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FERNANDO MARIA DE SOUSA

Quinta-feira, 31.03.16

O poeta Fernando Maria de Sousa nasceu na Horta, em 1867, tendo falecido no Marco de Canaveses, em 1914. Era primo pelo lado materno dos irmãos florenses Carlos e Roberto de Mesquita. O seu pai ere oficial náutico e morreu num naufrágio com o barco que comandava, era ele ainda muito jovem. Apesar de órfão Fernando de Sousa ainda jovem, terá estudado a expensas da companhia armadora desse navio, primeiro em Lisboa, depois na Horta e, mais tarde em Coimbra onde terminou o curso de Leis. Foi advogado e conservador do Registo Predial no Marco de Canavezes.

Nos primeiros anos de Coimbra interessou-se pela política e foi um dos estudantes que, no fim de 1890, secundou a revolução portuense de 31 de Janeiro. Colaborou com a imprensa republicana, nomeadamente e foi preso várias vezes como agitador de sublevações contra a monarquia.

Todavia, foi como poeta que ficou conhecido. Marcelino Lima considera-o um dos melhores poetas faialenses do último quartel do século XIX, iniciando a sua carreira literária em 1883, altura em que publicou os primeiros versos influenciado por Guerra Junqueiro. É considerado um poeta simbolista, sendo a sua obra mais importante o livro de poemas Via Sacra.

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

 

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publicado por picodavigia2 às 00:05

O LUGAR DOS PAUS BRANCOS

Quarta-feira, 30.03.16

O pau-branco, é uma árvore endémica açoriana, existente em todas as ilhas do arquipélago, exceto na Graciosa. Atinge os oito metros de altura, tem folhas lanceoladas a ovaladas, com flores brancas e frutos de tom azulado escuro, semelhantes aos da oliveira, árvore a cuja família pertence, mas curiosamente a oliveira não vegeta nos Açores. A sua madeira é muito apreciada e utilizada sobretudo no fabrico de móveis.

Cuida-se que no início do povoamento o pau-branco, que se desenvolve juntamento com o incenso e a faia, existiria em grande quantidade nas ilhas açorianas. No entanto, com início da colonização, as zonas mais soalheiras e de melhor terreno foram assoreadas dando origem a terrenos agrícolas para cultivo dos cereais ou a pastagens para a criação de gado, o que provocou um enorme desbaste da mancha florestal primitiva. As espécies menos resistentes, como o pau-branco foram as mais prejudicadas. Atualmente, dado o abandono de muitos campos agrícolas e pastagens, as espécies mais persistentes como a faia e, sobretudo, o incenso são as mais privilegiadas e protegidas pela natureza. A ampla plantação, no século passado, de outras espécies, com destaque para a acácia e, sobretudo, para a criptoméria, também terão contribuído para o lento desaparecimento de algumas endémicas, entre as quais o pau-branco.

No entanto ficou a sua memória e, sobretudo, a sua marca indelével na toponímia de muitas localidades. Foi o que aconteceu na Fajã Grande, freguesia que entre os seus variadíssimos lugares, possuía um com o nome de Paus Brancos.

O lugar dos Paus Brancos situava-se na parte sul da freguesia, próximo da chamada zona da Lagoinha ou Alagoinha, paredes meias com a Rocha. Era um amplo espaço onde existiam três tipos de propriedades: algumas terras de mato, onde proliferavam incensos, faias, loureiros, sanguinhos, entrelaçados entre fetos e cana roca, uma outra lagoa e várias relvas. As lagoas eram terrenos onde, desmesuradamente, crescia a erva. E onde existiam os inhames de água. No entanto, como eram inundadas com a água que descia quer da Ribeira dos Paus Brancos quer das várias grotas que proliferavam na Rocha, eram terrenos muito alagadiços, o que fazia com que a erva crescesse de tal modo que, com alguma frequência, era ceifada e acarretada aos molhos para os palheiros sobretudo para alimentação das vacas leiteiras.

Formando uma ampla planície e protegido dos ventos pela Rocha e pelo Pico Agudo que lhe ficava em frente, o lugar dos Paus Brancos, assim como a sua vizinha Alagoinha era muito fértil e de excelentes pastagens, pese embora se situasse já nos contrafortes da Rocha que, neste lugar era extramente firme, hirta e segura, pois ali não havia derrocadas ou ribanceiras e geralmente não caíam pedras. A Rocha, apesar da água que por ela descia, era tão firme que através dela, havia sido, em tempos idos, construída uma vereda que dava acesso às relvas do mato, nomeadamente às do Rochão do Junco, do Rochão Grande, do Serrado Velho e do Rochão Tamusgo que lhe ficavam sobranceiros.

O lugar dos Paus Brancos a leste fazia fronteira com a Rocha do mesmo nome, a norte com a Alagoinha de Baixo, a oeste com o caminho e com o Pico Agudo e a Sul com a Alagoinha de Cima e com Mateus Pires. O acesso às propriedades fazia-se através de uma canada que se iniciava no enorme largo do Pico Agudo, onde havia um descansadoro.

A origem deste topónimo é de fácil e simples explicação. Decerto que provinha do facto de ali existirem inicialmente muitos paus-brancos que aos poucos terão desaparecido devido ao arroteamento e transformação de algumas terras de mato em pastagens e lagoas e, mais tarde, devido à plantação de criptomérias.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

UMA POBRE MULHER

Terça-feira, 29.03.16

Era uma pobre mas honrada e trabalhadora mulher que quando saía de casa para ir trabalhar os seus campos, juntamente com o seu marido, deixava os filhos sozinhos em casa mas, mas antes de parir, dizia às suas vizinhas:

 - Ó vizinhas, se ouvirem os meus filhos chorarem, façam-me o favor de os ir buscar para as vossas casas e dar-lhes de comer.

As vizinhas, empertigadas, respondiam com desdém:

- Nosso Senhor não é surdo, ainda a há-de castigar esta desavergonhada.

Passado um ano, a mulher ficou grávida e teve dois filhos gémeos. Como já era de idade, não tinha leite que chegasse para as duas crianças. Assim, quem os criou foram duas cabras que a mulher possuía. Um ano depois voltou a ficar grávida e teve três gémeos, duas meninas e um menino. Também estes foram alimentados com o leite das cabras.

Cuidavam as pessoas que isto era um castigo por a mulher abandonar os filhos.

Certo dia viram aparecer no lugar onde a mulher vivia, vinda não se sabia de onde, uma velhinha que se acomodou num velho palheiro nas proximidades da localidade. Todos os dias a velhinha, depois de a mulher sair para trabalhar os seus campos, dirigia-se para a casa onde as crianças estavam sozinhas. Ninguém sabia o que a velha fazia pois tinha as portas sempre fechadas e saía sempre antes que a mãe das crianças regressasse dos campos.

Viveram neste mistério durante algum tempo. Mas depois, para espanto de todos, as crianças começaram a sair de casa e a andar pelas ruas mas estavam todas muito gordinhas, sinal de que não haviam passado fome e que tinham sido bem tratadas.

O povo compreendeu, então, que afinal se a mulher saía para os campos e pedia às vizinhas para lhe cuidarem dos filhos era porque era muito pobre e necessitava de trabalhar nos campos para os poder criar.

A partir de então toda a gente ajudava, sempre que ela necessitava, a pobre e honrada mulher.

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A ANTIGA PONTE DA RIBEIRA DAS CASAS

Segunda-feira, 28.03.16

Antes de ser construída, já em plena década de sessenta, a atual estrada que liga a Ponta à Fajã, existia uma antiga ponte de madeira, na Ribeira das Casas, quase no mesmo local onde está localizada a atual ponte de betão, integrada no troço daquela estrada.

A antiga ponte da Ribeira das Casas era de suma importância quer para a população da Fajã, quer sobretudo para a da Ponta e muito contribuiu para o desenvolvimento dois mais importantes lugares que, juntamente com a Cuada, constituíam a freguesia da Fajã Grande na primeira metade do século passado.

A importância desta ponte advinha do facto de terem obrigatoriamente de a atravessar as gentes da Ponta que se deslocavam quer à Fajã quer às restantes localidades da ilha, com exceção de Ponta Delgada cujo acesso era feito pela Rocha do Risco. Do mesmo modo os habitantes da Fajã Grande tinham que passar por ali, não apenas quando se deslocavam à Ponta ou a Ponta Delgada mas também quando se iam para as suas terras de cultivo, para as pastagens do Vale do Linho, para as terras de cultivo do Rego do Burro, para as lagoas das Covas ou para as terras de mato da Rocha do Vime e das Covas assim como para muitos outros lugares situados na margem direita daquela ribeira. Do mesmo modo a teriam que atravessar quando iam levar as moendas ao moinho de Tio Manuel Luís ou simplesmente recriar-se nas águas profundas e míticas do Poço do Bacalhau. Era pois de suma importância esta ponte, embora, dada a sua estrutura, se destinasse exclusivamente a pessoas. Os animais atravessavam a ribeira enfiando-se num lago que existia paralelo à ponte e por baixo desta e que servia também de tanque de lavagem da roupa para muitas mulheres da freguesia, nomeadamente as da Tronqueira e da Via d’Água.

Esse enorme lago que ficava por baixo da ponte era ladeado, do lado da foz da ribeira, onde a profundidade era menor, por enormes pedras que serviam de passadeiras para quem decidisse atravessar a pé, o que acontecia geralmente quando se acompanhava o gado, este sim que procedia à travessia sempre pelo meio da água. Algumas destas pedras eram porosas e, por conseguinte, serviam também de lavadouros da roupa.

A estrutura da ponte era simples e tradicional. Em cada uma das margens fora construída um pequeno acesso, em forma de ladeira, formando uma espécie de ângulo reto, com uma dos catetos fixo no solo, o outro voltado para a margem oposta da ribeira e a hipotenusa a servir de rampa de acesso. Era nos bordos destas construções que se fixavam os grossos paus que sustentavam o tabuleiro da ponte. Este, por sua vez, era constituído por peças de madeira serrada, dispostas no sentido transversal, pregadas às vigas e ligadas nas longarinas ou seja nas longas vigas de madeira que uniam as duas margens. Por cima destas existia, quer a nascente quer a poente, uma espécie de corrimão, formado também por tábuas e que dava à ponte a semelhança de uma gigantesca varanda.

Do lado da Fajã, ou seja na margem esquerda, o acesso à ponte era procedido de um enorme largo onde desembocava o caminho que vinha do Calhau Miúdo, paralelo ao mar e ao Rolo. A norte este largo que também servia de descansadouro iniciava-se uma canada que, pouco depois se bifurcava, por um lado seguindo paralela à ribeira até às Águas e por outro dando acesso às férteis terras do Mimoio. Do lado da Ponta o acesso era direto para o caminho que seguia para aquela localidade, embora do lado direito tivesse uns pequenos degraus que davam acesso a uma vereda paralela e subjacente à ribeira e que que permitia demandarem-se os moinhos de Ti Manuel Luís e chegar ao Poço do Bacalhau, junto da Rocha.

 

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COMPASSO NA JOSÉ BRAGANÇA TAVARES

Domingo, 27.03.16

Mais uma vez, em dia de Páscoa a rua Dr José Bragança Tavares, onde moro, aqui para os lados da Fonte Sacra, na cidade de Paredes, a exemplo ou seguindo as pisadas de todas as outras ruas e artérias da mesma cidade, e possivelmente das ruas de muitas outras cidades do norte do país, engalanou-se de alto a baixo, nesta tarde de Páscoa, para receber com pompa e circunstância a Visita Pascal, ou seja o tradicional Compasso nortenho,  acompanhado pelos harmoniosos, estridentes e nada habituais por estas bandas, sons duma filarmónica. Dando cumprimento a uma secular tradição religiosa, algumas cruzes, devidamente ornamentadas e acompanhadas pelo singelo badalar de campainhas, transportadas por acólitos vestidos de branco e homens trajando opas vermelhas, durante largos minutos, percorreram os passeios, ultrapassaram os portões e halls e entraram pelas casas, assinaladas, fora da porta, com os tradicionais “tapetinhos de flores” anunciando a Boa Nova da Páscoa, enquanto a filarmónica expelia acordes melodiosos e cadenciados, num bucólico e nada habitual peregrinar por estas bandas. Das varandas e janelas, outrora ornamentadas com colchas multicolores (o que hoje em dia já rareia) ou debruçados em pátios e terraços o povo aclamava, acompanhava, rezava e manifestava gestos de alegria, de paz e de felicidade, anestesiando, por momentos, o tumulto, e o burburinho quotidianos e frenéticos desta diariamente bastante movimentada Circular Rodoviária Interna de Paredes que liga Mouriz a Penafiel.

