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PALAVRAS, EXPRESSÕES E DITOS UTILIZADOS NA FAJÃ GRANDE (XXIII)

Segunda-feira, 29.02.16

Acoá –Acolá.

Alminha de deus – Pessoa ingénua e simples.

Amassaria – Armário da cozinha sobre o qual se amassava e tendia o pão.

Arrecuar – Recuar.

Arrumado de vez – Estragado. Destruído. Também se designava quem se casava.

Ataca – Fio geralmente de couro que prendia os chifres dos bovinos quando encangados.

Barras da casa – Friso de cor, pintado ao redor das portadas e esquinas das casas.

Beiçolas – Beiços grandes e salientes.

Cabeçada – Amarrar de uma vaca pelos cornos.

Cabidela – Cabimento.

Cacaruto – Cocuruto.

Cara abogangada – Cara de parvo.

Carregar de abóboras – Pedir em casamento e o pedido não ser aceite.

Cavalo (de serrar lenha) – Suporte assente sobre quatro paus, em forma de sela para serrar lenha.

Cepo da lenha – Grosso pau de madeira sobre o qual se pendia a lenha.

Consumido – Preocupado.

Copa d’água – Folha do inhame usada para transporte de água.

Dar pincel – Caiar a casa.

Dar um pulo – Assustar-se.

Derregar o cal – Deitar água na cal para derreter

Despachado – Estragado.

Dia de S. Nunca – Dia que nunca vai acontecer.

Diabos te levem pela rocha abaixo – Expressão usada para indicar o desprezo que se tem por outra pessoa.

Direito acima – Caminho a subir.

Eirado – Anel luminoso à volta da Lua. Cuidava-se que era sinal de chuva no dia seguinte.

Embicar – Teimar.

Empapado – Molhado, enlameado

Encetar – Dizia-se das galinhas quando começavam a dar sinais de quererem por ovos.

Enforcadeira – Gravata.

Escrepa – Pá de ferro para alisar a terra.

Esfatacar – Cortar violenta e desajeitadamente.

Esmigalhar – Partir e esfarelar o pão no leite para a ceia.

Esparramar – Espalhar. Encher até deitar por fora.

Falar descansado – Falar pausadamente.

Fedorento – Pessoa insignificante, com pouco valor.

Fuderentina – Mau cheiro.

Guerras de cabeça – Preocupações.

Impecilho – Pessoa que incomoda os outros. Pessoa que não é boa companhia.

Impola – Bolha.

Ir ao peixe – Pescar.                 

Lança – Instrumento com cabo e uma lâmina de ferro na ponta, usado para matar as baleias depois de arpoadas.

Largado – Abandonado.

Lavagem – Restos de comida a que se juntava farelo e água para alimentar o porco.

Leite cru – Leite antes de ser fervido.

Limber os beiços – Comer bem.

Mais velho do que a Salve-rainha – Muito velho.

Maleira – Mulher que ia buscar a saca do cokrrei às Lajes

Maneiro – Muito pequeno.                    

Mescra – Argamassa usada pelos pedreiros feita de cimento e areia.

Pancada de água – Grande aguaceiro.

Passar fome de rabo – Passar muita fome.

Peche – Defeito.

Poipar – Poupar.

Por-se na alheta – Fugir

Pulso aberto – Ter dores no pulso.

Ratinhar – Comer pouco por não gostar da comida.

Resalute – Saudável.

Rocio – Aragem vinda do mar, carregada de sal.

Rosar (a carne) – Passar levemente a carne por uma frigideira com banha, antes de a cozinhar.

Tamen – Também.

Tapa – Tampa.

Tarouco – Tonto

Ter a língua destravada – Falar de mais. Mexericar muito.

Ter a língua destravada – Falar demais ou que se não deve.

Tesoureiro – Sacristão.

Tolo como uma parede ou Tolo como uma batata – Muito tolo.

Transantonte – Dia anterior ao antes de ontem.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

BALADA DAS SOMBRAS MORTAS

Domingo, 28.02.16

 

À noite, pelas encostas, se desprendem

Sombras, em divinal solenidade,

Sombras eternas, nimbos de saudade.

Qu’umas vezes, tristonhas, me repreendem,

 

Outras, doces e alegres, compreendem

Minha dor, meu tormento e soledade.

- rilheiras de tremenda lenidade -

E os meus sonhos de amor como que entendem.

 

Mas o luar, em esferas de destino,

Arrogante em seu ser, quase divino,

As transforma, desfaz, reduz a lombras.

 

E eu fico só, sonhando amordaçado

O exalar impossível de um passado,

Desfeito pela morte destas sombras.

 

Angra, 1966

 

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publicado por picodavigia2 às 00:05

O MELÃO

Sábado, 27.02.16

Franzino, escanzelado, rosto macilento e olhos esbugalhados, o Aires aparecia nas aulas muito carrancudo e retraído, consubstanciando simultaneamente rusticidade e negligência. Vestia desajeitadamente umas roupas de aspecto decrépito e com um estado de conservação notoriamente deteriorado, a que se juntava uma assumida falta de limpeza. O rosto expressava um alheamento permanente e global a pessoas e ensinamentos. Os olhos, absortos e perplexos, emperravam todo e qualquer conhecimento e obstruíam notoriamente a capacidade de atingir objectivos. A sua mente vagueava por um universo abstruso, incoerente e quase irracional. Devaneava com frequência, distraía-se vezes sem conta e desvairava continuamente. Em suma – o Aires não aprendia rigorosamente nada.

Consequência de tudo isto: na pauta, afixada trimestralmente nos placares da escola, ao nome do Aires seguia-se uma enxurrada de negativas em todas as disciplinas, excepto Religião e Moral onde, mais por benevolência do professor do que por mérito do aluno, aparecia bem escarrapachado um três. Mas não ficavam por aqui os malefícios da presumivelmente assumida não aprendizagem do Aires. Os professores passavam horas e horas a discutir, a analisar e a transcrever para a acta as dificuldades do rapaz e a inventar propostas para as superar, atrasando significativamente as reuniões de avaliação e a Directora de Turma, jovem e pouco experiente, via-se e desejava-se para explicar aos pais o mais-que-evidente insucesso do garoto. A própria psicóloga já fora chamada, vezes sem conta, a intervir em tentativas infrutíferas de analisar e compreender tão grave e sério embargo a todo e qualquer tipo de cerebração.

Certo dia, na aula de Ciências, a professora alheando-se um pouco dos conteúdos programáticos, resolveu falar sobre as cucurbitáceas:

- São plantas dicotiledóneas e gamopétalas como a abóbora, a chila, a melancia e o melão – explicou a professora.

Milagre! Enquanto a restante parte da turma se distraia cuidando que aquilo das cucurbitáceas era mais um dos devaneios científicos da professora e que aquela matéria nunca iria sair nos testes, o Aires, sobretudo ao ouvir a palavra “melão”, vai disto e resolve concentrar todas as forças até então perdidas e dispersas no que a professora explicava. Esta, incrédula perante tamanha reviravolta do molengão, procurando uma linguagem mais simples, continuou:

- Vocês conhecem muito bem o melão e a melancia e de certo quase todos já os comeram e apreciaram as suas propriedades refrescantes.

O Aires não pestanejava e, qual abelha a sugar o néctar duma flor, bebia-lhe as palavras uma a uma. A professora insistia:

- O melão é mesmo um fruto bem português, – os olhos do Aires esbugalharam por completo – cultivando-se em grande quantidade aqui, na região do Vale do Sousa. O melão possui propriedades que o tornam, além de saboroso, um excelente auxiliar do funcionamento do corpo humano, pois é uma fonte abundante de fibras e possui grandes quantidades de vitamina A, C e do complexo B. Além disso, é rico em cálcio, fósforo, ferro, potássio, cobre e enxofre e não tem consequências negativas, já que por cada cem gramas de melão ingerimos aproximadamente trinta calorias. O seu alto valor em potássio torna o melão indicado para doentes cardíacos e para pessoas com afecções do fígado. É igualmente recomendado na prevenção e no tratamento da gota, reumatismo e prisão de ventre. Mas, atenção, se ingerido em excesso pode causar cólicas e diarreia.

O Aires estava extenuante e a professora perplexa, por sentir que aquela alma penada pela primeira vez se concentrava e interessava por alguma coisa, sem contudo encontrar uma explicação plausível.

Mas como estava ali para ensinar e o rapaz mostrara grande interesse, no fim do ano não se fartou de partilhar com os colegas o que presenciara naquela aula, manifestando sérias tentativas de o passar. Foram, contudo, improfícuos os seus esforços, esbarrando ingloriamente com a pertinácia dos colegas. Então ia lá passar-se um abantesma daqueles, que afinal dava erros em catadupa, lia mal que se fartava, não dava uma prá caixa em Matemática, não percebia patavina de História e nem sequer sabia distinguir uma colcheia duma semifusa?

E o Aires reprovou mesmo.

Algum tempo depois, ao passar na recta de Sequeiros, na estrada que dá para Lousada, parei para comprar um melão a um dos vendedores que por ali proliferam nos meses de Verão. Qual não foi o meu espanto quando me apercebi que o vendedor, onde casualmente havia parado, era o Aires. Qual Paxá rodeado de donzelas no seu harém, o Aires, sentado em cima de um cesto com a boca para chão e o fundo para cima, tinha à sua volta dezenas e dezenas de melões de todas as espécies, tamanhos e feitios, a que se misturavam algumas melancias. Com invulgar perícia e robusta confiança aconselhava os clientes, escolhia-lhes os melões, convencia-os a comprar, mostrando ainda grande destreza e agilidade nas operações matemáticas inerentes a cada troca comercial. Quando chegou a minha vez, o rosto vermelhou-se ainda mais, revelando um misto de timidez, alegria e confiança. Com acrimónia interrogou-me:

- O setor também quer comprar um melão?

Como acenasse positivamente, acrescentou com enorme empolgamento e invulgar entusiasmo:

- Pó setor vou escolher o melhor. Vai comer um melão como nunca comeu.

Batuca daqui, sacode dali, cheira dacolá, apalpa e volta a apalpar as extremidades do cucurbitáceo. Por fim com os olhos repletos de júbilo e o rosto excessivamente aprazerado, concluíu:

- Este, setor, este! Pode levar! Este é de confiança. Este é mesmo bom!

Conversei um pouco mais, paguei, regressei a casa e deliciei-me com o melão - o melhor melão que comi em toda a minha vida.

Foi então que dei comigo a pensar: se aos professores, nos quais eu obviamente me incluía, que haviam reprovado o parrana do Aires por não saber Português, Matemática, História ou até ler o solfejo, alguém decidisse ensinar como se escolhe um melão, nunca haviam de aprender a fazê-lo com a perícia, a sabedoria e a competência do Aires.

