PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
AFOGAR O SILÊNCIO
“O homem mergulha na multidão para afogar o grito do seu próprio silêncio.”
Rabindranath Tagore
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FESTA DE SÃO PEDRO NO CAMINHO DO MEIO EM SÃO CAETANO DO PICO
Antecipada para o domingo anterior ao seu dia litúrgico, teve lugar no Caminho do Meio, em São Caetano do Pico, no passado dia vinte e seis, a tradicional festa de São Pedro. Organizada sob a égide do Grupo Folclórico da Casa do Povo de São Caetano, um dos expoentes máximos da vida cultural e artística locais, a festa não apenas pretendeu homenagear o padroeiro dos pescadores e dos homens do mar mas também recuperar uma antiga tradição da mais jovem freguesia do Concelho da Madalena. Contam algumas memórias mais vivas que há muitos anos uma senhora de nome Rosinha Simas, pessoa muito generosa e caritativa, no dia de São Pedro, no Largo do Caminho do Meio, fora da sua adega, costumava colocar, à disposição de todos, uma mesa com bebidas, nomeadamente vinho, aguardente e angelica, sobre a qual, também, eram postas ofertas que as outras pessoas levavam para arrematar, às quais se juntavam rosquilhas de aguardente feitas pela própria senhora e que oferecia a todos os presentes ou aos que por ali passavam. Fazia-o sob a forma de uma pequena festa de homenagem a São Pedro.
Interrompida durante décadas, desde há alguns anos que esta festa foi recuperada pelo Grupo Folclórico na sua simplicidade original, sendo o primitivo lugar reestruturado e renovado e junto construído um nicho em honra de S. Pedro, dentro do qual foi colocada a sua imagem. Assim, o local escolhido para celebrar e homenagear São Pedro era e continua a ser o largo do Caminho do Meio, incorporado entre o verde dos vinhedos e das figueiras, junto às adegas, símbolos da labuta e da simplicidade de um povo, que ao mesmo tempo que festeja o santo, se manifesta, conjuntamente e com quantos o visitam, em alegres folguedos e em divertido convívio, envolvendo todos na sua genuína e singela generosidade estampada na partilha do pão por todos os presentes.
A festa, de cariz popular e religioso, iniciou-se no sábado com uma sardinhada, bons petiscos, arraial e quermesse e continuou no domingo com missa campal junto ao nicho do santo, seguindo-se uma procissão de recolha do pão no edifício da Casa do Povo, este ano acompanhada da imagem de São Paulo. O serão durante o qual foram distribuídos pães de massa sovada, cozidos a expensas dos elementos do Grupo Folclórico, dando-se assim continuidade ao que se fazia há mais de oitenta anos, foi abrilhantado por atuações de diversos grupos e coletividades, com destaque para o Grupo Folclórico Infantil do Jardim de Infância com um notável e histórico desfile de trajes e costumes de outrora e com apresentação de diversos números de bailos tradicionais. Um encanto, um desafio notável em termos futuros e a garantia de que a cultura local nunca se extinguirá.
Enquanto atuava o Rancho Folclórico de São João e a Filarmónica de S. Mateus serviam-se excelentes petiscos, num deslumbrante convívio, tudo isto graças ao esforço, generosidade e carinho dos elementos do Grupo Folclórico da Casa do Povo de São Caetano que não se coibiram de executar os churrascos, cozer o pão, preparar os petiscos, servindo-os eles próprios aos forasteiros num atitude de uma notável entrega misturada com uma alegria contagiante.
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OS MAROIÇOS DA FAJÃ GRANDE
Na Fajã Grande, assim como por toda a ilha das Flores, existiam muitos maroiços. Noutras ilhas, nomeadamente, a noroeste do imponente cone vulcânico que é a montanha do Pico, também existem muitos maroiços. Os do Pico, no entanto, são típicos e estão a ser alvo de uma investigação arqueológica, dadas as semelhanças inequívocas existentes entre os maroiços madalenenses e outras estruturas piramidais encontradas nas ilhas da Sicília e de Tenerife, nas Canárias. Os maroiços da Fajã Grande, no entanto, pouco tem de semelhante às monumentais pirâmides de basalto negro que caraterizam a paisagem picoense. Mas poderão ter algo comum no que à sua origem diz respeito.
Os maroiços da Fajã Grande, construídos sobretudo entre as propriedades agrícolas, da mesma forma que os do Pico, terão resultado da necessidade de limpar os pedregulhos dos terrenos de cultivo, embora no caso do Pico a abundância das fragas e penedos ultrapassasse gigantescamente as existentes na ilha Flores. Essa a razão por que naquela ilha os maroiços adquirem maior estrutura, sendo também mais numerosos.