 

 

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A PÁSCOA NA FAJÃ GRANDE, NA DÉCADA DE CINQUENTA

Domingo, 27.03.16

Na Fajã Grande e creio também que nas restantes freguesias da ilha das Flores, as grandes festividades religiosas anuais, com excepção do Pentecostes, vulgarmente conhecido por “Festa do Senhor Espírito Santo”, não eram celebradas com a grandiosidade e com a imponência que o eram na maioria de outras regiões do país, nomeadamente no Continente.

A Páscoa, assim como o Natal, celebravam-se com um misto de penúria, simplicidade e normalidade. A magnificência e a sumptuosidade guardavam-se para as festas do Espírito Santo

Assim, o dia de Páscoa não se diferenciava muito dos restantes domingos do ano. A única tradição era a do folar, cozido na véspera. Tinha a forma de um pão de milho mas era feito de massa “sovada”, também chamada de “pão doce”, igual à que era cozida quer pelo Espírito Santo, quer pela festa de Santo Amaro, neste caso sob a forma de ofertas diversas e diversificadas. O que caracterizava o folar da Páscoa, no entanto, era que na parte mais alta e interior do mesmo fosse colocado, em vez dum ovo, um toro de linguiça, que lhe dava um sabor característico, aliando a doçura do açúcar ao salgado e à gordura dos temperos da carne de porco. A tradição medieval na Quaresma interditava ao povo a carne de porco que ade vaca rareava. O folar da Páscoa com o pedacinho da linguiça era como que um símbolo festivo do final da abstinência quaresmal.

Todos se “pelavam” por uma fatiazinha do folar retirada da sua parte superior, mesmo ali ao redor do pedacinho da linguiça. Normalmente era cozido um folar para cada um dos membros da família, sendo maior ou menor, consoante a idade e tamanho daquele a que se destinava.

Quanto à parte religiosa, numa altura em que a religião marcava acentuadamente a vida e os costumes do povo, apenas se celebrava a missa, em que, segundo se dizia, a cada palavra latina que o celebrante pronunciava em voz alta se seguia um “alleluia”. Na realidade as orações litúrgicas do dia começavam com um intróito em que o celebrante dizia “ Ressurrexit non est in nobis, alleluia, alleluia.” e terminava com “Ite missa est, alleluia, alleluia” ao que o povo, com um misto de jocosidade e alegra,  fora da igreja, respondia  em vernáculo: “Folar para a rua, alleluia, alleluia.”

 

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O HOMEM QUE FOI LEVADO PELO MAR

Sábado, 26.03.16

Antigamente contava-se que certo dia, um homem da Ponta foi às lapas para os lados do Ilhéu do Cão, onde se dizia que estas para além de grandes eram muito bastas e abundantes. Enquanto andava entretido a apanhar uns caramujos, saltando de pedra em pedra, o homem ouviu o barulho do mar a segredar-lhe:

- A maré vai e vem e que faz aquele homem que não vem?

O homem parou um pouco a ver se estava a ouvir bem, mas logo depois se entusiasmou a apanhar lapas, novamente, esquecendo o que ouvira. Passado pouco tempo, voltou a ouvir a voz do mar a dizer:

 - A maré vai e vem e que faz aquele homem que não vem?

 Começou, então, a ficar preocupado e cheio de medo, por isso, assim que pôde, veio-se embora.

Quando já vinha pela canada da escarpa acima, encontrou um vizinho que ia para baixo. Trocaram algumas palavras e cada um foi à sua vida, um na volta de casa e o outro direito à costa. Este último apressou o passo porque julgou que a maré já estivesse a encher e, assim que chegou lá abaixo, saltou para cima de um penedo. Quando se foi baixar para apanhar lapas escorregou e caiu, sendo levado pelo mar, que estava à espera dele.

 A notícia do seu desaparecimento correu pelo lugar e a sua morte foi muito sentida por todos. O vizinho que o tinha encontrado lembrou-se da voz que tinha ouvido quando estava na costa. Contou o que lhe tinha acontecido e as pessoas mais velhas explicaram que isso aconteceu, porque quando Deus criou o mundo, o mar tinha pedido que lhe desse todos os dias um ser humano ou um palmo de terra, tendo ficado combinado que ia ser um homem.

Assim cuidava o povo que quele homem foi o que naquele dia foi dado ao mar para que o levasse.

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A SEXTA-FEIRA SANTA E A TRADIÇÃO DA SOPA DE FUNCHO, NA FAJÃ GRANDE, NA DÉCADA DE CINQUENTA

Sexta-feira, 25.03.16

Na década de cinquenta, na Fajã Grande, ilha das Flores, a Sexta-Feira Santa era um dia de recolhimento, de luto e de grande respeito por nele se comemorar a morte de Jesus. Desde da tarde da quinta-feira, ainda antes de se iniciar a celebração da missa in Cena Domini e do Lava-pés, até à noite de sábado e da celebração da Vigília Pascal, o toque dos sinos e das campainhas, na igreja, era totalmente interdito. Durante esse tempo, todo e qualquer sinal de índole litúrgica, necessário a chamar a atenção e concentração dos fiéis num momento mais solene de qualquer celebração litúrgica ou destinado a anunciar e a chamá-los para qualquer ato religiosa, assim como os toques do meio-dia e das trindades eram substituídos pelo roufenho som da matraca. As imagens dos santos permaneciam retiradas dos altares ou cobertas com panos negros ou roxos, desde o Domingo da Paixão, na altura celebrado liturgicamente quinze dias antes da Páscoa.

A matraca era um instrumento construído em madeira, formado por três tábuas pregadas umas nas outras e com um suporte manual na parte superior, como se de uma pequena caixa se tratasse. Na parte exterior das tábuas estavam cravadas várias argolas de ferro, semelhantes a batentes de portas, que se soltavam batendo em conjunto e de forma violenta e agressiva na madeira, logo que a dita cuja fosse abanada com alguma força e agilidade, produzindo assim um som batido, matracado, estranho e esquisito.

Durante esse dia, o único do ano em que não havia missa, a maioria do povo não trabalhava e à tarde muitas pessoas seguiam em romaria até à Fajãzinha para assistir às endoenças, celebradas às três horas da tarde, na Igreja Matriz daquela freguesia. Para além de três padres, as cerimónias, que recordavam e celebravam a Paixão e Morte de Nosso Senhor, exigiam alfaias litúrgicas diversas e paramentos que a igreja da Fajã não possuía. Os celebrantes deviam paramentar-se de capa de asperges, casula e dalmáticas roxas que eram mudadas na quarta e última parte da cerimónia por iguais paramentos, mas de cor preta. Presidiam a estas cerimónias para além do pároco da Fajãzinha, Padre António Joaquim, o padre Pimentel e o padre Mota, párocos da Fajã e do Lajedo respetivamente.

Na Fajã as cerimónias litúrgicas resumiam-se, ao cair da noite, à procissão do Enterro ou do Senhor Morto. A igreja permanecia totalmente escurecida, não havia Santíssimo e era retirada a imagem de Cristo com os braços articulados, de um crucifixo muito grande que existia no altar da Senhora do Rosário e colocada dentro de um esquife debaixo do altar-mor, a simular o sepulcro e de onde fora retirado o frontal. A imagem da Senhora da Soledade, habitualmente nua e escondida numa arrecadação atrás do altar, era vestida e colocada num andor. A procissão percorria a rua Direita com as duas imagens e era, simplesmente acompanhada pelo toque, sincronizado, da matraca. Depois de recolher à igreja, a procissão terminava com o sermão do Enterro.

Uma outra tradição mantida neste dia, relativamente à alimentação, para além de se guardar jejum e abstinência, era a de se comer Sopa de Funcho. O funcho que, na Fajã Grande, proliferava e florescia nas encostas entre os canaviais, nas bordas das canadas e em cima dos maroiços, na Sexta-Feira Santa, era ou parecia ser mais doce do que habitualmente. O motivo desta suposta e adocicada alteração do sabor daquela planta aromática era de carácter, eminentemente, religioso e estava relacionado com os mistérios da Paixão e Morte do Redentor. Segundo uma antiga lenda, muito provavelmente baseada nos Evangelhos Apócrifos, quando Nossa Senhora seguia a caminho do Calvário a acompanhar o sofrimento do seu Filho, como que para aliviar a sua dor, distraidamente ia apanhando e mascando folhas de funcho. Em homenagem à dor e ao sofrimento da Virgem Maria, a planta passou, todos os anos, como que a tornar-se mais doce, naquele dia.

Ora, sendo a Sexta-Feira Santa um dia consagrado ao jejum e à abstinência, o cardápio habitual e tradicional desse dia, na Fajã Grande, resumia-se a uma sopa cujo ingrediente principal era o funcho. Era a tradicional Sopa de Funcho.

A tradição da Sopa de Funcho, na Sexta-Feira Santa, era, por quase todos, respeitada. Bastava apanhar aqui ou acolá uma mancheia de funcho, escolhendo-se as partes mais verdes e mais tenrinhas. Feito o caldo com água, cebola, alho, uma colher de banha de porco e uns pedacinhos de batata, juntava-se, simplesmente, o funcho finamente picado, como se de couve ou de outra hortaliça se tratasse.

Em muitas casas, sobretudo nas mais pobres, esta sopa era feita em muitos outros dias, na altura em que havia funcho fresco. Apesar de nesses dias se juntar à Sopa do Funcho uma talhadinha de toucinho, a qual lhe dava um gostinho muito saboroso e apetecível, ela nunca tinha aquele sabor místico e adocicado da Sopa de Funcho da Sexta-Feira Santa.

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O GUARDA FURTADO

Quinta-feira, 24.03.16

De todas as pessoas que já haviam falecido ou abandonado a freguesia, um dos nomes mais badalados na Fajã Grande, na década de cinquenta, era sem dúvida, o do Guarda Furtado, sobretudo quando se falava de terras. É que quase não havia um lugar da freguesia, quer das zonas de propriedades agrícolas como o Porto, as Furnas ou o Areal, quer dos lugares de terras de mato como a Cabaceira, o Pocestinho, a Cancelinha ou o Espigão, que não tivesse uma ou duas terras pertencentes ao Guarda Furtado. E que terras! Boas de cultivar, férteis e produtivas, grandes, abundantes em arvoredo e protegidas por altas paredes e fortes portões. A maioria delas, no entanto, naquela altura estavam arrendadas, sendo as rendas recebidas pelo seu procurador, uma vez que na década de cinquenta o Guarda Furtado já não vivia na Fajã Grande. Meu pai, durante muitos anos, teve de renda um belo cerrado que ele possuía nas Furnas e que, para além de milho e couves produzia excelentes batatas-doces.

Embora conhecido simplesmente por Guarda Furtado, chamava-se João Francisco Furtado e era natural do lugar da Ponta, onde nasceu, no dia oito de Março de 1879, às duas horas da madrugada. Seus pais foram Manuel Francisco Gervásio e Isabel de Jesus naturais e residentes na Ponta. Como era costume, até porque nesta altura a Ponta ainda não tinha a ermida dedicada à Senhora do Carmo, João foi batizado na igreja paroquial da Fajã Grande, pelo pároco de então, o padre António José de Freitas, no dia onze de março do mesmo ano. Os seus avós paternos foram Francisco António Gervásio e de Isabel de São José e os maternos Laureana de Jesus, sendo o avô incógnito. Foi seu padrinho João Maria Carvalho, casado, Escrivão do Juiz de Direito, representado por António Bernardo Greves, casado, proprietário e madrinha Maria José da Silva, sua consorte, representada por Luísa da Silveira sua mulher, que governa a sua casa. A julgar pela escolha do padrinho, os pais do Guarda Furtado deveriam ser pessoas de influência e de posses, pois não seria qualquer pobre e humilde lavrador da Fajã Grande a ter capacidade ou possibilidade de convidar o Escrivão do Juiz de Direito para padrinho dum filho.

O Guarda Furtado casou na Fajã Grande em 26 de Abril de 1906 com Maria do Céu Furtado, natural das Lajes, irmã do Maurício Escobar e filha natural de Emília de Jesus Vieira. O casal fixou a residência na Fajã Grande, numa casa situada imediatamente abaixo da Casa de Espírito Santo de Baixo, onde os cônjuges viveram durante muitos anos, exercendo ele a profissão de guarda-fiscal, que lhe permitiu amealhar algum dinheiro e comprar terras.