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O ASTRONAUTA E OS MUGOS

Sexta-feira, 26.02.16

Depois de uma longa viagem pelo espaço, o astronauta chegou a Júpiter, saiu do foguetão e começou a descobrir aquele local que era tão diferente do seu planeta. Lá até parecia que conseguia voar.

Enquanto descobria aquele local, encontrou um ser espacial que, ao vê-lo, dicidiu ir apresentá-lo aos reis de Júpiter. Durante a apresentação, o rei e a rainha ficaram tão admirados com aquele ser que o convidaram para se juntar à sua tribo.

O astronauta depois de algum tempo a pensar decidiu aceitar o pedido e ficar a viver na tribo para ajudar os mugos. Assim se chamavam os habitantes daquele planeta.

A tribo dos mugos lutava contra a tribo do maus, uns estrarerrestres que queriam acabar com todos os seres do espaço.

Então o astronauta juntou-se aos mugos a fim de protegê-los.

Desde esse dia que os mugos vivem em paz.

 

João Fagundes, aluno do 2º ano

 

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LOIRO VERDE

Quinta-feira, 25.02.16

“Lenha de loiro verde serre meu genro fenda meu filho.”

Este é um adágio bastante enigmático e de enleada compreensão quer no seu sentido real, quer no figurado. O louro ou loureiro, ou ainda loiro, como se dizia na ilha das Flores, apresentava-se nas terras de mato da Fajã Grande, ora com um arbusto denso, sempre verde ou então como uma árvore ornamental de folhas verde-escuras, lisas, ovais e pontiagudas. Pequenas flores beges-amareladas apareciam no início do verão, seguidas, por vezes, sobretudo nos anos mais quentes e nas plantas adultas, por bagas pretas. A parte mais utilizada desta planta, na maioria das regiões, são as suas folhas, secas, muito utilizadas na culinária, para temperar os alimentos durante a sua confeção, uma vez que o louro é uma espécie de especiaria aromatizante, conferindo um sabor agradável à comida. Mas nem todo o tipo de louro pode ser utilizado na culinária.

Na Fajã Grande havia muito louro que, na maioria dos casos era utlizado como lenha. As folhas e os ramos do louro ardiam muito bem e, por isso, eram usados também nas fogueiras que se faziam na noite de São João.

Mas a lenha de loiro como toda a outra lenha, de incenso, faia, sanguinho ou até de cedro, tinha que ser serrada e fendida, sendo que nenhuma destas duas operações, aparentemente, seria mais cansativa ou desgastante do que a outra. Assim uma delas, provavelmente a mais suave, devia ser atribuída ao filho, enquanto a outra, mais dura cansativa, destinar-se-ia ao familiar menos amado, ao genro. Mas a interpretação, embora menos lógica mas mais coerente, aparentemente, parece ser outra. A presença do genro e do filho, naturalmente mais novos do que pais ou sogros, parece querer significar que fender e serrar louro, sobretudo quando verde, era tarefas mito difíceis, devendo, por conseguinte, serem atribuídas a gente mais nova. Assim e no sentido figurado com o uso deste adágio queria, muito provavelmente, significar-se como que uma espécie de desabafo que permitisse aos mais velhos se libertarem ou abdicarem das tarefas mais pesadas e duras, que deviam ficar para os mais novos, para os filhos e para os genros.

 

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SUCESSO

Quarta-feira, 24.02.16

 

“O termómetro do sucesso é apenas a inveja dos descontentes.”

Salvador Dali

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O HOMEM DAS LAPAS

Segunda-feira, 22.02.16

Antigamente contava-se que certo dia, um homem da Ponta foi às lapas para os lados do Ilhéu do Cão, onde se dizia que estas para além de muito grandes, eram muito abundantes. Enquanto andava entretido a apanhar uns caramujos, saltando de pedra em pedra, ouviu o barulho do mar a segredar:

 — A maré vai e vem e que faz aquele homem que não vem?

O homem parou um pouco a ver se estava a ouvir bem, mas logo depois se entusiasmou a apanhar lapas, novamente. Passado pouco tempo, voltou a ouvir a voz do mar a dizer:

 — A maré vai e vem e que faz aquele homem que não vem?

 Começou a ficar preocupado e assim que pôde veio-se embora.

 Quando já vinha para cima, encontrou um vizinho que ia para baixo. Trocaram algumas palavras e cada um foi à sua vida, um na volta de casa; o outro direito à costa. Este último apressou o passo porque julgou que a maré já estivesse a encher e, assim que chegou lá abaixo, saltou para uma pedra. Quando se foi baixar para apanhar lapas, nunca mais levantou a cabeça: caiu e foi levado pelo mar, que estava à espera dele.

 A notícia do seu desaparecimento correu e a sua morte foi muito sentida por todos. O vizinho que o tinha encontrado lembrou-se da voz que tinha ouvido quando estava na costa. Contou o que lhe tinha acontecido e as pessoas mais velhas explicaram que, quando Deus formou o mundo, o mar tinha pedido que lhe desse todos os dias um ser humano ou um palmo de terra, tendo ficado combinado que ia ser um homem.

 Os vizinhos, tristes e chorosos, compreenderam que o desaparecido tinha sido o ser humano escolhido para dar naquele dia ao mar.

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A LENDA DO CHORÃO

Domingo, 21.02.16

O Chorão é uma árvore de tamanho médio a grande porte que pode alcançar mais de vinte metros de altura. É de crescimento rápido mas tem uma curta longevidade. É caducifólia, uma vez que perde as folhas no inverno ainda que, por vezes, as mesmas se mantenham na árvore até irromperem as novas. É muito pouco exigente com os solos, que apenas devem ter água suficiente, pelo que se dá muito bem em terrenos muito húmidos, sendo capaz de saneá-los absorvendo a água em excesso. O seu tronco é revestido com uma espécie de cortiça escura que vai rompendo com os anos. Os ramos são pendentes para o chão, parecendo lágrimas a caírem o que, para além de lhe dar nome, dá à árvore uma conotação de tristeza e melancolia. Por vezes confunde-se com o salgueiro, do qual é uma espécie. Na Fajã Grande, ao contrário do salgueiro, o chorão era muito raro.

Sobre esta árvore, no entanto, contavam-se algumas lendas. Na tradição cristã existe uma segundo a qual o chorão vergou os seus ramos para o chão para esconder a Virgem e o Menino Jesus durante a fuga para o Egipto. Segundo uma outra lenda, o chorão chora porque um ramo seu serviu para golpear Jesus, durante a Sua Paixão.

No entanto a lenda mais célebre e mais contada era aquela segundo a qual se explica que, a quando da criação divina, o chorão, ao ver que os seus ramos estavam pendentes para o chão, foi protestar com Deus, por o ter feito daquela maneira. Com aqueles ramos assim pendentes nunca conseguiria subir e chegar ao céu. Exigia que Deus lhe desse ramos iguais aos das restantes árvores, ramos que se erguessem para o alto e assim conseguisse subir e chegar ao céu. Deus, insatisfeito com o seu protesto, disse-lhe, que nunca lá havia de chegar, porque quanto mais crescesse mais os seus ramos haviam de se virar-se para o chão

 

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CHEGAR AO PICO EM FEVEREIRO

Sábado, 20.02.16

Chegar ao Pico em fevereiro e ter, à espera, a montanha descoberta, deslumbrante idílica, aureolada na sua pureza original é um dom sublime, uma dádiva transcendente. Chegar ao Pico em fevereiro é envolver-se com o perfume que se solta da bruma escoada em catadupa pela montanha, atirar-se abruptamente sobre pedaços de lava, purificar-se com os respingos da maresia, emaranhar-se nos resquícios dos vulcões. Chegar ao Pico em fevereiro é amenizar-se com a frescura das brisas matinais, adornar-se com o verde amachucado dos vinhedos, aspergir-se com os salpicos das ondas desfeitas e cerceadas pelos rochedos negros dos baixios. Chegar ao Pico em fevereiro é ter a agradável sensação de abraçar a natureza pura e original, ter à sua espera o sussurrar das fontes secas, o suco adormecido das ribeiras silenciosas e vazias, o vicejar dos feijoais, o sombreado dos laranjais ainda imberbes.

Na verdade, o Pico, em fevereiro, acolhe-nos transcendentalmente, em eflúvios de sublimidade, pureza e libertação. Pese embora, de vez em quando, assolado por ventos e tempestades, fustigado por chuvas e intempéries ou assediado por nevoeiros neblinas, permanece detentor duma beleza e duma originalidade ímpares, duma graça e singeleza endémicas, e de uma excêntrica e indomável singularidade. A sua imponente e vulcânica Montanha, erguendo-se altiva e altaneira sobre lavas e fumarolas, ora se esconde bem lá no alto, por cima das nuvens, ora se cobre da caramelo ou se reveste da sua mais enigmática singularidade – de neve. O mar, que a rodeia, na sua altivez e transcendência, revolta-se indignado e altivo, rugindo contra os baixios magmáticos e a terra, entrelaçada entre maroiços e estreitas canadas, ostenta-se ávida de enxadas e aluviões. As vinhas desvanecem mas não morrem e aguardam, expectantes, a tesoura de poda. No Pico, em fevereiro a escuridão vai-se desvanecendo muito lentamente, à espera do sol. Mas o Pico em fevereiro, com sol ou com neve, com neblinas ou mar agitado, com isto ou com aquilo, ainda se mata o porco, ainda se amarram as vacas nos campos, ainda se podam as vinhas, ainda se apanham sargos e chicharros, ainda se coze bolo no tijolo, ainda se faz caldo de peixe, ainda se bebe bagaço com néveda, ainda se conservam os maroiços, ainda se arrastam os barcos nos varadouros, ainda se baila a chamarrita.

Depois vem São Caetano, a freguesia mais próxima da montanha, alojada e aninhada no regaço de uma grande baía, instalada entre o mar e a encosta, sulcada por ravinas ou quebradas, demarcada por diversas elevações ou cabeços, atravessada por várias ribeiras, pelo que possui uma beleza natural muito específica, uma singularidade inaudita que o poeta estampou desta forma:

Este é o sitio, onde se pode ler,

O livro inicial para sempre perdido.

Em São Caetano, o mar é o próprio ser

E o seu mistério, o único sentido”.

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O QUARTO DO LADO

Quinta-feira, 18.02.16

As horas pareciam meses, os minutos dias e os segundos, horas. O aeroporto era mar tumultuoso e desatinado. Os placards pareciam emperrados. Ao desassossego misturava-se o sobressalto. Um emaranhado de vozes confundia-se com o soluçar da espectativa e o amordaçar do silêncio. Finalmente o ecrã gigante anunciou em letras garrafais: aircraft landed.

Respirou de alívio. A inquietação desfazia-se como um boneco de neve acossado pelo calor. Nascia a angústia. Ela demorava tanto em aparecer na porta de saída. Calculou, genericamente, os seus passos. Levantar-se, esperar vez, sair do avião, atravessar a manga, percorrer corredores e descer escadas. Finalmente, esperar pela bagagem. Vinte minutos. Não. Meia hora. Por vezes rondava os três quartos.

