PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
DIMAS E JESUS
Era por alturas do Natal que a minha avó, nos serões das longas e frias noites de inverno, depois de rezado o terço e outras orações, contava um conto adequado à época, no qual se desvendavam alguns lendários acontecimentos, subsequentes ao nascimento do Menino Jesus, na noite de Natal e que rezava mais ou menos assim:
Numa das noites depois do nascimento do Menino Jesus, o seu pai, São José teve um sonho, durante o qual viu um anjo que lhe disse:
- Levanta-te, toma o Menino e Sua Mãe e foge para o Egito. Fica lá até que eu te avise, porque o rei Herodes quer matar o Menino.
São José, muito assustado, levantou-se logo. Ainda era muito cedo mas ele acordou a Virgem Maria, Mãe do Menino Jesus e resolveram partir de imediato, ainda durante a noite. São José pegou no burrinho que estava na gruta onde o Menino nascera, sentou sobre ele Nossa Senhora e colocou-lhe o Menino no colo. De imediato e sem que ninguém soubesse puseram-se a caminho do Egito. Mas a viagem era muito longa e a caminhada muito demorada e cansativa pelo que, durante o caminho, tiveram que parar várias vezes.
Numa dessas paragens, numa localidade muito pobre, Nossa Senhora quis dar banho ao Menino Jesus, mas tão tinha nem selha, nem balde, nem toalha, nem outros preparos quaisquer para aquecer a água. Então São José foi bater à porta duma casa e explicou que estava de viagem com uma criança e que precisava de lhe dar banho mas não tinha com quê. Que por favor o ajudasse.
A dona da casa logo lhe abriu a porta e prontificou-se para ajudar. São José foi chamar Nossa Senhora e entraram na casa com o Menino.
Nossa Senhora lavou o Menino Jesus numa bacia, renovando a água por duas vezes, mas não despejou a última. A mulher, ao lado tentava ajudar e observava atentamente Nossa Senhora e o grande cuidado que Ela tinha com o seu filho. Depois do banho enxugou o Menino numa toalha que a mulher lhe emprestou. Esta, no entanto, fazia muitas perguntas: de onde eram, quem eram, de onde vinham, para onde iam, por que andavam a viajar, se não tinham mais filhos… Nossa Senhora explicava tudo e falava de Deus, do céu, das coisas santas e de Nosso Senhor, o salvador do mundo. Embora não compreendendo muitas coisas do que Nossa Senhora lhe explicava a mulher estava extasiada. Como Nossa Senhora também lhe fizesse algumas perguntas a mulher, muito triste e chorosa, a mulher acabou confessando que o seu marido era um ladrão e moravam ali na mais extrema pobreza. Também lhe disse que tinha um filho um pouco mais velhinho do que o dela, que se chamava Dimas, mas que estava doente desde há alguns dias e não havia meio de ser curado.
Nossa Senhora preparou-se para sair e continuar a viagem. Mas antes de se irem embora, Ela e São José agradeceram à mulher. Quando já ia a sair Nossa Senhora disse à mulher:
- Dá banho ao teu filho na mesma água em que eu lavei o Meu e ele ficará curado.
A mulher, logo a seguir, fez o que Nossa Senhora lhe disse e, para espanto seu, o seu filho ficou curado imediatamente. Louca de contentamento, saiu logo para a rua, a correr, a ver se encontrava aquela família para lhe agradecer. Correu por todos os lados, mas já era tarde, São José, Nossa Senhora e o Menino já iam longe, pelo que a mulher não os conseguiu encontrar nem lhes agradecer.
A notícia, no entanto, espalhou-se naquela terra mas ninguém sabia onde Nossa Senhora e a sua família estavam, nem para onde tinham ido.
Passaram-se muitos anos e o filho daquela mulher cresceu, mas devido ao mau exemplo do pai, acabou por também se tornar num ladrão que anos mais tarde, foi preso e condenado à morte.
Como era costume naquele tempo, o ladrão condenado à morte foi mandado crucificar juntamente com dois outros condenados. Ele não sabia era que um deles era Aquele que, quando menino, lhe salvara a vida, pois a mãe dera-lhe banho na água em que ele se lavara. Era Dimas que, muito arrependido dos seus pecados e dos roubos que fizera disse a Jesus:
- Senhor, lembra-te de mim quando entrares em seu Reino.
No entanto o outro cruxificado blasfemava contra Jesus, dizendo:
- Se és o Cristo, desce da cruz e salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!
Mas Dimas repreendeu-o:
- Nem sequer temes a Deus, tu que sofres no mesmo suplício? Para nós isto é justo, pois recebemos o castigo que merecemos pelos nossos crimes, mas Ele não fez mal algum. - E acrescentou - Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!
Jesus respondeu-lhe:
- Em verdade te digo: ainda hoje estarás comigo no paraíso.
E foi assim que um ladrão se tornou em São Dimas, o bom ladrão arrependido.