Contavam pessoas antigas que a sua mãe morreu muito nova e num acidente. Vinha de ir levar a moenda a um moinho que existia na Ribeira das Casas e que pertencia ao avô do Chileno. Chovera muito nesse dia e a ribeira estava muito cheia e com forte correnteza. Ao tentar fazer a travessia através das passadeiras que ainda não havia ponte naquela altura, a senhora foi levada pelas águas e desapareceu, sendo mais tarde encontrada mas já sem vida. Do pai quase nada se sabia. O guarda Furtado tinha uma irmã residente na Fajã, a Passarouca velha que morava na Tronqueira. Constava ainda que tinha outros dois irmãos, mas estes viviam no Continente.

O Guarda Furtado deixou de exercer a sua atividade na Fajã Grande quando foi promulgada uma lei salazarista segundo a qual os guardas não podiam trabalhar na localidade onde tinham nascido ou onde residiam. Transferiu-se, então, para Santa Cruz, onde passou a trabalhar em Santa Cruz, onde fixou residência e onde veio a falecer.

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CAÇADOR DE MOSCAS

Quarta-feira, 23.03.16

“O diabo quando não tem que fazer caça moscas.”

 

Este é mais um interessante adágio utilizado, antigamente, na Fajã Grande. Com ele pretendia-se, muito especialmente, recriminar as crianças que estando desocupadas se entregavam a toda a espécie de diabruras, que incomodavam os adultos e punham os cabelos em pé aos progenitores.

No entanto, na Fajã Grande, terra de muito trabalho e canseiras como que se acreditava que não fazer nada é a coisa mais difícil do mundo, tão difícil que se tornava impossível, por isso ninguém que não fazia nada, nesse caso fazia o pior, dispartes ou asneiras, por isso o provérbio também se aplicava aos adultos.

A preguiça, na verdade, na mais ocidental freguesia açoriana, era assumida como um dos maiores de todos os vícios e para além de ser um obstáculo ao trabalho era a origem de outros vícios e de muitos disparates. Além disso era considerada como uma atitude reveladora de aversão ao trabalho, de negligência, de indolência, ou lentidão em praticar realizar qualquer tarefa. Por isso, através deste adágio, era invocado o diabo, o causador de todos os males, como sendo uma espécie de padroeiro ou patrono dos preguiçosos, uma vez que estes são avessos a atividades que mobilizem quer o esforço físico quer mental, de modo a, por conveniência, direcionarem as suas atividades para o disparate, para a asneira. Cuidava-se que era quase impossível estar sem fazer nada por isso quem não trabalhava, necessariamente, fazia asneiras. Por tudo isto este adágio também se aplicava muitas vezes aos adultos a fim de lhes lembrar estes postulados. Servia assim como uma espécie de motivação psicológica para combater a preguiça. Paralelamente também era muito frequente um outro adágio: A preguiça morreu à sede à beira de um poço com preguiça de se baixar para beber água”.

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PALAVRAS, EXPRESSÕES E DITOS UTILIZADOS NA FAJÃ GRANDE (XXV)

Terça-feira, 22.03.16

Ainda ter tabaco no imbigo – Ser muito novo.

Ainou – Sim eu sei.

Apanhadeira – Pá do lixo.

Baiciclo – Bicicleta.

Balcão – Pátio em frente às portas das casas com escadaria.

Barra a romper – Amanhecer.

Bufa – Peido.

Cabeça d’abobra – Pouco inteligente

Cabeça de Malão – Tolo. Estúpido.

Cagão da Visita – Criança medrosa

Calafano – Pessoa vinda ou emigrada para a América.

Calçar o estômago – Comer qualquer coisa fora duma refeição.

Canguinha – canga para um só bovino.

Carrapicho – Nó de cabelo do penteado feminino, geralmente de mulheres mais velhas.

Cerca (das galinhas ou do porco) – Curral.

Cheio até aos olhos – Farto

Cheta – Merda.

Coisinha – Pénis.

De beiço caído – Amuado.p

Destrambulhado – Maluco.

Destramelado – Que fala muito.

Dia Forrado – Dia coberto de denso nevoeiro.

Dia Santo Abolido – Dias, outrora feriados. (Reis, S. Pedro…)

Ei digo – Quero dizer.

Emouchado – Abatido.

Enelado – Cabelo artificialmente acaracolado das mulheres,

Entendido – Sabedor.

Esticar o pernil – Morrer (geralmente animais).

Estrombólico – Esquisito.

Faca bengala – Grande faca com que se matava o porco.

Falada– Rapariga depois de pedida em casamento

Fazer caso de – Dar ou prestar atenção.

Fazer papel – Fazer testamento.

Frinfolho – Criança pequena,

Galheta – Bofetada.

Garrancho – Ramo de árvore que depois de seco eco serve para acender o lume.

Impeçar – Impedir, implicar

Inteimar – Teimar

Inticar- Implicar. Provocar.

Lapa-de-pedra – Lapa mansa.

Largar a língua – Insultar. Descompor.

Levar por alma da caixa velha – Apanhar uma grande tareia.

Marracho – Tubarão.

Marrão – Porco.

Mesuras – Galanteios, cortesia,

Milho de Freira – Milho de grão miúdo, utilizado para pipocas.

Morrinha – Chuva miudinha e persistente.

Ouriçado – Zangado.

Pachola – Vaidoso. Bem apresentado.

Palhitos – Fósforos.

Pata-choca – Pessoa desajeitada.

Pevide – Casca criada na língua das galinhas e que as impede de comer. Deve ser tirada. – Tirar a pevide.

Pomba – Pénis.

Precate – Cumprimento exagerado e fingido.

Rabo-de-gato – Tipo de erva daninha.

Repenicado – Vaidoso. Bem apresentado.

Riba – Cima. Cimo.

Suera – Casaco de lã.

Talafone – Telefone.

Tareado – Com o peso equilibrado de ambos os lados.

Ter azougue no corpo – Estar muito irrequieto.

Tirante – Trave da casa, solta, onde geralmente se pendura alguma coisa.

Trambolho – O mesmo que galocha. Peça de madeira, em forma de barco, com buraco a meio de abrir e fechar que se colocava numa das mãos dos bovinos para os impedir de saltar as paredes das relvas.

Trapaça – Pessoa que não sabe bem o que diz.

Vitô – Victor (nome próprio)

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BORDÕES DE SÃO JOSÈ

Segunda-feira, 21.03.16

As açucenas são plantas pertencentes à família das liliáceas. Cuida-se que serão originárias do mediterrâneo mas atualmente desenvolvem-se e florescem, sobretudo, em várias regiões quer da Europa quer da Ásia.

Trata-se de uma planta que possui um bolbo de grandes proporções. As suas folhas são alongadas ou lanceoladas e possui interessantes flores que se apresentam sob a forma de ramos ou cacho. A sua forma assemelha-se a uma espécie de trompeta. A floração da açucena dá-se no fim da primavera e no início do verão e o seu uso é sobretudo decorativo. Uma vez que a sua cor predominante é a branca e a sua simplicidade e beleza são notáveis a açucena é considerada o símbolo da pureza, sendo muito usada nos ramos de noiva. O seu cheiro é muito agradável pelo que a açucena também é utilizada no fabrico de perfumes. Há, no entanto açucenas, vermelhas, rosas, salmão e de outras cores.

O significado da açucena relaciona-se diretamente com o coração, com a inocência do espírito e da pureza, no caso da branca. Além disso também expressa o amor puro e delicado já que o pudor e a elegância acompanham o significado desta flor.

São conhecidas cerca de cinquenta espécies de açucenas e são muito populares, porque são fáceis de cultivar, e têm uma adaptação muito fácil ao clima, adaptando-se mesmo em espaços pequenos ou em vasos.

Na Fajã Grande. Freguesia cujo padroeiro é São José, a espécie de açucena ali cultivada era a branca, sendo as açucenas que por ali floresciam designadas, popularmente, por Bordões de São José, uma vez que quer as imagens quer as pagelas que representavam o santo, geralmente, mostravam uma vara de açucena florida que lhe servia de bordão a significar não apenas a altivez, a elegância, a graça e a dignidade do pai adotivo de Jesus mas sobretudo a sua pureza, divulgados num interessante poema divulgado nos livros escolares: Sou de prata, sou de neve, batizei-me em Nazaré, Fui bordão de um carpinteiro chamado José.

Na mitologia grega a açucena também representava altivez, elegância e graça e estava associada ao deus Apolo, que era muito conhecido pelo seu orgulho.

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O TRIGO (DIÁRIO DE TI'ANTONHO)

Domingo, 20.03.16

Quando eu era miúdo ainda se cultivava muito trigo aqui, na Fajã Grande. Mas a julgar pelo que o meu avô me contava, no tempo dele ainda se cultivava muito mais. Na verdade diziam os antigos que noutros tempos o milho era desconhecido nesta freguesia e que apenas se cultivava trigo nesta terra. O trigo, porém, dava muito mais trabalho e obrigava a mais canseiras para ser cultivado do que o milho. Na verdade o trigo merecia um tratamento especial, não apenas no seu cultivo mas sobretudo na apanha. A colheita do trigo era demorada e difícil. O trigo tinha que ser ceifado com muito cuidado para as espigas não se desfazerem. Havia várias eiras aqui na Fajã Grande. Depois de ceifado e amarrado em molhos com folhas de espadana era levado para a eira onde se fazia a debulha. No meu tempo de criança o dia de debulhar o trigo era um dia muito longo e de muito trabalho mas também era um dia especial, uma espécie de dia de festa para a família, que nesta tarefa era ajudada por vizinhos e amigos. Era um dia de festa e de alegria semelhante ao da matança do porco. Eram precisas duas ou três juntas de bois ou de vacas para andarem na eira a puxar o trilho, à volta do moirão. Uma junta não aguentava o dia todo, pois os animais ficavam tontos e cansadíssimos de tanto andar à roda. O jantar e a ceia nesse desse dia eram melhorados. Na véspera cozia-se pão, um caldeirão de inhames e matava-se e guisava-se uma ovelha que se comia junto com linguiça e torresmos. Os homens tratavam do gado, de espalhar e juntar o trigo e as mulheres joeiravam-no ao vento. E a rapaziada da família divertia-se sentada em cima do trilho ou rebolando-se na palha. Depois de o joeirar o trigo era ensacado e carreado para as casas onde era guardado para ser usado durante todo o ano. Nesses tempos o povo regulava-se e programava as suas atividades agrícolas pelas luas e pelas marés, tendo mm conta as chuvas e o mau tempo. Era assim que se estabelecia os tempos adequados quer para semear quer para apanhar não apenas o trigo mas também todas as outras culturas como os inhames, as batatas, as couves, as cebolas, o feijão e as abóboras. O trigo na Fajã Grande também chegou a ser cultivado estritamente como forragem para animais domésticos ou seja como o feno, em substituição das forrageiras.

Há quem diga que o trigo foi o primeiro cereal cultivado pela humanidade. O primeiro local onde foi cultivado foi no Crescente Fértil, no Médio Oriente. Os arqueólogos demonstraram que o cultivo do trigo é originário da Síria, Jordânia, Turquia e Iraque. Cuida-se que o seu aparecimento terá acontecido há mais de 10.000 anos e terá sido da seguinte maneira: ainda em pleno nomadismo, uma mutação ou hibridização terá ocorrido ocasionalmente, por razões climáticas, originando uma planta com sementes grandes, impossíveis de se espalharem-se pelo vento e nascerem espontaneamente. Esta planta não poderia vingar como silvestre, mas podia ser cultivada e assim produzir mais comida para os humanos.

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A LENDA DAS AMENDOEIRAS EM FLOR

Sábado, 19.03.16

Uma das muitas estórias que se contavam antigamente aos serões, na Fajã Grande era e celebérrima lenda das Amendoeiras em Flor. Contavam os nossos avoengos que há muitos anos, havia um rei mouro muito valoroso e ousado e que nunca conhecera a derrota. Apesar de muito jovem já o consideravam o mais temido dos reis mouros do seu tempo.

Ora, aconteceu que certo dia, entre os prisioneiros capturados pelo jovem rei após uma terrível batalha, foi feita refém uma linda princesa, muito loira, de olhos azuis e de porte altivo. Um tipo de beleza que, na verdade, o rei mouro nunca vira até então e pela qual se encantou. O rei libertou-a e, mais tarde, tomou-a como esposa. Realizaram-se, para celebrar o casamento real, grandes festas que se prolongaram por vários dias. O casamento do jovem e poderoso rei mouro com a bela e cativante Princesa do Norte, atraiu gente de todos os lados. O povo viveu horas e dias extraordinários de alegria e de contentamento. Vieram preciosas e valiosíssimas ofertas. Vieram trovadores e músicos de terras distantes. Vieram bailarinas de corpos esculturais, que enfeitiçavam os olhares dos homens. Tudo isso durou vários dias e várias noites, num crescendo e desusado entusiasmo.