Os que, agora, saiam pela porta de acesso à sala de espera, muito provavelmente pertenceriam ao mesmo voo. Ela nada. O vento soprava, no exterior e sentia-se que caía uma chuva de bátegas fortes e incomodativas. Do parque do aeroporto, ao parque do centro comercial e deste à garagem do prédio onde morava era abrigo seguro. Que a chuva se danasse. Não os havia de incomodar, muito menos molhar. Muitos vultos de mulher que saíam sozinhas agarradas aos tróleis ou às malas confundiam-no… Que parvo. Era a ânsia transformar-se em miragens loucas, inaceitáveis, ingratas. Finalmente fez-se luz. Um clarão. Sentiu um baque no peito. Era ela e trazia um sorriso, é verdade que um pouco enigmático, mas do tamanho do mundo.

Júlio conhecera Márcia num verão em que fora passar férias a casa de uns tios nos Açores. Conversaram pouco, mas o suficiente para Márcia lhe demonstrar o tédio e o desencanto que a domavam, após ter terminado a licenciatura em Lisboa. Sonhara sempre com o Norte e com o Porto. Nas ilhas nada a motivava, até porque poucas ofertas de trabalho eram disponibilizadas a recém-formados. Pelo menos na área da sua especialidade. Júlio prometeu que, ao regressar ao continente, havia de procurar e investigar propostas adequadas ao curso que possuía e ao que pretendia. No início de janeiro telefonou-lhe. Havia uma vaga para Assistente Social numa Câmara dos arredores do Porto, a menos de meia hora de distância do local onde morava. A entrevista estava marcada para a primeira segunda-feira de fevereiro.

Agora, aguardava, expectante e ansioso, a sua chegada. Sabia muito bem como era um dia de viagem do Pico ao Porto. E não era uma sande no aeroporto de Ponta Delgada, mais a celebérrima refeição ligeira servida a bordo que a saciara. A chuva persistia dolosa e incomodativa mas o Centro Comercial ficava-lhes a caminho. Uma boa dose de picanha ou uma francesinha havia de ressarci-la da abstinência de um longo e cansativo dia de viagem. Depois… Bem depois havia que optar. Ou o hotel ou o apartamento dele. Ficasse bem claro que tinha um quarto disponível, ao lado do dele. Simuladamente hesitou, mas anuiu.

Júlio morava num condomínio fechado em Valongo. O apartamento era amplo e espaçoso, com uma sala bastante ampla a que se anexava uma cozinha pequena, mas muito moderna e funcional. Nas traseiras os quartos. O dele com casa de banho e roupeiro anexos e um outro, o quarto do lado, que na véspera preparara minuciosamente na espectativa de que ela viesse a optar por ali ficar.

O serão foi longo e envolvente. Lá fora a chuva caía em bátegas cada vez mais fortes. Pela segunda vez telefonava à mãe, assegurando-a de que tudo estava bem. Lá longe, no silêncio da ilha, entre o reboliço das marés e os sulcos da lava, estava muito preocupada. A incerteza do futuro que aguardava a sua menina transtornava-a agonizantemente. Não havia de pregar olho até segunda, até saber o resultado da entrevista.

Júlio fixando-lhe os olhos muito vivos e de um azul esverdeado acalmava:

- Tenho sérias esperanças de que o lugar será teu. O teu currículo pareceu-me ter agradado. Uma licenciatura com excelente nota!

Ela insegura sorria com um leve e suave esburacado em cada uma das faces. Ele insistia, esclarecendo:

- E o trabalho que te espera será muito interessante e deveras motivador. A autarquia pretende intervir ativamente na área social através da implementação de medidas sociais de âmbito local. O Serviço Social revela-se cada vez mais como um importante recurso das autarquias na criação das políticas sociais locais.

- Mas para isso pressupõe-se que a Assistente Social, conheça bem o território a fim de intervir mais próximo dos cidadãos e poder propor e implementar programas de desenvolvimento local, adequados aos interesses da população. Nesta área os concorrentes de cá estarão em vantagem sobre uma ilhoa.

Que se tranquilizasse. O conhecimento adquire-se e decerto que se lhe proporcionariam contactos e oportunidades.

A noite ia longa e ela precisava de descansar. O seu quarto era ali, ao lado do dele. Dispusesse de tudo como se estivesse em sua casa. Teimaram em adormecer. Ela domada pela insegurança, ele atormentado pela presença dela, ali, tão perto, apenas separados por uma maldita parede.

Sonhou-a a despir-se, enrolada nos lençóis, imbuída de incertezas, vagueando em possibilidades. Descobrira-lhe no olhar uma réstia de esperança. Talvez o amasse, talvez o desejasse, talvez naquele momento estivesse a pensar nele. Ouviu passos. A porta do quarto abriu-se. Precisaria de alguma coisa? Assomou à porta do quarto. Não a viu. A casa de banho era logo em frente à porta do quarto mas ela já entrara. Ficou de alerta. Logo que ouviu o puxar do autoclismo, levantou-se, rapidamente e assomou à porta. Disfarçadamente, perguntou-lhe se precisava de alguma coisa. Mas quando o fez ela, aparentemente, já regressara ao quarto e fechara porta. Talvez o tivesse ouvido e fizesse de conta…

- Cheta! – Vociferou.

Júlio trabalhava por turnos. No sábado trabalhou de tarde. Mas no domingo saíram. Impunha-se conhecer o Norte. Na segunda tinha folga e acompanhou-a à entrevista. Na terça de manhã ela recebeu um telefonema da Câmara. Estava decidido. O lugar de Assistente Social era dela! Que se apresentasse no dia seguinte.

Abraçaram-se estonteantemente. Na quarta de manhã, antes de entrar para o turno, foi levá-la a Gondomar. Desejou-lhe sorte e abraçaram-se novamente.

Márcia era idolatrada por Júlio. Não pela beleza, embora ela fosse verdadeiramente linda, mas pela sua singeleza, pela sua simplicidade, pela sua naturalidade, por ser detentora de um espírito e verdade e de uma pureza original. Tudo nela era sublimidade, envolvência, dignidade. Amava-a e ela, decerto, que já o intuíra, que já sabia e até, muito naturalmente, se orgulharia de saber que era a eleita. Pressentira-o com uns olhos cheios de verdade e de dignidade. Apesar de tudo havia pautado sempre o seu relacionamento por uma dignidade contagiante, escondendo-se numa aparência comprometedora.

Ansioso, aguardou até à tarde. Muito antes de ela sair já estava em frente ao edifício da Câmara. O primeiro dia de trabalho correra maravilhosamente. Sem delongas abraçou-o demoradamente e regressaram a casa, enlaçados e felizes

Na madrugada do dia seguinte, o quarto do lado, tinha a persiana levantada e a roupa da cama permanecia ajeitada como tinha ficado na véspera.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

A VELHA DO ALAGOEIRO

Quarta-feira, 17.02.16

Conta-se que em tempos que já lá vão havia uma pobre mulher que vivia sozinha na Fajã Grande, para os lados do Alagoeiro e, por isso, era conhecida de todos como A Velha do Alagoeiro. A mulher para além de velha e muito pobre era um pouco tresloucada, não atinando muito bem com o que dizia e, por isso, o povo gozava-a e ria-se dela. Mas tinha bom coração e repartia sempre o puco que tinha com os que eram mais pobres.

Um dia a pobre velhinha enquanto cozia o seu bolo ouviu bater à porta. Veio abrir e qual não foi o seu espanto quando viu uma formosa senhora, linda como um anjo e toda vestida de branco

- Entre! - Disse a pobre velhinha. - Estou a cozer um bolo para a minha ceia. Venha para junto do meu tijolo, pois do pouco que Deus me deu a todos gosto de dar.

A Senhora agradeceu-lhe, entrou e pediu-lhe com uma voz doce que parecia encantá-la:

- Vai dizer a toda a gente deste lugar que fuja de lá debaixo, das suas casas, de junto do mar. Um enorme temporal vai acontecer esta noite. O vento e o mar entrarão por terra dentro e destruirão todos os que não se refugiarem aqui, junto de ti.

E logo a velhinha foi de casa em casa avisar os moradores, dizendo a todos que deixassem a sua casa, o seu lar e viessem cá para cima, para o Alagoeiro, para junto dela. Se o não fizessem seriam todos levados por um grande temporal que ia fazer durante a noite.

Muita gente zombou do que a velhinha dizia, ninguém quis acreditar em tão triste profecia, permanecendo todos nas suas casas, cuidando que a velha do Alagoeiro, desta feita, estava mais tresloucada do que nunca. Por certo que tinha perdido o juízo por completo.

A velha voltou para sua casa muito triste, fechando e trancando todas as portas e janelas.

Pela noite dentro levantou-se um enorme temporal, uma tempestade como não havia memória na freguesia. O vento fortíssimo derrubava árvores, destruía casas, arrastava os animais e as pessoas. O mar entrava por terra dentro com vagas gigantes, cobrindo e arrasando todo o povoado, destruindo tudo.

Apenas quando a manhã despontou, o temporal amainou. O sol raiava num céu azul. O vento era bonançoso e o mar acalmara por completo. Mas muita gente que, no dia anterior, zombara da velhinha do Alagoeiro morrera e muitos outros ficaram sem casa, sem animais e sem nada. Tudo o temporal havia destruído.

O povo, então, emocionado e arrependido por ter zombado dela, acreditou que a velha do Alagoeiro era uma santa e que a mulher de Branco que lhe aparecera e a avisara do que iria acontecer naquela noite, por certo seria Nossa Senhora.

 

 

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CINCO A ZERO

Terça-feira, 16.02.16

Foi numa tarde de maio da década de cinquenta. O Atlético Clube da Fajã Grande estava em grande forma e no auge da sua curta carreira futebolística. Domingo após domingo, muitas vezes até em dias de semana, à tardinha, um punhado de jogadores que constituíam o plantel não se coibia de treinar. O clube havia surgido no final da década de quarenta, resultante duma fusão entre os dois clubes existentes, inicialmente, na Fajã: o Sport e o Salgueiros. Nesses tempos os jogos realizavam-se no antigo campo do Estaleiro, para os lados do Porto, numa altura em que surgiu o melhor jogador de sempre da Fajã Grande, o Nestor.

