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UMA EXPERIÊNCIA DE VIDA RICA E MÚLTIPLA

Sábado, 30.04.16

Eis que um menino foi dado aos Ginetes, no dia 11 de Março de 1942. Fez os estudos primários na sua freguesia e, detectada a sua inteligência e vontade de aprender, foi enviado, como tantos outros, para o Seminário. Teve a sorte de, nesse ano, ser inaugurado o Seminário Menor de Ponta Delgada, permanecendo assim, na sua ilha natal, durante os dois primeiros anos da sua vida académica. Em 1958 ruma a Angra para frequentar o Seminário daquela cidade, onde faz grande parte da sua formação, a qual completaria, mais tarde, nos Estados Unidos, estudando Sociologia no Goddard College e em Desenvolvimento Económico em Países em Desenvolvimento no Massachusetts Institute of Technology. Após a opção de abandonar o Seminário, alista-se no exército e frequenta a Escola Prática de Infantaria também conhecida como “Entrada Para o Inferno” e a escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas mais conhecida como “Escola Penal Alentejana”, regressando, depois, a Ponta Delgada com o posto de Aspirante, onde cumpriu o serviço militar. A alta classificação obtida no curso de oficiais livrou-o da guerra do Ultramar.

Após a experiência militar emigrou para os Estados Unidos, trabalhou, inicialmente, no sector fabril, com uma breve passagem pelo ensino e, mais tarde, nos serviços sociais em parceria com uma organização Luso-Americana, “Cambridge Organization of Portuguese Americans” A maior parte da sua vida profissional, no entanto, foi dedicada à administração pública, no Estado de Massachusetts, trabalhando sucessivamente em diversos departamentos: Assistência Financeira, Assistência Médica, Serviços Sociais, Saúde Mental, Saúde Publica e Gestão de Propriedade Publica. No sector privado, foi coordenador de programas e projectos diversos em Moçambique, na Nigéria e no Brasil, sendo também assessor de empresas privadas e envolveu-se social e politicamente, o que lhe permitiu um enriquecimento pessoal e profissional e o acompanhamento dos movimentos políticos e sociais dos Estados Unidos e do Mundo em geral. Agora reformado desenvolve uma intensa actividade na área das relações internacionais, uma vez que continua envolvido em contactos permanentes com o Departamento de Estado dos EU, dando apoio linguístico, logístico e cultural a convidados estrangeiros, do Governo daquele país.

Como tantos trouxe ao Encontro toda a saudade que armazenara dentro de si, durante mais de quarenta anos. Por isso chegou carregado de alegria, de satisfação, de contentamento, de emotividade e deslumbramento, tudo isso reflectido naquele enorme e simpático sorriso com que nos presenteava, em cada hora e em cada momento. Participou em todas as actividades com uma generosidade destemida, envolveu-se em todos os eventos com uma alegria desmesurada, transcendeu-se nos momentos de diálogo, galvanizou-se com o recordar de memórias e enterneceu-se com a certeza de que os sentimentos de amizade e camaradagem de outrora, ainda permaneciam bem vivos e reais, entre todos os presentes. Por tudo isso o Sebastião foi mais um dos “Senhores do Encontro”.

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A MORTE DA ESPOSA DO GRUMETE ANASTÁCIO MOREIRA ALVES

Sexta-feira, 29.04.16

Corria o ano de 1934. Estávamos numa tarde solarenga de Junho. Toda a Ponta e Fajã eram abalroadas com a trágica notícia da morte, repentina e inesperada, na Rocha da Ponta, de uma mulher. Não se sabia quem era.

As mulheres, interrompendo os afazeres domésticos, umas pejadas outras com os garotos agarrados aos saiotes, saíam porta fora, na mira de se saber o que se passava e quem falecera. Umas aos gritos, outras em grande alvoroço. Na torre da igreja os sinos tocavam ininterruptamente. Uma grande desgraça acontecera.

Por fim a trágica notícia confirmou-se:

- Uma mulher, a rondar os sessenta anos, natural da Fajã Grande, mas que se deslocava a Ponta Delgada, onde tinha familiares, subindo a rocha da Ponta, como era uso e costume na altura, falecera de repente a meio da subida. Sabia-se que a mulher subia acompanhada de alguns familiares entre os quais o neto, na altura apenas com sete anos e no colo de quem viria a falecer.

Mais tarde soube-se que a mulher era Maria dos Santos Moreira, esposa de Anastácio Moreira Alves, sendo o neto que a acompanhava José da Silveira Alves. Maria dos Santos Moreira nascera na Fajã Grande em 1875 e era filha de Francisco Lourenço do Nascimento e de Ana Laureana do Nascimento, que haviam casado em 11 de Abril de 1869, na Fajã Grande. Maria dos Santos Moreira casara com Anastácio Moreira Alves, grumete da Armada, que nascera em 1871 na freguesia de Santa Catarina da Serra, concelho e distrito de Leiria. Anastácio era filho de Bento Moreira e de Teresa de Jesus e o casamento realizou-se na igreja paroquial da Fajã Grande das Flores, em 22 de Maio de 1895.

A freguesia de Santa Catarina da Serra, onde nascera o grumete Anastácio, fica situada na parte mais a sudeste do concelho de Leiria, fazendo fronteira com o distrito de Santarém e com as freguesias de Caranguejeira e Cercal, Arrabal, Chainça e São Mamede, Fátima, Atouguia e Gondemaria.

Trata-se de uma antiquíssima freguesia criada em 1549 pelo primeiro bispo de Leiria, D. Frei Brás de Barros, tendo sido, na altura, desanexada da freguesia de S. Pedro de Leiria. É composta por várias povoações. Ultimamente tem conhecido bastante desenvolvimento, devido sobretudo à sua localização geográfica, nomeadamente devido à sua proximidade com a cidade de Fátima e, também, devido à dinâmica da sua população e de muitas empresas que ali tem sido criadas. Santa Catarina da Serra foi elevada a vila a 12 de Julho de 2001. Um dos edifícios mais emblemáticos da vila é sem dúvida a Igreja de Santa Catarina.

Recorde-se que grumete é a praça da Marinha Portuguesa com a graduação mais baixa. Durante a instrução militar básica ou a recruta, um instruendo na Marinha é designado segundo-grumete recruta. Após a instrução militar e cerimónia de juramento de bandeira, os militares da Marinha são incorporados com o posto de segundo-grumete; o posto seguinte é primeiro-grumete, imediatamente inferior a segundo-marinheiro. Após a formação técnica complementar, os grumetes desempenham funções de acordo com especialidade com que são habilitados. A nível de uniformes, os grumetes não têm distintivo do posto. São identificados pelo uso do distintivo da classe técnica a que pertencem.

 

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SABUGOS ROÍDOS

Quinta-feira, 28.04.16

Os sabugos, na Fajã Grande, antigamente, eram um dos objetos mais procurados pelas crianças para as suas inocentes brincadeiras. Para os rapazes, geralmente aproveitados na sua forma original, serviam de vacas. Para as meninas, depois de revestidos e ornamentados, eram transformados em bonecas. Num caso e noutro, procuravam-se os sabugos maiores, mais vistosos e os que tinham o pelo mais macio e fofo. Mas, no caso dos rapazes, eram os vermelhos, talvez por serem raros, os mais procurados. Conseguir uma vaca vermelha, no meio de tantas brancas era uma importante conquista. Para as bonecas apenas eram utilizados os sabugos brancos.

Mal acabavam as nossas avós, as nossas mães ou quem quer que fosse de debulhar duas ou três maçarocas e logo nos atirávamos na avaliação de cada sabugo, a fim de selecionar e escolher os melhores, os que, na nossa imaginação, mais se assemelhassem e configurassem com uma vaca, uma gueixa, um bezerro ou um boi. Tínhamos de tudo… Depois era colocá-los no palheiro, dar-lhes de comer e de beber, levá-los para as relvas ou encangá-los para puxar o corsão feito de milheiros ou o arado que que adquiríamos transformando um garrancho qualquer. Havia quem lhes espetasse paus ou pregos a fazer de pernas e chifres dos animais mas na maioria dos casos os sabugos eram usados na sua pureza original, como rastejantes.

As pessoas mais velhas, de mãos mais calejadas e muito experientes na debulha das maçarocas de milho, utilizavam uma estratégia interessante para não calejarem mais as mãos. Para friccionar os grãos e despegá-los do sabugo utilizavam um outro sabugo. Colocando-o sobre a maçaroca a debulhar, faziam pressão sobre ele esfregando-o nos grãos que assim se soltavam com maior facilidade. Resultava assim que este sabugo usado na debulha se ia roendo, amolando-se e desgastando-se aos poucos, até ficar muito mais delgado no centro enquanto as pontas mantinham o seu aspeto original, fofo e macio. Eram estes sabugos roídos que nós também procurávamos avidamente. Apanhar um sabugo destes também era uma conquista, pois a maioria dos debulhadores não sabiam utilizar esta estratégia. É que o seu formato fazia-nos lembrar um cavalo. Assim, enquanto os outros sabugos na sua forma original se transformavam em vacas, bois, bezerros ou gueixas, estes eram os nossos cavalos. E que bonitos que eram os cavalos feitos de sabugos roídos.

 

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CRÍTICAS

Quarta-feira, 27.04.16

“Quem se irrita com as críticas está a reconhecer que as merece.”

 

 (Tácito)

 

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FÉRIAS NOS AÇORES

Terça-feira, 26.04.16

Os Açores cada vez se assumem mais como local ideal para passar férias. Na verdade e de acordo com o site informativo I Love Azores, prevê-se que o número de portugueses que escolhem os Açores para fazer férias aumentará, este ano, cerca de cinquenta por cento, o que demonstra que a atividade hoteleira em Portugal continua a apresentar resultados positivos, com a procura a aumentar muito particularmente nos Açores.

A procura de hotéis nas ilhas açorianas aumentou tanto da parte de residentes no continente como de estrangeiros, sendo, neste caso, que os mercados italiano, francês e alemão foram os que apresentaram os mais elevados valores. Apenas, segundo o relatório do INE, Espanha e Irlanda ostentaram uma evolução negativa.

Os mesmos dados mostram que, o maior aumento da procura verificou-se nos aldeamentos turísticos. Em sentido contrário, os estabelecimentos de classe mais baixa hotéis-apartamentos de duas e três estrelas registaram alguma quebra.

Quanto aos locais mais procurados no país, é verdade que o Algarve, Lisboa e Madeira estão no topo da lista, mas foram os Açores que registaram o maior aumento no número de dormidas. O INE explica este aumento com "a implementação de novos serviços de transporte aéreo na região", que permitiu aumentar as dormidas dos residentes naquela ilha em mais de cinquenta por cento

Este crescimento refletiu-se sobretudo nas receitas de hotelaria. Por tudo isto, um outro site, o Business Insider colocou o arquipélago açoriano entre os 30 locais para visitar este verão. O mesmo site classifica os Açores como locais imperdíveis e que devem constar nos planos de viagem de férias para este verão. O mesmo site listou aqueles que são os trinta locais de paragem obrigatória durante o próximo verão e os Açores fazem parte dos escolhidos, figurando ao lado de locais como a Isola Bella, na Itália, Tulum, no México e Marraquexe, em Marrocos.

As nove ilhas dos Açores têm sido referenciadas como um dos segredos mais bem guardados do Oceano Atlântico, onde os viajantes podem encontrar cada tipo de maravilha natural, desde praias, a lagos, passando por cascatas e cavernas vulcânicas.

Vale a pena passar Férias nos Açores. São Miguel, Santa Maria, Terceira, Faial, Pico, São Jorge, Graciosa, Flores e Corvo são as 9 ilhas que constituem o arquipélago mais ocidental da Europa e que são, incondicionalmente, um dos destinos mais apreciados por quem procura descanso, natureza e paisagens deslumbrantes. Apesar de fazerem parte do mesmo arquipélago, cada ilha possui uma identidade muito própria e diferentes atrações a visitar, tendo na natureza o seu principal fator comum, por isso não se fique apenas pela maior e mais conhecida, São Miguel. Visite-as todas, se não este verão, nos próximos. Delicie-se com a sua saborosa e variada gastronomia, refresque-se nas suas piscinas naturais, descontraia-se com passeios pelos vários trilhos existentes, descubra paisagens deslumbrantes e incríveis de lagoas, montes vulcânicos, campos verdejantes, sente-se à beira-mar e sonhe com a imensidão do Atlântico, observe as comunidades locais de baleias e golfinhos, desfrute de tantas outras imagens que ficarão certamente na sua memória.