Mas passado algum tempo a princesa começou a ficar doente e muito triste e ninguém sabia o que ela tinha ou o que atormentava. O rei, muito preocupado e aflito, não sabia o que fazer pelo que procurou todos os melhores médicos e especialistas do reino para saber qual era o mal de que padecia a sua amada. Mas nenhum descobriu qual o mal que atormentava a pobre princesa. Num derradeiro recurso, o rei mouro deu ordem para que se reunissem urgentemente no palácio todos os sábios do reino. Eles vieram, mas nada conseguiram. Cada vez mais aflito o rei mandou vir médicos e sábios dos reinos vizinhos e de regiões longínquas, mas nenhum conseguiu encontrar remédio para os males da esposa real. A bela Princesa do Norte não voltara a abrir os seus lindos olhos azuis. Tal como se pressentira, continuava a morrer lentamente…

O rei mouro sentiu-se, então, muito abatido, desolado. Pela primeira vez na sua vida se sentia incapaz, derrotado. Já não tinha qualquer esperança de salvar a sua amada e chorava sozinho a sua dor.

Certa tarde vieram dizer-lhe que um velho prisioneiro, também das terras do Norte, antigo súbdito do pai da princesa, queria falar-lhe. Primeiro o rei disse que não, que não queria ver pessoa alguma. Depois hesitou, interrogando-se a si próprio: E se ele souber algo a respeito da doença da princesa... Então mandou que entrasse.

Foi então que um velho, mirrado pelo sofrimento e pela idade, mas ainda altivo e de olhar profundo, avançou até junto do rei e disse:

— Sei o que vos aflige, majestade e poderei ajudar-vos... Não por vós, que fostes um tirano para o meu povo... Mas por ela, a minha linda princesa!

O rei olhou-o desconfiado.

— E tu sabes qual o mal da princesa e como se pode curar?

O velho, então, explicou que o que a princesa tinha era, simplesmente, saudades da terra onde nascera, da neve e das paisagens brancas do seu país.

Então o rei para a não perder e para lhe fazer a vontade mandou plantar amendoeiras em toda a extensão à volta do castelo. Assim quando as amendoeiras florissem a princesa viria á janela e vendo tudo branco mataria as saudades das terras cobertas de neve do seu país.

Assim aconteceu e a princesa, pouco tempo depois, ficou curada.

A partir de então, todos os anos o rei e a princesa esperavam alvoroçadamente pelo maravilhoso espetáculo das amendoeiras em flor que, assim, substituíam a neve das terras do Norte. E deste modo viveram felizes para sempre.

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A MARIA DA LUZ

Sexta-feira, 18.03.16

Vinda das Lajes, na década de cinquenta, chegava à Fajã Grande, com alguma frequência, normalmente para vender peixe, uma mulher estranha e muito diferente, nos hábitos, nos costumes e no vestir, das mulheres que viviam não apenas na freguesia da Fajã Grande mas também em todas as outras freguesias da ilha das Flores. Chamava-se Maria da Luz, vestia habitualmente calças, fumava, entrava no botequim da Chica ou na Loja da Senhora Dias e, no meio dos homens e acompanhada por eles, bebia um copo de vinho, de traçado ou de aguardente como qualquer homem, o que, obviamente, provocava grande escândalo entre o mulherio de então, proibido consuetudinariamente de entrar num botequim, de usar calças e de fumar. Uma verdadeira guerreira, uma mulher de armas esta mulher, de cabelo encarolada, cara enrugada, rosto moreno, estranha nos seus hábitos mas muito simpática, a dar-se e relacionar-se com todos, pese embora as mulheres tivessem, relativamente a ela, alguma reserva.

A Maria da Luz nascera na da Fazenda das Lajes das Flores, onde tinha residência mas desenvolvendo a sua atividade profissional de pescadora e vendedora de peixe na vila das Lajes, onde mais tarde também passou a residir. Apesar de analfabeta, sabendo apenas assinar o seu nome, a Maria da Luz revelava grande dinamismo, inteligência e capacidade de trabalho o que lhe permitiu atingir, com sucesso, os objetivos que a si própria impusera, impondo-se como trabalhadora incansável, dedicando-se desde muito jovem, não tanto aos trabalhos domésticos das mulheres, mas sobretudo aos trabalhos rurais dos homens e, muito concretamente, à pesca.

Segundo o historiador florense José Arlindo Armas Trigueiro, a Maria da Luz Para além de fumar desde jovem, vestia geralmente roupas de homens – numa altura em que eram poucas as mulheres açorianas que ousavam fazê-lo publicamente. Frequentava qualquer tipo de taberna, bebendo lado-a-lado com os homens, sobretudo depois de se separar do marido. No seu tempo as mulheres, para além de não fumarem, não tomavam bebidas alcoólicas, nem frequentavam cafés e muito menos tabernas.

Dela o escritor faialense, Manuel Graeves – que viveu temporariamente nas Flores – para evidenciar a sua força e teimosia, escreveu o seguinte no seu livro Aventuras de Baleeiros:

E certo é, também, que [o mar] não venceu arrancar de cima dum bico de rocha, numa tarde, as mãos fortes, pegadas a uns músculos rijos, de Maria da Luz, quando andava às lapas, na costa da Fazenda das Lajes das Flores. A corajosa mulher, agarrada ao rochedo, praguejava às vagas violentas que a cercavam:”

“ - Ó alma do diabo! Tu serás mais forte do que eu... mas, não és mais teimoso!...”

“E a Maria salvou-se.

 Sobre ela escreveu ainda José Arlindo Armas Trigueiro, seu conterrâneo:

Foi casada com o fazendense Francisco Rodrigues Azevedo. Do casal nasceram as filhas Jesuína (já falecida), Alzira e Judite, pelo que era ela que, com esmerado zelo e amor, cuidava da sua educação, ao mesmo tempo que se esforçava pela manutenção da vida económica do seu lar. As filhas, depois de casadas, viriam a emigrar para o Canadá, na companhia do pai, onde actualmente residem e onde também existem netos que ela adorava.

Durante a sua vida passou por diversas actividades. Com a ajuda do marido, lavrava os seus terrenos, semeava e tratava do milho e das demais culturas agrícolas, ordenhava vacas, transportava às costas lenha e alimentação para os animais, alternando essas trabalhos com a actividade da pesca. Recordo-me que foi ela quem me ensinou a lavrar, no Cerrado Grande, com arado de “aiveca”, numa altura em que, devido à minha juventude, meu pai não tinha paciência para me deixar “dar um reguinho” – orgulho de qualquer jovem rural do meu tempo.

Certamente para facilidade do trabalho que fazia começou a usar calças de homem desde jovem. Por esse motivo dava nas vistas, constando que, por essa razão, chegou a ser detida pela polícia na ilha Terceira, no tempo em que eram proibidos os “travestis” na via pública, valendo-lhe então o Chefe da PSP, António Gonçalves, também ele um florentino natural de Lajes das Flores que muito bem a conhecia.

Nunca a vimos usar saia, salvo no dia da festa religiosa por ela custeada, na freguesia da Fazenda, no cumprimento anual de uma promessa. Vestia-se assim para nesse dia ir à igreja assistir às cerimónias religiosas que nela se realizavam – fazendo-o com o respeito e a devoção que sempre tivera pela religião Católica.

Mais tarde viria a fixar residência na Vila de Baixo, em Lajes das Flores, mesmo junto do Porto, onda se dedicava quase exclusivamente à pesca e à venda de pescado. A lida da casa aborrecia-a, embora por vezes fosse forçada a fazê-la. Para poder ir legalmente para o mar, as autoridades marítimas chegaram a passar-lhe uma cédula pessoal, já que sua actividade piscatória era essencialmente feita por mar, com uma lancha que chegou a possuir.

Discutia com os companheiros de pesca e com quaisquer homens sobre os problemas e as notícias do dia-a-dia, já que era possuidora de um espírito curioso e contraditório, dedicado a todo o género de actualidades.

Geralmente não tinha interesse pelas conversas das mulheres, situação que fazia com que estas lhe respondessem de igual forma. Animava-se com as discussões que mantinha, parecendo provocá-las para aprender e saber mais.

Odiada por uns e tolerada por outros, tinha especial vocação para se envolver em questões judiciais e polémicas. Era também uma grande frequentadora, como assistente, dos julgamentos realizados no Tribunal das Flores. Certamente por esse motivo livrava-se bem das questões judiciais, que gostosamente provocava, defendendo-se nelas com astúcia. 

Apesar de ser temida por alguns, pela sua falta de rigor e pelo seu feitio polémico, em certas ocasiões, era, contudo, muito caridosa e prestável para servir os amigos e todos os que dela necessitassem.

Por ser uma figura atípica, com uma vida cheia de peripécias, foi das poucas açorianas e açorianos que teve o privilégio de ter estado em Lisboa no célebre programa da televisão “Carlos Cruz-Quarta feira” onde foi falar sobre a sua forma de estar na vida.

Faleceu em 31 de Março de 1998, no Hospital das Flores, estando os seus restos mortais sepultados no cemitério de Lajes das Flores.

Uma verdadeira heroína esta Maria da Luz e uma percursora da mulher moderna.

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TODOS OS NOMES

Quinta-feira, 17.03.16

Os nomes das pessoas servem para identificá-las no seu relacionamento e na sociedade e são a única forma de se associarem, o que dura por toda a vida e subsiste para além da morte. Os nomes, para além de terem um significado que a maioria dos que os usam desconhece, também podem definir o caráter e a personalidade de cada pessoa. Eles ainda podem influenciar positivamente ou negativamente a vida a quem são atribuídos. Mas o mais interessante ainda é que os nomes nunca são escolhidos pelo próprio, mas sim pelos pais ou por alguém que os substitua e têm, geralmente uma pequena história mais não seja a de o simples relacionamento com algum antepassado muito próximo.

Lá em casa, algures na Assomada, na década de quarenta e no início da de cinquenta, nasceram seis rebentos a que se impunha, naturalmente, escolher e por um nome. Na maioria dos casos parece não ter sido difícil a João e Angelina tomar uma decisão onomástica sobre cada um dos filhos.

Assim, o primogénito, nado no último ano da década de trinta, como era costume na maioria das famílias da Fajã Grande naqueles tempos, recebeu o nome do padroeiro da freguesia, José. Para além de homenagear o esposo da Virgem Maria e pai adotivo de Jesus, mantinha-se uma antiga tradição e, além disso, perdurar-se-ia a memória do avô materno, também ele chamado José, por ter sido o primogénito.

Seguiu-se uma menina e o terceiro parto foi um rapaz. Nascidos já em plena década de quarenta, num tempo em que o relacionamento com os familiares maternos da Fontinha parecia estar em galopante e acentuada turbulência, receberam os nomes dos avós paternos Maria de Jesus e António. Chegou o quarto rebento, por coincidência, o autor destas linhas. Apesar de decrescente e em decadência acentuada, a turbulência ainda existia, embora em menor escala, mas deixara vestígios. Foi o pai que decidiu:

- Vai chamar-se Carlos em homenagem a um dos meus irmãos emigrado para a América. Entre todos os que para lá foram, é o que mais me tem ajudado e que, além disso, tem um filho com o mesmo nome.

Para além do mais, o primo meu homónimo, era mordomo da irmandade de São Pedro, do qual meu pai era procurador. Por altura da festa era o meu tio que pagava a carne, mandando o dinheiro da América. Porém éramos nós que a recebíamos juntamente com o pão.

A seguir veio outra menina. Meu pai entendia e desejava que se chamasse Helena. À semelhança do irmão Carlos, Helena era a irmã que mais consideração tinha por ele, que mais o ajudara e que ele mais amava. Mas as tias da Fontinha, agora com as pazes feitas, entenderam que não devia ser assim. Helena não era nome bonito e além disso já havia nomes que sobejassem do lado paterno. A criancinha agora nada, havia de herdar um nome do lado materno. Mas a oposição dos pais parece ter sido clara:

- Se não tem nome do lado da Assomada também não o terá do lado da Fontinha. E assim, a segunda menina chamou-se Vitória, nome aliás muito comum na freguesia, naqueles tempos.

Finalmente chegou o último rebento. Um rapaz que, desta feita, herdou nome das bandas da Fontinha, creio que não tanto para satisfazer as exigências das tias mas porque o tio em causa, para além de irmão da minha mãe era seu afilhado. Chamou-se Francisco.

