PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A LENDA DO CALHAU DE NOSSA SENHORA
No alto da Eira da Cuada, a sul da Fajã Grande, na ilha das Flores, no chamado Caminho da Missa, outrora via obrigatória para quem se quisesse deslocar da Fajã Grande à Fajãzinha ou a qualquer outra localidade da ilha, excepto a Ponta Delgada e Cedros, existia e, pelos vistos existe ainda hoje uma pedra, chamada Pedra da Missa ou Calhau de Nossa Senhora. Para lá chegar, subia-se a Assumada, no cimo da qual havia um cruzeiro, assinalado por uma cruz de madeira afixada numa das paredes mais altas duma terra de cultivo ali existente, indicando o termo da rua. A seguir o caminho tomava a forma de cruz, desdobrando-se em dois: um seguia para leste ou para o interior da freguesia, na direcção das relvas e das terras de mato, enquanto o outro seguia em frente e a direito, passando ao lado do Pico da Vigia, por entre relvas, campos de milho e algumas hortas. No cimo da Eira da Cuada e antes de se iniciar a descida da ladeira do Biscoito, finda à qual se chegava à Ribeira Grande, ficava a tal pedra, um calhau solto, no meio de um descampado, com duas pequenas cavidades na parte superior, semelhantes às marcas de dois minúsculos pés. Era essa pedra que, desde tempos muito antigos, se chamava Pedra da Missa ou Calhau de Nossa Senhora.
Reza a tradição que o nome deste caminho Caminho da Missa se deve ao facto de que, antigamente, quando a Fajã Grande ainda não era paróquia e, consequentemente, não tinha nem igreja nem pároco, ser a via por onde os habitantes daquele lugar passavam todos os domingos, para irem assistir à missa na igreja paroquial, situada no centro da Fajãzinha. Acontecia porém que a Ribeira Grande, a ribeira que separa as duas localidades, como é bastante larga e com um caudal muito volumoso, não possuía ponte mas sim umas pequenas passadeiras ou alpondras que por vezes ficavam submersas na água, o que, juntamente com a força do caudal, umas vezes dificultava e outras impedia por completo a sua travessia. Quanto tal acontecia os fiéis, impossibilitados de atravessar a ribeira, ficavam do lado de cá, naquele alto, olhando para a igreja da Fajãzinha, que dali de se avistava, rezando e cantando durante a celebração litúrgica e apenas se dispersando e voltando as suas casas quando viam as pessoas a saírem da missa, lá ao fundo. Além disso faziam-se sempre acompanhar duma pequenina imagem de Nossa Senhora que colocavam em cima da pedra, durante a missa, ao redor da qual ajoelhavam e rezavam. Em paga da sua grande devoção, a imagem de Nossa Senhora, que fora ali colocada tantas e tantas vezes pelos crentes, deixou, para sempre, bem gravadas naquela calhau as marcas indeléveis dos seus pés celestiais.