Na verdade, os Açores são o local ideal para as suas férias.

 

NB – Dados retirados do site I Love Azores

 

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ERA UMA VEZ UM PAÍS

Segunda-feira, 25.04.16

(EXCERTOS DO POEMA AS PORTAS QUE ABRIL ABRIU DE JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS)

 

Era uma vez um país

onde entre o mar e a guerra

vivia o mais infeliz

dos povos à beira-terra.

Onde entre vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

um povo se debruçava

como um vime de tristeza

sobre um rio onde mirava

a sua própria pobreza.

 

Era uma vez um país

onde o pão era contad

onde quem tinha o dinheiro

tinha o operário algemado

onde suava o ceifeiro

que dormia com o ga

onde morria primeiro

quem nascia desgraçadodo.

 

Era uma vez um país

de tal maneira explorado

pelos consórcios fabris

pelo mando acumulado

pelas ideias nazis

pelo dinheiro estragado

pelo dobrar da cerviz

pelo trabalho amarrado

que até hoje já se diz

que nos tempos do passado

se chamava esse país

Portugal suicidado.

 

Ali nas vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

vivia um povo tão pobre

que partia para a guerra

para encher quem estava podre

de comer a sua terra.

 

Um povo que era levado

para Angola nos porões

um povo que era tratado

como a arma dos patrões

um povo que era obrigado

a matar por suas mãos

sem saber que um bom soldado

nunca fere os seus irmãos.

 

Ora passou-se porém

que dentro de um povo escravo

alguém que lhe queria bem

um dia plantou um cravo.

 

Era a semente da esperança

feita de força e vontade

era ainda uma criança

mas já era a liberdade.

Quem o fez era soldado

homem novo capitão

mas também tinha a seu lado

muitos homens na prisão.

Esses que tinham lutado

a defender um irmão

esses que tinham passado

o horror da solidão

esses que tinham jurado

sobre uma côdea de pão

ver o povo libertado

do terror da opressão.

 

Não tinham armas é certo

mas tinham toda a razão

que na escolha do mais forte

faz com que a força da vida

seja maior do que a morte.

 

Quem o fez era soldado

homem novo capitão

mas também tinha a seu lado

muitos homens na prisão.

 

Posta a semente do cravo

começou a floração

do capitão ao soldado

do soldado ao capitão.

 

Foi então que o povo armado

percebeu qual a razão

porque o povo despojado

lhe punha as armas na mão.

 

Pois também ele humilhado

em sua própria grandeza

era soldado forçado

contra a pátria portuguesa.

 

Foi então que Abril abriu

as portas da claridade

e a nossa gente invadiu

a sua própria cidade.

 

Disse a primeira palavra

na madrugada serena

um poeta que cantava

o povo é quem mais ordena.

 

E então por vinhas sobredos

vales socalcos searas

serras atalhos veredas

lezírias e praias claras

desceram homens sem medo

marujos soldados «páras»

que não queriam o degredo

dum povo que se separa.

E chegaram à cidade

onde os monstros se acoitavam

era a hora da verdade

para as hienas que mandavam

a hora da claridade

para os sóis que despontavam

e a hora da vontade

para os homens que lutavam.

 

Em idas vindas esperas

encontros esquinas e praças

não se pouparam as feras

arrancaram-se as mordaças

e o povo saiu à rua

com sete pedras na mão

e uma pedra de lua

no lugar do coração.

 

Foi esta força sem tiros

de antes quebrar que torcer

esta ausência de suspiros

esta fúria de viver

este mar de vozes livres

sempre a crescer a crescer

que das espingardas fez livros

para aprendermos a ler

que dos canhões fez enxadas

para lavrarmos a terra

e das balas disparadas

apenas o fim da guerra.

 

Foi esta força viril

de antes quebrar que torcer

que em vinte e cinco de Abril

fez Portugal renascer.

 

De tudo o que Abril abriu

ainda pouco se disse

e só nos faltava agora

que este Abril não se cumprisse.

agora ninguém mais cerra

as portas que Abril abriu!

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OS DOMINGOS EM QUE O SENHOR ESPÍRITO SANTO IA À MISSA

Domingo, 24.04.16

Os domingos, entre a Páscoa e o Pentecostes, na Fajã Grande chamado dia do Senhor Espírito Santo, eram os únicos dias do ano em que as quatro coroas, correspondentes a tantos outros impérios existentes na freguesia, incluindo o de S. Pedro da Casa de Cima, iam à missa, à igreja paroquial. Nesses domingos, todas as casas em que havia crianças ou jovens se engalanavam, colocando nos pátios, ou nas “terras da porta” ou até num dos cantos da casa, um altíssimo pau com uma bandeira no cimo, semelhante em tudo aquelas grandes que existiam nos paus, um na Casa de Cima e outro na de Baixo e nos quais, nesses dias, também eram içadas bandeiras gigantes.

A Assomada onde eu morava, enchia-se com paus e bandeiras, a começar pelo José Augusto, lá no cimo da rua e a terminar no Jaime, cá em baixo, já bem perto da Praça. Pelo meio o José Gonçalves, o Laurindo, o Orlando, a Fátima Silva, o António do Pico, o João de Freitas, o António Jorge, eu e meus irmãos e muitos outros. As bandeiras eram brancas e ornamentadas com flores ou ramos nos cantos e com uma coroa e uma pomba, geralmente vermelhas, no centro. O mastro tinha que ser grande e direito, normalmente feito de criptoméria e era encimado por uma pomba de madeira. Quanto às pombas de madeira, algumas, as dos que tinham possibilidades de as comprar já feitas em torno adequado, eram prateadas ou envernizadas como as dos paus das bandeiras das Casas de Cima e de Baixo, outras, as dos mais pobres eram toscas, abruptas e falquejadas pelos próprios, dado que não tinham dinheiro para as comprar. Nem sequer eram pintadas, mantendo a cor amarelada da madeira. Na extremidade superior do pau e logo abaixo da pomba era aparafusada um pequena roldana, através da qual passava um cordão, onde se amarrava a bandeira, que depois se ia puxando, puxando a fim de que a dita cuja subisse lá bem para o alto e assim se abanasse ao vento, de maneira que fosse vista e anunciasse a passagem das coroas pelas ruas.

A primeira coroa a chegar à Casa de Cima era a da Cuada. Os moradores daquele idílico lugar vinham todos, em cortejo, à missa, trazendo a coroa e as bandeiras, geralmente duas vermelhas e uma branca, semelhante às que abanavam nos nossos paus, seguidos dos foliões a cantar o Venha, Senhor Venha e O Lavrador da Arada, orientados pelo Bygoret nos testos e o por meu primo Zé Maria no tambor. Juntavam-se aos da Casa de Cima e à coroa de S. Pedro e esperavam todos, junto ao chafariz para que os da Casa de Baixo dessem sinal de partida. Caminhavam, então, ao encontro uns dos outros, em direção à igreja, pela Rua Direita, que assim se enchia de povo, de sons, de cantares, de glória, de louvores e dos toques dos foliões, acompanhados pelo repicar dos sinos. Por fim as quatro coroas e as bandeiras juntavam-se todas à porta da Igreja. O Guarda-Vento abria-se e o pároco, revestido de capa de asperges, aspergia as coroas, molhando o hissope na caldeirinha da água benta que o sacristão lhe apresentava, acompanhando-as, depois, em procissão, enquanto entoava o Magnificat, conduzindo-as até aos altares laterais, onde as colocava e onde permaneciam até ao fim da missa. As bandeiras vermelhas, que como as coroas também eram transportadas  por familiares dos cabeças, eram colocadas ao lado dos altares, enquanto as brancas, aparentemente menos dignas, ate porque eram transportadas por crianças e nos cortejos seguiam sempre à frente, ficavam ao fundo da igreja.

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FASCÍNIO E MEDO NAS ÁGUAS

Sábado, 23.04.16

As Águas era um dos mais contraditórios lugares da Fajã Grande, porquanto provocava, simultaneamente, nos que para lá se deslocavam, fascínio e medo. Por isso e porque situado debaixo da Rocha, entre a Ribeira das Casas e o Caminho do Mato, o lugar das Águas era, ao mesmo tempo fascinante e aterrador.

Meu pai tinha quatro propriedades nas Águas. Um curral de erva mas de pouco valor, situado logo à entrada, onde terminavam as terras de cultivo da Ribeira, no qual nem cabia uma vaca. Apenas servia para guardar ovelhas e dar-lhes de pastar. Possuía também, mas já mais a norte e muito próximo da Rocha, duas relvas ou pastagens quase contíguas. A primeira, que nós apelidáramos de Águas de Cá, com erva de boa qualidade. A segunda, as Águas de Lá, mais além, já quase sobre o descampado da ribeira, terra de muito fraca qualidade. Finalmente e bem junto à Rocha, também sobre o descampado da Ribeira das Casas, e ainda mais pobre e menos fértil, uma outra propriedade que de nada servia a não ser para produzir feitos e juncos que ceifados serviam para cama do gado nos palheiros. Isto porque naquele local a Rocha não dispunha de uma plêiade quase infinita de grotas e veios de água como acontecia a uns escassos metros dali e que davam às relvas encostadas à Rocha o estatuto de lagoas, uma vez que encharcando o terreno faziam com que a erva crescesse, permitindo que fosse ceifada para alimento das vacas nos palheiros. Além disso ali se produziam bons inhames.

Mas o meu fascínio por aquele lugar começava logo à entrada, junto ao curral que pertencia a meu pai, onde havia um enorme calhau caído da rocha, sabia-se lá há quantos anos. Era um gigantesco e descomunal penedo, bastante áspero e excessivamente tosco. O seu peso estimativamente excessivo e a presumível velocidade que teria atingido ao despegar-se daquele desmedido aclive haviam-no encravado no chão de tal maneira que aparentava ter sido ali plantado pela natureza. O calhau ficava mesmo à beira da canada, servindo, naquele sítio, de divisória natural entre o caminho de servidão e a relva de Ti Manuel Rosa, situada à esquerda de quem se dirigia para a Rocha. Do lado que confinava com a via pública, na parte superior, o calhau tinha uma enorme aba e, na parte inferior desta, uma concavidade ou buraco, que com as chuvas se enchia de água. Só que, por caprichos da natureza, o buraco era uma espécie de poço, tão perfeito e tão bem elaborado que nem o cinzel de um pedreiro o talharia melhor. Além disso, na parte inferior, a aba do calhau possuía uma espécie de plataforma para que quem quisesse ou desejasse ali se sentasse a molhar distraidamente as mãos. Quando ia às Águas fascinava-me ficar a contemplar o pequeno lago, sobretudo quando cheio de água, quase a transbordar, com formas e recortes tão semelhantes aos do baixio, como se fosse um mar. Havia mesmo um enclave em tudo igual ao Boqueirão, outro parecido com o Caneiro do Porto e no meio, eu próprio lhe escarrapachava uma pedra a fazer de Monchique. Então nos dias em que meu pai por lá se demorava a ceifar feitos ou quando eu levava a minha ovelha a pastar no curral era um enlevo, pois enchia o lago de folhinhas de faia e de incenso a fazer de barcos. Depois sentava-me na plataforma e ficava ali horas e horas a brincar. Tocava com as mãos na água e esta agitava-se como se fossem ondas e o lago crescia, crescia até se transformar num enorme mar cheio de barcos, de gasolinas, de iates e de navios, uns ancorados fora do porto, outros partindo para a Europa, para a América, para outros mundos.

