda a longa caminhada a subir pelas estreitas veredas daquele alcantil pétreo e abrupto, a velhinha que acreditara no que a Senhora de Branco lhe dissera pensava que as pessoas, por serem incrédulas, tinham ficado em perigo, lá em baixo, onde muitos dormiam descansadamente. Mas de madrugada o pior aconteceu. Um enorme barco ancorou por fora da Baía d´´Agua. Um numeroso grupo de piratas armados de espadas e lanças saltaram para terra e entraram pelas casas, destruindo, roubando, violando as mulheres e matando muita gente. Algumas pessoas ainda conseguiram fugir mas a maioria foi assaltada, roubada, morrendo às mãos dos malvados assassinos.
Quando à noitinha, o barco zarpou para norte, depois de ter devastado completamente o povoado, a velha e os que tinham seguido os seus rogos e que atrás dela haviam fugido para o mato, desceram a rocha e encontraram no povoado, apenas morte e destruição. Todos os que escaparam á catástrofe, quando a velhinha lhes contou como tinha sido informada do que havia de acontece acreditaram que fora Nossa Senhora que a havia avisado e que devido à Sua bondade os salvara. Mas também não se cansavam de agradecer à velhinha a coragem que tivera e, a partir de então, embora continuando a viver indigente e humilde, no seu pobre casebre, passou a ser respeitada por todos.
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HUMILDADE E SENSATEZ
Entrou para o Seminário Menor de Ponta Delgada no ano de 1059/60, pelo que frequentámos aquela instituição de ensino, conjuntamente, durante um ano. O mesmo aconteceria dois anos depois na Prefeitura de São Luís Gonzaga, no SEA, prolongando-se o nosso percurso, paralelo e simultâneo, pelos Médios e Teólogos, até 1968, ano em que decidiu suspender a sua formação no Seminário de Angra. Esta caminhada, lado a lado, anos a fio, permitiu-me descortinar que, para além de um aluno estudioso, inteligente, aplicado e, consequentemente, brilhante, era um jovem dotado de uma docilidade inexaurível, duma bondade excessiva, duma educação exemplar, duma generosidade sem limites, amigo de todos, leal, solidário com os mais desamparados e bondoso nos seus modos e atitudes. Um percurso excelente, uma vivência extraordinária, um companheirismo gratificante.
Natural das Cinco Ribeiras, ilha Terceira, onde sempre viveu, o seu percurso profissional, depois de uma rápida e curta passagem pelo ensino, centrou-se no Museu de Angra, de que foi, durante longos anos, técnico profissional de museografia, tendo também enveredado pelo jornalismo, exercendo os cargos de redactor do Jornal “Directo” e, mais tarde, chefe de redacção do “Jornal da Praia”. Paralelamente notabilizou-se como sindicalista e foi Coordenador Regional do SINTAP. Actualmente, pese embora já esteja reformado, é dirigente da Associação de Consumidores dos Açores e da Fraternidade Franciscana Secular. Tanto a nível profissional como nas restantes actividades paralelas em que se tem envolvido, revelou sempre uma entrega total, uma dedicação exemplar e um esforço gigantesco, o que aliado à sua capacidade intelectual e ao seu espírito de trabalho fez dele um profissional competente, dedicado e eficiente.
No grande encontro vinha carregado de vivências e foi-nos trazendo uma Angra e um Seminário metamorfoseados pelas vicissitudes e exigências de mais de quarenta anos. Calmo, silencioso, sensato, oportuno e discreto, falava mais com as atitudes do que com as palavras, transmitindo-nos uma docilidade, um enlevo, uma tranquilidade e uma ternura deslumbrantes que, embora não se evidenciando muito, fizeram dele um verdadeiro “Senhor” do Encontro.
Foi esta espécie de “reserva” de um discreto e sensato não protagonismo que fizeram com que no dia a seguir ao encontro, ao viajar da Terceira para o Pico, desse de caras, a bordo do “Santorini” com ele. Que ia para o Pico, que a esposa era da ilha montanha, onde tem moradia de verão e que havia de ficar no Pico durante os meses de Julho e Agosto. E surpresa das surpresas: mesmo aqui ao lado, na vizinha freguesia de São João. E o mais curioso e enigmático de tudo é que, até então, nem ele nem eu havíamos dado por isso.
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O VELHO E O NAÚFRAGO
Era uma vez um pescador pobre e humilde que vivia num casebre, junto do mar com a mulher e uma filhinha de tenra idade. Certo dia, enquanto o pescador se ocupava na sua faina diária, a mulher decidiu ir banho à filha numa pequena enseada que ficava mesmo em frente à sua casa. O mar estava muito calmo e Sol brilhava com grande intensidade. Era um dia de muito calor
De repente e sem que a mãe previsse, surgiu uma onda enorme e bravia que, embrulhando-se contra os rochedos, atirou a mãe ao chão, levando-lhe a inocente filhinha. A pobre mulher muito a custo levantou-se e atirou-se ao mar, gritando, berrando na tentativa de recuperar a filha perdida no meio das ondas revoltas. Momentos depois, a menina emergiu das ondas. A mãe desesperada agarrou-a e apertou-a nos braços, chorando, agora de alegria, por tornar a ver e abraçar a sua menina. Mas, para espanto seu, a menina estava muito diferente: o olhar era mais triste, o sorriso menos cativante, os cabelos outrora castanhos e ondulados estavam hirtos e desalinhados, o seu corpo irradiava reflexos estranhos e melancólicos e toda ela como que exultava uma enorme alienação, uma indiferença desusada. Muito triste e preocupada a mãe regressou a casa mas nunca mais levou a menina a tomar banho no mar, por mais manso e calmo que ele estivesse
Passaram-se anos. A menina cresceu e tornou-se numa bela e graciosa jovem, mas sempre aureolada com o diadema de um estranho mistério, manifestado nos seus comportamentos estranhos, nas suas atitudes inauditas. Os pais, apercebendo-se parcialmente do que se passava viviam em sobressalto, temendo que algo de estranho ou de sobrenatural acontecesse. As vizinhas, coscuvilheiras e maldosas preconizavam que um dia a moça se transformaria numa sereia, por ter recebido os poderes do encanto quando surgira do mar, estranhamente feliz.