 

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A LENDA DO GORAZ

Quarta-feira, 16.03.16

O goraz, cientificamente denominado por pagellus bogaraveo, é um peixe teleósteo, ou seja de corpo ósseo completo, de coloração cinza prateado e com barbatanas alaranjadas. Tem um corpo oval de tons avermelhados e o interior da boca é laranja-avermelhado. O que mais o caracteriza, no entanto, é a existência de duas manchas ou malhas negras, uma de cada lado da cabeça, sobre as quais existe uma interessante lenda

O goraz tem o seu habitat no mar, no Atlântico Norte, entre os 150 e os 300 metros de profundidade em regiões de clima temperado, com destaque para a região dos Açores. Noutros tempos, existia em grandes quantidades nas costas da Fajã Grande, desde do Pesqueiro de Terra à Poça das Salemas sendo pescado sobretudo de barco. O goraz é omnívoro, sendo a sua alimentação principal constituída por crustáceos, moluscos, vermes, plantas marinhas e peixes de pequeno porte. Trata-se de uma espécie normalmente solitária, embora possa aparecer em pequenos cardumes. Os gorazes encontram-se normalmente em águas costeiras, tanto com fundo rochoso como arenoso, relativamente perto da costa.

Ora, segundo a tal lenda muito antiga, as duas célebres e estranhas manchas ou malhas que caraterizam o goraz, situadas uma de cada lado da sua cabeça, existem porque São Pedro, que antes de ser papa foi pescador, certo dia em que andava a pescar, apanhou um goraz. Ao pegar-lhe, apertou-lhe a cabeça com os dedos de tal modo que as marcas destes ficaram para sempre estampadas, não apenas na cabeça daquele goraz, mas também nas cabeças de todos os gorazes que existem nos mares do mundo, permanecendo assim até hoje.

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CAIR

Terça-feira, 15.03.16

 

Cair

é agarrar o chão,

beijar a terra,

e abraçar o mundo.

 

Cair

é saltar sem subir,

afastar-se, mais um pouco, das nuvens,

e voar ao contrário.

 

Cair é ver o mundo de perto

e senti-lo, como se fosse nosso.

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AS ESTRELAS DA MINHA COZINHA

Segunda-feira, 14.03.16

Quando eu era criança, a casa onde meus pais, meus irmãos e eu morávamos era muito pequena e pobre mas tinha estrelas, muitas estrelas. Estrelas brilhantes e reais.

Era na cozinha, vetusta e muita escura, com o chão de tábuas velhas e remendado, que existiam as estrelas. Vinham do céu como aquelas de cá de fora e que eu via apenas nas noites em que juntamente com a minha mãe e meus irmãos íamos fazer serão, à Fontinha, a casa da minha avó. Eu delirava com todas as estrelas. As que habitavam o céu das noites claras e com luar, quando saía de casa para os serões e as que povoavam o céu da cozinha da casa de meus pais e cuja luz caía em catadupa sobre os bois de sabugo, sobre os porquinhos de batata-doce e sobre as galinhas de conchas de caramujos com que eu brincava, num mundo que eu próprio construíra, de que era o criador.

Minha mãe ralhava quando nas suas lides diárias, do lar para a porta, da porta para a mesa, da mesa para o lar, sobretudo se carregada com algum alguidar com bolo escaldado ou com alguma panela com água a ferver, tropeçava em mim, aninhado no chão, encantado com o brilho das estrelas, a admirar e a regozijar-me com as minhas próprias criaturas.

Debaixo do lar, onde proliferara um desarrumo misto, de achas de lenha, de garranchos, de batatas, de inhames, de cestos e até de um caldeirão de cozer morcelas, o Farrusco, emergindo de um ronronar morno, dava saltos e atirava-se a um outro murganho, que saía das buracas das paredes, na procura de comida. Eu fugia com medo daqueles bichos repugnantes, assim como me afastava da porta do forno, debaixo da qual assentava, permanentemente, arraiais um baldo de madeira, ensebado, nojento e sujo que ia armazenando, durante o dia, águas das lavagens, cascas de batatas e de inhames e uma ou outra côdea de pão de milho rijo que nem o diabo a podia comer. Ali ficava até se encher, aguardando que meu pai chegasse a casa para o ir despejar na gamela do suíno. Este ficava louco de contentamento. Grunhia como se tivesse ali um manjar celestial… Eu adorava o espetáculo do porco faminto, louco de contentamento com tão hedionda gamelada.

Voltava à cozinha e à contemplação do mundo de que eu era o criador. Lá estavam as estrelas… Não eram muitas, mas tinham uma luz clara, diluída, fulgurante e florescente que banhavam e concediam um esplendor de graça e uma áurea de santidade à minha criação. Os bois de sabugo ficavam com o pelo mais brilhante, os porquinhos de batata-doce parecia crisparem-se de enfeitiçamento e as galinhas e galos de conchas de caramujo latejavam estonteantes como se fossem aves de verdade. E eu ficava ali horas a fio a contemplar a beleza daquele mundo do qual eu era o criador. Criador de tudo exceto das estrelas. E esse era o meu enigma. As estrelas da minha velha cozinha fortaleciam o meu mundo, enriqueciam a minha criação, iluminavam o que eu próprio construíra mas não fora eu que as criara, nem sequer conhecia a sua origem. E permaneci muitos anos nesta ignorância sem nunca deixar de apreciar a beleza estonteante das estrelas que brilhavam reluzentes no firmamento da minha velha cozinha.

Só algum tempo depois, quando meu pai contratou o senhor Cabral para retelhar a minha casa, eu deixei de ver estrelas na minha velha cozinha. Percebi, então, que afinal elas nada mais eram do que pequenos buraquitos existentes entre as telhas, através dos quais os raios de sol se infiltravam para dentro de casa, em cones oblíquos e florescentes, iluminando todo o meu mundo fantasmagórico que, assim e aos poucos, começava a desfazer-se. E confesso que até fiquei muito triste e passei a odiar o senhor Cabral por ter vindo retelhar a minha casa, destruindo e apagando para sempre as estrelas da minha cozinha.

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VINTE COISAS QUE DEVE FAZER AO VISITAR A ILHA DO PICO

Domingo, 13.03.16

O Pico, a mais alta e mais jovem ilha açoriana, conhecida como a Ilha Montanha, devido à imponência da sua serrania, sendo, também, o ponto mais alto de Portugal, disponibiliza aos seus visitantes e a quantos o demandam não apenas paisagens de uma beleza rara e inconfundível como também lugares deslumbrantes e sabores únicos e míticos dos quais não se deve abster. Este é o sítio primordial e perfeito para quem deseja escapar durante algum tempo às cansativas exigências da civilização e aproximar-se da natureza pura, bela, original e viva. Vale a pena visitar o Pico e não esquecer de, entre muitas outras atividades, realizar as seguintes. Seria imperdoável não o fazer.

  1. Tomar um banho pelo menos numa das diversíssimas piscinas naturais que ladeiam a ilha, desde a Madalena à Piedade e da Ribeirinha às Bandeiras.
  2. Subir a Montanha, preferencialmente numa noite de luar, pernoitar na cratera até de madrugada. Depois escalar o “piquinho” e ver nascer o Sol lá do alto, observando as restantes quatro ilhas do grupo central: Faial, S. Jorge, Graciosa e Terceira.
  3. Numa tarde solarenga ir tomar um café à Casa da Montanha e deliciar-se com a bela paisagem que dali se desfruta sobre a Madalena, com o Faial ao fundo.
  4. Num final de tarde, dirigir-se à Manhenha, na Ponta da Ilha, e assistir ao pôr-do-sol. No regresso visitar o Farol.
  5. Visitar o miradouro do Alto dos Cedros, na Ribeirinha, uma espécie de parente pobre e vizinho de um outro mais conhecido, o Miradouro da Terra Alta mas que não lhe fica arás em beleza, imponência e grandiosidade.
  6. Depois de uma íngreme subida pelo antigo trilho dos pastores, na freguesia de São Caetano, contemplar a paisagem abrangente desde o Mistério de São João até o Guindaste.
  7. Dar um passeio, na orla marítima, desde o Porto de São Caetano até ao Farol de São Mateus, saboreando a suavidade e o perfume da brisa marítima e enfartar.se com o verde dos vinhedos e dos matagais, sob a proteção da Montanha.
  8. Saborear as originais e deliciosas Tortas de Erva Patinha, no restaurante O Petisca, no lugar da Areia Larga, na Vila da Madalena. Aqui ainda se podem degustar outros excelentes petiscos como filetes de abrótea, iscas de atum, as lapas, favas guisadas etc.
  9. Visitar as Grutas das Torres, na Criação Velha. Trata-se de um Monumento Natural Regional constituído por uma gruta de origem vulcânica de grande dimensão, descoberta em 1990, sendo o maior tubo lávico conhecido em Portugal. A Gruta terá sido originada pela lava expelida por uma erupção vulcânica no Cabeço Bravo, podendo-se observar no seu interior curiosas estruturas geológicas tais como estalactites, estalagmites lávicas, bancadas laterais e bolas de lava. A visita à Gruta é sempre precedida de registo e de um briefing sendo obrigatoriamente acompanhada por guias.
  10. Fazer uma pausa numa tasca ou numa adega para tomar uma angelica ou uma aguardente de nêveda, medronho, amora, funcho e de muitos outros sabores
  11. Visitar o Santuário do Senhor Bom Jesus em São Mateus e, se estiver no Pico no início de Agosto assistir à segunda maior festa religiosa açoriana.
  12. Descobrir o folclore e a música assistindo e se possível participando nos tradicionais bailos de Chamarrita.
  13. Realizar uma viagem ao Faial, atravessando o canal num dos cruzeiros que diariamente unem as duas ilhas.
  14. Visitar as Lajes, a mais antiga vila da ilha e o primeiro lugar a ser povoado, onde se encontra a ermida de São Pedro, o primeiro templo edificado na ilha. Para quem gosta de aventuras marítimas poderá realizar uma viagem de observação de cetáceos
  15. São Roque, localizado na costa norte, não pode ser esquecido, na sua riqueza histórica, paisagística e como porto comercial.
  16. Realizar um périplo pelo interior da ilha observando a simplicidade das várias lagoas.
  17. Por toda a ilha podem ser realizados trilhos pedestres, que permitem desfrutar, ao longo do seu percurso, de belas paisagens e de um contacto direto com a natureza
  18. Percorrer as freguesias por altura dos festejos do Espírito Santo, receber, gratuitamente, rosquilhas ou vésperas e saborear as deliciosas sopas.
  19. Visitar o Museu dos Baleeiros nas Lajes e o do Vinho, na Madalena.
  20. Se for para tal convidado, recolher-se, ao serão, na adega tradicional do senhor José Rodrigues, em São Caetano, um verdadeiro Refúgio e saborear os deliciosos manjares confecionados pela sua esposa a Dona Luísa e pelas filhas. Simplesmente divinal!

 

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PALAVRAS, EXPRESSÕES E DITOS UTILIZADOS NA FAJÃ GRANDE (XXIV)

Sábado, 12.03.16

Aguaceira – Chuva forte e intensa.a

Alantado – Forte, robusto (dizia-se das crianças).

Aparrear – Apertar. Comprimir.

Armar barulho – Ser o responsável por uma grande discussão ou uma briga.

Arregoa – Brechas ou rachas que se abrem nas paredes, geralmente das casas.

Atiradeira – Corda presa à cabeça duma rês e à rabiça do arado, a fim de conduzir e virar o animal enquanto se lavrava.

Bage – Vagem.

Banco de carpina – Banco de carpinteiro.

Buer – Beber.

Caçoilha – Prato típico do dia de matança do porco.

Café negro – Café sem leite, geralmente bebido à tigela.

Cagança – Mania.

Camisa de meia – Camisola interior.

Cascão das papas – Crosta queimada que se forma no fundo caldeirão das papas, muito apreciada pelas crianças.

Cascar – Bater, descompor

Catrapiscar o olho – Namorar.

Chover pedra – Chover granizo.

Coisa feia (dizer) – Palavrão

Dar em cara – Referir, com frequência, o que se ofereceu.

Dar pa trás – Devolver.

Deixar da mão – Deixar.

Descobrir-se – Tirar o boné ou o chapéu ao entrar numa igreja.

Desinçar – Arrancar ervas daninhas de entre as plantações.

Diabo te coma – Expressão usada para indicar o desprezo que se tem por outra pessoa

Dobra a língua – Fala com respeito.

Dola – Dólar

Empandeirar – Destruir. Avariar.

Encostar o cais à lancha – Dizia-se, em sentido depreciativo, de quem tinha dificuldade em atracar.

Engiva – Gengiva

Espinhas – Borbulhas de acne.

Estar em bezerro – Estar nu.

Estar farto até aos olhos – Estar muito aborrecido.