Mas não era só isto que me fascinava nas Águas. Lá no alto. Quase no cimo da Rocha, precisamente sobre uma das propriedades de meu progenitor existia uma furna. Era a furna do João da Macaca e da Maria Peguinha. Fascinava-me observar, ainda que de longe, a residência daquele estranho casal que ninguém sabia quem era. Dizia-se que todos os dias, de madrugada e à noitinha, eles se vinham sentar à entrada da furna, a disfrutar o magnífico panorama que dali se deveria visionar, Ao mesmo tempo, porém também sentia medo porque era voz corrente, por parte dos adultos, que o João da Macaca e a sua consorte viam, observavam e registavam todas as asneiras, disparates, desobediências e má-criações que os meninos faziam para depois lhes aplicar o devido castigo, caso voltassem a repetir o que de mal haviam feito. Além disso, no verão, enquanto ajudava meu pai a ceifar os feitos, nos andurriais da Rocha, fascinava-me ver, lá ao longe, no mar, os botes baleeiros a partirem para a safra assim como os navios que lá no horizonte apareciam e desapareciam quase miraculosamente. Tudo fascinante! Mas o pior era que a tudo isto se juntava um enorme medo, o medo de rolarem pela Rocha pedregulhos e ribanceiras, como acontecera outrora e cujos vestígios eram bem visíveis para qualquer lado que se olhasse.

 

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JOÃO E ANGELINA

Quinta-feira, 21.04.16

Tarde de inverno! Na aba de uma parede da Silveirinha, a abrigaram-se da chuva e a protegeram-se das intempéries. Ela exausta de carregar um cesto de inhames da Alagoinha, ele vergado ao peso de um enorme molho de lenha do Pocestinho. A chuva, cada vez mais intensa, opunha-se ferozmente à pertinente resistência da aba e começava a penetrar-lhe nos corpos, misturando-se com suores e canseiras. Encolheram-se mais, aconchegaram-se em demasia, junto à parede e os seus corpos, tolhidos pela chuva e encharcados de inocência, tocaram-se, ao de leve. Ela mais nova, mais tímida, mais triste, mais dolente, mais silenciosa, mais embaraçada e menos requintada de desejos. Ele mais velho, mais ousado, mais afoito, mais conversador, mais habituado a bailaricos e folias e menos comedido em ousadia. A chuva, agora, caía mais forte, em catadupa e, por mais que se encostassem à parede e por mais que os seus corpos se embrenhassem na aba, não podiam resistir nem à intempérie, nem à troca de afetos. Deram as mãos e estremeceram. Olharam-se de frente e enterneceram-se. E com o cair permanente e cada vez mais intenso da chuva e com um simples acenar de cabeça e com um sorriso do tamanho do mundo, perceberam que tudo começava ali.

Os pais dela rejeitaram, condenaram, intimidaram, proibiram e ameaçaram. As irmãs zombaram, chacotearam, escarneceram e ridicularizaram. Um badameco daqueles, que não tinha onde cair morto, um zé-ninguém com o pai a finar-se, a mãe acamada e com uma irmã tola, um simplório sem sonhos e sem futuro que nem a América aspirava. Que não lhes batesse à porta, o palerma, que havia ouvir das boas. Fosse procurar mulher para junto dos da sua laia. Ela triste, deprimida, magoada, chorosa, sentindo cada vez mais o aperto da sua mão, o calor do seu corpo e a grandiosidade do seu sorrisos. Ele insistiu, nas Águas, nos Lavadouros, na Cabaceira, onde quer que fosse, quer ao sabor refrescante da chuva quer ao calor angustiante das tardes solarengas.

Certo dia, ele, subjugado ao amor e enchendo-se de coragem, entrou-lhe pela porta dentro, disposto a pedi-la aos pais. Enxovalharam-no, tentaram afugentá-lo, pediram-lhe que desistisse, exigiram que a deixasse em paz. Ele emudeceu mas ela ressurgiu, revoltou-se, interpôs-se e declarou, sem rodeios, a sua vontade. Era ele o seu eleito e dele não havia de desistir. Que se não a deixassem concretizar os seus sonhos havia de fugir. Encolheram os ombros… Que fugisse! Era lá com ela.

Não fugiu ela mas fugiram eles! Uma boda sem bodo, um vestido branco sem folhos e um dia sem festa e sem folia! Apenas uma flor de laranjeira porque sabiam que ela a merecia. Mas ele que não lhes entrasse mais pela porta dentro.

João amou Angelina apenas durante catorze anos, porque quis o destino que ela partisse muito nova. Ele ficou, triste, atormentado e, pior, doente, à espera de também, em breve, ir ao seu encontro.

Destinos cruéis. Traços rasgados a sangue em horizontes perdidos. Sulcos de dor tracejados em sonhos desfeitos. Efémero amanhecer onde a certeza se confunde com a impertinência angustiante de um sofrimento perene.

João e Angelina escreveram, com pinceladas de sofrimento, um causticado poema de amor que até aquelas deslumbrantes gotas da chuva caídas, naquela tarde de inverno, sob a aba de uma parede da Silveirinha, não compreenderam ou não quiseram compreender.

João e Angelina foram os meus pais! A eles agradeço ter nascido, num solarengo e primaveril domingo de Páscoa, de 1946.

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HISTORIAL DA MAIS OCIDENTAL FREGUESIA AÇORIANA

Quarta-feira, 20.04.16

A Fajã Grande, ocupando uma área de aproximadamente 12,55 quilómetros quadrados, foi sempre uma das freguesias mais povoadas do concelho de Lajes das Flores e de toda a ilha. Localizada na costa oeste, confronta com as freguesias de Ponta Delgada das Flores e da Fajãzinha e representa o lugar mais ocidental dos Açores, de Portugal e de toda a Europa. Um pouco afastado da sua orla costeira, encontra-se o ilhéu de Monchique, o último sinal físico que separa o Velho do Novo Mundo, assim descrito pelo Padre José António Camões: "Em distancia de uma legoa, pouco mais ou menos, a noroeste da ilha, está um alto ilheo de pedra chamado Monxique, que sendo bem alto (nada menos de vinte braças de altura) há por vêzes mar tão bravo naquella Costa, que o cobre todo, saltando-lhe as ondas por cima".

Administrativamente, só na segunda metade do século XIX, a Fajã Grande obteve a sua autonomia política e religiosa. A freguesia de Nossa Senhora do Remédios das Fajãs, a que pertencia o lugar de Fajã Grande, havia sido instituída em 1676, englobando os lugares da Ponta, Fajã Grande, Caldeira e Mosteiro. Nesse ano, haviam sido desanexados os lugares da Ponta da Fajã, que até então pertencia à freguesia de Ponta Delgada, e do Mosteiro, integrando a freguesia das Lajes. Duzentos anos mais tarde, por provisão do Bispo de Angra, Frei Estevão, datada de 1861, foi instituida a Paróquia de São José de Fajã Grande em conjunto com as povoações da Ponta e Cuada. O Padre Camões, relativamente a esta região, afirma o seguinte: "Continua baixio até uma pequena enseada a que chamam a baixa d'agoa. Continua baixio, baixio até chegar ao porto da Fajã Grande, que tem no meio um grande morro chamado o Calhau da Barra. Para dentro do dicto Calhau fica um grande poço de mar chamado o Poção, que dá refugio aos barcos que entrão com mar bravo".

Gaspar Frutuoso, por outro lado, oferece-nos uma descrição mais viva da região, na sua obra Saudades da Terra: "Dali a um quarto de légua está uma Fajã, chamada Grande, que dá pão e pastel, em terra rasa, com algumas engradas onde entram caravelas de até cinquenta moios de pão a tomar o pastel que nela se faz, onde também há marisco e pescado de toda a sorte, e no cabo dela está um areal, de meia légua de comprido, em que sempre, anda o mar muito bravo; e dali por diante, a outra meia légua, é tudo rocha talhada, onde se apanha muita urzela, e de muita penedia por baixo, em que se cria infinidade de marisco e grandes caranguejos e desta mesma maneira corre a rocha um tiro de bombarda até uma ponta, que sai ao mar um tiro de arcabuz, com um baixo de pedra, que tem lapas e búzios; e, logo adiante da ponta, se faz uma baía, onde com ventos levantes ancoram navios de toda a sorte e também naus da Índia. No meio deste ancoradouro cai da rocha no mar, a pique, uma grande ribeira".

Este texto permite concluir-se que, na época, a Fajã Grande era centro de grandes transações comerciais, chegando mesmo as caravelas da Índia a encontrar aqui um precioso desembarcadouro.

Por outro lado, o autor faz ainda uma clara referência á riqueza e variedade do pescado da região, ainda hoje preservado. Apesar de, atualmente, não registar tão grande azáfama a Fajã Grande continua a encantar quem a visita, pela amenidade do seu clima, pela transparência das suas águas ou pelas suas piscinas naturais, enfim, ela assume-se hoje como uma verdadeira estância de veraneio para todos os florentinos.

De todos os lugares que compõem esta pitoresca freguesia, dois sobressaem pelas suas paisagens naturais: a Ponta e a Cuada. A Ponta é um lugar quase mítico, imaginária e de sonho, num mundo marcado pela solidão e pela falta de valores. Desde que serviu de fronteira entre as freguesias de Nossa Senhora do Remédios de Fajãzinha e de São Pedro da Ponta Delgada, o destino desta região ficou para sempre traçado. Atualmente, com as suas cascatas de águas e escorrer pelas escarpas abaixo, a Ponta da Fajã Grande é um idílico lugar onde vivem menos de 20 pessoas. Com tradições profundamente rurais, aqui ainda se ouve o cantar dos pássaros, o murmurar das águas e o marulhar do mar, por vezes intempestivo. Por sua vez Cuada, palavra que deriva de saracotear, ou seja, «andar de um lugar para o outro», mas que Pedro da Silveira afirmava vir de cu, por ficar na parte de trás da freguesia, foi uma povoação que, desde cedo, sentiu o fenómeno da desertificação. Este airoso terraço ou planalto entre a Fajã Grande e a Fajãzinha, encontra-se assim associado, na mais pura tradição florentina do aldear, aos contrastes e dissabores que, com o tempo, foram surgindo na Fajã e que levaram algumas famílias a abandonarem a sua terra natal.

 

"A Fajã é uma vila,

A Quada é um outeiro

P'ra onde as aves do campo

Vão fazer o seu linheiro.

 

As tecedeiras da Quada

São todas muito apuradas,

Tecem colchas cobertores,

Cobertas e almofadas,”

 

Hoje, quase todo o povoado da Cuada foi recuperado para fins turísticos o que constitui sem dúvida um exemplo de Turismo Rural de sucesso. "Aldeia da Quada", é um sítio convidativo à Paz, e ao bucolismo que a ilha inspira. Um contacto imprescindível com a Natureza que se recomenda.

Porque as pessoas são parte integrante da História de cada região, Fajã Grande orgulha-se de ter sido o berço de algumas personalidades que, no seu tempo e à sua maneira, contribuíram para o seu engrandecimento. De entre as várias individualidades florentinas, destacam-se o Padre José Luís de Fraga, pelos seus dons de orador, escritor e músico; e Pedro da Silveira, historiador e poeta, com vários trabalhos publicados.

 

NB – Dados retirados da net: Sites da C.M. das Lajes e J.F. da Fajã Grande.

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PICO DA VIGIA

Terça-feira, 19.04.16

Eu olhava a Fajã, ao fundo, distanciando-se aos poucos, numa perspectiva que nunca me tinha sido dada observar e que, agora, me permitia imaginar e configurar formas diversificadas e simbólicas. As casas brancas, agrupadas e enleadas, faziam-me lembrar as pérolas de um enorme colar, suspensas entre dois grandes, pétreos e turgescentes peitos: o Pico da Vigia e o Outeiro, ou, então, numa visão mais integradora, a Ponta dos Pargos surgia-me como a proa negra dum grande navio, com o seu convés povoado de casotas e torres, onde se destacavam as da Igreja e da casa do Chileno e lembrava-me dos rigores do Inverno, quando o velho Carvalho Araújo ancorava mesmo ali, totalmente impedido de o fazer em qualquer outro ponto da ilha, devido aos fortes ventos de Oeste.