Certo dia, um náufrago que viera dar à costa num pequeno batel deslumbrado pelo fascínio irradiante da rapariga. Apaixonou-se loucamente por ela e ela por ele. Mas o facínora não a amava de verdade, apenas seduzindo-a e abusando dela. Pouco depois zarpou, fugindo numa estranha embarcação que, durante a noite demandou a ilha. A rapariga, humilhada e cheia de vergonha, chorou amargamente, aureolando-se ainda de comportamentos mais estranhos. A sua beleza foi-se perdendo, a velhice atingiu-a e, passado algum tempo, morreu. Todos a choraram.
Passaram-se alguns anos. Um novo batel demandou a ilha trazendo um náufrago. O homem cheio de frio e de fome dirigiu-se para o povoado. Muitos dos habitantes da localidade, reconhecendo-o, correram-no à pedrada e espancaram-no com varapaus. Foi o velho pai da jovem que ele atraiçoara que o protegeu e salvou. Levou-o para sua casa, tratou-lhe das feridas, vestiu com roupas quentes e repartiu com ele a sua ceia. O gesto do ancião comoveu a todos. Nunca se vira alguém com um coração tão bom e generoso. Protegera e salvara o algoz da própria filha. Na noite seguinte, enquanto o náufrago dormia, o velho e amargurado pai vigilava à porta da sua casa, quando começou a ouvir ao longe uma voz harmoniosa entoando os versos de uma canção nostálgica. A música, aos poucos, foi-se aproximando, até chegar junto dele. Com mil cuidados, não fosse surpreender e assustar a dona de voz tão bela, espreitou por cima do portão. Para espanto seu, viu sentada, ali perto, uma mulher, extraordinariamente formosa. Acercou-se, cheio de receio e curiosidade. Pareceu-lhe a própria filha. A mulher, porém, ao pressenti-lo, desapareceu misteriosamente. Na noite seguinte, o velho voltou de novo a mesma voz, a entoar a canção triste da véspera que, da mesma forma, se foi aproximando da sua casa. Era a mesma mulher, esbelta e bela. Reconheceu a própria filha.
Mas na manhã seguinte, o corpo do velho foi encontrado inerte junto ao portão da sua casa. Tinha morrido!
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A PERFUMARIA
Ele passava todos os dias em frente à perfumaria onde ela trabalhava, simplesmente para a ver, observar e mirar. Mesmo contemplada de fora das vidraças, ela parecia bela, sublime, divinal. Tudo menos uma mulher simples e vulgar. Uma deusa. Se uma nesga que fosse da porta permanecesse aberta, observa-a, pormenorizadamente, na sua excelsa beleza, na sua singularidade invulgar, na sua imperial sublimidade. Um rosto branco de neve, cabelos loiros e soltos, um corpo elegante e desenvolto.
Um dia em que a porta estava totalmente escancarada e não havia nenhum outro cliente no estabelecimento, decidiu entrar. Mesmo que não comprasse o que quer que fosse havia de indagar o preço dum qualquer perfume com a denodada intenção de, simplesmente, meter conversa. E foi nesse momento, em que ela muito simpática e sorridente lhe perguntou se podia ajudá-lo, que tudo começou. Ela não era, afinal, aquela estátua fria, indiferente que até parecia desviar o olhar quando ele passava e aborrecer-se quando percebia que ele a espreitava cá de fora. Parecia-lhe ser senhora dum coração feito de confiança, cheio de ternura. Se pudesse ficaria ali, a tarde inteira a simular ver perfumes, ganancioso de respirar o ar que ela respirava, de a ver, de senti-la a seu lado, como se fosse sua. Ela também parecia simular, ficando a imiscuir-se na complexidade de descortinar os preços de caixas e frascos, a inteirar-se do que ele simulava pretender comprar e que, afinal, nada mais era do que ela própria. Ela percebia-o a dissertar sem nexo, adivinhava-lhe o pensar, descobria-lhe os desejos. E como era animosa, e a solidão em que o marido a deixara, há mais de um ano, lhe pedia convívio, partilha, entrega e doação, aceitou-o com gosto e enlevo. Por momentos, até sonhou que ele podia de ser seu.
De pouco lhes valeram os fracos murmúrios daquele simples e instantâneo enlevo. As palavras perderam-se e o seu eco dissipou-se, deixando apenas memórias e sonhos. Dias depois, um traste qualquer, gordo, pançudo, aproveitador e oportunista usufruiu da fraqueza emocional em que jazia e galgou-a. Ela tola, inocente, cega foi-lhe na conversa. Durou pouco tempo o apócrifo enlevo. E ele regressou à perfumaria a tentar aconselhar, orientar, impedir nova investida, sem o conseguir. Ela, todos os dias, umas vezes de manhã, outras à tarde, depois de fechar a perfumaria, ia até ao parque e corria, descarregando desgostos e frustrações. Ele descobriu-lhe o horário e passou a ir à mesma hora. Bem desejava saltar as lombas, atravessar a ponte e percorrer os trilhos a seu lado mas não conseguia. Ela veloz como uma gazela, parecia que de propósito circulava sempre ao contrário. Apesar de tudo, só por a ver, o parque tornava-se num éden, num paraíso, num recanto emocional mas contraditório, de encontro e de separação.
Mas verdade é que a partir de então se tornaram bons amigos. Ele a perder-se em devaneios quando a via, ela a desfazer-se em simpatias quando o encontrava. Por vezes até era ela que o descobria primeiro. Chamava, parava, conversava, estagnava. Por vezes até lhe falava do filho! E enchia o peito de ar, tanto que se orgulhava dele. Um rapagão!