Mas o que distingue e caracteriza os maroiços da Fajã Grande é sobretudo a sua utilidade, sendo que em muitos deles foram plantadas figueiras e videiras, uma vez que são estruturas mais simples, de superfície plana e férteis. Dizem os estudiosos desta arte arqueológica que quer em Itália quer em Espanha, as sondagens e a recolha de materiais arqueológicos em complexos extremamente semelhantes permitiram estabelecer uma suposta datação, que poderá prolongar-se até às idades do Bronze e do Ferro. Muito provavelmente os simples e utilitários maroiços da Fajã Grande nada têm a ver com isto e são bem mais recentes e possivelmente nunca poderão ser considerados património da humanidade, nem têm o encanto e a beleza caraterística dos da ilha do Pico e que têm despertado, desde sempre, a curiosidade de visitantes e locais. Além disso, tem muita utilidade, pois para além de neles se cultivar a figueira e a videira, muitos serviam para por a roupa a coarar, para armazenamento de lenha, para veredas de acesso a outras propriedades, para as crianças brincarem, etc. Por tudo isto talvez nunca cheguem, sobretudo porque sem paralelos noutros pontos do globo, a ter o interesse das monumentais e emblemáticas pirâmides basálticas do Pico que no dizer de alguém prometem seduzir os mais céticos, num arquipélago com remanescências lendárias - qual Atlântida perdida - onde a fantasia e a história se entrelaçam de forma tão intensa, que se torna difícil descortinar onde começa a ciência e acaba o mito.
Os das Fajã Grande, infelizmente, nunca lhes poderão seguir as pegadas, até porque a maioria se perdeu entre os meandros das faias, infensos, silvados e cana roca que enchem quase tudo o que eram relvas e terras cultivadas noutros tempos.
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OS SANTINHOS DA MINHA AVÓ
Possuía minha avó, em cima da cómoda da sala, um pequeno oratório, onde guardava, com grande estima e acentuada meticulosidade, os três santos da sua heteróclita e pouco canónica devoção: São Pedro, São João e Santa Rita.
Os santinhos passavam ali dias e noites, isolados de tudo e de todos. Apenas minha avó, quando as agruras e atrocidades da vida o exigiam, recorria à sua protecção suplicando as graças e os favores de que necessitava e, em caso de atendimento, acendendo uma luzinha que ali permanecia três, quatro, cinco ou mais dias, conforme a importância do favor alcançado.
Se não chovia durante quinze dias, lá estava ela diante de oratório, pedindo chuva a São João. No dia seguinte chovia e o precursor messiânico tinha garantida luzinha durante três dias, pese embora o mefítico cheiro a petróleo, exalado pela sala e que provocava grande contestação por parte dos tios que, dada a exígua pequenez da casa, lá dormiam.
Se o tio Onofre ia às Lajes e se demorava, lá estava ela a suplicar a Santa Rita que o trouxesse são e salvo. O tio regressava, luzinha acesa quatro dias. Se a Mimosa negava o leite, era para o São Pedro que se voltava, a fim de que o porteiro celestial alterasse o úbere da vaca. No dia seguinte, chegavam as latas cheias de leite e o santo tinha luzinha garantida uma semana. Às vezes, para assegurar de forma mais eficiente a obtenção do milagre pretendido, recorria simultaneamente a dois ou até, em casos extremos, aos três santos. Foi o que aconteceu quando o tio Justino foi para a tropa, para S. Miguel e, passados dois anos, regressou gordo e anafado que nem um chino. Os três santos tiveram a luzinha acesa durante três meses.
A fama milagrosa e a popularidade dos três santos era tanta e tal que muitas vezes, não só as vizinhas como até as amigas de mais longe vinham pedir-lhe que recorresse à sua protecção e, no caso de serem atendidas nas suas necessidades ou maleitas, eram elas que pagavam o petróleo que a luzinha consumia durante os dias que duravam as promessas. A casa da minha avó transformava-se, assim, por vezes, num autêntico pequeno santuário. Pela freguesia corria um falatório desusado. Não havia maleita, infortúnio ou desgraça cuja vítima não procurasse os “Santinhos da tia Jarónima Batelameira.”
Eu, na minha inocência de criança, admirava-me com tal taumaturgo poder e entendia que os santinhos não eram devidamente recompensados. Na igreja, sob as ordens de Padre Silvestre, as gigantescas imagens de São José, da Senhora da Saúde, de Santa Teresinha e até do Coração de Jesus não faziam, que se soubesse, nem de longe nem de perto, milagres comparáveis aos daqueles três santos carracenos. Apesar disso, eram dolares a cair sobre os altares, eram velas, missas votivas, sermões, novenas e procissões, durante as quais eram levados em ombros, pelas ruas da freguesia. A Senhora da Saúde era a mais festejada. Tinha direito a uma grande festa, com foguetes, quermesse, bandeiras, à qual até vinha, juntamente com romeiros de toda a ilha, a filarmónica da Fajãzinha. Os da minha avó era um chorrilho quotidiano de milagres e nada mais do que a luzinha!…
Comecei, então, a arquitectar a forma mais correcta de ressarcir os três santinhos de tão grande injustiça. É que sentia no meu íntimo que, assim como entre as pessoas, também entre os santos havia desigualdades entre grandes e pequenos. Se os santos grandes, mas menos taumaturgos do que os pequenos, tinham direito a festas, missas e procissões, porque razão os pequenos não deveriam ter esse mesmo direito?