O Atlético já realizara alguns jogos, no novo campo das Furnas e já se deslocara a Santa Cruz e às Lajes, mas com resultados pouco positivos. Apenas uma vitória frente ao União de Santa Cruz. De resto empates e derrotas

Nestes tempos jogavam no Atlético excelentes jogadores: Abílio (Guarda-redes), João do Gil, Lucindo Fagundes, Elviro, Edmundo Pereira, Teodósio, Albino, Álvaro de João Carlos, David do Raulino, Roberto do Cristóvão, Ângelo João Augusto, Mário do Raulino, Luís Cardoso, Manuel Cardoso (Matateu), Álvaro do Raulino, José Borges, António Nascimento, José Augusto, Ângelo Câmara, José de Lima, Albano, Manuel Blica, José António Marcela, João Luís, António Lourenço, José Augusto e Luís Matareco, entre outros. O treinador era o José Fagundes.

Nessa gloriosa tarde de maio, a vila das Lajes deslocava à Fajã uma nova equipa pertencente à Rádio Naval. Esta equipa surgiu pouco depois de ser instalada naquela vila uma estação de Rádio Naval, em agosto de 1951. Era uma equipa fortíssima constituída não só por jogadores naturais da ilha que, anteriormente, haviam jogado noutros clubes, mas também por marinheiros vindos do continente para trabalhar naquela estação, entre os quais o célebre Virgílio Fraga, um verdadeiro craque, com um currículo notável, pois antes de se deslocar paras Flores, jogara no Tirsense, na altura a militar na 2ª divisão nacional, zona norte e João Rodrigues que jogara no Fayal Sport Clube da Associação de Futebol da Horta. Outros nomes sonantes da Rádio Naval eram Tomás, Roque Sousa, António Raimundo, Mateus Azevedo, Mendes, Lenine, Teixeira, António Freitas, Santana, Manuel Martins e Manuel Moniz.

Mas o Atlético não se atemorizou. José Fagundes preparara bem a equipa para o embate. Equipando com camisola azul e calção branco, alinharam, na baliza Abílio, na defesa os jovens Edmundo Pereira, Lucindo Fagundes e o experiente Álvaro de João Carlos. Como médios o treinador lançou Albino e o veterano Teodósio, jogando com os interiores Ângelo Câmara e Albano. Nos extremos colocou o David do Raulino à esquerda e o Ângelo de João Augusto, à direita, com o Manuel Cardoso, apelidado de Matateu, a avançado centro. O campo encheu-se de gente, na generalidade apoiantes do Atlético, vindos da Fajã e da Ponta.

A partida iniciou-se com uma acentuada supremacia da equipa visitante. Mas o Abílio estava em grande forma e fez um bom punhado de defesas o que conferiu grande confiança às hostes fajagrandenses que o público apoiava calorosamente. O Atlético veio para a frente e ameaçou a baliza dos lajenses. Um penalty bem assinalado, concretizado pelo Manuel Cardoso (Matateu) deu ao Atlético um avanço no marcador. O público aplaudiu e os jogadores empolgaram-se ainda mais. Antes do intervalo o Atlético aumentou a vantagem. Um canto da esquerda, apontado pelo David do Raulino e Lucindo Fagundes a saltar em primeiro na área adversária, a cabecear e a fazer o segundo para a equipa da casa.

O Radio Naval regressou na segunda parte revoltado e disposto a virar o resultado fosse de que forma fosse, cometendo muitas faltas. Um livre apontado exemplarmente por Teodósio e o três a zero. Os ânimos começaram a aquecer, com muitas interrupções, agressões e faltas duríssimas. Dois jogadores forasteiros expulsos, conseguindo o Atlético manter a calma, marcando mais dois tentos, por Manuel Cardoso e Albano.

A equipa das Lajes, apesar de revoltada, abandonou o campo reconhecendo a superioridade do Atlético, cujos jogadores eram aplaudidos e levados em ombros, após a invasão de campo, no fim do jogo, por parte de muitos espetadores que assim celebravam, efusivamente, o maior dia de glória do Atlético Clube da Fajã Grande.

Os jogadores, ao cair da noite, foram recebidos por muitos adeptos na loja da Senhora Dias. Entre cervejas, laranjadas e pirolitos o treinador, José Fagundes, cantava efusivamente:

 

O Atlético trabalha como eu quero,

Agora já não falham cinco a zero.

 

Ó Maria Rita, não te faças tola,

Toma lá sete e cnico p’ra comprar uma cebola

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DO CILINDRO AO CANTO DO AREAL

Segunda-feira, 15.02.16

Aquela que hoje é considerada uma das mais interessantes avenidas marginais da ilha das Flores, outrora era uma simples e tortuosa vereda. Iniciava-se junto ao Matadouro, num cruzamento que ali havia, designado, a partir da década de cinquenta, por Cilindro. A razão deste topónimo teve a sua origem por altura da construção do troço de estrada entre o Porto da Fajã e a Ribeira Grande. Quando os empreiteiros, vindos da Terceira, chegaram à Fajã Grande, trouxeram apenas o material de apoio que a ilha não dispunha. O restante foi construído e fabricado por eles próprios, já depois de ali se terem fixado, dando início às obras. Foi o caso dos cilindros com que haviam de calcar o cascalho e a bagacina que formavam o liso tapete da nova estrada. O primeiro cilindro de pedra e cimento foi construído perto do Matadouro, situado entre a Via d’Água e o Porto, junto à Baía de Água e em frente à canada que dava para casa do José de Lima. Porém, este primeiro cilindro construído na Fajã Grande era enorme e pesadíssimo. O seu tamanho exagerado e o seu peso excessivo criaram um gravíssimo problema aos construtores: é que o cilindro de tão pesado que era, nunca permitiu às limitadas forças motoras existentes na freguesia – uma camioneta e meia dúzia de juntas de bois atreladas umas atrás das outras – que conseguissem movê-lo, um centímetro que fosse, do próprio lugar onde tinha sido construído. Perante tal inultrapassável imbróglio, foi arquitetado um novo cilindro, mais pequeno e mais leve, enquanto aquele mamarracho ficou anos e anos ali parado, com a interessantíssima vantagem de apenas ter dado nome àquele local, que passou a chamar-se o lugar do Cilindro ou simplesmente o Cilindro. Aí construiu-se, mais tarde, a quando da abertura da estrada, um pequeno largo com um cruzamento, no qual se iniciava, precisamente, a vereda ou canada que dava para as terras das Furnas, do Areal e do Canto do Areal, assim como para toda a orla marítima, desde da Baía de Água até ao Rolo do Canto do Areal. Era uma vereda muito estreita e sinuosa, com o piso de pedregulhos soltos, interdita a carros e corsões, traçada na direção norte/sul, ladeando na sua totalidade, a oeste pelas pedras negas do baixio e a leste, delineada pelas paredes das courelas, belgas e terrenos de milho e de batata-doce que por ali existiam. No Respingadouro a vereda alargava-se e confrontava-se a oeste com o Campo de Futebol das Furnas a que, em arte, também dava acesso. Seguia-se, em frente à entrada principal do Campo um pequeno largo, transformado por vezes em descansadouro. Depois a vereda formava uma pequena curva, bifurcava-se com o Caminho das Furnas e da Rua Nova, passando, de seguida ao lado de uma lixeira ali existente, no enfiamento do Caneiro das Furnas e da Furna das Mexideiras. A partir daí, a vereda alargava-se com um pisoo mais liso, seguindo quase em linha reta até ao Canto do Areal, dando acesso a outras canadas e caminhos, nomeadamente à Rua das Courelas que se iniciava precisamente no Caminho do Areal.

Esta vereda era muito frequentada não apenas por quantos tinham propriedades a que a mesma dava acesso, mas também aos pescadores e aos apanhadores de lapas que procuravam os pesqueiros desde da Baía de Água ao Canto do Areal, nomeadamente do Rolinho das Ovelhas, Respingadouro, Furnas, Retorta, Redondo, Coalheira, Poça das Salemas e Canto do Areal. Aos domingos e sempre que havia futebol, esta vereda era uma das vias de acesso ao Campo, para onde o povo se deslocava para assistir aos jogos de futebol entre o Atlético e a Rádio Naval, das Lajes, da Académica da Fazenda e do Sporting e da União, ambos de Santa Cruz.   

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A VINHA DE NABOTE

Domingo, 14.02.16

Eu, em criança, adorava ler interessantes estórias que vinham narradas numa reduzida versão da Bíblia Sagrada que existia na casa da minha avó, até porque, para além dos escolares, era o único livro que dispunha. Uma dessas belas estórias bíblicas era A Vinha de Nabote, aliciante narrativa que nos transportava a tempos muito antigos em que os reis eram senhores e donos de tudo. Rezava mais ou menos assim a estória da Vinha de Nabote:

Muitos anos antes de Cristo, vivia em Jezreel um homem chamado Nabote que tinha uma vinha nos arredores da cidade onde vivia, situada perto do palácio de Acabe, rei de Israel.

Um dia o rei propôs-lhe comprar-lhe o terreno onde estava plantada a vinha;

- Quero fazer um jardim nessa terra. - Explicou-lhe o monarca - Pois está localizada num bom local, junto ao meu palácio.

O interesse do rei pela vinha de Nabote era tanto e tão grande que o monarca se dispôs a pagar-lhe em dinheiro ou até trocá-la por uma outra vinha melhor, mas afastada do palácio.

Mas Nabote não aceitou a proposta do rei, retorquindo:

-Não, eu nunca poderia vender essa terra porque se trata de uma herança dos meus antepassados, já de há muitas gerações. Deus não mo permite.

Acabe foi para casa muito abatido e triste. Não queria comer e meteu-se na cama, com a cara virada para a parede.

- Que desgosto tão grande é esse que te deixa em tão lastimoso estado? - Perguntou-lhe a rainha Jezabel. - Por que é que nem sequer queres comer?

Acabe respondeu:

- Pedi a Nabote que me vendesse a vinha, ou que ma trocasse por outra e ele recusou!

Indignada, a rainha retorquiu:

- Mas afinal, és tu ou não o rei de Israel? Trata mas é de te levantares, e de andares normalmente, porque eu me ocuparei desse assunto. Sou eu que vou conseguir obter essa vinha de Nabote!”

Jezabel pôs-se então a escrever uma série de cartas, em nome de Acabe, com o selo real, e endereçou-as aos chefes da cidade de Jezreel. Nelas dava a seguinte ordem: Façam uma proclamação por toda a cidade, para que a população jejue e ore. Convoquem Nabote, e arranjem dois marginais que o acusem de ter amaldiçoado Deus e o rei. Levem-no depois e executem-no.

Os chefes municipais obedeceram àquelas instruções. Convocaram uma reunião, acarearam Nabote com dois meliantes, os quais, injusta e falsamente, o acusaram de ter amaldiçoado Deus e o rei Acabe. Nabote foi arrastado para fora da cidade e apedrejado até morrer. Depois, os líderes da cidade participaram a Jezabel que Nabote já estava morto. Quando a rainha tomou conhecimento disso, procurou o rei Acabe e disse-lhe:

- Lembras-te da vinha que Nabote que tanto desejavas e ele não te a queria vender? Pois bem, já poderás tê-la. O homem morreu!