Mas os tempos eram de crise e os negócios entraram em turbulência. A perfumaria não fugiu à regra. Fechou e, inexplicavelmente, ela desapareceu. Foram os correios que a trouxeram, uma vez, uma só vez… E ele, por displicência, quase passava ao lado.
A perfumaria esfumou-se, transformou-se num hediondo e mísero barranco de sonhos!
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A BONDADE
“A bondade é uma linguagem que o surdo consegue ouvir e o cego consegue ler."
Mark Twain
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À BEIRA MAR
Sobre uma pedra negra, escurecida,
Sentei-me, atormentado, à beira-mar.
Meditando, procuro o dealbar,
O mistério e o enigma, duma vida.
Silêncio… Inconstante e adormecida,
Lá longe, muito longe, a vislumbrar,
Esquivando-se a meu dolente olhar,
A premência duma alma entontecida.
Quimeras de ilusões se me formaram,
Esperanças momentâneas me domaram.
Encharcadas de dor! Triste lamento…
Sentado, sobre a pedra, hesitante,
Eu idealizo em golpe crocitante,
Os restos de um amor. Santo tormento!
F G, Agosto de 1966
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MANTEIGAS
O concelho de Manteigas, encravado no Coração da Serra da Estrela, totalmente integrado no Parque Natural, possui belezas paisagísticas emblemáticas, consideradas verdadeiras "ex-libris" da Região.
A vila situa-se num Vale Glaciar, serpenteado pelo Rio Zêzere, com um ambiente pastoril característico e lugares naturais de beleza rara, com destaque para os imponentes Cântaros, constituídos por um rochoso granítico na zona do Covão D'Ametade, onde no sopé brota a nascente cristalina do Rio Zêzere, o Poço do Inferno, cascata de água límpida e gélida de uma beleza rara e extraordinária e as Penhas Douradas. Mas outros locais merecem especial destaque como por exemplo o Miradouro do Fragão do Corvo, o Vale da Castanheira, o Covão da Ponte, o Vale de Sameiro, etc.
Para além das paisagens naturais, Manteigas possui também um valioso Património edificado que merece uma especial e atenta visita, como o caso da Igreja Matriz de Santa Maria, Igreja de São Pedro, Capela da Senhora dos Verdes, Igreja da Misericórdia, Igreja de Sameiro, Capela de Santa, Igreja de Vale de Amoreira, para além de outras capelas dispersas pelo Concelho, autênticos testemunhos vivos da fé e história. Destaque ainda para a Casa das Obras, Solar construído no Século XVIII.
Quem visita Manteigas poderá ainda saborear e apreciar a gastronomia tradicional, como o caso da chanfana, as trutas, os enchidos regionais, o arroz doce, o requeijão e o célebre queijo da Serra da Estrela. Por sua vez, o artesanato assenta na tecelagem tradicional, destacando-se os trabalhos em madeira. No inverno Manteigas é procurada pela neve, no verão é a beleza natural que domina as atenções dos visitantes.
O concelho de Manteigas é constituído, apenas, por 3 freguesias: Sameiro com cerca de 500 habitantes, Santa Maria com 1.752 habitantes e São Pedro com quase dois mil, estas últimas constituindo a vila de Manteigas
Ignora-se a origem do nome de Manteigas e por quem teria sido fundada esta povoação. Mas consta que o imperador Júlio César passou por aqui, no ano 50 a c., à frente dos seus exércitos. Em 1188, D. Sancho I deu o primeiro foral à Vila de Manteigas e D. Manuel I concedeu-lhe foral novo a 4 de Março de 1514. O concelho de Manteigas, extinto a 26 de Junho de 1896 e anexado ao da Guarda, veio a ser restaurado em 13 de Janeiro de 1898. Com uma área aproximada de 11.000 km2, tem como limítrofes os concelhos da Guarda, Covilhã, Seia e Gouveia.
As principais atividades económicas do concelho são os têxteis, os lacticínios, o turismo, a construção civil e o comércio.
Igreja de Santa Maria de Manteigas, a mais antiga da Vila, possuía, em meados do séc. XVIII, cinco altares; Igreja de S. Pedro de Manteigas, cuja sua construção é posterior à da Igreja de Santa Maria. Desta Igreja saía, em anos alternados, nos meados do séc. XVIII, a procissão real do Corpus Christi. Esta igreja era enriquecida pelo valor de sete capelas anexas: Santo Amaro, S. Domingos, S. Sebastião, Santo André, Santo António d’Além do Rio, Santo António da Argenteira e Senhora dos Verdes. A capela da Senhora dos Verdes é a mais recente edificação e foi mandada erigir pelos moradores de Manteigas no ano de 1756. A Igreja da Misericórdia de Manteigas, construída em meados do séc. XVII, a Casa das Obras (IPP), robusta construção de tipo solarengo, encimada por brasão a conferir título de nobreza.
A nível cultural, há a salientar a existência de duas bandas centenárias, a Banda Boa União – Música Velha e a Filarmónica Popular Manteiguense – Música Nova, que muito contribuem para o enriquecimento cultural do concelho. São igualmente importantes, a nível cultural, o Rancho Folclórico da Casa do Povo e o Rancho Folclórico "Os Malmequeres" de Sameiro, que divulgam a cultura e etnografia manteiguense, bem como o Grupo Coral e o Grupo de Teatro Amador de Manteigas que desempenham o mesmo papel.