Certo dia minha avó saiu de casa juntamente com as tias, para apanhar o milho das Furnas. O cerrado era grande e a tarefa demoraria toda a manhã. Em casa fiquei eu, meus irmãos mais novos e os primos da Via d’Água. Na minha qualidade de decano da pequenada, fora-me recomendada a guarda de todos. Estavam criadas, pois, as condições ideais para repor a justiça. Iríamos fazer uma grande festa, com uma procissão que não desdenhasse em nada das que padre Silvestre fazia à Senhora da Saúde e a São José. Organizei tudo. Os paramentos e as opas foram feitos de toalhas e soeras velhas. A cruz foi construída com dois paus tirados do cepo da lenha. Fazer os andores foi a tarefa mais difícil. Obtive-os da transformação de três caixas de fósforos, devidamente furadas e nas quais meti dois pauzinhos de cada lado. Tudo muito bem preparado e cuidado como a grandiosidade da cerimónia exigia. O vidro do oratório estava pregado. Enfiei-lhe uma faca de cozinha. Os pregos presos na madeira carcomida saíram facilmente e os santinhos, que nunca tinham gozado, que se soubesse, tal privilégio, vieram, sem dificuldade, cá para fora, sendo colocados nos andores que a Graça e a Juliana haviam enfeitado com pétalas vermelhas, amarelas e brancas. Estavam prontos a caminhar.
De seguida organizámos a procissão. À frente, meu irmão mais novo com a cruz, feita de dois garranchos tirados do cepo da lenha. Depois o Luís, o Carlos e a Juliana, cada um com o seu andor, todos de soeras e casacos vermelhos a fazer de opas. A seguir eu com duas toalhas presas com alfinetes, enfiadas no pescoço, a simular uma casula amarela, igual à que padre Silvestre vestia em dias de festa. Atrás a Graça com uma vela na mão. Todos cantavam, na maior das devoções, prestando aos três santos a homenagem devida e o agradecimento por todas as graças concedidas à nossa avó.
De repente, abre-se a porta da cozinha com grande estrondo. Era a tia Hermínia que tinha vindo a casa buscar uns sacos esquecidos.
Todos nos assustámos terrivelmente. Uns fugiram para debaixo das as escadas do saguão e outros esconderam-se debaixo das camas, enquanto os pobres dos santos, porque soltos em cima dos andores, rolaram pelo chão. O São Pedro partiu a cabeça e o braço que mantinha erguido mostrando ostensivamente a chave do céu. Santa Rita partiu-se ao meio e São João, o menos acidentado, partiu a peanha e perdeu o aro.
A tia Hermínia acorreu espavorida. Levava as mãos à cabeça e gritava como se grande desgraça tivesse acontecido:
-Ah! Grandes patifes! Vocês sabem o que fizeram!? Estamos desgraçados! A avó o que vai dizer? Deram-lhe cabo dos santos!
Eu nem a ouvia. Na minha qualidade de responsável mor por tal hierática hecatombe, permanecia estarrecido e a chorar, enquanto os outros, aparecendo dos seus esconderijos e apontando para mim, juravam em coro:
- Foi ele! Foi ele! Ele é que abriu o oratório.
Apesar de partidos, virei-me para os santos com enorme convicção. Lembrei-me dos vinte centavos que minha mãe me dava para gastar na quermesse da Senhora da Saúde e, decididamente, prometi:
- Meus santinhos! Se mesmo partidos, fizerdes o milagre da avó não me ralhar e me livrardes duma grande tareia, vou comprar petróleo com o dinheiro da festa da Senhora da Saúde e acender-vos a luzinha.
A verdade é que minha avó, quando chegou, nem fez grande alarido. Talvez porque compreendesse a minha intenção de agradecer aos santos, talvez porque compreendesse a nossa inocência, decidiu-se por colá-los. E não querem ver que mesmo colados os santinhos continuaram a fazer milagres e o primeiro milagre foi o meu, pois livrei-me da tareia a que merecia.
E os santos tiveram luzinha acesa durante três dias.
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QUADRAS PARA O SÃO JOÃO
Eu fui à rusga, sozinho,
Na noite de São João.
Encontrei-te p’lo caminho,
Mataste meu coração.
São João à minha porta
E eu sem ter que lhe dar.
Dá-lhe uma canina verde
Pata por no seu altar.
Quem me dera ter um círio,
P’ra acender ao São João,
Ia-lhe pedir com fé,
Teu amor, teu coração..