E foi assim que o rei Acabe conseguiu tomar posse da terra onde esta a vinha de Nabote.

Mas a estória da Vinha de Nabote não acabava aqui. Mais dizia que no reino de Israel, onde reinava Acabe, havia um homem, chamado Elias, que, para além de bom e justo, era profeta. Deus chamou-o e disse-lhe:

- Vai ao palácio e fala ao rei Acabe. Ele há-de estar na vinha de Nabote, tomando posse dela. Dá-lhe esta mensagem da minha parte: Rei Acabe: não terá sido bastante que tenhas morto Nabote? Irás ainda roubá-lo? Visto que fizeste tamanha maldade, o teu sangue virá a ser lambido por cães, fora da cidade, tal como lamberam o sangue de Nabote!

Ao aproximar-se de Acabe, Elias disse-lhe:

- Vim aqui para te dar a conhecer a maldição que Deus põe sobre ti, porque te vendeste para fazeres o que é mau. O Senhor trará grande mal sobre ti e te varrerá para longe; não deixará que um só dos teus descendentes masculinos sobreviva! Deus destruirá a tua família, como o fez com a de Jeroboão e a do rei Basha, porque pecaste e levaste todo o Israel a pecar. O Senhor também me disse que os cães de Jezreel despedaçarão o corpo da tua mulher Jezabel. Os membros da tua família que morrerem na cidade serão comidos pelos cães e os que morrerem no campo serão devorados pelos abutres.

E a estória chegava ao fim concluindo que não houve ninguém que se tivesse vendido como Acabe, para fazer o que era mau aos olhos do Senhor, instigado por Jezabel, sua mulher. Mas quando ouviu a sentença divina, o rei Acabe rasgou as suas vestes, cobriu-se com um saco com que até dormia, jejuou, e andava profundamente humilhado. Por isso o Senhor, vendo o seu arrependido, mandou, novamente, o profeta Elias junto dele, dizendo-lhe; - Estás a ver como Acabe anda humilhado perante mim? Visto que tomou essa atitude, não farei o que lhe prometi durante o tempo da sua vida; isso dar-se-á com os seus filhos; destruirei os seus descendentes.

E Elias foi anunciar a Acabe a mensagem que recebera de Deus.

 

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A CANETA DE MISTER ROBERT

Sábado, 13.02.16

No início da década de 50, vindo da Califórnia, chegou à Fajã Grande um homem já de idade avançada, com a intenção de não mais regressar aos Estados Unidos. Mister Robert, assim se chamava o velhote, fixou-se definitivamente, na Assomada, em casa de uns sobrinhos. Saíra das Flores ainda criança e nunca mais voltara à Fajã, desconhecendo por completo pessoas, usos e costumes. Mas, como era muito curioso e desconfiado, desde de logo manifestou uma enorme apetência para, como se dizia, “meter o nariz em tudo”.

Alguns dias após a sua chegada, ao passar em frente à igreja paroquial, decidiu entrar, com a denodada e exclusiva intenção de ver e conhecer o templo. Ao transpor a porta do guarda-vento, reparou, para espanto seu, que por cima da pia da água benta havia uma minúscula prateleira onde estavam colocados, muito bem arrumadinhos, uma série de pequenos objectos: pentes, ganchos de cabelo, terços, medalhinhas e até um canivete com o ferro enferrujado. Admirado com aquela panóplia e na tentativa de descortinar a razão por que estavam ali, dirigiu-se à Maria Eduarda, que, como habitualmente, permanecia horas a fio no templo, em oração. Ela, colocando, momentaneamente, os interesses de tão ilustre e invulgar visitante acima dos divinos e assumindo a sua qualidade de divulgadora mor dos usos, dos costumes e de tudo o mais que se passava na freguesia, interrompeu de imediato as suas rezas e veio muito prazenteira explicar, que aquilo eram objetos perdidos por alguém e que as pessoas ao encontrá-los, ali os colocavam para que o verdadeiro dono, ao entrar na igreja e ao meter a mão na pia da água benta, visse o objecto que perdera e assim o recuperasse.

Mister Robert achou aquilo “very interesting”. Era na realidade uma magnífica estratégia, nunca imaginada pelos americanos, para, com a colaboração de Deus, “devolver a César o que é de César”. Nem na Califórnia e possivelmente em nenhum outro estado americano se havia algum dia projetado ou posto em prática tão simples e inovadora forma de restituir a cada um o que, por direito próprio, lhe pertencia.

Encantado com aquela originalidade que engrandecia a admiração que começava a ter pela simplicidade e honestidade das gentes das ilhas, vai disto e, para testar o sistema, tira do bolso interior do seu casaco uma bela caneta de tinta permanente, novinha em folha, colocando-a na dita prateleira, no meio dos outros objetos.

Saiu do templo e continuou o seu périplo até ao Porto. Ao regressar a casa, algum tempo depois, voltou a entrar na igreja, e dirigiu-se para junto da pia, não para meter a mão na água lustral mas para reaver o que era seu.

Qual não foi o seu espanto ao verificar que lá ainda estavam arrumadinhos todos os outros objetos, mas a sua caneta tinha desaparecido.

Admiradíssimo e furibundo foi ter com a Maria Eduarda, recriminando-a por o ter enganado. Os objetos ali colocados não eram retirados pelos seus proprietários. Afinal ele, o dono ficara sem o que era seu, sem a sua caneta, nova e caríssima, que estimava tanto e que usava apenas para assinar os cheques.

A Maria Eduarda, apesar de beata, não era parva e explicou-lhe que afinal não era bem assim o que lhe tinha dito e esclareceu:

- Lá nunca colocamos o que é nosso, mas sim os objetos que encontramos, que os donos perderam e que não nos pertencem, pois, segundo a lei de Deus, “não devemos reter ou danificar os bens do próximo”. Colocar lá o que nos pertence é desafiar a justiça divina. Devemos lá colocar somente os objectos alheios, que pertencem aos outros… Ora Mister Robert colocou lá o que era seu… possivelmente Deus o terá castigado. – E concluiu com veemência: - Com a justiça divina não se brinca, Mister Robert, com a justiça divina não se brinca

Mister Robert saiu exasperado, desferindo impropérios sucessivos e prolongados, em americano, à pia da água benta, à Maria Eduarda, à honestidade das gentes das ilhas, à igreja, ao clero em geral e até à justiça divina.

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SOPRO ROUFENHO

Sexta-feira, 12.02.16

Acossado pela forte ventania, o enorme portão de madeira carcomida baqueava como se tivesse o diabo no corpo. Era o fim do dia e noite avançava escura, tristonha e ameaçadora. Sobre a montanha, nuvens muito bem desenhadas e definidas, misturadas com o vento de sudoeste, anunciavam que a calma e a tranquilidade dos dias anteriores tinham o seu fim.

Um vulto vestido de negro, veloz e destemido, aproximou-se do portão, prendeu-o com grossas correntes – não fosse o diabo do vento acabar por dar cabo dele – e subiu a escadaria que separava o portão da porta da sala, num ápice.

A sala era enorme, esconsa e enigmática. Das paredes pendiam quadros de vultos antigos. Homens de rosto tristonho, dominado por grandes bigodes, tez negra e alguns aureolados por uma enorme e desalmada calvície. Sobre as cómodas pagelas de santos, imagens, oratórios e vasos de flores murchas. O piso era assoalhado e nas janelas encastoavam-se vidros toscos. Num dos cantos uma estante repleta de velhos calhamaços e, ao lado, um sofá. Pendurado sobre este, na parede, um quadro com uma foto de bebé. Ao lado da sala havia um quarto com piso de tacos, pequeno mas muito iluminado. A dividir um enorme corredor e do outro lado três quartos enormes mobilados com camas antiquíssimas. Todos os quartos, para além das camas tinham penteadeiras, guardas roupas e uma ou duas cadeiras. Na extremidade do corredor, oposta à cozinha, havia uma outra sala com um sofá e duas poltronas e que seria a sala de visitas. Saindo do último quarto e virando para a esquerda situava-se a cozinha, enorme, esconsa e vetusta. Num cantinho ficava o fogão, noutro a pia e a geladeira. No centro uma mesa de dois metros, ladeada por imponentes cadeiras. O piso da cozinha era um azulejo todo quadriculado, desenhado de cor vinho alternado com um amarelo clarinho. Logo à frente, a casa de banho, o único lugar onde era tudo novo, pois tinha sido construído recentemente a substituir uma antiga nitreira que existia junto da casa. A cozinha tinha uma varanda com uma porta toda ela envidraçada. Da varanda descia uma escadinha que dava acesso a um quintal, ao fundo do qual ficava a lavandaria muito abandonada e sem uso.

Foi nesta casa que o vulto vestido de negro entrou. Divorciara-se no dia anterior. A casa, agora abandonada, pertencera outrora aos avós e mais tarde a uma tia que fizera as obras da casa de banho mas que, pouco tempo depois, emigrara para a América.

Ali nada mais existia do que o sopro roufenho do vento.

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SOPRO ROUFENHO

Sexta-feira, 12.02.16

Acossado pela forte ventania, o enorme portão de madeira carcomida baqueava como se tivesse o diabo no corpo. Era o fim do dia e noite avançava escura, tristonha e ameaçadora. Sobre a montanha, nuvens muito bem desenhadas e definidas, misturadas com o vento de sudoeste, anunciavam que a calma e a tranquilidade dos dias anteriores tinham o seu fim.

Um vulto vestido de negro, veloz e destemido, aproximou-se do portão, prendeu-o com grossas correntes – não fosse o diabo do vento acabar por dar cabo dele – e subiu a escadaria que separava o portão da porta da sala, num ápice.

A sala era enorme, esconsa e enigmática. Das paredes pendiam quadros de vultos antigos. Homens de rosto tristonho, dominado por grandes bigodes, tez negra e alguns aureolados por uma enorme e desalmada calvície. Sobre as cómodas pagelas de santos, imagens, oratórios e vasos de flores murchas. O piso era assoalhado e nas janelas encastoavam-se vidros toscos. Num dos cantos uma estante repleta de velhos calhamaços e, ao lado, um sofá. Pendurado sobre este, na parede, um quadro com uma foto de bebé. Ao lado da sala havia um quarto com piso de tacos, pequeno mas muito iluminado. A dividir um enorme corredor e do outro lado três quartos enormes mobilados com camas antiquíssimas. Todos os quartos, para além das camas tinham penteadeiras, guardas roupas e uma ou duas cadeiras. Na extremidade do corredor, oposta à cozinha, havia uma outra sala com um sofá e duas poltronas e que seria a sala de visitas. Saindo do último quarto e virando para a esquerda situava-se a cozinha, enorme, esconsa e vetusta. Num cantinho ficava o fogão, noutro a pia e a geladeira. No centro uma mesa de dois metros, ladeada por imponentes cadeiras. O piso da cozinha era um azulejo todo quadriculado, desenhado de cor vinho alternado com um amarelo clarinho. Logo à frente, a casa de banho, o único lugar onde era tudo novo, pois tinha sido construído recentemente a substituir uma antiga nitreira que existia junto da casa. A cozinha tinha uma varanda com uma porta toda ela envidraçada. Da varanda descia uma escadinha que dava acesso a um quintal, ao fundo do qual ficava a lavandaria muito abandonada e sem uso.

