PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A LENDA DA BAIXA-ROSA
Contava-se que antigamente, em tempos muito recuados, existia, junto aos rochedos e baixios da costa, no local entre o Respingadouro e a Baía d’Água, um laredo ou baixa que o povo chamava de Baixa-Rosa. Cuidavam os mais doutos e mais conhecedores dos meandros da onomástica que aquele topónimo se explicava simplesmente pelo facto de as algas que permanentemente ornavam a referida baixa possuírem uma cor próxima do rosa. Bem iludidos estavam estes doutos investigadores porque a razão do estranho topónimo parecia ser outra bem mais enigmática e mítica.
Segundo uma lenda muito antiga, alguns anos antes teria vivido ali perto um casal muito pobre que morava numa casa feita de terra e lenha, junto do mar. Apesar da enorme pobreza pareciam viver alegres e felizes. É que para além de se amarem tinham, em frente ao seu pobre casebre um lindo jardim no qual passava os seus dias uma jovem que, para além de esbelta, possuía uma beleza excelsa e tinha um excelente coração. Chamava-se Rosa e o povo cuidava que fosse filha do casal, no entanto, não percebiam a razão pela qual não a deixavam sair do jardim e passear pelas ruelas do velho povoado.
Certo dia, porém, os pais da menina decidiram-se por abrir os portões do jardim e conduziram a jovem até junto do mar. Mal sentiu os respingos da água salgada salpicarem-lhe o rosto, a jovem pulou dos braços de sua mãe diretamente para a água e, quando, mais tarde ela reapareceu em cima de um laredo que ali existia, o seu rosto estava mais brilhante e alegre do que nunca mas o seu corpo havia-se transformado substancialmente, pois da cintura para baixo havia adquirido a forma de peixe, tendo na parte inferior uma enorme barbatana. Os pais, muito aflitos, embrulharam-na em panos e trouxeram-na para casa de maneira que ninguém se apercebesse do que havia acontecido.
Nos dias seguintes a jovem permanecia no jardim, mas, para espanto de todos os transeuntes, sempre sentada numa cadeira e com a parte inferior do corpo coberta com um cobertor que a própria mãe havia tecido.
Uma noite, quando a jovem já tinha dezoito anos, os pais levaram-na, de novo, para junto do mar. A lua estava muito clara e uma aragem fresca emanava do oceano. Alem disso, a maré estava vaza e os pais sentaram-na no laredo sobre o qual ela reaparecera quando ali a levaram pela primeira vez. Sem que os pais se apercebessem, apesar de estarem sempre muito atentos a fim de que ninguém observasse o corpo da jovem ou que alguma vaga mais alterosa não a levasse, um jovem pescador que andava na apanha de lapas e caranguejos aproximou-se, com o intuito de apreciar melhor tão grande beleza que emanava daquele rosto jovem. A rapariga também viu o pescador e olhou-o com uma enorme ternura. Depressa perceberam os pais da menina que os dois jovens estavam verdadeiramente apaixonados. Nos dias seguintes os pais da jovem voltaram a levá-la junto do mar, ao mesmo local onde haviam encontrado pescador. Quando lá chegavam ele já estava à espera. Sentavam-se um ao lado do outro, de mãos dadas, em cima do mesmo laredo onde ela costumava sentar-se e ali ficavam a olhar o oceano imenso e infinito. Os pais, silenciosos, observavam-nos de perto, acorrendo junto deles logo que pressentiam algum desejo de movimento da filha ou que alguma vaga de mar galgava o laredo. Apesar de terem mantido sempre a parte inferior do corpo da jovem coberta, os pais cuidavam que o pescador se havia apercebido da sua estranha anormalidade.
Um dia os pais da jovem observaram um fenómeno estranho: uma sereia ressurgiu das profundezas do mar e flutuou ao longo das ondas ondulantes, como se estivesse vigiando os dois jovens. De repente levantou-se uma enorme tempestade, com ventos fortíssimos e ondas altivas. Sem que os pais se apercebessem e, muito menos, pudessem fazer alguma coisa, uma onda gigantesca galgou a terra, cobrindo por completa o rochedo onde os dois jovens estavam sentados, Quando, pouco depois, as águas regressaram ao mar e a tempestade acalmou, os pais com muito espanto e dor perceberam que os dois jovens tinham sido levados pela força das águas. E nada mais souberam deles, mas reza a lenda que, algum tempo depois, os viam em todas as noites de luar, por altura da maré vaza, a passear no jardim da sua casa. De manhã, no entanto, ainda no escuro, regressavam ao oceano. Por mais que tentassem nunca conseguiram falar com eles. Mas o laredo onde se haviam encontrado e onde se sentavam todos os dias ficou conhecido pela Baixa da Rosa ou simplesmente Baixa-Rosa