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UMA NOITE MÁGICA
Acredita-se, hoje, que as tradicionais e populares festas em honra de S. João terão tido, muito provavelmente, a sua origem nas chamadas festas juninas, de origem pagã e relacionadas com a celebração do solstício do Verão, que se crê terão tido a sua origem no Norte da Europa, onde naturalmente a chegada do Estio era muito desejada e, consequentemente, efusivamente festejada. Depressa, no entanto, essas celebrações se foram alastrando por outras regiões e latitudes, sendo mais tarde, já em plena Idade Média, cristianizadas como festas em homenagem a S. João, permanecendo, no entanto, eivados de costumes interessantes e estranhos e de tradições muito antigas, que permaneceram enraizados naquelas festas e que foram sendo enriquecidos com outros costumes, tradições e até lendas da Igreja Católica. É o caso das fogueiras que se acendem por toda a parte, nesta noite e a que a Fajã Grande, dos anos cinquenta e da minha meninice, não era alheia.
Segundo uma lenda católica, este antigo costume de acender fogueiras na noite de S. João tem as suas raízes num acordo feito entre as primas Maria e Isabel. Para avisar Maria, de que o nascimento de São João Baptista se aproximava e ter a sua ajuda após o parto, Isabel terá acendido uma fogueira sobre um monte. Segundo outras fontes, as fogueiras já seriam acesas, em tempos anteriores, sobretudo nos países nórdicos, a fim de darem, no início do Estio, uma ajuda simbólica ao Sol, a fim de que este se fortalecesse e transmitisse sua força vital ao planeta Terra. Também se pensa que as fogueiras teriam, inicialmente, como objectivo afastar os seres místicos, como as bruxas e outras forças do mal, naquela importante noite de Verão, pois acreditava-se que, durante a mesma, tais seres vagavam ainda mais, obstruir os tempos menos escuros que se seguiriam.
Na Fajã Grande, na véspera de São João, acartávamos molhos e molhos de loureiro, bem verde, a que juntávamos ramos de tamujo, para que, ao arder, o lume estalejasse melhor. Não havia casa com crianças que, em frente à porta da cozinha, não acendesse a sua fogueira, a qual se ia activando e saltando ao longo da noite.
Para além das fogueiras, da magia das suas labaredas, do estalejar das folhas verdes do loureiro e do tamujo e do vermelho do brasido final, a noite também era mágica porque outros costumes e tradições se cumpriam e encenavam. Um deles era o da clara do ovo: à meia-noite partia-se um ovo e deitava-se a clara num copo com água, deixando-o assim, na rua, ao relento, até de manhã, preferencialmente, entre verduras. O fresco da noite e o sereno provocavam na clara formas de objectos diversos que, seguramente, davam pistas de como seria o destino futuro de quem a colocara. Quem não se sentisse seguro sobre o amor, colocava num prato um pouco de água e dentro ele deixava cair duas agulhas, que assim permaneciam durante a noite. Se estas, de manhã, aparecessem juntas na água era sinal de que o ser amado era fiel e também amava a pessoa em causa. Se, ao contrário, as agulhas se separassem, era sinal de infidelidade e de que o amor não era correspondido. Outro costume era o de colocar debaixo do travesseiro três grãos de favas: uma, toda descascada, outra, com meia casca e a terceira com a casca toda. De manhã, tirava-se uma das favas, de repente. A que tirássemos dir-nos-ia, se seríamos pobres, remediados ou ricos. As pessoas solteiras que colhessem sete flores de tipos diferentes e as colocassem debaixo do travesseiro teriam a possibilidade de sonhar com a pessoa com quem se casariam. Por sua vez, torrar favas era um hábito muito comum, no dia seguinte, assim como bordejar no mar e a cantar. Por isso neste dia se davam muitos passeios, de barco, no mar
Também se dizia que as fontes, nessa noite, jorravam vinho. Quem, à meia-noite em ponto, procurasse uma bica para beber água, seria surpreendido pois esta era substituída por um bom vinho. Mas pelos vistos nunca ninguém o conseguiu, pois era impossível colocar a boca na bica, à meia-noite, com rigor absoluto, em tempos em que os relógios rareavam.
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MENINAS E TRINDADES
“Trindades batidas, meninas recolhidas.”
Este era um dos adágios mais utilizados na Fajã Grande na década de cinquenta e a que, sobretudo as mães recorriam a fim de justificar a proibição das filhas e das raparigas em geral saírem de casa à noite. Na verdade, na década de cinquenta ainda era proibido à mulher, entre muitas outras coisas sair de noite de casa. Era pois utlizado este adágio no sentido bem real. Ao homem tudo era permitido, incluindo o sair de casa a qualquer hora, à mulher tudo era proibido. Esse adágio refletia o clássico "homem pode, mulher não", comum em muitos relacionamentos.
O adágio reflete pois um machismo desenfreado e estonteante, herdado dos tempos medievais e que, nalgumas sociedades ainda perdura nos nossos dias, embora, por vezes, disfarçadamente.
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A VELHINHA MISTERIOSA (DIÁRIO DE TI'ANTONHO)
Contava meu avô que certo dia um homem que alta noite a Fajãzinha viu aparecer, no Alto da Eira da Cuada, vinda não sabia de onde, uma velhinha que, seguindo à sua frente, voltou para a canada que dava para a Cuada. O homem cheio de curiosidade, seguiu atrás dela mas a velhinha cada vez se afastava mais. Ao chegar à Cuada o homem viu que ela entrou num velho palheiro abandonado que havia nas proximidades daquela localidade e fechou a porta.
