PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
SABUGOS ROÍDOS
Os sabugos, na Fajã Grande, antigamente, eram um dos objetos mais procurados pelas crianças para as suas inocentes brincadeiras. Para os rapazes, geralmente aproveitados na sua forma original, serviam de vacas. Para as meninas, depois de revestidos e ornamentados, eram transformados em bonecas. Num caso e noutro, procuravam-se os sabugos maiores, mais vistosos e os que tinham o pelo mais macio e fofo. Mas, no caso dos rapazes, eram os vermelhos, talvez por serem raros, os mais procurados. Conseguir uma vaca vermelha, no meio de tantas brancas era uma importante conquista. Para as bonecas apenas eram utilizados os sabugos brancos.
Mal acabavam as nossas avós, as nossas mães ou quem quer que fosse de debulhar duas ou três maçarocas e logo nos atirávamos na avaliação de cada sabugo, a fim de selecionar e escolher os melhores, os que, na nossa imaginação, mais se assemelhassem e configurassem com uma vaca, uma gueixa, um bezerro ou um boi. Tínhamos de tudo… Depois era colocá-los no palheiro, dar-lhes de comer e de beber, levá-los para as relvas ou encangá-los para puxar o corsão feito de milheiros ou o arado que que adquiríamos transformando um garrancho qualquer. Havia quem lhes espetasse paus ou pregos a fazer de pernas e chifres dos animais mas na maioria dos casos os sabugos eram usados na sua pureza original, como rastejantes.
As pessoas mais velhas, de mãos mais calejadas e muito experientes na debulha das maçarocas de milho, utilizavam uma estratégia interessante para não calejarem mais as mãos. Para friccionar os grãos e despegá-los do sabugo utilizavam um outro sabugo. Colocando-o sobre a maçaroca a debulhar, faziam pressão sobre ele esfregando-o nos grãos que assim se soltavam com maior facilidade. Resultava assim que este sabugo usado na debulha se ia roendo, amolando-se e desgastando-se aos poucos, até ficar muito mais delgado no centro enquanto as pontas mantinham o seu aspeto original, fofo e macio. Eram estes sabugos roídos que nós também procurávamos avidamente. Apanhar um sabugo destes também era uma conquista, pois a maioria dos debulhadores não sabiam utilizar esta estratégia. É que o seu formato fazia-nos lembrar um cavalo. Assim, enquanto os outros sabugos na sua forma original se transformavam em vacas, bois, bezerros ou gueixas, estes eram os nossos cavalos. E que bonitos que eram os cavalos feitos de sabugos roídos.