Foi nesta casa que o vulto vestido de negro entrou. Divorciara-se no dia anterior. A casa, agora abandonada, pertencera outrora aos avós e mais tarde a uma tia que fizera as obras da casa de banho mas que, pouco tempo depois, emigrara para a América.

Ali nada mais existia do que o sopro roufenho do vento.

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A RAPOSA E O LOBO

Quinta-feira, 11.02.16

A Raposa e o Lobo era um dos vários interessantes contos populares que vinham transcritos nos nossos livros escolares da terceira e quarta classes, na década de cinquenta, assim como Dom Caio, João Ratão e a Carochinha, a Águia e a Coruja, etc. Como os livros rareavam ou, no meu caso, até nem existiam, eram estes e muitos outros contos que se liam ou se ouviam contar e que, dia a dia, povoavam o nosso imaginário. O conto A Raposa e o Lobo rezava mais ou menos assim:

Certo dia uma raposa e um lobo mataram dois carneiros e fugiram. Depois que se acharam seguros, começaram a comer, mas apenas paparam um, deixando o outro inteiro, para o dia seguinte. Então a raposa propôs ao lobo:

- Compadre, o melhor que fazíamos era enterrarmos este carneiro, e virmos cá amanhã comê-lo juntos.

O lobo aceitou boa a ideia, no entanto, perguntou à raposa:

- Mas nem eu nem tu temos faro, como é que o havemos tornar a achar?

- Ao enterrá-lo, deixamos-lhe o rabo de fora. Assim, amanhã, ser-nos-á fácil encontrá-lo.

Assim fizeram. No dia seguinte apresenta-se o lobo junto da raposa e diz-lhe:

- Comadre, vamos comer o carneiro?

- Hoje não posso, - retorquiu a raposa - tenho de ir ser madrinha de um cachorrinho.

O lobo acreditou e esperou pelo dia seguinte. No entanto, a raposa foi ao lugar onde estava enterrado o carneiro, desenterrou-o e comeu um grande pedaço, voltando a enterrar o que sobrou. No outro dia voltou o lobo a perguntar-lhe:

- Que nome puseste ao teu afilhado?

- Comecei-te.

Responde o lobo:

- Que nome tão estranho! Vamos, hoje, comer ambos o carneiro?

- Ai compadre - diz-lhe a raposa, - hoje também não pode ser. Estou, novamente, convidada para ser madrinha.

O lobo conformou-se. A raposa voltou ao local onde estava o carneiro e comeu-lhe mais um bom pedaço. No dia, seguinte, muito esfomeado, voltou o lobo:

- Que nome deste ao teu novo afilhado?

- Meei-te. – Respondeu a raposa.

- Que nome tão esquisito! - Replicou o lobo - Vamos comer o carneiro?

A raposa tornou a escusar-se com outro batizado, e foi acabar de comer o carneiro. No dia seguinte, o lobo chegou junto dela e perguntou-lhe:

- Como se chama o teu afilhado?

- Acabei-te.

Muito esfomeado o lobo propôs:

- Vamos comer o carneiro?

A raposa, finalmente, concordou e foram os dois. Quando chegaram ao sítio, a raposa que deixara apenas o rabo do carneiro de fora, disse ao lobo:

- Puxe, com força, compadre.

O lobo puxou com tanta força que caiu de pernas para o ar, enquanto a raposa fugia dali às gargalhadas.

E nós, apesar de não conhecermos raposas porque não as havia na ilha das flores, ficávamos encantados com a esperteza da matreira.

 

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A LENDA DE FEVEREIRO

Quarta-feira, 10.02.16

Muito nos ensinavam os nossos avós. Perante as nossas mais estranhas e inquietantes dúvidas e interrogações, que geralmente até nem formulávamos, havia sempre uma resposta. Algumas vezes um ditado, uma aravia, uma simples explicação outras, a maioria, uma história ou uma lenda. E eram estas as que mais nos cativavam.

Ora uma das questões que muito intrigava a criançada da Fajã Grane, na década de cinquenta, era a de saber a razão pela qual todos os meses tinham trinta ou trinta e um dias, enquanto Fevereiro tinha apenas vinte oito,

A explicação vinha-nos através duma pequena lenda. Era a seguinte:

Uma vez o Fevereiro estava cheio de fome e não tinha que comer. Encheu-se coragem e decidiu pedir ao seu vizinho Março uma tigela de papas.

Março aceitou o pedido mas com uma condição, por isso disse ao Fevereiro:

— Só te dou uma tigela de papas se tu me emprestares três dias dos teus.

Fevereiro que estava morto de fome, aceitou a proposta e emprestou ao Março três dos seus dias. Só que Março, atrevido, nunca lhos devolveu, ficando com eles para sempre, enquanto Fevereiro reclamava e chorava de tristeza. Parece que Março, para o calar, ainda lhe fez uma promessa. De quatro em quatro anos havia de lhe emprestar um dia para o consolar.

E assim aconteceu até hoje. Fevereiro ficou com vinte oito dias e Março com trinta e um. Apenas de quatro em quatro anos, como vai acontecer este ano, terá vinte e nove.

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DIA D'INTRUDE

Terça-feira, 09.02.16

Na década de cinquenta, a terça-feira de Carnaval, na Fajã Grande chamada popularmente por “Dia d’Intrude” assim como o domingo que a antecedia e que era designado por “Dmingue Gorde” eram dias consagrados ao divertimento e à folia e, estranhamente, festejados e celebrados mais entusiasticamente do que, por exemplo, o Natal ou Páscoa, as maiores festas cristãs do calendário litúrgico e religioso, ambas plenas de costumes, de tradições e de festejos, noutras regiões do país. Não havia casa, incluindo as mais pobres, que não tivesse o cardápio melhorado naqueles dias, do qual constava, infalivelmente, galo ou galinha guisado, acompanhado com inhames e filhoses. A maioria dos homens, sobretudo os mais jovens, divertiam-se à brava, mascarando-se, fantasiando-se e disfarçando-se de formas estranhas, por vezes esquisitas e até assustadoras e com os mais extravagantes trajes, numa completa transformação, não apenas do seu aspecto físico mas também da sua personalidade e da sua maneira de ser, chegando mesmo a alterar as suas formas físicas e o próprio sexo. Incompreensivelmente, às mulheres era absolutamente “proibido” participar activamente em todos os folguedos destes dias e muito menos mascar-se ou fantasiar-se, sendo-lhes permitido, apenas, assistir como espectadoras passivas a todas as brincadeiras, pirraças, assaltos alegres às casas de uns e outros, assim como às danças de entrudo que, apesar de autênticas manifestações da cultura popular, também estavam interditas ao sexo feminino, talvez por influência de crenças e convicções religiosas. Estranhamente eram alguns homens que se fantasiavam de mulher para formarem pares e dançarem uns com os outros, nas chamadas “danças de Carnaval”.

Mas estes dias, na Fajã Grande, eram realmente dias de grande festança e alegria. Em primeiro lugar ocupavam lugar de destaque, as célebres e tradicionais danças de Entrudo, não apenas as que se organizavam na freguesia, mas até algumas vindas de outras freguesias, geralmente, da Fajãzinha. Ensaiadas e preparadas muitas semanas antes, no que dizia respeito à letra e música de cada uma, ao fabrico e arranjo de roupas e adereços e aos ensaios das cantigas e da própria dança. Entre as brincadeiras, a da água era a rainha. Nesse dia toda e qualquer pessoa, incluindo as mulheres, podiam atirar água para cima de outrem que ninguém levava a mal. Só que depois vinha a “vingança” por parte daquele ou daquela que inicialmente havia sido molhado E então aconteciam autênticas batalhas de água, com o objectivo de ver quem atirava mais água para cima de um “adversário”, servindo para tal tudo o que fosse vasilhame manejável. Muitas vezes, à água misturava-se farinha e, eventualmente, outros ingredientes menos aconselháveis.

Finalmente, em cada casa o almoço era, substancialmente, melhorado. No domingo gordo havia filoses, doiradas, salpicadas com açúcar e canela, saborosas, deliciosas, quase celestiais de se comer e chorar por mais. Antes porém, o galo, morto de véspera, guardado em vinha-d’alhos, de um dia para o outro. Depois de rosado e guisado, era colocado à mesa a fumegar, juntamente com uma travessa de inhames, a encher a casa de odores perfumados e os comensais de apetites devoradores. Na terça-feira tudo se repetia, acrescentando-se ao galo ou substituindo-o por torresmos e linguiça e uma morcela ou outra que para tal se havia guardado, da altura da matança.

Na realidade, sendo o Entrudo ou Carnaval uma festa de lazer e divertimento, mas cujo significado e vivências se associam à cultura de cada povo, a Fajã Grande também o celebrava à sua maneira e de acordo com as suas potencialidades, não devendo, no entanto, ser estranha a estes festejos alguma influência oriunda de outras localidades, naturalmente trazida pelos primeiros povoadores, nomeadamente no que dizia respeito às danças e sobretudo à tradição de nestas circular um velho ou uma velha. É que em muitas localidades do norte de Portugal celebra-se, nestes dias, o “Culto do Velho ou da Velha” que simboliza uma espécie de despedida do Inverno e o acolhimento da Primavera, que está prestes a chegar. Tudo isto, talvez, vestígios de cultos pagãos muito antigos. Na Fajã Grande também se designava o Carnaval por “Velho Entrudo”.

Os festejos de Carnaval, na Fajã Grande, no entanto, também tinham um outro significado importante, na medida em que, como que representavam uma espécie de subconsciente colectivo, dado que era uma festa de liberdade, onde tudo era permitido fazer-se, e onde normas, preceitos e costumes se esqueciam para permanecer durante três dias o quase "vale tudo", libertando-se, assim, o sofrimento, a dor e a vida dorida daquele um povo.

Por mim confesso que, em criança, era tanto o medo que eu tinha dos mascarados e dos velhos das danças que não saía de casa naqueles dias. Como era geralmente no “Dia d’Intrude” que meu pai fazia o canteiro da batata-doce, na terra da porta, junto ao monte do estrume do gado, eu pelava-me para ficar com ele e o ajudar nesse dia, encontrando assim um excelente pretexto para me evadir dos festejos carnavalescos e sobretudo de ser agarrado pelos “velhos” mascarados das danças que se atiravam aos “pimpolhos como cães a bofes”.

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LITÂNIA DOLOSA

Segunda-feira, 08.02.16

 

O tumulto é um vento que sopra à noitinha.