Na Fajã Grande “… subir a Rua Direita (Rua Senador André de Freitas), a principal da Fajã Grande, até à última casa da Freguesia, antes da qual se deve entrar num carreiro à direita. Na colina, à direita, há um poste de luz: logo depois de se alinhar com ele, ha uma canadinha entre paredes, do mesmo lado, estreita mas muito bem traçada, conduz à vigia. Quem prosseguisse em frente pelo carreiro iria ter à Fajãzinha. O primeiro troço da subida ao Pico da Vigia é uma escada em pedra muito íngreme, mas após duas ou três voltas já aparece a meta, uma cabina empoleirada em cima de um rochedo, que se projecta sobre o mar. A segunda parte da vereda, porém, é muito menos empinada.

Uma vez ao pé da vigia, para gozar o estupendo panorama, realmente «sem palavras», pode-se subir à placa do tecto, do lado direito da cabina. O caminho está sempre mondado e transitável (…)

 Para além do porto e área de lazer adjacente, a freguesia da Fajã Grande (ilha das Flores, Açores) apresenta alguns locais de interesse, nomeadamente:

Igreja paroquial de São José, edificada em 1868, com sua génese uma primitiva capela com a mesma invocação, erigida em 1755. Este templo possui dois altares no encontro do arco que separa a restante parte do edifício;

Pico Vigia da baleia, uma cabina empoleirada em cima de um rochedo que se projecta sobre o mar, da qual se goza um estupendo panorama. Em tempos serviu a indústria baleeira, assinalando a presença de chachalotes na zona e coordenando a caça pelos botes baleeiros baseados no porto da freguesia;

Capela de Santo António, no atalho que conduz à Cuada;

Casa do Espírito Santo da Cuada, datada de 1841 e teatro da festa homónima no dia de Pentecostes.”

 

NB – A última parte do texto foi retirada do “Guia turístico da Fajã Grande das Flores”

 

 

 

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A CRIADA DE LÁ DE CIMA

Segunda-feira, 18.04.16

A criada lá de cima

É feita de papelão,

Quando vai fazer a cama

Diz assim ao patrão:

Sete e sete são catorze,

Com mais sete vinte e um,

Tenho sete namorados

E não gosto de nenhum.

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O PALHEIRO DO LUÍS FRAGA

Domingo, 17.04.16

Situado bem no coração do Alagoeiro, o palheiro do Luís Fraga constituía um marco importante na vida, nos costumes e até na própria história do povo da Fajã Grande. Tratava-se de um edifício de dois pisos situado num terreno murado, no centro do enorme largo do Alagoeiro. Era sobretudo esta sua localização e as vantagens que ela trazia para quantos por ali passavam diariamente, que o distinguia dos outros palheiros da freguesia e o tornava mais emblemático, mais referenciado e mais utilizado. Com uma planta simples e retangular, o acesso ao primeiro piso, onde o Luís Fraga guardava o gado, fazia-se através duma porta, que comunicava diretamente com o largo e encimada por uma pequena janela na fachada principal, ambas de madeira, sem vidros. O acesso a piso inferior também se podia fazer por outras duas portas, uma em cada empena, sendo a do lado oposto à Rocha destinada, exclusivamente, a retirar o esterco, armazenando-o num montículo contíguo. O acesso ao segundo piso que servia de armazém dos utensílios agrícolas e dos alimentos dos bovinos, fazia-se por uma porta nas traseiras, com alguns degraus em pedra, aproveitando parcialmente o desnível do terreno.

O imóvel era, como todos os palheiros da freguesia, construído em alvenaria de pedra e coberto com telha de meia-cana, sendo a cobertura de duas águas com beiral simples.

Assim como a casa onde morava e que ficava ao lado, o Luís Fraga herdara o palheiro do pai, Tio Antonho do Alagoeiro e era ali que guardava o gado e as alfaias agrícolas, servindo o palheiro, na parte superior, também como local de arrumos e de armazém de fetos e rama seca.

Mas o que caracterizava este palheiro, era, por um lado, o de ter sido uma construção destinada para este fim, sendo, por isso, detentor de uma arquitetura mais imponente e mais majestática do que a maioria dos outros palheiros da freguesia, quase todos resultantes de antigas e degradadas e, por outro, o de se situar em pleno largo do Alagoeiro. O Alagoeiro ficava para além da Fontinha, um pouco longe do povoado, já quase debaixo da Rocha e era o único lugar da Fajã, para além da Ponta e da Cuada, onde havia casas. No início dos anos cinquenta, porém, morava lá apenas uma família, a do Luís Fraga, embora existisse ali uma outra casa de habitação, abandonada e descaída, na altura, a servir para arrumos e de abrigo dos transeuntes.

O Alagoeiro, com o seu enorme largo constituía, incondicionalmente o maior e mais utlizado descansadouro da freguesia, uma espécie de lugar mítico, pois era lá que os homens, quando regressavam dos campos se sentavam a descansar, a fumar, a falquejar, a conversar, a discutir, a negociar trocas, a partilhar sonhos, a esperar uns pelos outros em amena cavaqueira e, até, a imaginar e a sonhar com a Califórnia, com farms muito grandes, com ranches, com mechins para ordenhar as vacas e lavrar os campos, com dolas, com águias e com baús cheios. Vinham em bandos, carregadíssimos, com pesados molhos, sacos ou cestos bem acaculados, todos molhados de suor e de chuva, do Pocestinho, do Pico Agudo, da Lagoinha, dos Paus Brancos, das Águas, da Silveirinha e até do Mato, enchendo as paredes e marouços do largo, com molhos de erva santa, de fetos, de incensos, de lenha ou com cestos a abarrotar de batatas ou de inhames. Era também o sítio onde o gado, no seu cirandar quotidiano palheiro/relvas/palheiro, parava para saciar a sua sede, pois havia ali um enorme poço com uma bica, por onde jorrava, dia e noite, água muito fresquinha. O Alagoeiro era pois um lugar de encontros e combinações de cruzamento de caminhos, de conciliar de destinos, de tomadas de decisões, de debates, de sonhos, de zangas e discussões e até um lugar onde se faziam negócios. O Alagoeiro era, assim, uma espécie de Mileto da Fajã Grande.

Mas era sobretudo como descansadouro que o Alagoeiro se notabilizava. Exaustos e estafados com uma enorme vontade de descansar e de se aliviarem de cargas e de aflições mictórias, os homens encontravam no Alagoeiro um lenitivo para o cansaço a que arfavam e no palheiro do Luís Fraga um alento para alívio fisiológico, transformando-o, deslumbrantemente, no mais frequentado mijadouro público da freguesia. E o Luís Fraga, pelos vistos, pouco de incomodava, porquanto mantinha as portas do palheiro sempre abertas, permitindo, assim, aumentar o pecúlio de excrementos e de esterco que as vacas ali amarradas produziam.

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MALEITA DO MAL EITO

Sábado, 16.04.16

Não há dúvida que uma boa e equilibrada alimentação é fundamental para a nossa saúde. Os achaques, as maleitas e a maioria das doenças surgem devido a uma má ou errada alimentação, ou seja de um mal eito.

A alimentação equilibrada é aquela em que se deve comer bem, ou seja comer de acordo com as normas impostas, de forma a manter-se o peso ideal de acordo com os condicionalismos que temos, sobretudo tendo em conta as doenças crónicas de que somos vítimas. É o caso dos portadores de doença renal crónica. Neste caso, se o paciente, depois de já ter eliminado todos os alimentos proibidos e de ter o controlo de todos os alimentos a evitar, constatar que ainda tem um peso excessivo, isso deve-se, segundo a opinião de conceituados nutricionistas, a um evidente abuso da quantidade de alimentos que são tomados em cada uma das seis refeições a realizar durante o dia.

Impõe-se, pois, controlar a quantidade diária de alimentos a fim não só de manter o peso ideal, mas também evitar o aumento dos sintomas da doença renal e garantir, assim, uma saúde plena. Mais do que todas as outras dietas, a dieta a realizar por um doente renal crónico deve transformar-se numa rotina alimentar que atinja o objetivo primordial pretendido, ou seja, evitar que a doença atinja maiores proporções, afastando assim a hipótese duma indesejada hemodiálise

Impõe-se, pois, cada vez mais um controlo dos alimentos que surgem à frente, não esquecendo que um descontrolo ou desequilíbrio alimentar provocará sempre o agravamento da doença renal. Um mal eito aumentará a maleita. Há pois que que evitar a maleita do mal eito.

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ADÁGIOS DE ABRIL

Sexta-feira, 15.04.16

Abril apresenta-se como o mês acerca do qual existem mais provérbios, talvez por ser considerado, relativamente à vida agrícola, o mais importante mês do ano: Muitos dos adágios que se seguem, na década de cinquenta ainda eram usados na Fajã Grande:

 

A invernia de março e a seca de abril põe o lavrador a pedir.

A ti, chova todo o ano, e a mim, abril e maio.

Abril chuvoso e maio ventoso fazem o ano formoso.

Abril com chuvadas, mentes amuadas.

Abril e maio são as chaves de todo o ano.

Abril frio e molhado, enche o celeiro e farta o gado.

Abril frio traz pão e vinho.

Abril leva as peles a curtir.

Abril molhado, ano abastado.

Abril molhado, sete vezes trovejado.

Abril, abril, está cheio o covil.

Abril, espigas mil.

Abril, frio e molhado, enche o celeiro e farta o gado.

Água de abril, peneirada por um mandil.

Águas de abril são moios de milho.

Ao princípio e ao fim, abril costuma ser ruim.

As manhãs de abril são boas de dormir.

De março a abril há muito que pedir.

É mau por todo o abril ver o céu a descobrir.

Em abril corta um cardo, nascerão mais de mil.

Em abril dá a velha a filha, por um pão a quem lha pedir.

Em abril deita-te a dormir.

Em abril e maio moenda para todo o ano.

Em abril guarda o gado e vai onde tens de ir.

Em abril pelos favais vereis o mais.

Em abril queima a canga e o canzil.

Em abril queima a velha o carro e o carril e o que ficou, em Maio o queimou.

Em abril, a Natureza ri.

Em abril, a rês perdida recobra vigor e vida.

Em abril, águas mil.

Em abril, cada pulga dá mil.

Em abril, cavar e rir.

Em abril, de uma nódoa tira mil.

Em abril, enchem o covil.

Em abril, espigar.

Em abril, guarda o teu gado e vai aonde tens de ir.

Em abril, lavra as altas, mesmo com água pelo machil.

Em abril, mau é descobrir.

Em abril, pelos favais vereis o mais.

Em abril, queijos mil.

Em abril, sai a velha do seu covil, dá uma volta e torna a vir.

Em abril, sai o bicho do covil.

Em Abril, vai onde deves ir, mas volta ao teu covil.

Em abril, vai onde deves ir, mas volta ao teu covil.

Em lua de abril tardia, nenhum lavrador confia.

Flores de abril, coração gentil.

Guarda pão para maio e lenha para abril.

Manhãs de Abril, boas de andar, doces de dormir.

Março ventoso, abril chuvoso, fazem o ano formoso.

Março, encanar; abril, espigar.

Mau é em abril ver o céu a descobrir.

Não há mês mais irritado que abril zangado.

Não há mês mais irritado que o abril zangado.

Nódoa de abril não há mês que a tire.

Nunca a chuva de abril é mau tempo.

O que abril deixa nado, maio deixa-o espigado.

Por onde abril passou, tudo espigou.

Quando chegar abril, tudo vai florir.

Quem em abril não merenda, ao cemitério se encomenda.

Se não chove em abril, perde o lavrador o carro e o carril.

Seca de abril deixa o lavrador a pedir.

Sol de abril, quem no vir, abra a mão e deixe-o ir.

Tarde acordou quem em abril podou.

Uma gota de abril, vale por mil.