Muito ligado a Manteigas está o Zêzere, afluente da margem direita do Tejo. O Zêzere nasce na Serra da Estrela, ao pé do Cântaro Magro, na vertente da Estrela, concelho de Manteigas, a cerca de 1.900 m de altitude. Inicia o seu curso por um pequeno troço – Alto Zêzere – orientado no sentido SO-NE, em que passa junto de Manteigas. Trata-se de uma corrente volumosa e de grande longitude que circula em pleno coração do país, onde a pluviosidade se mostra elevada devido às precipitações quer das chuvas quer das neves e lhe confere frequentes desníveis. É constituído por um leito estreito, com pequenos desfiladeiros e gargantas rasgadas por entre os granitos dos Montes Hermínios, salvo no breve trecho entre Manteigas e Valhelhas, no qual diminui a inclinação e o vale aproveita os terrenos pré-câmbricos para se alargar um pouco. Por sua vez o Rio Mondego serve de fronteira natural entre este concelho e o vizinho Gouveia.
NB – Dados retirados da net, Wilkipédia
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OS MEUS ANTEPASSADOS PATERNOS
Eu tive cinco irmãos, dos quais três são mais velhos do que eu: José Ângelo Fagundes, nascido em 19 de Março de 1939, Maria de Jesus Fagundes, nascida em 14 de Agosto de 1940, António Lourenço Fagundes, nascido em 25 de Fevereiro de 1943. Por sua vez, os dois mais novos são: Maria Vitória Fagundes, nascida a 24 de Outubro de 1949 e Francisco Joaquim Fagundes, nascido em Junho de 1952, mais tarde adotado por uma tia, passando a chamar-se Frank Almeida.
Foram meus pais João Joaquim Fagundes (1902-1966) e Angelina da Natividade Fagundes (1912/1954) que casaram na Fajã Grande em 1938
Meus avós paternos foram António Lourenço Fagundes nascido em 1849, anda batizado na igreja paroquial da Fajãzinha, uma vez que a Fajã Grande ainda não era paróquia e Maria de Jesus Fagundes nascida em 1862, sendo já batizada na nova paróquia de São José da Fajã Grande e que, consequentemente, foram os pais de João Joaquim Fagundes e que casaram na igreja da Fajã Grande em 30 de Novembro de 1882
Os meus bisavôs paternos foram: José Lourenço Fagundes e Mariana Joaquina de Jesus ou da Silveira, pais de António Lourenço Fagundes e que, pela razão acima invocada, casaram na igreja da Fajãzinha, em 25 de Outubro de 1838. Por sua vez, os meus outros bisavôs e pais da minha avó materna Maria de Jesus Fagundes, foram: António Joaquim Fagundes e Mariana Júlia de Jesus que casaram na igreja da Fajãzinha em 8 de Novembro de 1855. É curioso o facto de ambas as minhas bisavós paternas se chamarem “Mariana”. Esta minha bisavó morreu muito nova e meu bisavô casou 2ª vez na Fajãzinha, em 10 de Agosto de 1858, com Policena Joaquina da Silveira. Os registos de casamentos e batismos da Fajãzinha são bastante confusos pelo que há alguma dúvida se não seria esta a minha bisavó, isto é se a minha avó Maria de Jesus Fagundes nascera do primeiro ou do segundo casamento do meu bisavô, sendo mais provável que seja do segundo.
Foram meus trisavós e pais de José Lourenço Fagundes, meu bisavô, Manuel Joaquim Fagundes, que no seu registo de casamento aparece somente com o nome de Manuel Joaquim e Maria Isabel ou Isabel Maria, natural da Ponta e que casaram na Fajãzinha em 4 de Setembro 1809. Por sua vez, os pais de Mariana Joaquina de Jesus foram Joaquim António Rodrigues de Freitas e Ana de Freitas que casaram na Fajãzinha 22 de Outubro de 1804. Os pais de António Joaquim Fagundes foram Manuel Joaquim Fagundes e Clara de Jesus nascida na freguesia de Ponta Delgada, ilha das Fores, na última década do século XVIII e faleceu na Fajã Grande, a 2 de Dezembro de 1864, com setenta e três anos. Foram seus pais Francisco António Rodrigues e Francisca Valadão. Os pais de Manuel Joaquim Fagundes Bartolomeu Lourenço Fagundes, filho de António Silveira Azevedo e Ana de Freitas.
Os pais de Policena Joaquina da Silveira foram António José de Freitas e Ana de Jesus que casaram na Fajãzinha em 3 de Junho de 1805.
Os meus tetravós conhecidos e de que há memória foram os pais de Manuel Joaquim (Fagundes), João Cardoso e Maria de Jesus, não havendo registo deste casamento. Os pais de Maria Isabel ou Isabel Maria e que foram Manuel Caetano e Maria de Jesus, também sem registo deste casamento, os pais de Joaquim António Rodrigues de Freitas, António Rodrigues de Freitas e Ana Maria de São José, de cujo casamento também se desconhece a data. Por sua vez, também foram meus tetravós os pais de Ana Freitas, António de Freitas Fragueiro, natural das Lajes das Flores e Ana de Freitas, natural da Fajã Grande e que casaram na Fajazinha em 6 de Novembro de 1763 e ainda os já referidos pais de Manuel Joaquim Fagundes, o tenente Bartolomeu Lourenço Fagundes e Ana de Freitas que casaram na Fajãzinha em 17 de Janeiro de 1774, assim como os de Clara de Jesus. Ainda foram meus tetravós, os pais de António José de Freitas, Manuel Furtado e Catarina Freitas que casaram na Fajãzinha em 22 de Fevereiro de 1773, assim como os pais de Ana de Jesus, Francisco George e Maria de Freitas que celebraram as suas núpcias na igreja da Fajãzinha em 22 de Fevereiro de /1773
Os meus pentavós foram os pais de António de Freitas Fragueiro, ela de nome Francisca Freitas e ele incógnito. Os pais de Ana Freitas: Francisco Carneiro e Catarina de Freitas de cujo casamento não há registo deste casamento. Não há registo do cas António Coelho Henriques e Maria de Freitas. Os pais de Catarina de Freitas, Francisco de Freitas Lourenço, Maria de Freitas também foram meus tetravós mas do seu casamento não há registo. Os pais de Francisco George foram Manuel Freitas e Margarida Barcelos, mas não há registo deste casamento.