Estr à mão de semear

Falar político – Falar com palavras que o povo não entende.

Fecha a loiça – Cala-te

Gabar o gosto – Concordar.

Grandeza – Muito.

Haja saúde – Ora viva. Cumprimento.

Imbigue – Umbigo

In coire – Completamente nu.

Ir à baila – Ser muito falado.

Lançado – Vomitado.

Lançar fora – Abandonar. Deitar fora

Laredo – Rochedos no fundo do mar, junto à costa. Baixio.

Largar da mão – Deixar. Abandonar.

Lentilhas – Espécie de sardas que nascem na pele.

Mais a gente – Connosco,

Mais eu – Conmigo

Mamadeira – Chupeta.1

Maré vazia – Baixa-mar.

Massame – Argamassa para a construção.

Massames – Grande quantidade.

Mausura – Maldade. Qualidade de quem é mau.

Mechim – Qualquer tipo de máquina.

Meio dia rachado ou está rachando meio dia – Meio dia em ponto.

Moderno – Moderado. Bom. Ex “Trovão no inverno, tempo moderno”.

Panino – Paninho.

Pás trás – Ordem dada aos bois a fim de virarem no fim do rego.

Patinhar – Sujar com os pés.

Picadas – Três pancadas dadas no sino um quarto de hora antes da missa.

Poia – Bosta de vaca. Cagalhão.

Pouca vergonha – Ação indecorosa, indecente.

Quaise – Quase.

Rede – Palanque para transporte de doentes.

Retoiçar – Saltar exageradamente.

Sagão – Escada de madeira, interior que liga dois pisos de uma casa ou o piso siperior e a porta de entrada.

Sorte macaca – Má sorte.

T’áste criando – Ainda és novo.

Ter a casa cheia – Dizia-se a alguém aa quem chegava um familiar vindo da América ou de outra ilha.

Tirapuxas - Discussões.

Tomar de ponta – Implicar.

Torrar favas – Andar muito devagar

Troiveste – Trouxeste.

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publicado por picodavigia2 às 04:54

EMPRESÁRIO DE SUCESSO

Sexta-feira, 11.03.16

Integrou o curso que em 1958/59 demandou o velhinho Seminário de Santo Cristo, da cidade de Ponta Delgada, da qual era natural, mais concretamente da freguesia de São Pedro. Foi um dos alunos da década de 60, do SEA que esteve no Encontro de Angra. Fiz parte do mesmo curso e, consequentemente, convivi com ele durante vários anos no Seminário, estabelecendo-se entre nós uma amizade profunda, verdadeira e recíproca. Aliás, para além de possuir muitas outras qualidades, o tinha o condão de ser amigo de todos, revelando-se simples, humilde, respeitador e, permanentemente, disposto a ajudar e a colaborar com os que mais necessitavam. Foi sempre um verdadeiro e sincero colega, senhor de excelentes qualidades, de uma humildade soberana, duma simplicidade relevante e duma boa disposição permanente. Embora o tivesse encontrado recentemente em São Miguel, altura em que me proporcionou um excelente passeio pela ilha do Arcanjo, foi com muita alegria e extrema satisfação que nos reencontramos neste Encontro. A sua presença foi muito agradável para mim e creio que a recíproca também terá sido verdadeira para ele.

Não completou toda a sua formação Académica no Seminário. Complementou-a depois e, profissionalmente, seguiu uma carreira brilhante, a nível do empreendedorismo empresarial, nomeadamente na área do turismo, impondo-se na sociedade micaelense, pelo seu trabalho, pela sua dignidade, pela sua competência e pela sua honestidade, desempenhando vários cargos entre os quais o de vogal da A.A. de Turismo e Hotelaria de Ponta Delgada. Dedicou grande parte do seu tempo na promoção e prática do bridge, sendo Presidente do Club de Bridge de São Miguel e da Associação de Bridge dos Açores, integrando a Comissão Consultiva da “The International Association of the Lions Club” de São Miguel. Foi galardoado pelo Governo Regional dos Açores, na V Gala do Desporto Açoriano, pelos seus 20 anos como dirigente do Bridge de São Miguel.

A sua intervenção no Encontro foi notável, fundamental e importantíssima. Integrou a chamada “Troika” organizadora, cabendo-lhe a tarefa de se responsabilizar e gerir a parte económica, conseguindo vantagens e descontos em hotéis e viagens aos outros participantes e ainda angariando subsídios para que as refeições e a viagem de autocarro pela ilha Terceira fossem gratuitas. Embora trabalhando “por detrás dos bastidores”, sem se notar muito, como é seu timbre, exerceu um papel de relevo na organização do Encontro, contribuindo, substancialmente, para que o mesmo obtivesse um notável sucesso.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

MAR TONTO

Quinta-feira, 10.03.16

 

O mar é um tonto!

Tolda-se por nada,

Embravece por coisa nenhuma.

 

Se o procuro ele envolve-se em bruma,

Se o espero ele opta por um vai e vem monótono.

 

Se o encontro ele soletra silêncio.

Se o vislumbro ele esgueira-se de soslaio.

 

Se me confronto com a sua ausência

Ele traz-me ogivas inóspitas.

Se imagino a sua presença

Ele soletra melodias de silêncio.

 

Este mar, ora bravo ora manso,

Confunde, destrói, mistifica e ensombrecia.  

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publicado por picodavigia2 às 17:30

A ESTÓRIA DAS ANDORINHAS

Quinta-feira, 10.03.16

Quando eu era criança, uma das estórias que mais gostava ouvir a minha avó contar era a Estória das Andorinhas.

Contava ela que o Menino Jesus quando era pequenino, apesar de ser filho de Deus, também brincava, como nós, nos pátios da sua casa e num campo que os pais cultivavam ali perto.

Certo dia, enquanto estava a brincar com a terra, foi buscar uma latinha com água, com a qual começou a molhar e a amassar a terra, fazendo com ela bonequinhos com que brincava. Muitos desses bonecos eram passarinhos de asas abertas que poisavam no chão e que o Menino Jesus dava comidinha. Estava o Menino assim entretido a brincar quando passou junto dele um homem muito mau. Ao passar pôs os pés em cima de alguns dos passarinhos que o Menino Jesus estava a fazer, dando cabo de quase tudo o que Ele tinha feito e com que estava a brincar. O Menino Jesus ficou muito aflito e, batendo, levemente, com as suas mãos pequeninas sobre aqueles passarinhos, eles começaram a voar para muito longe, fugindo debaixo dos pés do homem mau. E foi assim os passarinhos que ele tinha feito com a terra começaram a voar, transformando em lindas e pequeninas aves. Assim nasceram as andorinhas.

Mas as andorinhas nunca mais se esqueceram de Jesus que as tinha criado. Nos dias seguintes elas vieram poisar sobre o beiral da casa onde Jesus vivia e, com o barro de que tinham sido feitas, fizeram os seus ninhos, onde criavam os seus filhinhos. Outras vezes, enquanto ele brincava, elas vinham rodeá-Lo, voando e saltando, muito alegres, junto d’Ele.

Muito agradecidas a Jesus, por as ter criado, as andorinhas foram sempre acompanhando Jesus durante a sua vida. Quando São José e Nossa Senhora fugiram para o Egipto para Herodes mão matar o Menino Jesus, as andorinhas seguiam atrás deles, voando, constantemente, abaixo e acima e com todo o cuidado, iam apagando as pegadas do burro e de São José, para que os soldados que Herodes mandara atrás deles, não conseguissem descobrir o caminho por onde iam. E assim aconteceu, pois os soldados de Herodes, sem qualquer sinal que os pudesse guiar, perderam o rumo seguido pela Sagrada Família, que continuou o seu caminho e, sem receio de perigo, chegou ao Egipto, salvando-se o Menino de ser morto pelo malvado rei Herodes. Mais tarde, quando Jesus foi crucificado, as andorinhas foram rodeá-lo e, com os seus biquinhos, iam tirando da coroa os espinhos que tanto magoavam a Sua cabeça.

Ao verem o sofrimento de Jesus, as suas asas cobriram-se de luto tornando-se pretas e assim ficaram para sempre.

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TOMÁS DA ROSA

Quarta-feira, 09.03.16

Tomás da Rosa Pereira Júnior nasceu a 20 de dezembro de 1921, no lugar de Santo António do Monte, freguesia da Candelária, concelho da Madalena, ilha do Pico, Açores e faleceu em 11 de março de 1994. Fez a instrução primária na escola oficial da sua freguesia natal. A um apelo de D. José da Costa Nunes, então Bispo de Macau, Tomás da Rosa ingressou no Seminário de S. José de Macau, revelando-se sempre um aluno exemplar e distintíssimo. O Seminário de São José de Macau, servido por mestres altamente qualificados, ministrava um ensino que tinha fama de poder equiparar-se ao do nível universitário. Sentindo que não tinha vocação para o sacerdócio, aos 18 anos abandonou o Seminário e cumpriu o serviço militar como soldado raso, deu explicações particulares para sobreviver e prestou provas de exame do 7º ano no Liceu Infante D. Henrique, de Macau, com nota elevada. Em 1946 regressou à Metrópole e ingressou, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde, em quatro anos, completou o curso de Filologia Clássica, obtendo sempre a média mais alta e sendo sempre o mais bem classificado em Latim. Era um latinista nato. Chegou a ser convidado para Assistente na Faculdade onde se licenciou, cargo que nunca desempenhou. Em 1952 foi colocado interinamente no Liceu da Horta, onde se efetivou e sempre ensinou até ao ano letivo de 1988/1989, altura em que se aposentou. Entre 1964 e 1972 exerceu o cargo de Vice-Reitor daquele estabelecimento de ensino.

Segundo Victor Rui Dores Tomás da Rosa foi um Homem de vastíssima cultura, de extraordinária inteligência e de prodigiosa memória, frontal e corajoso, Tomás da Rosa era igual a si próprio. O seu pensamento humanista, a sua integridade moral e a sua agudeza de espírito fizeram dele um homem respeitado por todos. Ele foi um erudito… ele foi um homem humilde e generoso, esclarecido e moderado, vivendo com muitas dúvidas e poucas certezas.

Ao longo de anos escreveu em jornais, revistas: O Clarim (que era o órgão da Juventude Escolar Católica), Correio da Horta, O Telégrafo, O Dever, A União", "Vigília, Arauto Atlântida A Ilha, Diário de Moçambique, entre outros periódico, protagonizando, ao longo de várias décadas, uma permanente e decisiva atividade cultural, traduzida, sobretudo, na produção escrita em áreas tão diversificadas, como o ensaio literário, a crítica literária, a crónica, o artigo de opinião, o prefácio, a poesia, a palestra, a conferência, a recolha linguística e, faceta por enquanto inédita deste autor, o conto.

Dos seus estudos mais importantes, o destaque vai para autores como Roberto de Mesquita, Nunes da Rosa, Florêncio Terra e Garcia Monteiro. A par de Vitorino Nemésio, Dinis da Luz e Eduíno de Jesus, ele é o grande divulgador da obra de Mesquita.

Como autor publicado, Tomás da Rosa deu à estampa os seguintes títulos: As Éclogas de Henrique Caiado, Miragem do Tempo, O Infante D. Henrique e a Missão Civilizadora de Portugal, Evangelização a partir dos Açores, de 1985, etc

Dos inéditos de Tomás da Rosa que ficaram remetidos à gaveta, há uma coletânea de contos que ele deixou pronta para publicação. Trata-se de Contos da Ilha Morena, obra póstuma, que nos revela um ficcionista de apreciáveis recursos, foi coordenada por Manuel Tomás Gaspar da Costa.

 

Dados retirados do CCA – Cultura Açores

 

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publicado por picodavigia2 às 00:05

O BOICEIRO

Segunda-feira, 07.03.16

Quando eu era miúdo, em casa, na catequese, na escola e até pelas ruas, em momentos de piáculo, por tudo e por nada, lá vinha a temível e famigerada ameaça do Boiceiro - um horrendo instrumento de tortura e punição, excessivamente doloroso mas correctório para as crianças que não obedeciam aos pais e aos outros legítimos superiores ou não cumpriam quer os mandamentos da Lei de Deus quer os preceitos da Santa Madre Igreja. Assim, perante qualquer pensamento mau, palavra obscena ou acto indigno, vinha como alternativa a sentença terrível e assustadora mas eficaz e profícua:

- Para a próxima, vais sentar-te no Boiceiro.

Sabia-se apenas que o excêntrico instrumento de tortura, à boa maneira da Inquisição Medieval, tinha a forma de uma cadeira, com uma diferença - e que diferença, meu Deus  - o assento. Este estava cravejado de pregos enormes e aguçados, de ponta virada para cima, com a denodada intenção de penetrar sanguínea e dolorosamente no rabiosque do infractor, penalizando-o dramática e excessivamente pelas faltas praticadas ou pelos delitos cometidos.