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OLHA A MALA

Quinta-feira, 14.04.16

Olha a Mala, Olha a Mala era talvez uma das cantigas mais cantada por toda a gente na Fajã Grande. Homens, mulheres, rapazes e raparigas, novos e velhos toda a gente a cantava. Fora a chegada da rádio à freguesia, na década de cinquenta que a trouxera. Ficou, pegou e quase marcou uma época. Trata-se de um fado cantado na altura por Celeste Rodrigues, com letra e música de Manuel Casimiro. A canção inicialmente parece ter sido proibida pela censura, talvez por se cuidar que existiria alguma contestação ao regime salazarista nas entrelinhas, mas acabou por acabou passar na rádio com uma frequência impressionante. Como era daquelas canções que se fixam na memória de quem as ouvia com facilidade, passou a fazer parte da vida das pessoas. A Fajã Grande a saborear, na altura, os primórdios da chegada da rádio, não foi exceção à onda que avassalou o país.

A letra era a seguinte:

 

Caiu um hidroavião

Eu não sei de onde é que ele é,

Não trazia ninguém dentro

Foi parar à Nazaré.

 

Olha a mala olha a mala,

Olha a malinha de mão.

Não é tua nem é minha

É do nosso hidroavião

 

E o nosso hidroavião

É da madeira mais fina

Foi cair a Nazaré

Por falta de gasolina

 

Eu um dia fui à praia,

De manhã de manhãzinha,

Não vi pescador nem peixe

Só lá vi uma malinha.

 

De quem é esta malinha,

Que um dia deu à costa?

Se ela veio aqui parar,

Se cá veio é porque gosta.

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A RAZÃO DO NOME “POÇO DO BACALHAU”

Quarta-feira, 13.04.16

O Poço do Bacalhau é um dos mais interessantes e míticos lugares da Fajã Grande e, juntamente com a queda de água da Ribeira das Casas que sobre ele cai abruptamente, formam uma das mais belas e extraordinárias paisagens da ilha das Flores, quiçá dos Açores.

A origem deste topónimo permanece bastante misteriosa porquanto se revela difícil de desvendar. Há no entanto que considerar algumas hipóteses plausíveis e aceitáveis, enquadradas na lógica da nomenclatura de muitos outros lugares da mais ocidental freguesia açoriana.

Em primeiro lugar a hipótese que parece mais lógica é a de que o nome tenha algo a ver como a palavra bacalhau que designa o tão apreciado peixe existente e pescado, entre outros povos pelos portugueses, no Atlântico Norte, quer na sua forma natural quer escalado e salgado. É verdade que o bacalhau terá rareado, desde sempre, na Fajã Grande. No entanto, não é de descartar a hipótese de Diogo de Teive e outros navegadores portugueses nas suas viagens de ida e, sobretudo, de regresso do norte do Atlântico, tenham ancorado na costa oeste das Flores, na baía da Ribeira das Casas, quer para recrutarem marinheiros quer para se abastecerem de água e víveres, permitindo assim que a população primitiva desta localidade conhecesse o bacalhau, talvez até o transacionasse, trocando-o por produtos agrícolas. Cuida-se, segundo a tradição oral, que outrora algumas das habitações da Fajã Grande ficariam localizadas junto à Ribeira das Casas, no lugar hoje chamado Covas, tendo sido mais tarde soterradas por uma enorme ribanceira cujos vestígios ainda hoje são bem visíveis. O próprio nome da ribeira parece estar ligado a tal crença. Ora sendo este lugar povoado seria possível ser o poço uma espécie de local de esconderijo ou de armazenamento do referido peixe. Também é possível que a sua água fosse fundamental para o abastecimento das embarcações que faziam ali escala, na demanda do bacalhau. Trata-se, no entanto, de meras e vagas hipóteses que parecem fortalecer-se com o que escreveu João Gomes Vieira no seu livro O Homem e o Mar – Os Açorianos e a Pesca Longínqua nos Bancos da Terra Nova e Gronelândia. Nesse livro aquele historiador florentino afirma que os açorianos destacam-se, desde cedo, na pesca à linha nos navios bacalhoeiros. Aliás, tudo leva a crer que pescavam na Terra Nova desde os tempos dos Cortes-Reais e a certeza de que o faziam a partir de 1500, havendo a considerar este dado histórico inapelável: os bacalhoeiros, nas suas viagens de regresso a Portugal, faziam escala nos Açores. Mais acrescenta que o contributo insular foi de tal forma importante que, nas últimas décadas do século XIX, toda a frota bacalhoeira portuguesa se encontrava na posse de armadores dos Açores, ainda que operando a partir da Figueira da Foz e de Lisboa.

Uma outra hipótese, talvez ainda menos provável do que as anteriores, é a de que o poço ou o lugar onde ele se situa tenha granjeado o nome da mesma forma que o receberam outros lugares da Fajã Grande, como Mateus Pires, Fonte Simão, Ribeira de José Fraga, o Ilhéu do Constantino, o Poço do Justino ou a Escada do Amaro, estes dois últimos evoluindo para Pocestinho e Escadamar, por serem o apelido do respetivo proprietário ou de alguém envolvido num acontecimento excecional, ocorrido naquele lugar, como é o caso do lugar de Mateus Pires, lá para os lados da Alagoinha, onde se cuida com que um homem com este nome terá sido ali soterrado, debaixo duma ribanceira. É verdade que o apelido Bacalhau embora comum em muitas regiões do país, presumivelmente, poderá apenas escassamente ter chegado às Flores. Mas neste caso a toponímia pode até estar ligada à lenda segundo a qual um déspota, deportado foi para lá atirado depois de morto, numa deturpação de um qualquer nome estrangeiro.

Uma outra hipótese é a de que sendo possível observar entre as pedras do fundo do poço, na sua parte menos profunda e junto das margens, grandes iroses, que na sua cor e forma se assemelham ao bacalhau, poderá ser uma mera fantasia, mas também é possível que estas tenham sido confundidas com aquele peixe ou até substituídas por ele como alimento.

Como todas estas hipóteses, embora viáveis, possam revelar uma débil credibilidade e ainda menor fundamento histórico, não será de descartar ou deixar de considerar-se ainda uma última, embora ténue e pouco consistente. Na década de cinquenta havia quem fosse, às escondidas banhar-se nas frescas águas daquele poço. Naturalmente que em tempos anteriores o mesmo terá acontecido. Mas para se nadar ali, dada a crença mítica de que o poço era misterioso, tinha redemoinhos e de que junto à rocha não tinha fundo, era necessário que quem se atrevesse a nele mergulhar tivesse que nadar bem, ou num sentido metafórico, nadar que nem um bacalhau.

Duma forma ou de outra o nome ganhou consistência e permaneceu, irrevogável, até aos dias de hoje e, assim como o próprio poço, a razão de ser do seu nome manter-se-á sempre envolta em brumas de mistério, como enigma transcendente que, no entanto, em nada ofusca ou sequer belisca a sua beleza natural e a grandiosidade da paisagem em que se enquadra.

 

PS – Um leitor acrescentou a estas mais uma hipótese segundo a qual o nome do poço estaria no formato do cimo da rocha, de onde se desprende a cascata, que na realidade se assemelha ao rabo de um bacalhau encimando aquela frondosa vertente.

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A POÇA DA SEREIA

Terça-feira, 12.04.16

A zona do baixio, situada entre o Calhau da Barra e o Cais, era um mamarracho negro, pétreo, abrupto mas bastante amplo, entrecortado, na orla marítima, por minúsculas enseadas e pequenas baías, umas e outras a separarem-se por promontórios pejados de caranguejos, carregados de lapas e revestidos de algas alaranjadas e roxas, que as ondas, ora altivas e tempestuosas, ora calmas e tranquilas, umas vezes cobriam com fulgor outras acariciavam com ternura. O interior, deserto de vegetação, delineado a nascente, pelo caminho que, logo acima, desembocava na Via d’Agua e no início do qual e à beira do Cais, se encravava um pequeno e débil farol, era povoado de uma inúmera quantidade de poças, de tamanhos e formatos muito diferentes, separadas umas das outras por torreões de lava negra, muitos deles com formas estranhas, altaneiras, a pavonearem-se num universo deserto, mas a fazerem lembrar figuras fantasmagóricas, estátuas irreconhecíveis, monumentos indecifráveis, que a imaginação do povo, através dos tempos, metamorfoseara em ícones lendários ou em símbolos míticos. Eram estas atalaias magmáticas que separavam e delineavam não só as poças mas também as baías e as enseadas e de quem, na maioria dos casos, umas e outras recebiam os nomes.

 Entre as poças, porém, havia algumas maiores e, por conseguinte, possuidoras de uma identidade e de um nome que as distinguia e diferenciava, naquele estranho e enigmático universo. Eram as poças do Cobre, da Sereia, do Farol, da Barra, da Prata, da Pontinha, dos Pargos e muitas outras. A Poça da Sereia era das mais míticas e lendárias. Apesar de muito próxima do mar, mas porque encravada entre altos rochedos, apenas em momentos de maré cheia lhe entrava a água do oceano, toldando-lhe a quietude, renovando-lhe a frescura, azulando-lhe a cor, abarrotando-a de salinidade. Entre os altivos rochedos que a ladeavam e que lhe conferiam contornos flexuosos e lúbricos, havia um, a norte, mais altivo, mais grandioso e, sobretudo, mais singular. Encravado muna espécie de cordilheira em miniatura, uma imponente excrescência magmática a fazer lembrar uma figura elegante figura feminina. Uma mulher! A cabeça, o rosto, os cabelos, os seios, perfeitamente identificáveis, só que ventre, pernas e pés como que haviam desaparecido, confundindo-se e emaranhando-se com o próprio rochedo. Era como se fosse uma sereia que, em tempos idos tivesse dado à costa e não podendo regressar ao mar ali ficara, calcificando-se através do tempo, devorada pela tumescência e pela dureza dos rochedos.

 

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A GROTA DA FIGUEIRA

Segunda-feira, 11.04.16

A Grota da Figueira, como todas as outras grotas e ribeiras da Fajã Grande, situava-se na rocha. Neste caso recebera o nome da Rocha onde nascera e pela qual escorria, dia e noite, através de inúmeros veios, regatos e grotões. Era pois na rocha com o mesmo nome que a Grota da Figueira tinha o seu curso e cuja água descia escondida entre o verde dos musgos, a serpentear por entre rochedos, caindo, finalmente, em chão raso, onde formava uma espécie de rego que ia alimentando as ervas das várias lagoas que ali existiam.

A Rocha da Figueira, a tal que dava o nome à grota, situava-se paredes meias com a Rocha propriamente dita, aquela que dispunha da principal vereda de acesso ao Mato. Do lado sul ou seja da banda da Fajãzinha a, Rocha da Figueira ligava-se ao Cabeço da Rocha e à Escada-Mar que se prolongava até aos Paus Brancos. Era aí que tinha o início do seu curso a grota que possuía uma enorme importância para os donos das pastagens do lugar da Figueira, estas sim, já situado em terreno chão, nos arrabaldes da rocha, formando um enorme vale, encastoado ente a Rocha e a Silveirinha. A água que escorria da rocha, de tão abundante que era, alimentava de tal modo as pastagens circundantes do lugar da Figueira, transformando-as em terrenos pantanosos, fazendo com que a erva crescesse tanto que as transformava em lagoas como as das Covas, da Ribeira das Casas, das Águas, etc. Como grota assumia a forma de rego por onde corria, havia entre os donos dos terrenos existiam espécies de leis consuetudinárias que iam determinando o modo e o tempo como cada propriedade se havia de abastecer equitativamente da água. É que assim como noutros lugares, nomeadamente na sua congénere Rocha do Vime, lá para os lados da Ponta, a Rocha da Figueira também era quase toda ela sulcada por pequenos veios de água, uns a enriquecerem o caudal da grota, um ou outro a escorrer, isoladamente, até ao sopé da rocha, perfurando chão, a perdendo-se nas suas entranhas, para mais a baixo, já em terreno plano, reaparecer, engrossando o caudal da grota, esta sim a transformar as pastagens ali existentes em lagoas, onde juntamente com a erva, também cresciam inhames e até floresciam agriões, muito utilizados na humilde culinária fajãgrandense.

