PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A VIDA TÃO BELA E TÃO FRÁGIL
(TEXTO DE KATHY RITA)
Sei que estão a par do acidente no Corvo no passado dia 24 de agosto, foi um acidente trágico na nossa pacata ilha onde por norma, nada de grave se costuma passar, muito menos algo tão fatídico. Criada numa cidade onde os acidentes, homicídios, raptos e as demais cenas infelizes são o pão nosso de cada dia, onde estive num centro comercial em plena cidade de Londres em que um louco começou a disparar tiros como se não houvesse amanha, onde já vi na baixa de Lisboa, logo pela manhã, gente a sangrar na berma da estrada com cortes feitos por uma navalha, mas muitos anos de Açores e desabituei-me a essas tragédias à porta de casa. Os corvinos e não só, (pelos comentários e mensagens que tenho recebido nas redes sociais de todos os cantos do mundo), estão todos de alma pesada. Uma vida, a coisa mais preciosa e mais frágil, perdeu-se e os outros que continuam a lutar para manter a sua.
No entanto também recebi mensagens em que me diziam para abandonar este “fim do mundo”, que não era sítio digno de se viver, sendo americana não merecia viver num sítio tão desolado. Como se isso não bastasse, as coisas que tenho lido no mundo virtual tem sido deverás infeliz e de muito mau gosto. O Corvo não tem muita coisa, claro que não, é pequeno, não se justifica nem faria sentido ter o que uma metrópole tem. Para os turistas, a ilha é o paraíso, ficam fascinados que em pleno 2015, ainda existem sítios onde podem andar à vontade nas ruas e em que a própria comunidade os acolhe como se sempre vivessem cá. O único ponto negativo que vejo em viver nestas ilhas, do grupo Ocidental é que estamos longe de um hospital bem equipado, o que temos por cá é limitado, é básico, serve para situações menos graves e existe o suficiente para nos manter vivos até chegarmos a um hospital. Mas mesmo assim com recursos mínimos, ainda temos as equipas médicas, bombeiros, autoridades e até a população (um bem haja a todos vós que de tudo fazem a pensar na vida dos outros!), que se desdobram em esforços para que o pior não aconteça até cá chegar um avião ou um helicóptero de salvamento. (Outro louvor a estas tripulações que dedicam as suas vidas para salvarem tantas outras!) No meu simples entender, o fim do mundo não é aqui nem no resto dos Açores, vejo sim, o fim do mundo cada vez que ligo a televisão! Gente fugindo e morrendo no Mediterrâneo, e eu a ver golfinhos e falsas orcas no Atlântico entre Corvo e Flores, gente acordando ao som dos mísseis por cima da cabeça, eu a ouvir os pardais pela manhã e os cagarros à noite, gente que não pode andar no caminho sem serem assaltados, e eu aqui às 11 da noite, sozinha, no descampado a tirar fotos às chuvas das estrelas, não diria que vivo no fim do mundo mas sim num lugar (e já são escassos) em que possa viver, no verdadeiro sentido da palavra.
De lamentar sim, foi a vida ainda tão jovem, que se perdeu, com tanto ainda pela sua frente, uma vida que por muito que se tentasse não a poderíamos trazer de volta. Era filha, amiga, irmã, neta, vizinha, namorada de alguém, logo, muitas outras vidas tragicamente abaladas. Os feridos estão nas nossas orações e todos os dias ao saber um pouco sobre o estado clínico de cada um, pedimos à nossa padroeira que olhe por eles. O Corvo está de luto, não era habitante mas era alguém que nos queria visitar, fazer parte da nossa ilha nem que fosse só por um dia, mas ficou para sempre, nos nossos corações. Dizem que o tempo apaga tudo, é mentira, não apaga, só nos ensina a viver com a ferida mas longe de apagar o que quer que seja. A família e os amigos jamais irão esquecer esta jovem, nem nós Corvinos nem Açorianos.
Kathy Rita, in Açoriano Oriental, 28 Set. 2015