PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O SACO DAS NOZES
Conta-se que tendo falecido o pároco de uma freguesia, foi nomeado um novo que pretendia renovar os costumes dos fiéis, corrigindo-lhe os defeitos, retirando-lhe os vícios, ensinando-os a viver segundo a doutrina de Cristo e os mandamentos da Santa Madre Igreja. Para isso começou o reverendo a orientar as suas homilias e os seus sermões no sentido de conseguir os seus objetivos, anunciando as virtudes, repreendendo os maus costumes do povo.
Certo domingo, num sermão, do alto do púlpito disse:
- Consta-me que cá na nossa freguesia existe um costume muito mau, contrário aos ensinamentos de Jesus. São os homens que obedecerem às mulheres, quando, de acordo com o que está escrito na Sagrada Escritura, deviam ser as mulheres a obedecer em tudo às ordens dos seus maridos. Isto é tão verdade que até o povo, na sua sabedoria simples mas verdadeira, diz que em casa de Gonçalo manda a galinha mais do que o galo. – E prosseguiu. - Ora eu tive este ano muitas nozes na minha quinta e declaro-vos diante de Deus que darei um saco cheio delas ao homem desta freguesia que me demostrar que não anda ao mandado da sua mulher e que a sua casa não é como a do Gonçalo. Depois da missa quem achar na sua consciência que na sua casa não existe este mau costume, traga um saco e vá a minha casa buscar as nozes.
Estava na igreja a ouvir o sermão um homem casado que era muito abrutalhado, que tratava a mulher de muito mau modo e que tinha fama de gabarola. Ao ouvir o prebendado, esfregando as mãos de contente, disse para um que estava ao seu lado:
- As nozes do padre já cá cantam. Ninguém cá na freguesia me as tira, pois em minha casa mando eu e ninguém nesta freguesia se pode gabar disto como eu. Tenho nozes para o ano todo.
No domingo seguinte, no fim da missa, trazendo um saco apresentou-se em casa do pároco, dizendo:
- Cá estou, senhor padre! Não há mais ninguém cá pela freguesia que se possa gabar como eu de poder dizer que a sua casa não é como a de Gonçalo. Em minha casa mando eu, por isso venha cá buscar as nozes que o senhor prometeu no domingo passado.
- Muito bem, – disse o pároco. - Eu bem sei o teu viver. E pelo que me têm dito, és tu que mandas lá em casa. Sendo assim levas as nozes. Dá-me o saco para que o encha.
O homem, muito desembaraçado, entregou o saco que trazia ao ombro para encher as nozes. Com ar atrevidote diz-lhe o pároco:
- Ó homem, trazes um saco tão pequeno?! Não tinhas lá em casa um saco maior?
- Tinha, sim senhor. – Retorquiu o homem, prontamente.
- Então porque não trouxeste um saco bem grande? – Continuou o abade escondendo a malícia.
- Ó senhor, eu trazia um saco bem grande. Mas ao pegar nele a minha mulher começou a dizer que era uma vergonha trazer um saco daqueles. E olhe, o senhor. Tanto teimou e tanto porfiou que me obrigou a trazer este mais maneirinho…
- Ah, seu grande tratante! - Gritou o pároco. - Despeja já essas nozes, que daqui não levas nada. Põe-te já no olho da rua e vê se não continuas a deixar que seja tua mulher a mandar em ti.
O homem foi-se embora muito atrapalhado, por lhe ter fugido a língua para a verdade.