O homem não contou a ninguém o que vira mas, todos os dias, à noitinha, ia àquele lugar e via a velhinha sair do palheiro, atravessando a canada indo trabalhar num campo, que o homem sabia que não era dela, pois conhecia o dono. Intrigado com aquilo contou o que vira a alguns amigos mas ninguém sabia quem era a velha, nem muito menos o que fazia pois nunca a tinham visto. Alguns até zombavam dele, dizendo que estava louco.
Mas algum tempo depois, para espanto do homem, a velhinha saiu de casa com um grupo de crianças muito gordinhas, sinal de que haviam sido muito bem tratadas.
O homem compreendeu, então, se afinal a mulher saía para os campos era para arranjar comida para todas as crianças. Como era bom e generoso veio a sua casa e encheu uns sacos de comida e dirigiu-se para a Cuada para entregar tudo à velhinha que, assim, ao menos descansaria alguns dias. Mas ao abrir a porta do palheiro não estava ninguém lá dentro, Esperou pela noite desse dia e por muitas outras noites mas nunca mais viu nem a velhinha, nem as crianças.
Como esta estória era muito estranha eu, apesar de criança, cuidava que ele a inventava só para me entreter e quando não tinha outra para me contar.
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SENTIR O PICO
Decorreu, de 10 a 12 de junho do corrente, o II Festival Sentir o Pico, no lugar do Lajido, na freguesia de Santa Luzia, tendo como principal objetivo a divulgação dos produtos locais, entre eles o vinho cuja uva é produzida nos extensos campos de lava que marcam a paisagem da ilha montanha e que a população local denomina de lajidos ou terras de biscoito consoante são planos ou escarpados. Muita da vinha também é cultivada nos célebres currais. Ao lado os maroiços entrincheirados nos terrenos agrícolas, os muros de caminhos, as veredas e até as divisórias dos terrenos, todos feitos de lava ainda bem viva e que dão à ilha uma tonalidade cinzenta entremeada com o verde da vegetação. Plantada neste cenário a majestosa montanha, rasgando o azul do céu, umas vezss límpida e clara outras envolvidas por eloquentes mantos de nuvens, por vezes, encantadores, mágicos e deslumbrantes. Ao lado da montanha caminhando para leste o resto da ilha como que a espreguiçar-se numa longa cordilheira vulcânica, de exuberantes manchas de vegetação endémica e verdejantes pastagens, encharcadas de pequenos montes sob a forma de vulcões fosseis e de pequenos vales muitos deles transformados em belas lagoas. Plantas endémicas e aves residentes e exóticas migradoras povoam todo este paraíso e dão-lhe vida.
Vista de longe a montanha é uma sombra, um segredo, um enigma mas contemplada de peto manifesta-se imponente, majestoso, magnífico, atraente, acolhedora e bela. O cone vulcânico que a ilha alberga é o terceiro maior vulcão do Atlântico e impõe-se na paisagem da ilha, exercendo uma atração irresistível sobretudo para quem, viajando de avião, o avista lá do alto na sua negritude emblemática. Na cratera principal aloja-se um cone de lava designado de Piquinho, no topo do qual fumarolas permanentes encarregam-se de lembrar a sua natureza vulcânica. A cerca de 1250 metros de altitude, onde está a Casa da Montanha e onde se inicia escalada pedestre, o olhar já abarca grande parte da ilha, bem como as vizinhas Faial e São Jorge. A subida até ao topo é servida de elevadas doses de cansaço, e de satisfação: pelo feito extraordinário e por panorâmicas fantásticas e únicas. Em dia límpido, tem-se como prémio adicional o vislumbre das ilhas Graciosa e Terceira.
A parte oriental da ilha também tem a sua beleza porquanto alberga turfeiras, charcos ou lagoas, como as do Grotões, Rosada, Paul, Landroal, Caiado, Peixinho e Negra. Esta área constitui um dos locais mais importantes dos Açores em termos de vegetação endémica, com espécies como cedro-do-mato, queiró, sanguinho ou trovisco em extensas e densas manchas.
Mas, são os campos de lava basáltica a imagem de marca da ilha, repositório de inúmeros e diversificados vestígios da atividade vulcânica que a fez nascer. Nalguns casos estes campos de lava estão associados a erupções testemunhadas pelas populações, que, temerosas, designaram de mistérios tais terrenos rochosos e incultos nascidos do fogo dos vulcões, hoje cobertos de faias, incensos e cana roca. O cinzento do basalto, o azul cristalino do mar e o branco leitoso da espuma da rebentação marcam a trilogia colorida do litoral da ilha do Pico. Sem praias, mas com encantadoras baías e enseadas, a ilha oferece várias zonas balneares, frequentemente aproveitando o recorte da costa para proporcionar um cenário natural único. Em contrapartida, altas arribas marcam certos troços da orla costeira do Pico, como Miradouro da Terra Alta, p Alto dos Cedros ou até o Promontório dos Coxos. Noutras zonas podem observar-se grutas litorais e bancadas de rocha negra e dura, a que se seguem os terrenos de vinha com as suas típicas adegas que para além de armazéns de fabrico e guarda do vinho são locais de romarias permanentes e contínuas nas tardes de domingos e feriados, ou de visitas diárias, à noitinha, em dias de semana e de trabalho, umas e outras, prolongadas, estendidas e ramificadas, vezes sem conta, pela noite dentro, por vezes, até pela madrugada.