Mas o estranho é que o Boiceiro não se via e, consequentemente, o que mais atormentava os prevaricadores era a sua ameaça permanente. Sabia-se apenas que estava algures, na igreja, para além duma porta que existia atrás do altar-mor, sempre disponível para castigar os jovens e inexperientes pecadores.

Eu, como todos os outros da minha idade, pelava-me de medo com a contínua intimidação de tão pavoroso suplício. Admirava-me, no entanto, que a estroinice de que era acusado, nunca tivesse sido devidamente castigada naquele inferno terreno. O Greves, o Câncio, o Rodrigues e tantos outros não tinham currículo menos facinoroso do que o meu e juravam a pés juntos que nunca lá tinham ido parar. Por isso, assaltavam-me frequentemente dois sentimentos opostos. Por um lado começava a duvidar cepticamente da sua existência. Por outro mantinha-me convicto de que com as diabruras de que não me emendava, mais dia menos dia, o meu traseiro iria direitinho lá parar. Foi então que comecei a sentir, cada vez mais, uma enorme e denodada vontade de desvendar e conhecer o tão heteróclito e pouco dogmático mistério em que estava envolta tão abominável e execranda herança inquisitorial. 
Certa tarde, em que não havia escola para os da 1ª classe, as tias Graça e Luzia, muito zelosas pelas coisas celestes e tão colaboradoras no serviço divino, foram escalonadas para enfeitar a igreja, decidindo que eu as acompanharia em tão sacrossanta tarefa. Enchi-me de alegria, coragem e determinação. Era uma oportunidade única de, à sorrelfa, mais uma vez, subir a sineira e olhar de perto os bronzes gigantes cujos sons me fascinavam sobretudo nos repiques festivos, nas laudes dos defuntos e nas Trindades Dobradas, mesmo de lhes tocar e, batendo levemente com as mãos, apreciar os seus sons como se fosse em eco. Além disso, conviveria de perto com santos, anjos e arcanjos, aperfeiçoando notória e significativamente comportamentos e atitudes, evitando palavrões, talvez mesmo, sob o comando e orientação das tias, fazer pequenas orações e rezar algumas jaculatórias.

Ao chegar à igreja, porém, apercebi-me de que as tias iriam abrir a tal porta que estava atrás do altar-mor para ir buscar baldes, vassouras e outros apetrechos inerentes à limpeza do templo. De imediato, esquecendo os sinos, concentrei-me na forma de, sem elas darem conta, tentar explorar as traseiras da capela-mor, na tentativa de ver de perto, talvez mesmo tocar no tão famigerado Boiceiro, desvendando assim o enigmático mistério em que estava envolto.

Anulando radicalmente todos os procedimentos hieráticos a que tão sacrossanto lugar era propício, esperei pacientemente que as tias se ausentassem enquanto a pouco e pouco se me aguçava o desejo de ver a tão torturante e punitiva cadeira. Não tinha ainda acabado de substituir o pavio da lâmpada do Santíssimo e de a abastecer de azeite, quando as tias decidem sair para sacudir as carpetes da capela e apanhar mais algumas flores, deixando-me ali, sozinho, com a obrigação de não mexer ou tocar em coisa nenhuma e com o único objectivo de informar fosse quem fosse da sua necessária ausência. Transformado em verdadeiro guardião do templo, esperei um pouco e, de imediato, fui espreitar sorrateiramente por trás do altar-mor. A porta estava semiaberta.

Estarreci de emoção hesitante. Por um lado pesava sobre mim uma excessiva curiosidade, mas por outro assustava-me não apenas o espectro do enigmático grilhão mas também a entrada em tão desconhecido recinto e ainda a hipótese quase certa de ser apanhado com a boca na botija. Dizia-se que para além do altar-mor existia uma espécie de Sancta-Sanctorum, que só os eleitos podiam transpor.

Hesitei. As tias demoravam e isso trouxe-me um medo enorme mas aguçou-me a curiosidade. Era agora ou nunca.

Olhei timidamente para o Sacrário, diante do qual fiz uma simulada genuflexão. A presença de Jesus Sacramentado, bom e misericordioso, parecia incentivar-me. Senti mais força e coragem e, pé ante pé, ultrapassei o altar, penetrei no vão que o separava do retábulo doirado da capela-mor onde, por trás das imagens de São José, Santa Teresinha e da Senhora da Saúde, estava encravado o camarim. Empurrei a porta semiaberta. Esta rangeu, abriu-se lentamente e eu entrei.

No minúsculo, caliginoso e apertado cubículo pairava um silêncio sepulcral, apenas entrecortado levemente pelo tiquetaque do grande relógio suspenso numa das paredes da capela-mor e pelos meus tímidos passos. Lívido, olhei ao redor, sem ver nada ou coisa nenhuma. O temor, no entanto, foi-se desanuviando à medida que os meus olhos se iam habituando à tenebrosidade do recinto. De um lado da betesga salientavam-se prateleiras com garrafas de vinho de missa, latas de azeite para o Santíssimo, caixas com moedas do tempo dos afonsinos e andores encavalitados em cima uns dos outros. Do outro, caixotes cheios de maços de velas de estearina, as lâmpadas que acompanhavam as procissões, muitas cruzes e uma data de guiões, entre os quais se evidenciava o roxo que era usado na procissão de Passos. Num canto, debaixo das escadas que davam para um piso superior, muito escondida dos olhares dos fiéis, estava a imagem do Senhor dos Passos. Uma dor de alma! Jesus Cristo num dos mais dolentes momentos de tortura e sofrimento da Sua Paixão. Sentado numa pedra, quase nu, mãos atadas por um cordão amarelado, segurando uma cana a fazer de ceptro e com uma enorme coroa de espinhos cravada na cabeça, lá estava o Ecce Homo. Do crânio perfurado pelos espinhos saíam-Lhe gotas e gotas de sangue que corriam pelo rosto e se perdiam nas barbas ou Lhe salpicavam o tronco e os joelhos. Os ombros avermelhados e o tronco despedaçado faziam entender que havia sido fortemente chicoteado nas costas. O seu rosto apresentava-se simultaneamente sofredor e angustiado mas confiante e meigo. Fixei-o e senti uma enorme compaixão. Bem me apetecia libertá-Lo totalmente daquele suplício que me fazia lembrar ao que ali viera, com a insignificante diferença de que as picadelas do Cristo eram na cabeça e as minhas seriam no rabo. Ao lado uma portinhola, com quatro vidros pequenos e toscos a encimá-la, por onde entrava uma claridade pouco clarificante, permitia-me observar melhor a imagem dolente. Espreitei pelos vidros e o meu temor aumentou significativamente. A porta comunicava com o cemitério, onde se visionava uma enorme quantidade de campas, vários jazigos e algumas sepulturas recentes, todas encimadas por cruzes e sobre as quais pairava um silêncio ainda mais assustador.

Aterrorizado, afastei a visão do cemitério e voltei a olhar o Jesus sofredor e a procurar o Boiceiro. Mas nada. Apeteceu-me sair. E se as tias já tivessem chegado? E se aparecesse alguém? Voltei a hesitar por momentos. Mas tinha chegado até ali, continuaria a pesquisa. Decidi subir as velhas e frágeis escadas que permitiam o acesso ao piso superior. Galguei-as a medo, à medida que tentava descortinar o que existia naquele recanto ainda mais enigmático, mais escuro e mais tenebroso do que inferior. Apenas uma fresta, no alto da parede, permitia uma luminosidade mínima, necessária para se identificar o que ali estava. Logo à entrada o esquife em que nas endoenças era transportado o Senhor morto, deposto da cruz. A seguir o S. Miguel, de botas altas, calções e traje nobre, com uma balança na mão direita e uma espada na esquerda. O Arcanjo aguardava serenamente o juízo final, para pesar o bem e o mal praticado pela humanidade. Mais além pendurada na parede a matraca substituta dos sinos na Parasceve e ao lado uma velhíssima imagem do S. José, padroeiro da freguesia e a Senhora da Soledade, totalmente nua, mas com os seios atrofiados e sem parrameiro. Ao fundo do cubículo a essa!

Estarreci por completo. Cheio de medo, dei um enorme grito ao ver aquele horrível catafalco donde via emergir o velho Laranjinho – o enigmático representante de todos os finados da freguesia, lembrado no dia dois de Novembro. Totalmente apavorado, desci as escadas em lances de três e quatro degraus, saí pela porta de trás do altar-mor e, esbaforido, corri desalmadamente até à rua, jurando nunca mais ali voltar.

Quanto ao Boiceiro havia de permanecer ainda por mais alguns anos, na minha mente, como mito enigmático e assustador.

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publicado por picodavigia2 às 00:05

PLANTADA NA ENCOSTA DA MONTANHA

Sábado, 05.03.16

A freguesia de São Caetano é, sobretudo e muito especialmente para quantos nela habitam ou nela nasceram, a mais extraordinária freguesia da ilha do Pico, senão mesmo uma das mais interessantes dos Açores. São Caetano está plantada numa encosta dos andurriais da gigantesca montanha do Pico, a segunda maior ilha do Arquipélago dos Açores, no Atlântico Norte. Curiosamente São Caetano é a freguesia e a localidade mais próxima da montanha pelo que beneficia de uma espécie de microclima com características muito especiais e muito diferentes do resto da ilha. Na verdade, o clima nesta parte da mais alta ilha açoriana apresenta-se temperado marítimo, com as temperaturas médias a oscilarem entre os 14 °C e os 22 °C. A precipitação, dada a proximidade desta localidade com a Montanha do Pico sofre, obviamente, a influência desta no clima. Assim, por vezes, enquanto chove em toda a ilha, em São Caetano há um sol radiante, sendo o contrário também frequente.

A encosta da Montanha projetada sobre esta localidade apresenta grandes e profundas ravinas, fortemente relacionadas com o declive acentuado da mesma e com a rápida descida das águas pluviais, pelo que, atualmente é impossível de escalar.

Assim, a freguesia de São Caetano, devido à proximidade da Montanha, com quem está intimamente interligada, possui no seu solo várias elevações a ter em conta, nomeadamente o Cabeço da Prainha, o Queiró, O Valagão e a Lomba de São Mateus. Tendo em atenção estas e muitas outras elevações existentes, a freguesia apresenta vários cursos de água, nomeadamente a Ribeira da Calheta, a Ribeira da Prainha, a Ribeira Grande e a Ribeira Nova.

A nível de percursos pedestres, destacam-se em São Caetano os antigos trilhos, que na prática eram acessos quase diretos entre a baía e o seu porto, com o interior, nos tempos idos, altura em que não havia estradas. Estes trilhos situados entre o mar e a montanha, levam os caminhantes por paisagens idílicas perdidas entre as montanhas onde o estonteante verde das florestas da Laurissilva típicas da Macaronésia é uma constante.

Estas antigas veredas, algumas centenárias, são em si mesmas um património insofismável que levam o caminhante por entre uma vasta riqueza paisagística. De entre estes trilhos destacam-se o Trilho da Canada de São Caetano que tem início junto à Prainha do Galeão numa escadaria, o Trilho da Canada da Ribeira da Prainha, que fazia a ligação entre a Prainha do Galeão e a parte superior da freguesia de São Caetano e que era usado por pescadores e baleeiros, o Trilho do Largo das Fontes, que fazia a ligação da localidade com as pastagens de São Caetano e famoso pelas várias fontes que se encontram pelo caminho.

Localizada praticamente no sopé da Montanha do Pico, uma vez que a montanha nesta parte da ilha faz um cota de declive extremamente acentuado, São Caetano é, na verdade, a freguesia da ilha mais próxima da referida montanha.

Os primeiros povoadores das novas terras eram geralmente quem atribuía os nomes às terras que passavam a povoar, sendo que esta toponímia variava muito consoante os fatores existentes. Neste caso o nome desta freguesia esteve relacionado com a devoção da população com o santo católico São Caetano, sacerdote de Vicenza, na Itália. Este santo foi eleito como orago do novo povoado e foi Francisco Pires Flores quem mandou construir uma ermida em sua honra.