Era assim a Grota da Figueira não só a contribuir para a frágil e débil economia de quem tinha ali propriedades mas também a conferir aquele lugar e à rocha sua homóloga uma beleza extraordinária, uma frescura paradisíaca e uma riqueza prosperante. Era a erva, de excelente qualidade, a alimentar as vacas leiteiras e os inhames e os agriões a engrandecerem o cardápio dos humanos. Para além da quantidade, os inhames daquelas paragens, assim como os de outras lagoas da Fajã, nomeadamente os da Ribeira das Casas, eram de excelente qualidade.

Não parece nada fácil descortinar a origem deste topónimo. Decerto não seria por terem existido em tempos idos, quer na Rocha quer no chão, figueiras. A figueira propriamente dita, na Fajã Grande florescia nos terenos secos e quentes da beira-mar, quer nas Furnas, quer no Areal e, sobretudo, no Porto, onde cresciam figueiras de figos pretos e de bacorinhas, sobre os maroiços junto com uma ou outra parreira. Por sua vez a figueira dos tão apreciados figos pingo de mel crescia junto das casas e também não existia naquele lugar. É possível que outrora tenha existido naquele sítio, para espanto de todos e excecionalmente, uma única figueira e, esse facto, tenha merecido a atenção de quantos ali passavam e dado nome ao lugar e à rocha. É uma hipótese. Outra é a de que existe uma espécie de figueira que tem o seu habitat em terrenos húmidos, conhecida como figueira-brava, mas não consta que esta existisse na ilha das Flores. Também há quem chame à hera, figueira-trepadeira, uma planta com raízes adventícias pequenas que se prendem a qualquer superfície, incluindo pedregulhos, permitindo que a planta cresça nas rochas, hipótese que também não parece muito viável, apesar de ali existir muita hera

Resta uma última hipótese. Seria alguém de nome ou apelido Figueira que tivesse qualquer relação com aquele lugar, assim como o lugar de Mateus Pires, o Ilhéu do Constantino e outros lugares da toponímia fajãgrandense. É verdade que o apelido Figueira não era muito comum na Fajã Grande na década de cinquenta, mas também é verdade que o topónimo Figueira e seus derivados que deriva do latim vulgar ficulnea, é bastante comum em Portugal e na Galiza, assim como os seus derivados Figueiral, Figueiras, Figueirinha, Figueirinhas, Figueiros, Figueirosa, Figueiroso, Figeiró, etc. Existem também na língua portuguesa algumas palavras parecidas com figueira, como fagueira, fogueira, figura, figurei, fuseira, faisqueira ou até o apelido Fragueiro ou Fragueira, este sim muito comum na Fajã Grande. Qualquer uma delas poderia ter evoluído, popularmente, para Figueira.

Mas ficará sempre a dúvida. O certo é que a Grota da Figueira, situada na Rocha com o mesmo nome, lá bem no coração da Fajã Grande, sempre foi e talvez permaneça ainda hoje como um dos cursos de água mais importante, mais histórico e mais emblemático da Fajã Grande, uma espécie de subafluente da Ribeira das Casas que com o seu caudal engrandecia uma das principais ribeiras que atravessava a freguesia designada simplesmente por Ribeira e que não era mais do que a continuação da Ribeira dos Paus Brancos que ia desaguar na Ribeira das Casas, já muito perto da foz desta.

 

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LAPAS

Domingo, 10.04.16

Tanto no continente português como nas ilhas dos Açores e da Madeira podem-se encontrar várias espécies de lapas, povoando abundantemente as áreas rochosas da maioria das nossas costas marítimas.

As lapas são moluscos gastrópodes com o corpo protegido por uma concha, no caso das lapas mais simples, contrariamente à maioria dos seus congéneres, que, regra geral encerram o corpo dentro de duas conchas. As lapas alimentam-se de algas. É sobretudo na maré-baixa, ou na maré vazia que se podem ver as lapas rijamente coladas às rochas. Esta estranha força da natureza impressionava tanto os humanos que, para explicar que alguém se agarrava muito a algo, quer a um bem material, quer a um sentimento, dizia-se, na Fajã Grande que estava agarrado como lapa à pedra. Só com um valente facão e uma pancada célere e certeira se conseguiam descolar as lapas dos calhaus a que se agarravam. Quando aderem às rochas, sobretudo depois de serem tocadas por outro ser vivo, é muito difícil removê-los através de força bruta. Caso alguém tente retirá-las dessa maneira, é mais provável que o espécime seja destruído que removido. Apesar de tamanha resistência à remoção, as lapas podem se locomover facilmente através de movimentos ondulados.

Também, contrariamente a outros gastrópodes, as lapas têm apenas uma concha e parecem imóveis, alheados ao vaivém das ondas. O que não se vê, quando se olha para um destes moluscos, são os seus dentes que raspam continuamente as algas com que se alimentam nas rochas onde vivem e é por isso que têm o seu habitat à beira mar sobre as pedras do baixio ou em pequenas profundidades rochosas, sobretudo no nordeste do Oceano Atlântico e no Mar Mediterrâneo. Entre seus predadores, para além dos humanos, estão estrelas-do-mar, aves marinhas, peixes e mamíferos aquáticos, como focas. As lapas possuem diversas defesas contra esses animais: podem fugir, aderir à rocha etc.

Algumas das espécies de lapas são um marisco muito apreciado nos Açores, Madeira e Canárias, sendo consumidas em cru, grelhadas nas respetivas conchas ou em diversos tipos de confeções culinárias, com destaque para o molho Afonso.

Nos Açores, assim como na Madeira, Cabo Verde e Canárias existem duas espécies de lapas, vulgarmente designadas por lapa-brava e lapa-mansa. Ainda hoje, pese embora comecem a rarear, as lapas são um dos petiscos mais apreciados em todas as ilhas açorianas.

Na Fajã Grande, na década de cinquenta as lapas tinham um papel importante, como conduto, na alimentação das pessoas. Nesses tempos era costume alguns homens assim como muitas mulheres irem às lapas, sobretudo nos dias de mar manso e em que não havia outro conduto. As lapas embora não fossem um marisco muito apreciado quanto o são atualmente, eram muito abundantes. Tanto os que ficavam mais perto do mar como os que ficavam mais distantes, se não havia outro conduto para comer com o bolo ou o pão de milho davam um saltinho sobretudo ao Canto do Areal e, em menos de uma hora, toda a família tinha uma refeição que era um consolo.

Ora como na Fajã Grande, regra geral, competia às mulheres desenrascarem-se, em termos de refeições, não apenas no que à sua confeção dizia respeito mas também no arranjo e, por vezes, na própria invenção dos produtos que haviam de cozinhar, tarefa nada fácil, devido à escassez de meios. É que sendo elas a ter que as confecionar, era também a elas que competia arranjar os ingredientes, e estes, na maioria das casas, rareavam, por isso, recorriam muitas à apanha das lapas. Munidas de um saco e um facão, pernas ao léu, esperavam pela descida da maré e lá iam, geralmente para os lados do Canto do Areal, a fim de evitarem os mirones, a espreitar uma nica de perna que fosse, por baixo duma saia que se levantava para evitar ser encharcada com a vinda de uma onda mais afoita. Sabendo o perigo que corriam ou podiam correr, geralmente, iam aos pares ou em grupo, limitando-se por regra à apanha das lapas mais longe das profundezas do mar do mar e que, geralmente, eram mansas e muito miudinhas.

Ao chegar a casa guisavam-nas de várias formas, com pedacinhos de pão de milho ou sobretudo em tortas de ovos. Mas também se comiam cruas, embora raramente.

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CANTILENA DAS POMBINHAS

Sábado, 09.04.16

Antigamente, os adultos, geralmente muito atarefados nas suas tarefas diárias e uma vez e nos seus momentos de descanso, quando eram forçados a tomar conta de nós, inocentes criancinhas, ou simplesmente quando estavam connosco por estar, para nos apaziguar de birras e choradeiras, ou simplesmente para nos divertir, lá iam fazendo uma brincadeira, dizendo uma cantilena ou até contando uma pequena estória.

Entre as cantilenas, uma das mais frequentes era a das pombinhas que rezava assim e era invocada, sobretudo, quando nos pátios das nossas pobres e humildes casas ou sobre os telhados das dos vizinhos esvoaçavam pombas:

 

Lá vai uma, lá vão duas,

Três pombinhas a voar.

Uma é minha, outra é tua

Outra é de quem a apanhar.

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DANIEL NA COVA DOS LEÕES

Sexta-feira, 08.04.16

A estória de Daniel na Cova dos Leões era mais uma das muitas que nos era contada aos serões, na década de cinquenta, sendo retirada como muitas outras de um epítome da Bíblia Sagrada que existia na casa da minha avó da Fontinha.

Rezava mais ao menos assim: Era uma vez um jovem príncipe muito bondoso e obediente a Deus que se chamava Daniel. Daniel governava o seu reino juntamente com outros dois príncipes mas era muito diferente deles, pois nele havia um espírito excelente, uma bondade inexaurível, uma generosidade tremenda. Além disso o povo amava-o mais do que qualquer um dos outros príncipes. Por tudo isso, o velho e cansado rei pensava que, quando abdicasse do trono, o constituiria seu sucessor e único governante de todo o seu reino. Mas os outros dois príncipes ao tomarem conhecimento de tal decisão enfureceram-se e os seus corações encheram-se ódio, jurando que haviam de fazer algo contra ele, a fim de que o rei alterasse os seus desígnios e afastasse Daniel dos seus caminhos. Começaram então a procurar algo contra Daniel, que o comprometesse, qualquer ato, qualquer atitude malévola. Mas por mais que procurassem não encontraram nada porque Daniel era puro, fiel, justo, bom e temente a Deus, obedecendo aos seus Mandamentos e cumprindo todas as leis do reino. Assim concluíram que não se achava nele nenhum erro ou culpa.

Mas os dois malévolos príncipes não desistiram dos seus planos de destruir Daniel e pensaram que a única maneira de o afastar do poder seria acusá-lo usando, para isso, a enorme fé que ele tinha no seu Deus. E foram juntos ter com o rei, tentando convencê-lo a promulgar um édito real, segundo o qual qualquer cidadão daquele reino que, por espaço de trinta dias, fizesse uma oração a qualquer deus, ou a qualquer homem, que não fosse o rei fosse lançado na cova dos leões. E a pedido deles o rei assinou a proibição.

Daniel, no entanto, continuava a rezar ao seu Deus em sua casa, cujas janelas abertas davam em direção a Jerusalém. Três vezes ao dia, de manhã, ao meio-dia e ao anoitecer, ajoelhava em fervorosa oração, dando graças diante do Deus Altíssimo, Único e Verdadeiro. E assim continuou a fazer mesmo após saber que a proibição estava assinada pelo rei.

Os dois maliciosos e invejosos príncipes aproximaram-se da sua casa e viram-no de joelhos orando e suplicando ao seu Deus. Foram logo ter com o rei a contar-lhe o que tinham visto, acusando Daniel de não cumprir a lei que o rei decretara. O rei ficou muito triste e amargurado porque admirava muito Daniel e no seu coração queria livrá-lo de tão terrível castigo na cova dos leões e da morte que ali seria certa. Mas não conseguiu e teve que ordenar que prendessem Daniel, que o trouxessem à sua presença, a fim de, de acordo com a lei, o mandar lançar na cova dos leões.

No entanto, o rei, antes que Daniel fosse levado para cova dos leões, mandou-o chamar e ordenou-lhe que pedisse ao seu Deus que o livrasse de ser devorado pelos leões. De seguida, o rei dirigiu-se para o seu palácio e passou a noite em jejum. Não conseguiu dormir e não permitiu que trouxessem à sua presença nem instrumentos de música nem bailarinas. Logo pela manhã levantou-se e foi com pressa à cova dos leões. Chegando lá, cheio de mágoa e com a voz triste, chamou por Daniel, cuidando que ele tinha sido devorado pelos leões. Para sua surpresa Daniel estava vivo. Ajoelhado entre os leões, orava ao seu Deus.

