PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
PAPEL NADA
No Seminário Menor de Ponta Delgada, assim como no de Angra, era costume o papel higiénico ser da responsabilidade de cada utente das latrinas, medida geralmente aceite por todos. Como era cada qual a usar o seu papel, com o qual sempre se munia quando pretendia ir fazer uma necessidade grande, não havia desperdícios ou gastos supérfluos. Bem recomendo, agora, aos meus netos que também o poupem. Mas eles, nada. Duma só vez gastam mais do que eu utilizava no Seminário durante uma semana.
Mas no Seminário a compra dos bens necessários aos alunos, nos quais, obviamente se incluía o papel higiénico, era feita pelo Prefeito, que para tal distribuía pelos alunos uma requisição onde cada qual escrevia o que necessitava. Normalmente produtos de higiene, material escolar e pouco mais. Tudo o que estivesse para além do permitido era riscado.
Ora logo nos primeiros dias em que cheguei pela primeira vez ao Seminário de Ponta Delgada, recebi a tal folhinha de requisição para as minhas compras. Pouca coisa. Entre elas no entanto teria que requisitar o tal papel que eu já vira nas mãos de alguns colegas mas de que não sabia o nome. Ainda pensei escrever papel de limpar o rabo. Mas como cuidei que isto fosse ofensivo para a dignidade do Senhor Padre Perfeito, contive.me. Enchi-me de coragem, levantei-me e dirigi-me para a secretária do Perfeito, estrategicamente colocada a meio da sala e perguntei-lhe simplesmente:
- Como se chama o papel?
Ao que ele muito atarefado a registar e a somar aquele amontoado de requisições que, aos poucos, lhe caíam em catadupa sobre a mesa, respondeu:
- Nada1 Nada, Vai para o teu lugar.
Cuidando-me esclarecido, regressei para o meu lugar, sentei-me na minha carteira, peguei na requisição e numa caneta e zás. Escrevi de imediato, no meio das outras compras: 1 Rolo de papel Nada.
No dia seguinte recebi as compras, mas o tal papel, nada. Não apareceu e o nome estava riscado na minha requisição.
Fiquei perplexo, porque as compras eram de quinze em quinze dias. Como consequência tive que andar mais duas semanas a limpar o rabo em pedacinhos de jornais e de outros papéis que ia encontrando por aqui e por ali. Num dia de maior aflição até tive que arrancar uma folha do caderno de significados de Francês.
Na véspera da requisição seguinte, perguntei a um colega, mais experiente naquelas andanças, como se chamava o papel com que se limpava o rabo. Ele esclareceu-me, mas confuso perguntei:
-Escreve-se com agá ou sem agá.
- Sem agá. – e comentando para o lado - Bem se vê que és das Felores.