Se a tudo isto juntarmos a riqueza culinária e a simpatia das suas gentes vale a pena ir ao Pico e, sobretudo, Sentir o Pico.
NB - Alguns dos dados deste texto foram retirados da net.
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O TRANGALOMANGO
Era uma vez doze moças, jovens, belas e puras que nem açucenas. Eram todas muito amigas umas das outras, conviviam diariamente, passeavam aos fins-de-semana e no verão iam juntas para a praia, refrescar-se e bronzear-se.
Certo dia, sem que ninguém soubesse porquê ou talvez porque alguém lhes atribuísse algum feitiço, foram todas acometidas de uma grave, rara e desconhecida doença, o trangalomango. As moças trataram-se todas da mesma maneira e com os mesmos meios, mas uma delas morreu com aquela terrível doença, escapando apenas onze. Apesar de ficarem muito tristes com a morte da amiga as onze que escaparam continuaram muito unidas e muito amigas, passeando e divertindo-se juntas
Certo dia as onze foram juntas para a praia, mas como estava frio decidiram que apenas haviam de molhar os pés na beirinha da água. Passados alguns dias voltaram a ser todas acometidas do trangalomango e uma delas morreu, ficando apenas dez.
As dez que ficaram continuaram amigas e unidas, mas certo dia foram todas trabalhar para um campo, ajudando o pai de uma delas na lavoura. Todas cavaram, limparam as ervas e semearam o milho. Estranhamente, passados alguns dias voltou a dar o trangalomango em todas elas, morrendo, novamente, mais uma. Ficaram apenas nove.
Embora um pouco tristes e preocupas, as nove que ficaram continuaram amigas. Certo dia em que a mãe de uma delas estava doente, foram todas ajudar a amiga a amassar e a cozer o pão. Não se passaram muitos dias e voltam a ser acometidas todas com o maldito trangalomango. Morreu mais uma e escaparam as restantes oito.
Não desanimaram estas oito, continuando amigas. Certo dia em que estava muito frio, as oito resolveram dar um passeio. Para se precaver do frio decidiram todas que haviam de levar um barrete na cabeça. Não demorou muito tempo e o maldito trangalomango acometeu-as de novo. Infelizmente morreu mais uma e ficaram apenas sete.
Aproximava-se o Ano Novo. Nesse dia, nos anos anteriores iam todas juntar cantar pelas portas, recebendo algumas pequenas moedas que depois dividiam por todas. Apesar de já serem só sete resolveram nesse dia ir cantar os Anos Bons, pelas casas da freguesia onde viviam. Passados alguns dias as sete voltaram a ser acometidas do trangalomango, morrendo mais uma delas. As seis sobreviventes começaram, então, a ficar muito preocupadas pois metade do grupo já havia morrido com aquela terrível e estranha doença. Apesar de tudo as seis que ficaram continuaram muito amigas mas decidiram que haviam de ficar todas fechadas em casa, tentando evitar a morte de mais alguma. Ficaram pois durante uma tarde fechadas em casa de uma delas mas passados uns dias voltaram a ser vítimas do trangalomango, morrendo mais uma, ficando apenas cinco.
Cada vez mais tristes e desconsoladas começaram a ficar muito fracas. Certo dia, cheias de fome e de fraqueza as cinco sobreviventes juntaram para um jantar em que a ementa era arroz com frango. Poucos dias se passaram e voltou a dar nas cinco o trangalomango. Novamente morreu uma delas, ficando o grupo reduzido a quatro.
Mas não desanimaram as quatro e resolveram voltar à praia sendo de novo e dias de pois acometidas do trangalomango. Morreu mais uma e ficaram apenas três mas, mesmo assim, as três ainda se juntaram e, certo dia, encheram-se de coragem e foram dar um passeio pelas ruas da freguesia. Deu-lhes, novamente, o trangalomango. Morreu uma e ficaram, apenas duas, só duas.
Corajosas as duas amigas sobreviventes ainda decidiram ir apanhar garranchos de lenha para a mãe de uma delas acender o lume. Mas dias depois, deu-lhes, novamente, o famigerado trangalomango. Morreu uma ficou a outra.
Triste, desconsolada e sozinha, cuidando que se ficasse na sua freguesia teria destino semelhante ao das amigas, a moça sobrevivente do grupo decidiu emigrar para a América. Mas não conseguiu embarcar porque alguns dias antes deu-lhe o trangalomango e morreu.