Voltando-se e vendo o rei disse-lhe:

- O meu Deus enviou o Seu anjo, e fechou a boca dos leões, para que não me fizessem mal, porque eu estou inocente diante d’Ele e também contra ti, ó rei, eu não cometi delito algum.

O rei regozijou-se e, cheio de alegria mandou tirar a Daniel da cova dos leões. Depois ordenou que trouxessem os outros dois príncipes que tinham acusado maliciosamente Daniel, mandando-os lançar na cova dos leões, e junto com eles, seus filhos e suas mulheres. E ainda não tinham chegado ao fundo da cova quando os leões se apoderaram deles e os devoraram por completo.

Em seguida assinou o rei assinou um novo decreto, segundo o qual em todo o domínio do seu reino os homens poderiam adorar o Deus de Daniel, porque era o Único Deus Vivo e Verdadeiro que permanece para sempre, e cujo reino não terá fim e o seu domínio durará pelos séculos dos séculos. Ele salva, livra, e opera sinais e maravilhas no céu e na terra pois foi Ele que salvou e livrou o justo e bondoso Daniel do poder dos leões.

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O DESCANSADOURO DA EIRA DA CUADA

Quinta-feira, 07.04.16

O Descansadouro da Eira da Cuada era, incontestavelmente, o mais deslumbrante, o mais emblemático, o mais mítico e, sobretudo, o mais histórico de quantos descansadouros existiam na Fajã Grande. Deslumbrante porque dali se desfrutava de admiráveis vistas e belas paisagens. Emblemático porque além de descansadouro para os homens que vinham carregados das terras da ladeira do Biscoito, da Cuada e, nalguns casos, até da Fajãzinha, era ali também que, uma vez por mês, permaneciam multidões à espera de familiares, amigos e conhecidos que regressavam à ilha a bordo do Carvalho Araújo, sobretudo dos que vinham da América. Mítico porque sobre ele se contavam algumas lendas entre as quais a do Calhau de Nossa Senhora ou Pedra da Missa. Finalmente histórico porque fazia parte da história da freguesia, ligando o povoado da Fajã Grande, desde os seus primórdios até precisamente ao final da década de cinquenta, altura em que se construiu a estrada que liga o porto da Fajã Grande aos Terreiros. Por ali passaram durante dezenas de anos, centenas de pessoas nas suas idas e vindas, não apenas para a vizinha Fajãzinha mas para as Lajes, para Santa Cruz e para todas as outras freguesias das Flores. Além disso também por ali passavam os que, vindos destas paragens, visitavam a Fajã Grande quer por altura das Festas de São José de Santo Amaro ou da senhora da Saúde quer nos dias em que o Carvalho, devido ao mau tempo, fazia serviço na Fajã Grande quer por outra razão qualquer demandavam a mais ocidental freguesia da ilha. Por ali passaram governantes, bispos, capitães-mores, militares, escritores, poetas e muitas outras individualidades que visitaram a freguesia e decerto ali se sentaram para descansar e para apreciar as belas paisagens que dali se disfrutam.

Localizado no lugar da Eira da Cuada, este descansadouro situava-se num planalto, junto ao mar, a sul da freguesia e, consequentemente, muito próximo da Fajãzinha e ligava o antigo Caminho da Missa que tinha o seu início no cimo da Assomada, à direita de quem a subia, com a ladeira do Biscoito que desembocava na Ribeira Grande onde havia uma fatídica ponte de madeira, de vez em quando levada pela força da corrente. Os habitantes da Cuada também usufruíam deste descansadouro, através duma estreita e sinuosa canada. O descansadouro era importantíssimo, sobretudo, para quem vinha dos lados da Fajãzinha, atravessando a Ribeira Grande e subindo a íngreme e comprida ladeira do Biscoito. Cuida-se que em tempos idos teria existido ali uma eira onde os habitantes da Cuada debulhavam o seu trigo. Trata-se, no entanto, de uma mera hipótese, uma vez que na década de cinquenta do século passado já não existiam vestígios ou memórias de ter existido ali qualquer eira. Assim, o epíteto do lugar e, consequentemente, do descansadouro, poder-lhe-á ter sido atribuído, simplesmente, pelo facto daquele lugar se situar sobre um amplo planalto, de tal maneira liso e circular, formando um grande eirado e que, na verdade, fazia lembrar uma espécie de eira gigante.

Mas o que mais caracterizava aquele descansadouro era o facto de estar situado num grande largo, um espaço público ou de ninguém, atapetado de fresca alfombra e povoado de variadíssimos calhaus. Entre estes existia um muito especial, designado por Pedra da Missa ou Calhau de Nossa Senhora. Acerca deste calhau, contava-se que antigamente, quando a Fajã Grande ainda não era paróquia e, consequentemente, não tinha igreja nem pároco, os seus habitantes deslocavam-se à Fajãzinha, todos os domingos, para assistirem à missa na igreja paroquial. Acontecia porém que a Ribeira Grande, que separa as duas localidades, como é bastante larga e com um caudal muito volumoso, não possuía ponte mas sim umas pequenas passadeiras ou alpondras que em dias de muita chuva ficavam submersas na água, o que, juntamente com a força do caudal, umas vezes dificultava e outras impedia por completo a sua travessia. Quanto tal acontecia os fiéis, impossibilitados de atravessar a ribeira, ficavam do lado de cá, no alto da Eira da Cuada, olhando para a igreja da Fajãzinha, que dali de se avistava, rezando e cantando durante a celebração da missa e apenas se dispersando e voltando às suas casas quando viam as pessoas saírem da igreja, sinal de que a missa terminara. Além disso faziam-se sempre acompanhar duma pequenina imagem de Nossa Senhora que colocavam em cima daquela pedra, durante a missa, ao redor da qual ajoelhavam e rezavam. Em paga da sua grande devoção, a imagem de Nossa Senhora, que fora ali colocada tantas e tantas vezes pelos crentes, deixou, para sempre, bem gravadas naquele calhau as marcas dos seus pés. Na verdade na pedra existiam duas pequenas cavidades na parte superior, semelhantes às marcas de dois minúsculos pés. Também se contava que no regresso os fiéis vinham carregados com pedras destinadas à construção de uma ermida, o que de facto aconteceu antes da construção da atual igreja, na década de cinquenta do século XIX. Por esta razão o caminho que liga o povoado à Eira da Cuada se chama Caminho da Missa

Deste descansadouro desfrutava-se de uma maravilhosa vista, sobre o mar, a Fajãzinha, a fajã que a ladeava, a rocha cheia de verde e de cascatas, as rochas da Figueira e dos Bredos, onde, em meados da década de cinquenta, começou a desenhar-se a nova estrada que ligaria os Terreiros à Fajã Grande e que lançaria no esquecimento não apenas este descansadouro mas o próprio Caminho da Misa.

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MAR MÃE

Quarta-feira, 06.04.16

 

Mãe: Este mar é de prata,

Este rio é de cristal,

Teu amor é infinito,

Teu carinho divinal.

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O MILAGRE DA FUGA DOS PIRATAS

Terça-feira, 05.04.16

Nos primórdios do povoamento da ilha das Flores era frequente esta ser invadida por bandos de piratas que atacavam a população sem dó nem piedade, assaltando, roubando, destruindo, incendiando e violando as mulheres. A população resistia como podia, umas vezes refugiando-se em furnas, fugindo para o mato outras invocando a proteção divina nomeadamente a ajuda do Senhor Espírito Santo ou da Virgem Maria. Na Fajã Grande, ponto de convergência da navegação de oeste, esses ataques também eram muito frequentes. Consta que duma só vez mais de cem piratas terão invadido o mais ocidental recanto povoado do continente europeu. Os piratas loucos de ódio e ávidos de destruição, pretendendo sobretudo roubar comida e violar as mulheres entraram por terra dentro e terão aí permanecido alguns dias, na tentativa de roubar tudo o que lhes aparecesse pela frente. O povo não tinha nem força nem armas para se opor a tão grande investida. Por isso ninguém ousou resistir-lhes, e todos os que puderam correram a esconder-se, tentando evitar a ira dos invasores. Subindo a Rocha os habitantes do pequeno povoado foram-se escondendo dentro da Furna do Peito, até esta se encher. Mas muitos lá não couberam e tiveram que se esconder entre os rochedos, nas abas dos calhaus e até entre o próprio arvoredo, onde podiam colher alguns frutos silvestres e talos de funcho para se alimentarem. Consta que até terão comido raízes de fetos. Tinham, no entanto a certeza que ali não seriam capturados pois se os sacripantas dos piratas tentassem subir a estreita vereda da Rocha haviam de fazer rolar por ali abaixo enormes pedras dando cabo deles todos. Mas os malditos não se afastaram do povoado, vasculhando tudo e roubando os mantimentos que a população tinha guardado nas suas casas. Velhos indefesos, alguns doentes, mulheres grávidas e crianças, todos tiveram que ficar ao relento durante noites a fio, mal alimentados e sem cama para se deitarem, permanecendo durante a noite às escuras, durante o dia à chuva com a roupa encharcada, ansiosos e aterrorizados, à espera que esconjurados se fossem embora. Impotentes e incapazes de fazer o que quer que fosse começaram todos a rezar. Haviam-se passados mais de três dias e as forças já faltavam a muitos. Alguns espreitaram e cuidando que os piratas os haviam descoberto e aproximavam-se da Rocha na tentativa de os pilhar e violar as mulheres, queriam subir mais, chegar ao como da Rocha mas muitos já não conseguiriam, pois estavam muito enfraquecidos e outros até doentes. De repente ouviu-se a prece de uma velhinha, Era uma mulher que todos consideravam bondosa, santa e temente a Deus. Com muito fervor e confiança ela rezava em voz alta, gritando com quanta força ainda tinha. Mas o que mais impressionava todos era a fé da boa velhinha:

- Senhora Santa Maria Mãe de Deus, rogai por nós, ajudai-nos e salvai-nos, Senhora da Saúde pois haveis de ser venerada por todos nós na nossa igreja. Havemos fazer uma grande festa em vossa honra.

E todos, juntamente com a velhinha, cheios de fé e confiança, ajoelharam e rezaram à Virgem Maria, a quem a partir de então passaram a chamar Senhora da Saúde. Pouco depois e para espanto de todos viram os piratas voltar ao mar e entrar nos seus barcos, zarpando de seguida para bem longe dali.

A arfar de angústia e cansaço, cheios de fome e de sede, todos regressaram às suas casas e cuidaram que aquele era o primeiro grande milagre que a Senhora da Saúde tinha feito, o de os salvar a todos, de lhes restituir a vida e a saúde.

Estávamos em agosto e, no mês seguinte o povo agradecido fez uma grande festa em honra da Virgem Maria, no dia em que a Igreja Católica celebra o seu nascimento. Consta que o povo crente e humilde fez a festa de homenagem à Virgem, todos anos até aos dias de hoje.

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OS CRUZEIROS DA FAJÃ GRANDE

Segunda-feira, 04.04.16

Nos antigos caminhos da Fajã Grande havia, outrora, vários cruzeiros quase todos assinalados com uma cruz tosca e de madeira, encastoada sobre uma das paredes circundantes do caminho, geralmente, a mais alta e mais abrupta. Os cruzeiros existentes na Fajã Grande eram, no entanto, muito diferentes dos cruzeiros das cidades, vilas e aldeias mais antigas do Portugal Continental. Estes eram formados por grandes cruzes, geralmente em pedra embora raramente apareça um ou outro também em madeira, e que normalmente eram colocadas sobre uma plataforma com alguns degraus ou sobre a extremidade de espigueiros. Os cruzeiros continentais, normalmente, eram colocados nos adros das igrejas, cemitérios, lugares elevados ou, como os da Fajã Grande, em encruzilhadas de caminhos.

