PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
AS GALOCHAS DAS VACAS
Um dos mais estranhos vícios que alguns dos muitos bovinos existentes antigamente na Fajã Grande, quando soltos nas pastagens, vulgarmente designadas por relvas, era o de galgarem as paredes circundantes da propriedade em que se encontravam e saltarem para os campos alheios, muitas vezes causando grandes prejuízos. Era sobretudo as vacas dando e o gado alfeiro que se davam a estes luxos. Os seus donos lá iam levantando uma outra parede mais baixa, mas as malditas, viciadas no salto, arranjavam sempre maneira de concretizar os seus malévolos instintos. Depois eram os donos dos terrenos com culturas destruídas a queixar-se, com razão, junto dos donos das malfadadas rezes
Para evitar estes males e impedir os animais de se meterem em ceara alheia, os seus donos possuíam dois meios. Um era acabramá-las, isto é, amaravam-lhe uma corda potente à cabeça e prendiam-na a uma das mãos, impedindo assim a famigerada de saltar. O animal assim aprisionado, tinha que andar com o pescoço torcido, com a cabeça de lado, deslocando-se muito lentamente e ao viés e, consequentemente, incapaz de correr ou de saltar. Mas um outro meio existia de impedir as vacas de galgarem as paredes. Era menos doloso para o animal e, sobretudo, mais eficiente, até porque a corda, muitas vezes rebentava e o acesso à propriedade vizinha estava garantido às malditas, que por vezes pareciam loucas e verdade. Eram as galochas.
Cada galocha era constituída por duas enormes tiras de madeira que, quando juntas, formavam uma espécie de bote de baleia, com duas proas, com um furo redondo a meio. Cada semicírculo deste furo era feito em ambas as tiras de madeira, precisamente no sítio em que elas se ligavam uma à outra. Estas partes, num dos lados, eram presas por uma dobradiça e fechavam no lado oposto, com uma pequena cavilha, devidamente presa à madeira com uma pequena corrente. Retirando a cavilha, a galocha, graças à dobradiça do lado oposto abria, permitindo colocar este artificioso engenho na mão do animal. Uma vez colocada a galocha, a mesma era fechada com a cavilha. Uma vez colocada na mão do animal, a galocha causava-lhe grande embaraço e transtorno no andar, impedindo-o, consequentemente, de saltar.
A razão pela qual este interessante artefacto se chamava galocha poderá ter a ver com o facto de ser uma espécie de calçado feito de madeira, uma vez que na Fajã Grande se chamavam galochas a um tipo de calçado feminino, fabricado, geralmente, pelos carpinteiros da freguesia, cuja parte inferior ou da sola era feito com um pedaço de madeira geralmente de cedro. Na parte superior, mas apenas a cobrir os dedos e o peito de pé, era pregado com tachas, um pedaço de pele, de couro ou de tecido rijo, formando uma espécie de chinelos, mas com a queda um pouco alta. Este calçado era utilizado pelas mulheres sobretudo quando iam lavar roupa à ribeira. Para os homens, em alternativa, existiam os tamancos, muito utilizados nos trabalhos agrícolas mais rijos, até porque para um homem, usar galochas, era uma afronta, pois seria, de imediato, alcunhado de maricas. As vacas é que se estavam marimbando para isto. Bem queriam elas era fugir às galochas. Que tivessem juízo!