- Não se apaga com o esvoaçar do silêncio.

 

A incerteza é uma penumbra que vacila com a brisa matinal.

- Não se desfaz com o amordaçar da soledade.

 

A inquietação é uma mordaça que embriaga os choupos ressequidos.

- Não se extingue com o volatizar da aparência.

 

O medo é um rugido que atormenta o verde das florestas.

- Não se ouve com a miragem do deserto.

 

A esperança é um mar revolto e sem navios.

- Todas as ondas teimam em não regressar.

 

O fim é o princípio voltado ao contrário.

- Todas as luzes prometeram não voltar a acender-se.

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QUANDO DEUS CRIOU O MUNDO

Domingo, 07.02.16

Antigamente, sobretudo quando alguma pessoa caía ao mar e morria ou quando se tinha conhecimento de que isso tivesse acontecido noutra freguesia, noutra ilha ou em qualquer outra parte do mundo, as pessoas mais velhas explicavam que tal acontecia porque quando Deus criou o mundo formou o mar e a terra e tudo quanto neles existe. O mar no entanto ficou muito invejoso e pediu a Deus que o deixasse comer, todos os dias, um pedaço da terra do tamanho de um cabelo. Deus, no entanto, não aceitou pois se o mar tirasse, em cada dia, um pedaço da terra mesmo que fosse do tamanho de um cabelo, passados milhares e milhões de anos, havia de comê-la e destruí-la por completo. Mas o mar era muito ganancioso e, perante a recusa de Deus, fez-Lhe um segundo pedido. Que ao menos lhe deixasse comer um dos habitantes da terra, ou seja um homem, em cada dia. Como Deus já não podia negar-lhe um segundo pedido, ficou, na verdade, combinado que em cada dia o mar havia de comer um ser humano. É por essa razão que todos os dias no mundo cai e é engolida pelo mar uma pessoa.

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DOM CAIO

Sábado, 06.02.16

Na Fajã Grande, na década de cinquenta, a ganapada mais astuta e que se considerava mais dominadora, sobretudo a que andava na escola primária, aproveitava tudo o que aparecesse mais à mão, para por um apelido a este ou aquele, sobretudo aos mais desprotegidos. Eu não fugia à regra, como vítima, o que me deixava grandes amargos de boca.

Ora o nosso livro da quarta classe, entre muitas outras estórias, com as quais eu delirava e adorava ler, até porque não havia livros na minha casa a não ser os escolares, tinha uma intitulada Dom Caio, que rezava assim:

Era uma vez um alfaiate muito poltrão, que estava trabalhando à porta da sua casa. Como tinha medo de tudo, o seu gosto era fingir de valente.

Certo dia viu muitas moscas juntas e de uma pancada matou sete. D'aqui em diante não fazia senão gabar-se:

— Eu cá mato sete de uma vez!

Ora o rei andava muito aparvalhado, porque lhe tinha morrido na guerra o seu general Dom Caio, que era o mais valente que havia, e as tropas do inimigo já vinham contra o seu reino, porque sabiam que não havia quem pudesse combate-las. Os que ouviram o alfaiate andar a dizer por toda a parte: «Eu cá mato sete de uma vez!» foram logo dizê-lo ao rei, que se lembrou de que quem era assim tão valente seria capaz de ocupar o posto de Dom Caio. Veio o alfaiate á presença do rei, que lhe perguntou:

— É verdade que matas sete de uma vez?

— Saberá Vossa Majestade que sim.

— Então n'esse caso vais comandar as minhas tropas, e atacar os inimigos que já me estão cercando.

Mandou vir o fardamento de Dom Caio e vestiu-o no alfaiate, que era muito baixinho, e que ficou com o chapéu de bicos enterrado até às orelhas. Depois disse que trouxessem o cavalo branco de Dom Caio para o alfaiate montar. Ajudaram-no a subir para o cavalo, mas ele já estava a tremer como varas verdes. Assim que o cavalo sentiu as esporas botou á desfilada, e o alfaiate a gritar:

— Eu caio, eu caio!

Todos os que o ouviam por onde ele passava, diziam:

— Ele agora diz que é o Dom Caio; já temos homem.

O cavalo que andava costumado ás escaramuças, correu para o sitio em que andava a guerra, e o alfaiate com medo de cair ia agarrado ás clinas, a gritar como desesperado:

— Eu caio, eu caio!

O inimigo assim que viu vir o cavalo branco do general valente, e ouviu o grito: «Eu caio, eu caio!» conheceu o perigo em que estava. Disseram os soldados uns para os outros:

— Estamos perdidos, que lá vem o Dom Caio; lá vem o Dom Caio.

E começaram a fugir à debandada. Os soldados do rei foram-lhe no encalço, matando-os e o alfaiate ganhou assim a batalha só em agarrar-se ao pescoço do cavalo e em gritar: «Eu caio.» O rei ficou muito contente com ele, e em paga da vitória deu-lhe a princesa em casamento, e ninguém fazia senão louvar o sucessor de Dom Caio pela sua coragem e bravura

Ora como eu adorava ler esta estória e o meu nome tinha uma sonância semelhante ao do principal protagonista da estória, foi-me imprimido o caráter indelével de um novo apelido: Dom Caio.

Nunca percebi, no entanto, qual o Dom Caio que predominava nas mentes danosas dos meus colegas de infância, se o valoroso general Dom Caio ou o tímido alfaiate numa ou outra das suas aparências: tímido e amedrontado ou consagrado como herói do reino. Mas verdade que a julgar pela galhofa dos que, permanentemente, me atribuíam o epíteto, de certeza que era o pobre e tímido alfaiate, entretido a matar moscas e a vangloriar-se disso. E bem me entristecia!

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MÃO DE MESTRE

Sexta-feira, 05.02.16

“Mão de mestre é unguento.”

 

Este adágio muito utilizado na Fajã Grande, na década de cinquenta, era um verdadeiro elogio à sabedoria, pese embora não fosse exclusivo daquela freguesia uma vez que era e é utilizado em muitas outras localidades não só das ilhas mas também do continente. Consta que até Fernando Pessoa se recorria dele para fundamentar alguns dos seus pensamentos. Recorde-se qua a palavra unguento significa, simplesmente, qualquer medicamento para uso externo, pouco consistente, e que tem por base uma substância gorda, portanto algo que cura E será este aqui o seu significado. Tudo se cura, se concerta ou se resolve da melhor forma se a pessoa em causa for mestre, se tiver conhecimento prático daquilo que está a fazer. Isto aplic a-se a todo o tipo de atividades, mas usava-se muito concretamente, quando se referia a problemas de saúde e que eram ultrapassados com a ajuda de alguém que sabia o que estava a fazer. Na Fajã estes mestres do unguento eram sobretudo dois: a Senhora Mariquinhas do Carmo e o pároco da Fajãzinha o padre António Joaquim Inácio de Freitas. Na verdade, assim como em todas as localidades, na Fajã Grande havia um conjunto de saberes, baseado na experiência quotidiana, na observação meticulosa e contínua do meio natural, numa tentativa de conhecer o meio natural, de perceber, conhecer e dominar os princípios pelos quais se regem as leis da natureza e, sobretudo, de alterar ou modificar o seu curso. Este conhecimento, esta experiência e este domínio vão-se transmitindo de geração em geração arquivando-se numa cultura tradicional. Quem a domina é mestre e, nas mãos deste, tudo tem remédio ou solução, Por isso é que estas (mãos de mestre) são bálsamo ou unguento.

 

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PALAVRAS, EXPRESSÕES E DITOS UTILIZADOS NA FAJÃ GRANDE (XXII)

Quinta-feira, 04.02.16

Abertura – Hérnia.

Amarlicado – Doente. Pálido.

Aporrinhado – Fraco.

Arrelique – Pequeno biscoito doce, feito com as sobras do pão adubado, destinado às crianças.

Arremata-te – Porta-te bem.

Atilhos – Atacadores.

Augador – Regador

Bargas – Cuecas, ceroulas.

Bicha – Pénis.

Brabeza – Mau estado do mar.

Britsa – Brígida (nome próprio).

Bufar – Atirar jatos de água pela boca. (Brincadeira das crianças quando brincavam à (Caça à Baleia”)

Contar de cabeça – Contar sem operações aritméticas.

Consolado – Deliciado.

Cisco – Lixo resultante do varrer a casa.

Chave de boca de grilho – Chave inglesa.

Católica – Saúde (na frase – Como vai essa católica ou em contexto semelhante.)

Carrinho – Queixo.

Cara de cu à paisana – Pessoa feia e tola.

Cara abogangada – Cara de parvo.

Cão Feio – Diabo.

Cambulhão – Maçarocas de milho amarradas conjuntamente por um fio de casca.

C’mum ceste rote – Que não sabe guardar segredos.

C’mé dade – Como deve ser.

Dar de meias – Arrendar, sendo o pagamento da renda feito com metade do que o terreno produz.

Delgadinho – Magro

Desabalar – Fugir.

Desinçar – Arrancar ervas daninhas de ent as plantações.

Direito adiente – Caminho reto.

Emparreada (porta) – Difícil de abrir.

Empeçar – Bater num obstáculo e quase cair.

Encher o pandulho – Comer bem.

Enjorcado – Mal vestido.

Enredeadeira – Mulher intriguista.

Enrolar – Enganar.

Esbragalado – Mal vestido.

Escalar peixe – Abrir o peixe (geralmente vejas) e secá-las ao sol.

Escangalhar-se a rir – Rir muito.

Estufar o pão – Colocar o pão sobre o vapor de água, para que refresco. Esta operação, muito frequente quando o pão era velho e duro, era feita num caldeirão, tendo dentro a água e um suporte de madeira sobre o qual era colocado pão, a fim de que este não tocasse na água, mas apenas refrescasse com vapor.

Inimigo – Diabo

Jampo - Salto

Limber – Lamber.

Mais uma pá corda do sino – Mais uma asneira ou trapalhada

Mal avesado – Mal habituado.

Mala – Correio.

Malhão – Pedra, geralmente trazida do rolo, e que servia para delimitar as propriedades e terrenos divididos por partilhas, que substituía as paredes.

Moucha – Vaca sem cornos.

Oitono – Forrageiras em que se colocavam as vacas amarradas a uma estaca.

Olho na faca olho na lapa – Ter cuidado.

Pedir pra trás – Devolver.

Pexeiro – Cana grande com um anzol amarrado na ponta para tiar os polvos dos buracos.

Por alma da caixa velha – Muito (sobretudo pancada)

Pregar um pulo – Assustar-se

Ser c’ma mão de Deus – Mezinha eficiente para uma cura.

Sivela – Agulha de sapateiro.

Talho – Grande corte ou ferida.

Tendal – Armação de madeira dividia em vários quadrados onde se tendia o pão antes de o meter no forno.

Terramotada – Grande barulho.