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O PICO, A MONTANHA, AS GRUTAS E MUITO MAIS
A Montanha do Pico, com os seus cerca de 2350 metros de altitude, é o ponto mais alto de Portuga. Subi-la foi sempre e ainda continua a ser um desafio fascinante e invulgar. Chegar lá bem ao alto e ver nascer o astro-rei, ao mesmo tempo que se observam, lá em baixo, as restantes ilhas do grupo central, é um espetáculo deslumbrante e inesquecível. Trata-se de um vulcão ainda com uma fraca mas bem percetível atividade, de vertentes íngremes, sobretudo do lado sul, sobre a freguesia de São Caetano, a mais próxima da montanha, dela recebendo algumas influências, sobretudo a nível climático. Atualmente as subidas manifestam-se bastante mais sofisticadas e apoiadas, pelo que consequentemente são mais seguras, tornando-se num quase vulgar ato de turismo. Especialmente nas épocas da primavera e do verão, realizam-se frequentes e contínuas subidas à montanha, sendo esta uma experiência única pela aventura e pela incrível paisagem que, ao subir, dali se disfruta. E se, por motivos de mau tempo, ou de nevoeiro intenso, como aconteceu por estes dias, a subida à montanha é fechada pelos controladores da casa de apoio, todos se agigantam em protestos e contestação. Com os meios de que os guias, atualmente, dispõem pode-se subir a montanha em segurança com qualquer tempo. Mas com sol e bom tempo, o espetáculo é, substancialmente mais belo e atrativo. Pelo Património Natural Biológico que alberga, a Montanha do Pico recebeu o estatuto de Sítio de Importância Comunitária da Rede Natura 2000.
Mas quem visita o Pico não deve ficar apenas pela subida à montanha, uma vez que a ilha usufrui disponibiliza aos visitantes muitas outras atrações turísticas com destaque para as Grutas das Torres, os museus da Baleia e do vinho, o núcleo museológico do Lajido, a paisagem protegida da vinha, as furnas de Santo António, o Parque Florestal da Prainha, etc, etc.
As Grutas das Torres, situadas na Criação Velha, logo a seguir à saída da Madalena para sul, representam o maior tubo lávico conhecido em Portugal, com 5150 metros, de elevado interesse ecológico e geológico. Com um centro de interpretação, parte da gruta pode ser explorada com o apoio de um guia especializado. Antes de entrar na gruta é proporcionada aos visitantes uma sessão informativa de grande interesse. Devido à sua importância como património natural, esta gruta foi classificada como Monumento Natural Regional.
O Museu do Vinho, instalado na Casa Conventual dos Carmelitas, construção dos séculos XVII e XVIII, na saída norte da vila da Madalena, é constituído por dois edifícios. O primeiro, de dois pisos, sendo o superior destinado a habitação e o inferior para a adega e o segundo, onde se encontra o alambique. Existe ainda uma mata de dragoeiros e um miradouro de onde é possível observar os currais de vinha. Neste museu está representado a cultura da vinha e a produção do vinho na ilha do Pico.
Por sua vez, o Museu da Indústria Baleeira de São Roque do Pico é o polo explicativo da atividade “Memória Baleeira”, sendo o principal centro de transformação industrial dos cachalotes capturados no grupo central dos Açores. Com a adaptação da antiga fábrica a museu, os objetos industriais passaram a ter a nova função de testemunho, relembrando o amplo complexo processo de transformação industrial do cachalote.
O Núcleo Museológico do Lajido de Santa Luzia é um espaço que testemunha o cultivo da vinha e a produção de vinho e aguardentes, uma das maiores fontes de riqueza a nível da economia do concelho, que traduz o êxito da exploração dos seus solos vulcânicos no final do século XV. O Núcleo museológico dispõe de um valioso espólio composto por um centro interpretativo da paisagem da vinha e do vinho, um armazém, outrora, um complemento ao alambique, para o armazenamento das frutas em fermentação, para depois serem transformadas em aguardente, e onde se expõem utensílios e alfaias agrícolas e se pode observar um alambique utilizado para a produção de aguardente de figo e de vinho e uma típica adega regional.
A Paisagem Protegida da Vinha, outro local de grande interesse, é uma extensa área de um notável padrão de muros lineares paralelos e perpendiculares à linha de costa. Os muros foram construídos pela mão do homem com pedra vulcânica para proteção dos milhares de pequenos currais da água do mar e do vento, para plantação de vinha. Este sítio está classificado pela UNESCO como Património da Humanidade.
A norte, as Furnas de Santo António também se enquadram numa área classificada como Zona de Proteção Especial. Estão situadas junto á linha de costa, constituída por uma falésia rochosa e pelos ilhéus, formações basálticas, onde nidificam colónias de aves marinhas, com destaque para o cagarro e o garajau.
O Parque Florestal da Prainha do Norte oferece grandes zonas arborizadas e uma área botânica na qual se encontram expostos diversos exemplares de vegetação endémica dos Açores Neste Parque estão implantados dois imóveis de grande valor histórico e patrimonial, nomeadamente a casa e a adega, típicas da ilha do Pico, que expõem valiosos e significativos objetos ligados á arte de viver Açoriana.
A nível religioso destacam-se o Santuário Diocesano do Bom Jesus, uma imponente construção com um corpo principal dividido em três naves, por duas séries de arcos. Capela-mor é dedicada ao Santíssimo Sacramento e São Mateus. Uma capela lateral é dedicada ao Senhor Bom Jesus e constitui o segundo maior centro de devoção e peregrinação dos Açores e ainda o Convento de São Pedro de Alcântara, testemunho do património religioso construído no Município de São Roque e que constitui um exemplo da arquitetura barroca, guardando no seu interior valiosas talhas douradas, azulejos historiados na capela - mor e um imponente arcaz em jacarandá na sacristia. Nas Lajes destaca-se um outro convento franciscano, a igreja da Senhora da Conceição e a ermida de São Pedro, o primeiro edifício religioso construído na ilha.