Na verdade todos os cruzeiros da Fajã Grande eram colocadas nas encruzilhadas de dois caminhos, ou seja onde um determinado caminho se cruzava com outro que, regra geral, aí se iniciava. Além disso as cruzes dos cruzeiros da Fajã Grande eram todas feitas de madeira, eram de pequena dimensão e colocadas sobre uma parede ou encastoadas nela. Havia também cruzeiros, excecionalmente, em lugares perigosos, como era o caso da Rocha.

O maior e mais importante cruzeiro da Fajã Grande situava-se no Calhau Miúdo, no local onde o caminho entre a Tronqueira e o Cais se bifurcava com o que dava para a Ponta e onde este tinha início. Este cruzeiro, a sudoeste, ou seja do lado do Estaleiro, era ladeado por uma parede muito alta e era sobre esta que estava colocada a cruz. Junto a esta parede, no chão, haviam sido colocadas algumas pedras soltas que formavam uma espécie de bancada, uma vez que este cruzeiro, também servia de descansadouro, sobretudo aos homens que vinha das Covas, da Ribeira das Casas e de outra paragens de além ribeira carregados com enormes, pesados e alagados molhos de erva. Sentando-se junto à parede, os homens para além de se abrigarem, de fumarem e descansarem como que também beneficiavam duma espécie de proteção da cruz. Os homens ao passar por este cruzeiro, assim como por todos os outros cruzeiros descobriam-se tirando o boné ou o chapéu, em sinal de respeito pela cruz.

Outro cruzeiro importante era o de Santo António, no Delgado. Situava-se no caminho que ligava a Assomada à Cabaceira, no local onde também havia uma encruzilhada, na qual se iniciava o caminho da Cuada. Para além da cruz escarrapichada sobre a parede de uma horta que pertencia ao José Nascimento, o cruzeiro desfrutava de um nicho com a imagem de Santo António colocado na mesma parede, sobre o portão de entrada e que assim dava nome ao lugar. Aqui o cruzeiro também se assumia como descansadouro, um dos mais importantes da Fajã e dos poucos que dispunha de água, a qual ficava relativamente próxima.

Entre a Fontinha e o Alagoeiro, junto à fábrica da Manteiga, onde o caminho também se bifurcava com o da Bandeja e Queimadas, havia um outro cruzeiro, o qual, no entanto nunca funcionou como descansadouro, uma vez que havia, bem perto dali um dos mais emblemáticos descansadouros da Fajã, o do Alagoeiro.

No cimo da Assomada, antes das últimas casas também havia um cruzeiro, uma vez que a rua que tinha precisamente o formato de uma cruz, aí também se bifurcava.

Havia ainda outros cruzeiros, nomeadamente o da Cancelinha, no início da ladeira do Espigão e do Caminho do Vale Fundo e Cuada, ainda muitos outros que na década de cinquenta ou não tinham cruz ou a mesma se havia deteriorado, como eram os cruzeiros das Furnas, do Areal, dos Lavadouros, etc.

 

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A VELHA DE ABRIL

Domingo, 03.04.16

“Em Abril vai a velha a onde há-de ir e a sua casa vem dormir.”

 

Este é um adágio muito antigo, usado na Fajã Grande, onde havia uma espécie de fascinação mítica pela velha. No Carnaval em cada dança que se organizava nunca faltava a velha, muito maltrapida e muito endiabrada, sempre disposta a meter medo à criançada e a desafiar os adultos para a galhofa. A velha do Corvo, a que se recorria para explicar o nascimento das crianças, como que simbolizava um hino à inocência. Sendo ela a trazer os recém-nascidos numa cestinha e a deixá-los fora da porta, ocultava-se e encobria-se às crianças a cópula fecunda dos progenitores, anulando-lhes a própria vida sexual. O Arco-íris era designado por Arco-da-Velha e havia muitas furnas, cavernas e lugares onde a velha pontificava e, por vezes, até aparecia. Além disso contavam-se muitas histórias de velhas, misteriosas e enigmáticas e até havia uma brincadeira infantil chamada Velhas às Escondidas. A velha, na Fajã Grande, apresentava-se, geralmente sobre a forma de figura mítica e misteriosa, de bruxa ou de feiticeira, enigmática mas endiabrada, sobretudo para as crianças, e transparecia com silhueta alta e magra, corcunda, queixo fino, nariz pontudo, olhos pequenos e misteriosos, cheia de sinais nos cabelos, manchas na pele e muitas outra maleitas. Eram as velhas, por vezes à mistura com o Papão Feio, que castigavam os meninos que teimavam em não dormir cedo, ou castiga-los quando faziam maldades, ou levá-los se eles se portassem mal.

Muitos destes mitos estendiam-se aos adultos, refletindo-se em ditos, frases, expressões ou adágios. Era o caso da Velha de Abril, que adquiria uma espécie de estatuto meteorológico para explicar as irregularidades do tempo, sobretudo entre o dia e a noite, durante o mês de abril, já destinado a inúmeras atividades agrícolas. Em abril, à incerteza do tempo durante o dia, umas vezes de sol e outras de chuva, opunham-se os ventos e os frios da noite. Havia que se aproveitar o bom tempo, havia que se ir onde era necessário ir, durante o dia por que durante a noite era difícil sair de casa, sendo, mesmo, impossível trabalhar. Por isso era invocada a imagem mítica da velha a qual, inequivocamente e sem falta, devia ir onde era necessário ir, durante o dia porque à noite seria incapaz de o fazer. Em abril vai a velha a onde há-de ir e a sua casa vem dormir. Ao povo era como que imposto, através da repetição deste adágio, uma espécie de ameaça ou aviso, personificado na Velha de Abril, cujo exemplo deveria ser seguido por todos.

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OS PINCÉIS DE CAIAR

Sábado, 02.04.16

Na Fajã Grande, na década de cinquenta, a maioria das casas de habitação eram caiadas, tanto interiormente como exteriormente. Relatos vários, no entanto, diziam-nos que em tempos idos, as casas da freguesia mais ocidental dos Açores não seriam rebocadas nem pintadas e eram cobertas de palha.

Mas as casas com as paredes caiadas com cal, por razões de higiene e saúde e também para não se deteriorarem, necessitavam de ser caiadas de vez em quando, evitando, assim, o aparecimento e alastramento de humidade, musgos e limos, portadores de bactérias e outros micróbios causadores de doenças epidémicas e mortais. Além disso, sobretudo devido ao aspeto exterior, as casas caiadas ficavam todas brancas, dando um certo embelezamento não só às mesmas mas também à freguesia, pelo que muitas vezes até eram caiadas por altura do casamento de um filho, da chegada de um parente americano ou nas vésperas da festa da Senhora da Saúde.

Geralmente, embora houvesse alguns caiadores, especialistas na matéria, muitos dos moradores na freguesia é que caiavam as suas próprias casas, comprando apenas a cal e fazendo eles próprios os pincéis, poupando assim algum dinheiro.

A cal era comprada nas lojas, em pedra, ao quilo. Colocada num bidão de petróleo cortado ao meio ou até numa pia de água, era-lhe deitada em cima água. A cal começava a ferver e ficava sob a forma de fluido. De seguida era mexida com um pau e, pouco depois, estava pronta para caiar.

Mais difícil, embora mais barato, era conseguir os pincéis. Para tal era necessário ir ao mato apanhar o bracéu de que eram feitos. Na verdade o braceu apenas nascia e crescia no mato, logo ali por cima da Rocha, fazendo jus do seu nome, pois partilhava-o com o do próprio lugar onde florescia o Lugar do Bracéu. Como as terras onde desabrochava eram grandes e ficavam longe das casas, a sua apanha, corte e acarretamento demorava uma manhã inteira, sendo neste caso retirada uma pequena quantidade fara fazer os pincéis quando fossem necessários Paralelamente, arranjava-se um cabo de madeira, adequado e fios barbante.

Escolhido o melhor bracéu, era feito um rolo groso, que depois era dobrado a meio e muito bem amarrado. Por sua vez o cabo era enfiado na parte em que o bracéu dobrara, sendo, novamente muito bem amarrado e ainda melhor apertado. A extremidade oposta ao cabo, constituída pelas pontas, era muito bem aparada de forma que se aproximasse duma superfície lisa. Estava feito o pincel, que uma vez molhado na cal, caiaria a casa. Mas, por vezes as paredes das casas eram altas e as escadas rareavam. Assim o caiador munia-se de um enorme pau ou de uma cana de bambu ou na ausência desta, duma simples cana, fazendo-lhe um buraco numa das extremidades. Enfiado o cabo do pincel neste buraco, ele era amarrado à cana, de tal modo que não se desprendesse, conseguindo-se assim, com arte e engenho chegar e caiar os pontos mais altos das paredes das casas, sem recurso à escada e sem a perda de tempo de a subir e descer vezes sem conta, a fim de a ir mudando de sítio.

Como muitos outros utensílios de fabrico artesanal, os pincéis de caiar as casas perderam-se no tempo, sendo hoje, caso existam, uma objeto de museu.

 

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NOVA LEGISLAÇÃO SOBRE O USO DE LIXÍVIA, DETERGENTES E OUTROS PRODUTOS DE LIMPEZA DOMÉSTICA

Sexta-feira, 01.04.16

Na sequência da lei, que recentemente entrou em vigor e que obriga os agricultores a frequentarem formação adequada a fim de poderem não apenas aplicar mas também adquirir em postos de venda qualificados os produtos fitofarmacêuticos, vulgarmente conhecidos como pesticidas e herbicidas, está prevista, para breve, semelhante legislação relativa ao uso da lixívia, de detergentes e de outros produtos de limpeza doméstica utilizados pelas donas de casa e empregadas domésticas bem como pelas trabalhadoras das empresas desta área, quer respeitante ao consumo quer ao fabrico e venda.

A lei preanunciada e que, muito provavelmente, entrará em vigor já no próximo mês de junho, regula todas as atividades de compra, venda e de aplicação de todos os produtos de limpeza domésticos, nomeadamente os detergentes e lixívias utlizados nas casas de banho, cozinhas, azulejos, terraços, pátios, varandas, escadas e balcões, assim como todo outro tipo de detergentes, incluindo o sabão da loiça. A lei obriga ainda a que todos os agentes aplicadores destes produtos sejam sujeitos a ações de formação específica e adequadas e que haja, com alguma frequência não apenas inspeções aos equipamentos de aplicação, mas também aos locais e formas de guardar os referidos produtos, tendo em vista, sobretudo, afastá-los do alcance das crianças. Serão ainda, de acordo com o disposto na lei, inspecionadas com alguma regularidade, todas as instalações, quer das grandes superfícies comerciais quer dos pequenos comerciantes, destinadas à armazenagem destes produtos, da sua venda e do seu manuseamento o qual deve ser sempre feito com luvas.

A lei ainda estabelece os requisitos mínimos de segurança durante a limpeza e prevê que a formação adquirida inicialmente deva ser renovada ao final de cinco anos.

No que à aplicação dos produtos a nível doméstico diz respeito, estão abrangidos, exclusivamente, os aplicadores do sexo feminino ou seja donas de casa, quer sejam casadas quer vivam em união de facto. Assim ficam excluídos de se sujeitarem quer à fiscalização quer à obrigatoriedade da própria formação os homens casados ou equiparados que por iniciativa própria e nunca sob coação ou ameaça das respetivas consortes ou companheiras, as substituam ou simplesmente as ajudem na aplicação de todos estes produtos mas apenas no que às limpezas das suas próprias habitações diz respeito. Segundo os legisladores esta exceção visa incentivar os maridos a ajudarem as suas esposas companheiras a partilharem com maior frequência as tarefas domésticas de que, regra geral, andam bastante afastados. A lei ainda alerta para que nestes casos os aplicadores devam efetuar e manter, o registo de todos os produtos adquiridos e entregar as faturas dos mesmos com o número de identificação fiscal, juntamente com uma declaração sob compromisso de honra que foram os aplicadores dos mesmos, na Junta de Freguesia da sua residência, a fim de se candidatarem ao sorteio semanal de uma lambreta financiada por algumas das mais conceituadas marcas de detergentes e lixivias que já manifestaram vontade de aderir a este projeto. As empresas aderentes beneficiarão uma redução anual de 10% no IRC e IRS.

 

 

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