Tintura vermelha – Mercurocromo.

Tomar pé – Parte do mar pouco funda.

Tosse de guincho – Tosse convulsa.

Traçalho – Pedaço de carne ou de pão

Trussas – Cuecas

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ILHA DO PICO

Quarta-feira, 03.02.16

Com uma superfície de cerca de 447 quilómetros quadrados, o Pico é a segunda maior ilha açoriana, depois de S. Miguel. O Pico, também designado por Ilha Montanha está distanciado do Faial por pouco mais de oito quilómetros e de São Jorge por cerca de quinze. Segundo o Censos de 2011 a população residente na mais alta ilha açoriana é de catorze mil e oitocentos habitantes. O Pico mede quarenta e dois quilómetros de comprimento e vinte de largura. Deve o seu nome à majestosa montanha vulcânica, a Montanha do Pico, que termina num pico chamado Pico Pequeno ou Piquinho. É a mais alta montanha de Portugal e a terceira maior montanha que emerge do Oceano Atlântico, atingindo 2.351 metros de altitude.

Administrativamente, a ilha é constituída por três municípios: Lajes do Pico e da Madalena, ambos com seis freguesias, e São Roque do Pico, com cinco freguesias.

Atualmente o Pico dispõe de um moderno aeroporto regional com ligações aéreas diretas com Lisboa e os aeroporto das Lajes na Terceira e de Ponta Delgada em São Miguel, dispondo ainda de duas ligações semanais com Lisboa. Por via marítima a ilha do Pico tem ligações marítimas diárias, operadas pela Transmaçor, com a cidade da Horta, no Faial e com a vila das Velas, na ilha de São Jorge. Durante os meses de Verão, a ilha usufrui de ligações marítimas regulares com as restantes ilhas do arquipélago operadas pela Açorline.

Geologicamente, dizem os compêndios que a ilha emergiu de uma fratura tectónica de orientação ONO-ESSE, precisamente a mesma que deu origem à ilha do Faial, denominada Fratura Faial-Pico, sendo formada por três regiões distintas: Complexo Vulcânico do Topo, Complexo Vulcânico de São Roque e Complexo Vulcânico da Montanha do Pico

Historicamente a ilha do Pico integrava o conjunto de três ilhas designadas por Ilha da Ventura e dos Pombos. Na Carta Catalã de 1375, a ilha aparece individualizada simplesmente como Ilha dos Pombos. Em 1460, a sua designação henriquina era Ilha de São Dinis. Em 28 de Dezembro de 1482, o flamengo Josh van Hurter, Capitão-do-donatário da Ilha do Faial, obtêm da Infanta D. Beatriz a Capitania da Ilha do Pico, em virtude de Álvaro de Ornelas não ter tomado posse da ilha. No ano seguinte, em 1483, ao longo da sua costa sul tem início do povoamento da ilha. Lajes do Pico, pequeno porto e recifes e lajedos dispersos fundado numa fajã lávica, foi elevada a vila em 1501. São Roque do Pico, na costa norte da ilha, foi elevada a vila em 10 de Novembro de 1542. Madalena, fonteira à Ilha do Faial, foi elevada a vila a 8 de Março de 1723.

Em termos de património histórico, arquitetónico e natural, na Madalena, há a destacar a Igreja Santa Maria da Madalena, o mais importante templo da ilha; o Museu do Vinho, instalado no antigo Convento das Carmelitas; a Gruta das Torres, na Criação Velha; Museu Etnográfico da Criação Velha; a Furnas de Frei Matias; Mistério da Santa Luzia. Em São Roque do Pico destacam-se as Furnas de Santo António; Mistério da Prainha e Museu da Indústria Baleeira. Por sua vez nas Lajes do Pico, a vila mais antiga e onde se crê que se terá iniciado o povoamento, o Museu dos Baleeiros; Museu dos Cachalotes e Lulas, em São João; Museu Marítimo de Construção Naval, em Santo Amaro, Escola de Artesanato de Santo Amaro, Mistério de São João; Mistério da Silveira.

A Reserva Natural da Montanha do Pico foi criada a 12 de Maio de 1982, pelo Decreto Regional 15/82/A. Corresponde a um estrato vulcão com uma altitude máxima de 2351 metros, sendo a montanha mais alta de Portugal. Além da sua riqueza geológica e biológica, a Montanha do Pico apresenta um elevado valor paisagístico. Por sua vez a Paisagem Protegida da Cultura da Vinha da Ilha do Pico, foi criada em 1996. Em Julho de 2004, a UNESCO considerou-a como Património Mundial da Humanidade. A área engloba os lajidos das freguesias da Criação Velha e de Santa Luzia. O famoso vinho do Pico é cultivado em pequenas quadrículas de terreno onde crescem as vinhas, separados por muros de basalto negro feitos de pedra solta, chamados localmente de "currais". Destaque para os "maroiços", diversos amontoados de pedra basáltica em forma de pirâmide, ajuntados a quando da limpeza das terras. Localizado na freguesia da Criação Velha, a Gruta das Torres foi classificada Monumento Natural Regional. É o maior túnel lávico conhecido nos Açores, com cerca de 5.150 metros de comprimento e altura máxima de 15 metros. É constituída por um túnel principal de grandes dimensões e por vários túneis secundários laterais e superiores. O seu interior é rico em formações geológicas muito variadas. Presentemente, pretende-se constituir um Parque Nacional na Ilha do Pico, englobando a Montanha do Pico, o Planalto Central com as suas lagoas e a Paisagem Protegida da Cultura da Vinha da Ilha do Pico.

A nível de tradições e festasse a Festa e Procissão do Senhor Bom Jesus, em São Mateus, a Semana dos Baleeiros e a festa de N. Senhora de Lurdes, nas Lajes, o Cais Agosto no Cais do Pico - São Roque, a Festa de São Roque, Festas de Santa Maria Madalena, Semana das Vindimas e as Festas do Divino Espírito Santo, em todas as freguesias e na maioria das localidade da ilha.

Os picoenses dedicam-se à agricultura, pecuária, pesca e a vinicultura. As principais fontes de rendimento agrícola são os produtos hortícolas, a fruta e os cereais. A pecuária está muito desenvolvida, em especial, no município de São Roque do Pico. A pesca é outra atividade económica muito importante. As indústrias da ilha estão, na sua quase totalidade ligadas ao ramo alimentar, laticínios, conserveira, destilarias e moagens. Ultimamente tem havido um significativo crescimento do turismo, nomeadamente do turismo rural, passeios em trilhos pedestres, observação de baleias e pesca submarina. Mas o destaque vai para a vinicultura que, outrora, foi uma das grandes riquezas da ilha que produzia o afamado Verdelho do Pico, era escoado para cidade da Horta para ser exportado para a Inglaterra, a América do Norte e Rússia. No artesanato, destaca-se a escultura em basalto e em osso de baleia, bem como rendas e bordados.

 

NB - Dados retirados da Enciclopédia Açores

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RESSARCIMENTO

Terça-feira, 02.02.16

Há alguns anos, no início de um novo ano letivo foi-me atribuída uma turma vinda da, então denominada, quarta classe. Havia de tudo. Um punhado de bons alunos, educados e trabalhadores, possuindo competências e capacidades de aprendizagens invejáveis. Outros, a maioria, assim e assim. Finalmente, uma diminuta parte, constituída por um grupo de pequenos meliantes, pouco interessados, permanentemente distraídos, desanexados dos livros e desleixados nos trabalhos, revelando inúmeras dificuldades de aprendizagem. Como se isto não bastasse, ocupavam os recreios com brincadeiras violentas e, por vezes, estúpidas, que, para além de amachucarem e ofenderem os colegas, punham os cabelos em pé a professores e funcionários.

Entre os primeiros havia um aluno pequeno, franzino e indefeso que aparentava uma origem disfarçadamente burguesa e um feitio revelador de uma excessiva proteção familiar, nomeadamente por parte da avó, que passava os dias à porta da escola e não dava tréguas à Diretora de Turma. O aspeto físico do garoto, o feitio ameninado que transparecia dos seus gestos e atitudes e o exagerado protecionismo por parte avó, transformaram-no em alvo preferido de chacota na turma.

Preocupado com a situação do “Pedrinho” e analisando-a melhor, verifiquei que havia um aluno na turma, um dos mais atrevidotes do grupo dos meliantes, que se envolvia, permanentemente, em confusões, em brigas e em zaragatas, mas com o “Pedrinho nunca se metia. Pelo contrário, protegia-o com notório e exagerado cuidado. Se o insultavam era empurrão garantido ao ultrajante, se lhe batiam era bofetão certo no agressor, se o injuriavam era um chorrilho de ameaças intimidativas.

Tão exagerado protecionismo inquietou-me. Percebi que algo de especial se passava sem, no entanto, entender o que quer que fosse.

Por isso, certo dia, no fim duma aula, pedi ao Hugo (assim se chamava o suposto paraninfo do “Pedrinho”) para não sair da sala, com os outros. Queria falar com ele. Barafustou, crispou-se, mas lá esperou contrariado.

Depois de todos saírem e de eu ambientar a conversa, perguntei:

- Olha lá. Tu és parente do Pedrinho?

- Não.

- És vizinho ou amigo dele?

-Não?

- Então porque é que estás sempre a protegê-lo quando lhe batem ou o ofendem e não fazes isso aos outros?

Baixou os olhos e calou-se. Como eu insistisse, ele, continuando absorto e sem olhar para mim, respondeu simplesmente:

- Não sei.

Cada vez mais intrigado, insisti. Não respondeu. Depois, sempre com os olhos fixos no chão, indagou:

- Se eu lhe contar o Setôr não vai dizer nada à Diretora de Turma?

- Claro que não. Podes falar à vontade.

- Nem vai fazer queixa ao Conselho Diretivo.

Que não ia fazer queixa a ninguém, que estivesse descansado, que aquela conversa ficava entre nós.                                                       

Permanecemos os dois em silêncio, durante algum tempo. Finalmente o garoto levantou os olhos e olhou para mim. Foi então que vi à minha frente um rosto que, apesar de queimado pelo Sol e salpicado de sujidade, revelava um débito indefinido de ternura misturado com uma sinceridade incontroversa. Foi então que eu vi uns olhos azuis, ofuscados por lágrimas, mas sinceros, a difundirem um arrependimento autêntico e um remorso verdadeiro. Foi então que eu vi uma criança fustigada pelo infortúnio, mergulhada na desventura, travada pelo intransponível tapume da injustiça humana, mas ávida de saldar e ressarcir o “seu crime”. Estancando com as costas da mão o monco que lhe escorria do nariz, aos soluços, o Hugo disse-me com medo, com muito medo:

- Setôr, eu… uma vez … gamei… gamei cem paus à avó dele

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SENTIR E PENSAR

Segunda-feira, 01.02.16

“A maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento. Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver. Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar.”

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

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