De visitar ainda as interessantes lagoas, situadas no interior da ilha, com destaque para a Lagoa do Capitão, a maior do Pico, que possui na sua imediação uma abundante vegetação endémica da macaronésia, muito rica em várias espécies com destaque para a erica azórica, o cedro, o loureiros e o vinhático.
As Lajes do Pico, que muito justamente recebeu o epíteto de vila Baleeira, constitui um conjunto harmonioso da memória baleeira, por nela se concentrar o maior património baleeiro dos Açores, testemunho do passado e estímulo para o futuro. De entre o vasto espólio cultural, destaque para o Museu dos Baleeiros e a antiga fábrica SIBIL. Há ainda a referenciar como locais de interesse turístico o Monumento à Baleação, os botes baleeiros, as casas de botes, as torrinhas em madeira de alguns edifícios e ainda o scrimshaw ou seja a gravação artesanal em osso ou dente de cetáceo. A observação de baleias e golfinhos e as regatas em botes baleeiros são algumas das extensões desta cultura. Os aspetos religiosos e festivos atuais incluem uma semana de atividades culturais, desportivas, religiosas e de lazer, denominada Semana dos Baleeiros em Honra da Senhora de Lourdes. O Forte de Santa Catarina, localizado à entrada da vila, constitui um magnífico exemplar de arquitetura militar do século XVIII, tendo sido recuperado e inaugurado em 2006. O Forte, com o seu miradouro é um espaço privilegiado de fruição do imenso panorama oceânico.
O Parque Matos Souto, na freguesia da Piedade é uma unidade paisagística inserida em parte dos terrenos do Parque Matos Souto, formada por jardim, viveiros, "cerrados" de cultivo e pasto e edifício de dois pisos mais sótão. O jardim apresenta grande variedade de espécies arbóreas e arbustivas e inclui a recriação de ambientes no âmbito da etnografia agrícola da Ilha do Pico.
Em São João, para além do saborosíssimo queijo que ali se fabrica, há que referenciar o Museu "O Alvião". Trata-se de um conjunto arquitetónico constituído por casa de habitação tradicional, com adega, tanque e áreas de cultivo. Tem igualmente um pequeno núcleo dedicado à cultura pastorícia e à divulgação do queijo.
De visitar ainda os moinhos de vento da Ponta Rasa e do Morricão, Ermida de Santa Isabel, assim como muitas igrejas, ermidas, capelas do Espírito Santo e muitas outras construções.
NB – Dados retirados dos sites das Câmaras Municipais da Madalena, São Roque e Lajes do Pico.
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CINCO DE SETEMBRO
(PEDRO DA SILVEIRA)
Sei que era terça-feira
E as duas da manhã.
Mas nunca li nada a respeito
De nesse cinco de Setembro
Ter acontecido no mundo
Fosse o que fosse notável.
A uva amadurecia
E os pêssegos também
Enquanto os milhos de cedo
Amarelavam:
O que vem só ao supor
Que o ano em que foi seria,
Além do pão
Farto de fruta.
Um supor, como eu dizia,
Pois realmente o que sei
É só aquilo – uma data.
Que por acaso este ano,
Como a minha mãe reparou
Também caiu em terça-feira
Fajã, 9-11-44
Pedro Silveira Fui ao Mar Buscar Laranjas
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NEM SÓ DE CAVALOS...
O cavalo abarrotava ternura e exalava meiguice. Os olhos encastoados num cinzento amarelado eram pérolas acetinadas, verdadeiros pedaços de cristal, lâminas de safira flavescente, a aspergirem uma afeição exasperada. Ela, feita de lava solta, enlevada no restolho das marés, fixava-o retribuindo quanto emanava do animal, permitindo justificar a afirmação de que o cavalo é o melhor amigo do homem, se bem que nestas circunstâncias fosse o melhor amigo da mulher, isto é, à mais nova das flores arrancadas a um deserto da esperança. Quanto ao fundamento e à razão de ser deste enlevo recíproco, soube-o mais tarde. Num sábado, inesperado, onde só existiam duas identidades. Tudo nasceu recentemente e tudo é ainda pouco claro, nem sequer existindo correntes históricas que possam afirmar já os verem, designados, persignados, entalados entre paredes sinuosas. A doçura e a simplicidade terão sido encontradas mais tarde. Quanto ao cavalo sabe-se que foi acariciado, idolatrado, mimoseado. Tanto pedi e tanto gostava de ter um cavalo! Pois os cavalos e os cães são os animais mais próximos de nós:
- Lembras-te do cão Argus de Ulisses?
- Só me lembro da luta com o gigante e dele tapar os ouvidos para não ouvir i canto das sereias.
- Quando regressou de Troia, o cão foi o único ser vivo que o reconheceu o seu dono, Ulisses, quando ele regressou da guerra de Troia. Nem a esposa Penélope o reconheceu.
Voltaram os cavalos. De facto, segundo alguns cientistas mais rigorosos não se tem um conhecimento exato da psicologia dos cavalos. Cuida-se, no entanto, que o seu comportamento terá a ver com a ternura, a bondade e as boas intenções do ser humano que o procura. Neste caso as intenções não podiam ser melhores, por isso o cavalo se rendeu perante tamanha doçura, no enlevo de tanta beleza. Óh felix equus! É na intimidade com um cavalo que existe a mais persistente docilidade que pode desejar. Sabe-se também que, desde os primeiros tempos, o cavalo se tornou num importante ícone, dada a falta de comunicação mesmo que imaginária com uma senectude inconsciente mas grabosa e com a crescente carência afetiva, nomeadamente, na trânsfuga em cunco dimensões: lenta, normal, rápida, profunda e meiga.