E assim morreram as doze moças, jovens, belas e puras que nem açucenas e que muito amigas umas das outras, conviviam diariamente, passeavam aos fins-de-semana e no verão iam juntas para a praia, refrescar-se e bronzear-se, todas elas vítimas do malfadado trangalomango.
Inspirado numa cantilena popular.
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A FAEIRA DO REGEDOR
Depois de ser apurado nas sortes, o Luís da Aninhas, filho de um abastado comerciante das Lajes, no Carvalho de setembro, partiu para Angra e assentou praça no Quartel da cidade. Mulherengo, boémio e gastador, o jovem recruta, sempre que lhe era dada folga, passava as tardes e as noites, bebendo, divertindo-se e frequentando casas de prostitutas.
Não demorou muito esta loucura estouvada e em janeiro seguinte deu entrada no hospital de Santo Espírito, sendo-lhe diagnosticada uma pneumonia. Aconselhado pelo médico que o assistiu pediu baixa da tropa, sendo dispensado de completar o serviço militar a que estava obrigado. De regresso às Flores, com a denoda intenção de se curar, decidiu passar uma temporada na Fajã Grande, em casa de um primo, em busca de ar puro, sossego, descanso e tranquilidade a fim de evitar que a doença evoluísse para uma tuberculose que, por certo, lhe seria fatal.
Quando o Luís chegou à Fajã, aquartelou-se na casa do primo, o regedor da freguesia, encantou-se e perdeu-se de amores pela filha de um vizinho do regedor, um pobretanas, sem eira nem beira, que morava numa pobre e pequena casa em frente. Em breve o emérito recruta se apaixonou loucamente pela moça, sendo correspondido por ela.
Decididos a viver o seu grande e louco amor, Luís e Isabelinha tiveram que enfrentar muita resistência, não só por parte do primo regedor mas também e sobretudo pelos pais que se deslocaram à Fajã para demover o rapaz de tão grande loucura. Além disso, desde há muito que Isabelinha fora prometida em casamento pelos pais. Era noiva do Leonardo, um brutamontes de má catadura que para além de teimoso era desajeitado e coxo.
Ameaçados de morte por Leonardo, deserdados pelo pai do rapaz, postos na rua, ele pelo regedor e ela pelos progenitores, Luís e Isabelinha abandonaram a ilha e partiram para a América. Poucos dias depois o corpo de Leonardo foi encontrado suspenso numa enorme faeira, numa terra de mato que o regedor possuía no Pocestinho.
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A MINHA CASA
Situada bem no coração da Assomada a casa onde nasci era uma das mais pobres e mais pequenas da Fajã Grande. Meu pai havia-a herdado dos seus pais que por sua vez a tinham herdado dos pais do meu avô que a haviam construído após o regresso do meu bisavô da América.
Paredes meias com a rua, no início da década de cinquenta esta pequena casa ainda tinha um pátio, destruído a quando da construção da estrada entre o Porto e a ladeira do Biscoito, junto á Ribeira Grande. Neste pátio, para além do Cepo da Lenha uma linda e bela jardineira que em cada primavera se cobria de flores vermelhas, aveludadas e fofas. A casa, embora possuísse um piso inferior ou loja, fora construída sobre um terreno desnivelado, pelo que vista de frente se assemelhava a uma casa térrea. Da parte de trás possuía dois pisos, sendo o inferior divido em duas lojas. Uma servia para arrumos e retrete e a outra, a maior, destinava-se a palheiro para guardar o gado.