Igualmente foram os povoadores que atribuíram o nome à localidade da Prainha do Galeão, nome que recua ao Século XVI e que assinala a memória do barco, possivelmente um galeão, que, neste século, Garcia Gonçalves Madruga, então Capitão-mor, mandou construir a expensas suas, como forma de forma a pagar uma dívida que tinha para com o rei D. João III de Portugal. No ano de 1878 deu-se início à construção da atual igreja de São Caetano, obra que teve algumas dificuldades, entre elas a falta de madeiras adequadas ao que se pretendia. Outro facto que causou substancial atraso na obra foi a ocorrência de uma tempestade que levou à destruição de muito do trabalho então em curso. Por destino, ou não, reza a história que nessa altura aconteceu o naufrágio na Prainha do Galeão de uma embarcação proveniente Vicenza carregado de trigo cujas madeiras do casco forneceram as que faltavam para a finalização da obra.

Durante muitos séculos as atividades ligadas ao cultivo da terra foram as principais fontes de riqueza do povo desta localidade, e apesar de a agropecuária e a pesca estarem ainda entre as principais fontes de riqueza da freguesia, tem surgido outras atividades como a a pesca, carpintaria, a panificação, o comércio e o turismo, que tem diversificado o modo de viver das populações.

Aqui se localiza a Prainha do Galeão e o Porto da Prainha do Galeão também denominado na gíria como Porto de São Caetano e que representa um carácter regular ao longo do ano, embora seja mais acentuada no inverno.

Hoje com algumas casas adaptadas ao turismo rural São Caetano é um excelente lugar para passar férias.

 

NB – Alguns dados referidos neste texto foram retirados da Net.

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UM RETALHO DA HISTÓRIA AÇORIANA

Sexta-feira, 04.03.16

A Fajã Grande, incontestavelmente, faz parte integrante da História dos Açores. Primeiro porque é a freguesia mais Ocidental da Europa e também, porque à sua frente, no mar, lá ao fundo, mas fazendo parte da sua área geográfica, temos oportunidade observar o extremo ocidente da Europa que é o majestoso e enigmático o Monchique. Dada a sua localização, este ilhéu serviu como ponto de referência para acertar as rotas e verificar os instrumentos de navegação, ainda na altura em que esta era feita com base nos astros. Trata-se duma enorme e altíssima torre basáltica, encravada no meio do oceano, situado a cerca de cinco milhas de terra. O interesse, a importância e o significado deste fragmento de lava adormecido e abandonado no meio do Atlântico, advêm do facto de ele ser o "pedaço de terra" mais ocidental de Portugal e da Europa, servindo, assim, em tempos idos, como marco e de referência a todas as embarcações oriundas, quer das Américas, quer da Europa e da África, tendo também a função de ser um ponto de referência para acertar as rotas e verificar os instrumentos de navegação.

O Monchique também se revela de grande interesse para os biólogos, para os estudiosos da fauna marítima e para os mergulhadores submarinos, uma vez que são numerosas as cavidades submarinas nas suas encostas e no seu sopé e, além disso, está no centro de uma região de grande diversidade biológica, com cerca de uma centena de espécies marinhas identificadas, ao seu redor. Interesse e significado tem ainda o Monchique por ser uma espécie de ex-libris da Fajã Grande, por fazer parte da sua história, da sua cultura, dos seus costumes e até dos seus ditos ou falares. Na verdade, consta que alguns dos nossos avós, em tempos muito remotos, dançaram a chamarrita em cima do Monchique, que outrora se realizavam excursões e passeios do Porto da Fajã exclusivamente para o Monchique, a fim de os visitantes poderem observar e ver de perto as suas rochas e encostas, as suas veredas e as espécies marinhas que o revestem e circundam. Entre estas viagens, algumas destinavam-se exclusivamente à apanha de lapas, que as havia por lá grandes e boas, ou até de cracas, embora estas fossem de mais difícil captação e menos rendosas a comer. Muito usada na Fajã Grande era a expressão “por trás das raízes do Monchique”, a significar que algo era muito difícil ou até impossível de ter acesso, ou ainda esta outra “Quem te dera debaixo das raízes do Monchique” a indicar que se não gostava ou não se queria ver alguém.

Olhando na direção oposta, para a rocha que contorna a ampla fajã, podem ser observadas várias cascatas que tornam este local numa das mais bonitas freguesias da Ilha das Flores, quiçá dos Açores. Uma destas cascatas cai num poço muito conhecido dos florentinos e de quem visita a ilha, que é o Poço do Bacalhau, sobre o qual se conta algumas lendas e estórias. Segundo uma delas, há muitos, havia aportado aos mares da Fajã Grande um navio muito estranho e misterioso, deixando em cima dos rochedos negros, um homem. Bondosas e humanitárias que eram as pessoas da localidade, logo que encontraram o homem, de imediato se apressaram a ajudá-lo, dando-lhe alimentos, roupas, agasalhando-o e dando-lhe abrigo, durante a noite. Mais tarde, porém, vieram a saber que o homem era um deportado vindo de terras muito longínquas, onde havia praticado inúmeros crimes e cometido as mais vis barbaridades. Havia sido condenado e, para ser castigado para sempre, fora enviado e abandonado pelos seus conterrâneos na primeira ilha a que aportaram e que julgavam deserta, a fim de que se livrassem dele. Ficaria ali, sozinho, até ao fim dos seus dias, acabando por sofrer a paga de todo o mal que havia feito. Mas teve sorte o energúmeno, pois a ilha era habitada e o povo daquele lugar bondoso e caritativo, não se importando com o passado malévolo do facínora, tratando-o com carinho, respeitando-o com benevolência, aceitando-o com bondade. Mas o malvado não se comoveu com tamanha generosidade e, passados poucos dias, começou a assaltar, a roubar e a cometer as maiores barbaridades e as mais vis infâmias, sobre o povo, pobre, inocente e bondoso do pequeno povoado que o havia acolhido e ajudado inicialmente. O sacripanta não se coibia de roubar as colheitas aos pobres, de chibatear as pessoas que lhe ofereciam resistência ou o contrariavam e, sob chicote e ameaças, exigia às pessoas que trabalhassem para ele sem lhes pagar e obrigava os habitantes do humilde lugar a acarretar pedras para construir a sua própria casa. Depois da sua morte, em vez de ter uma sepultura condigna, foi atirado ao Poço do Bacalhau, a fim de ali, naquele buraco sem fundo, ter o seu purgatório. Era essa a razão por que os todos os dias à noite, quem passava na Ribeira das Casas e se dirigia aos moinhos da redondeza, ouvia, vindos das profundezas do poço, gritos desesperados e aterradores que assustavam tudo e todos. Era a alma do deportado que ali expiava as suas culpas e pecados.

Muitos outros topónimos são reveladores da história açoriana como Mateus Pires, Vale do Linho, Lugar da Bidarta. Lavadouros, etc ou então de lendas como a da Furna do João da Macaca e da Maria Peguinha, das Mexideiras, do Peito, dos Dez Reis, ou do Calhau das Feiticeiras, do Touro, etc.

Esta freguesia ainda encerra em si uma parte muito importante da história dos Açores pois foi para aqui que vieram os dois primeiros botes baleeiros das Flores e, provavelmente dos Açores.

Atualmente a Fajã Grande é uma zona balnear muito procurada pelos veraneantes que lhe atribuíram o epíteto de Algarve das Flores pois é sem dúvida um local ótimo para férias.

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HERÁLDICA

Quinta-feira, 03.03.16

Um brasão é um desenho especificamente criado com a finalidade de identificar indivíduos, famílias, clãs, corporações, freguesias, vilas, cidades, regiões e nações. Todas as cidades, vilas e aldeias portuguesas têm o seu brasão, elaborado segundo as tradições e as leis da heráldica portuguesa. Chama-se Heráldica ao estudo, elaboração e arquivo dos diversos brasões. Os brasões das povoações geralmente contêm desenhos ou imagens relacionados com a história, a localização, as características ou com o património cultural e natural da localidade que representam. Atualmente é frequente o uso de brasões como símbolo das freguesias, dos municípios e das regiões, que também têm a sua bandeira, onde normalmente figura o brasão.

Segundo a heráldica portuguesa, o brasão da freguesia da Fajã Grande, publicada no Diário da República, I Série de 26 de Maio de 2003, é o seguinte:

 Escudo de azul, rochedo de prata realçado de negro, movente de campanha diminuta ondada de prata e verde de três tiras; em chefe, bilha de leite de prata, entre uma espiga de trigo à dextra e uma espiga de centeio à sinistra, ambas de ouro. Coroa mural de prata de três torres. Listel branco, com a legenda a negro: “ FAJÃ GRANDE“.

Por sua vez a bandeira da Fajã Grande tem o seguinte formato e cores:

Esquartelada de amarelo e verde. Cordão e borlas de ouro e verde. Haste e lança de ouro.

A interpretação deste brasão da mais ocidental freguesia açoriana poderá ser, entre outras, a seguinte: A agricultura e a pecuária estão representadas em lugar de destaque como principais atividades económicas da freguesia, que na verdade sempre o foram desde os primórdios do seu povoamento. Assim as duas espigas, uma de trigo, outra de centeio, poderão muito bem representar a atividade agrícola, predominante na freguesia, embora hoje, naturalmente, deveriam ser espigas ou maçarocas de milho mas sabe-se que antigamente, na Fajã Grande, se cultivava apenas trigo e algum centeio. A pecuária e a produção de leite estão representadas pela bilha, embora também na Fajã Grande, nos tempos mais modernos se usassem latas em vez de bilhas. O mar que envolve a freguesia, embora não tirando dele grande proveito, estará representado pela enorme mancha azul que domina grande parte da área do brasão. Finalmente o rochedo de prata coberto de regos negros poderá significar a ilha onde a freguesia se situa, os ilhéus que a rodeiam ou as rochas que a dominam a leste, tudo ondeando sobre sonhos e desejos de esperança.

O estandarte, por sua vez, significa o triunfo, a vitória e o sucesso desta freguesia, onde domina o verde dos campos, das relvas e dos matos e o amarelo dos trigais, das searas em flor e dos cubres de flor amarela que cobriam a e outros locais da ilha das Flores, a quando da sua descoberta.

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SOPAS DE LEITE

Quarta-feira, 02.03.16

Na Fajã Grande, na década de cinquenta, na maioria das casas, a ceia, hoje denominada de jantar, era constituída apenas por sopas de leite. Estas sopas eram feitas com pão de milho ou, na falta deste, com bolo, cozido para o efeito num tijolo ou com papas. Era um manjar pobre, simples, mas muito saboroso e desejado, sendo que, por vezes, era reforçado e acompanhado com algum conduto, nomeadamente uma fatia de queijo, um pedacinho de linguiça, uma tirinha de torta ou até, um pratinho de sopa de agrião ou couve.

No caso do pão utilizado não leite, havia duas hipóteses de confecionar esta refeição. No dia de cozer o pão, com ele ainda muito quente e logo após ser retirado do forno, este era esmiolado dentro da tijela com o leite, sendo que este nem era fervido. Era o pão que o aquecia. Nos dias seguintes, quando o pão já estava frio, o leite era fervido e deitado de imediato, ainda bem quente sobre o pão esfarelado, sendo assim o leite a aquecer o pão. Se o pão já fosse velho e tivesse alguma apetência para criar bolor, era estufado, isto é, aquecido ao vapor da água colocada no fundo de um caldeirão. Neste caso como ficava muito quente era ele também a aquecer o leite. Em todas estas situações o pão transformado em sopas com o leite era, na verdade, um manjar delicioso, saboroso e muito apreciado

Quando faltava o pão de milho, ou simplesmente quando rareava, cozia-se bolo no tijolo. Depois de cozido, este ainda quente, tal como o pão, era migado no leite fresco e colocado numa tijela, constituindo, assim, uma das mais frequentes e tradicionais ceias da população, sobretudo da mais pobre. Caso o bolo sobrasse de um dia para o outro, procedia-se ao contrário, isto é, fervia-se ou simplesmente aquecia-se o leite, sendo o bolo migado no mesmo, mas ainda frio. Neste caso, era o leite que aquecia o bolo, enquanto no primeiro era ao contrário, isto é, o bolo é que aquecia o leite. Finalmente quando faltava o pão e o bolo faziam-se papas com farinha de milho, as quais, ainda quentes eram misturadas no leite, da mesma forma que o pão ou o bolo.

Este belo manjar era comido em tijelas de louça, muitas delas pintadas, algumas até com interessantes desenhos e com a ajuda duma colher. Estas sopas tornavam-se muito mais apetitosas se fossem acompanhadas com uma fatia de queijo fresco ou meio curado ou com outro conduto ou até com um pratinho de sopa que se ia comendo em conjunto. Havia também quem gostasse delas acompanhados de uma tirinha de linguiça ou outro conduto de porco. Na altura em que as vacas davam bezerro o leite era substituído pelos crostes, sendo que com estes também se fazia queijo, muito bom e adequado para acompanhar as próprias sopas.

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