Esta semana vai encher-se de desejos, procuras, frustrações e desencantos. Apenas às oito e meia em ponto de cada manhã se celebrará a festa da passagem. O dia ficará mais seco e deserto. Na verdade, durante muitos anos, o desconhecimento foi um dos maiores dos erros, alguma vez cometidos. Além disso, um cavalo só se pode notabilizar, como ente desejado. Há cavalos que mesmo sem terminar a corrida têm o bafejo da sorte.
O simples desejo de um cavalo apresenta diversos pontos de interesse, começando pela própria ligação afetiva, simples e linear, com os olhos de cristal prateado, que tão bem espelham refletem a ternura desejada.
Morra o cavalo de Troia, renasça a simplicidade das misturas:
- Eu gosto das misturas que ele faz!
Nem só de cavalos se pode viver!...
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AS RIBEIRAS DE SÃO CAETANO
Ontem de tarde, choveu torrencialmente no Pico, nomeadamente em São Caetano, freguesia encastoada na encosta sul e vizinha da montanha. Se a este dilúvio acrescentarmos os aguaceiros dos dias anteriores teremos um nível de pluviosidade muito elevado e que teve, como primeira consequência, o encher das ribeiras, nomeadamente as da vertente sul da montanha que atravessam a freguesia de São Caetano, com destaque para as ribeiras da Prainha, Grande, Dilúvio e Laje, esta já na Terra do Pão. Habitualmente secas, apenas em dias de grandes chuvadas se enchem de água, por vezes a transbordar das margens e a causar alguns prejuízos à população. Mas em contrapartida, transformam-se em espetáculos deslumbrantes e belos, como a Ribeira da Prainha, que antes da foz, junto ao Porto de São Caetano se atira em catadupa por uma pequena ravina formando uma maravilhosa cascata, adquirindo, nestes dias de chuvas torrenciais, um gigantesco e intransponível caudal, para quem pretende deslocar-se ao rolo ou a uma piscina natural ali existente. Atravessá-la quer ali quer no local onde ela desliza paralela à rua de São Caetano é um ato quase heroico, uma aventura e um risco, sobretudo para os mais pequenos ou para as pessoas de idade e para os que embora não morando por ali, necessitam de atravessá-la por possuírem propriedades nos arredores. Uma outra ribeira, talvez a mais enigmática e misteriosa, hoje também com grande e desusado caudal é a Ribeira da Laje. As águas desta tarde também a encheram, dotando-a de volumoso caudal fazendo com que descesse os matos e atravessasse o povoado, rápida e flamejante, formando também, antes de desaguar no oceano, uma bela e graciosa cascata, correndo altiva e revoltosa, por entre penhascos e ravinas, circundando penedos e desenhando pequenos lagos. Quase esquecidas por que encobertas por densa vegetação e com pequenos caudais estavam hoje as ribeiras Grande e a do Dilúvio, talvez porque as chuvas dali se tivessem desviado um pouco, mas também elas constituindo um misto de encanto, mistério, persistência e proficuidade.
Ribeiras de São Caetano, uma espécie de mito e sublimidade. Hoje renasceu o som turbulento e cavernoso das suas águas, baqueando nos rochedos escalavrados e perfurando terrenos lamacentos, alagando e encharcando pedregulhos ressequidos, e elas próprias rejuvenesceram como que em eco ao longo das ravinas, por entre rochedos, ocupando grotões e valados, simulando sinfonias inverosímeis, cadenciadas e transcendentes, enchendo o silêncio desta tarde de setembro de sons e de cores esbranquiçadas, amarelas e alaranjadas, espelhando no oceano onde desaguam as marcas castanhas do seu atrevimento desusado, transformando São Caetano numa numa espécie de aguarela natural, mítica e mirabolante.
Mas ao lado, as vinhas carregadas de cachos amadurecidos parecem assustar-se com tão ousado atrevimento. Não precisam de tanta água, de tanta chuva. Esta chuva, há dias, fazia falta, hoje está em demasia. A cultura da vinha na Ilha do Pico começou no final do séc. XV, quando se iniciou o povoamento da ilha. Graças ao solo vulcânico, rico em nutrientes, ao micro clima seco e quente das encostas protegidas do vento por muros de pedra áspera e escura e aquecidas pelos raios do sol, as vinhas de São Caetano conseguiram condições excecionais de maturação, mas não conseguem resistir a estas chuvadas. Umas fechadas em currais protegidas de paredes de lava, mais próximas do mar. Outras em terrenos outrora agrícolas, mais protegidas pelos arvoredos circundantes. Hoje assustaram-se assim como se assustaram os figos que até perderam uma boa parte da sua inebriante doçura.
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ARMANDO CORTES-RODRIGUES
Armando César Cortes-Rodrigues nasceu na Vila Franca do Campo, S. Miguel em 28 de Fevereiro de 1891 e faleceu em Ponta Delgada, S. Miguel, em 1971. Ainda jovem começou a notabilizar-se pelos seus escritos. A ida para Lisboa, para cursar Românicas, fê-lo conhecer Fernando Pessoa e fazer parte do grupo do Orpheu. Colaborou nos primeiros números da revista com o mesmo nome. Após cursar românicas, regressou aos Açores, exercendo a profissão de professor. A sua atividade intelectual continuou a florescer: foi sócio fundador do Instituto Cultural de Ponta Delgada, chegando mesmo a gerir a revista Insulana, publicação da responsabilidade deste Instituto que levou o nome dos Açores além-fronteiras. Continuou a corresponder-se intensa e assiduamente com Pessoa. Mas o forte apelo da ilha com evocações, padrões de ser e de pensar e ambiências transformaram a influência de Pessoa em algo diverso. Foi o louvar da sua gente que lhe interessou fazer, acima de tudo, fosse através das suas tradições, fosse através do sentimento. O desvendar de Côrtes-Rodrigues da «alma popular» fez-se através da poesia, de estudos etnográficos muito relevantes, de crónicas e de teatro. O reencontro com a sua terra conservadora, onde frequentara o quase conventual colégio Fisher, avivou nele um classicismo poético de acentuada vertente humanista. A serenidade viva com que evocava as suas raízes valeu-lhe o Prémio Antero de Quental em 1953, pelo livro Horto Fechado e Outros Poemas.
Obras Principais: Ode a Minerva, Conto do Natal para a Fernanda, Em Louvor da Humildade. Poemas da Terra e dos Pobres, Auto do Nata, O Milhafre, Cântico das Fontes, Poesia Popular Açoriana, Cantar às Almas, Quando o Mar Galgou a Terra, Cantares da Noite Seguidos dos Poemas de Orpheu, Horto fechado e Outros Poemas, Em Louvor da Redondilha, Auto do Espírito Santo, Voz do Longe e Auto do Natal.
Póstumos: Cancioneiro Geral dos Açores e Adagiário Popular Açoriano.
Dados retirados do CCA – Cultura Açores
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A LENDA DA BAIXA-ROSA
Contava-se que antigamente, em tempos muito recuados, existia, junto aos rochedos e baixios da costa, no local entre o Respingadouro e a Baía d’Água, um laredo ou baixa que o povo chamava de Baixa-Rosa. Cuidavam os mais doutos e mais conhecedores dos meandros da onomástica que aquele topónimo se explicava simplesmente pelo facto de as algas que permanentemente ornavam a referida baixa possuírem uma cor próxima do rosa. Bem iludidos estavam estes doutos investigadores porque a razão do estranho topónimo parecia ser outra bem mais enigmática e mítica.
Segundo uma lenda muito antiga, alguns anos antes teria vivido ali perto um casal muito pobre que morava numa casa feita de terra e lenha, junto do mar. Apesar da enorme pobreza pareciam viver alegres e felizes. É que para além de se amarem tinham, em frente ao seu pobre casebre um lindo jardim no qual passava os seus dias uma jovem que, para além de esbelta, possuía uma beleza excelsa e tinha um excelente coração. Chamava-se Rosa e o povo cuidava que fosse filha do casal, no entanto, não percebiam a razão pela qual não a deixavam sair do jardim e passear pelas ruelas do velho povoado.
Certo dia, porém, os pais da menina decidiram-se por abrir os portões do jardim e conduziram a jovem até junto do mar. Mal sentiu os respingos da água salgada salpicarem-lhe o rosto, a jovem pulou dos braços de sua mãe diretamente para a água e, quando, mais tarde ela reapareceu em cima de um laredo que ali existia, o seu rosto estava mais brilhante e alegre do que nunca mas o seu corpo havia-se transformado substancialmente, pois da cintura para baixo havia adquirido a forma de peixe, tendo na parte inferior uma enorme barbatana. Os pais, muito aflitos, embrulharam-na em panos e trouxeram-na para casa de maneira que ninguém se apercebesse do que havia acontecido.
Nos dias seguintes a jovem permanecia no jardim, mas, para espanto de todos os transeuntes, sempre sentada numa cadeira e com a parte inferior do corpo coberta com um cobertor que a própria mãe havia tecido.
Uma noite, quando a jovem já tinha dezoito anos, os pais levaram-na, de novo, para junto do mar. A lua estava muito clara e uma aragem fresca emanava do oceano. Alem disso, a maré estava vaza e os pais sentaram-na no laredo sobre o qual ela reaparecera quando ali a levaram pela primeira vez. Sem que os pais se apercebessem, apesar de estarem sempre muito atentos a fim de que ninguém observasse o corpo da jovem ou que alguma vaga mais alterosa não a levasse, um jovem pescador que andava na apanha de lapas e caranguejos aproximou-se, com o intuito de apreciar melhor tão grande beleza que emanava daquele rosto jovem. A rapariga também viu o pescador e olhou-o com uma enorme ternura. Depressa perceberam os pais da menina que os dois jovens estavam verdadeiramente apaixonados. Nos dias seguintes os pais da jovem voltaram a levá-la junto do mar, ao mesmo local onde haviam encontrado pescador. Quando lá chegavam ele já estava à espera. Sentavam-se um ao lado do outro, de mãos dadas, em cima do mesmo laredo onde ela costumava sentar-se e ali ficavam a olhar o oceano imenso e infinito. Os pais, silenciosos, observavam-nos de perto, acorrendo junto deles logo que pressentiam algum desejo de movimento da filha ou que alguma vaga de mar galgava o laredo. Apesar de terem mantido sempre a parte inferior do corpo da jovem coberta, os pais cuidavam que o pescador se havia apercebido da sua estranha anormalidade.
Um dia os pais da jovem observaram um fenómeno estranho: uma sereia ressurgiu das profundezas do mar e flutuou ao longo das ondas ondulantes, como se estivesse vigiando os dois jovens. De repente levantou-se uma enorme tempestade, com ventos fortíssimos e ondas altivas. Sem que os pais se apercebessem e, muito menos, pudessem fazer alguma coisa, uma onda gigantesca galgou a terra, cobrindo por completa o rochedo onde os dois jovens estavam sentados, Quando, pouco depois, as águas regressaram ao mar e a tempestade acalmou, os pais com muito espanto e dor perceberam que os dois jovens tinham sido levados pela força das águas. E nada mais souberam deles, mas reza a lenda que, algum tempo depois, os viam em todas as noites de luar, por altura da maré vaza, a passear no jardim da sua casa. De manhã, no entanto, ainda no escuro, regressavam ao oceano. Por mais que tentassem nunca conseguiram falar com eles. Mas o laredo onde se haviam encontrado e onde se sentavam todos os dias ficou conhecido pela Baixa da Rosa ou simplesmente Baixa-Rosa