No piso superior, situado à altura do caminho, o que, na verdade, lhe dava, vista pela frente o aspeto de casa térrea, existiam três divisões: A cozinha, a sala e o quarto de dormir, Este era um pequeno espaço, quase totalmente ocupado por duas grandes barras de madeira: a de meus pais e uma outra destinada às minhas irmãs. Entre ambas, apenas um exíguo e apertado espaço, onde, com dificuldade, balouçava um pequeno berço, atávico valhacouto dos nossos primeiros meses de vida e por onde eu e meus irmãos havíamos passado quando bebés. Tinha apenas uma janela voltada para a rua e a única mobília existente, para além das barras, era uma espécie de guarda fato feito de panos velhos e onde minha mãe arrumava a nossa roupa de domingo. Como o tabique que separava o quarto da sala era de madeira, este possuía alguns toros de madeira encastoados e pregados onde pendurávamos a nossa roupa de trazer. Ao lado do quarto a sala, simples mas muito clara, evidenciando-se uma enorme barra de madeira, onde eu e meus irmãos nos íamos acomodando e aconchegando, à medida que, sucessivamente, éramos desalojados do berço, por imperativos resultantes da vinda de novo rebento e que, conjuntamente com uma cómoda, duas caixas e seis cadeiras a desfazerem-se, constituía a mobília de luxo da casa. Numa das paredes e sobre uma pequena peanha havia um relógio, um belo exemplar da Ansónia Clok, muito possivelmente trazido de Nova York por meu bisavô ou por meu avô. Sobre a cómoda, em cujas gavetas se guardavam as roupas das minhas irmãs e de minha mãe, existia um oratório com pequenas imagens e um velho cruxifixo que se dizia ser colocado nas mãos moribundas de quantos antepassados meus haviam falecido naquela casa. As caixas para além de guardar roupa, tinham os caninhos onde eram colocadas linhas, agulhas, tesouras, dedais e outros apetrechos de costura e tudo o mais que não devesse estar ao nosso alcance. Para além de uma janela voltada a oeste a sala tinha uma porta voltada para a rua e que só se abria nos dias em que a coroa do Senhor Espírito Santo nos visitava ou em outras ocasiões mais solenes. Finalmente a cozinha, enorme, vetusta e esconsa, contrastando com a clareza da sala, onde o agregado família permanecia, não apenas para as refeições mas sempre que estava em casa e aos serões. À noite, era iluminada por uma candeia pendente duma trave negra de carvão e alimentada a enxúndia de galinha. Como não era forrada entrava muito vento pelas gretas do telhado o que fazia com que a chama da candeia flamejasse frouxa e titubeante, lançando no escuro uma luz ténue, baça e pouco clarificante, que até confundia pessoas e objetos. No lar onde se armazenavam panelas e caldeirões, ao lado do tijolo do bolo existiam duas grelhas sobre as quais se colocavam aos caldeirões quando o lume estava aceso Aí, habitualmente, evadiam-se brasas áscuas e rúbidas resultantes do arder dos garranchos de incensos e das achas de faia e sobre elas se coziam as batatas, se fazia a sopa, se fervia o leite e estufava o pão de milho. Para além disso uma mesa, uma cadeira onde meu pai se sentava e dois bancos para nós. Uns armários velhos constituíam o resto da mobília e era neles que se arrumavam pratos, tigelas e talheres. Debaixo do lar lenha picada, cestos de batatas e de inhames e sabugos para acender os lumes. Grande parte da cozinha era ocupada pelo forno, junto ao qual se arrumavam pás, varredouros, o balde do porco e a selha de lavar os pés.
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NÃO É NECESSÁRIO...
“Não é necessário crer em Deus para se ser boa pessoa. (…) Algumas das melhores pessoas da história não acreditavam em Deus, pelo contrário muitos dos piores atos se fizeram em seu nome.”
Papa Francisco
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LENDA DE SANTO ANTÓNIO
Na igreja da Fajã Grande, num dos altares laterais, existia uma pequena imagem de Santo António, mas que pouca devoção provocava no povo que nem sequer o festejava no dia em que a igreja o recordava liturgicamente, ou seja 13 de Junho. Estranhamente, uma grande imagem de Santo António estava guardada na Assomada, numa casa particular, totalmente impedida de entrar na igreja. Ninguém sabia a razão de tal esquisitice. Se era por não estar benzida que se benzesse. Essa imagem, que anos depois foi colocada numa capela construída em honra do santo no lugar com o seu nome, no cruzamento do caminho da Cuada, era a que mais fazia com que o povo recordasse o santo, os seus milagres, como aquele em que estando a pregar em Pádua, ao ter conhecimento de que o pai fora inocentemente condenado à morte, nesse instante apareceu em Lisboa para o livrar da forca. Muitas lendas também sobre ele se contavam. Uma das mais divulgadas era a seguinte
Certo dia Santo António passou por uma pequena cidade onde havia uma rapariga muito jovem que tinha casado com um homem muito mais velho do que ela. Ora aconteceu que a rapariga teve um filho. O homem, devido à sua idade, desconfiou de que o menino fosse seu filho, por isso se revoltou e zangou insultando a pobre rapariga que passava os dias a chorar.
Reza a lenda que Santo António passou pela casa onde vivia o casal desentendido e, ouvindo o choro da mãe, entrou e foi ver o que se passava. A rapariga contou-lhe tudo e logo o santo lhe prometeu que a havia de ajudar, Disse-lhe que voltaria no dia seguinte mas recomendou-lhe que, durante a noite, deitasse o menino sua cama, no meio deles, dormindo, assim, com o pai de um lado e a mãe do outro. E prometeu-lhe que seria a própria criança a dizer quem era o pai.
Ela, embora incrédula, pois o menino só tinha um mês, fez tudo como o santo lhe havia recomendado.
No dia seguinte, Santo António voltou à casa e dirigiu-se ao bebé dizendo-lhe:
- Levanta-te, aponta com o dedo e diz quem é o teu pai!...
A criança levantou-se e apontando na direção do homem, chamou-lhe pai. Perante o milagre o homem acreditou que era, na verdade, o pai da criança.
O santo recomendou ao homem que fosse fiel a sua mulher e a seu filho, pois a verdade morava naquela casa.
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FAVAS CONTADAS
As favas, que terão tido a sua origem na região do Mar Cáspio ou no Norte de África, são um alimento de grande importância e muito saudável. Cuida-se que as favas terão sido utilizadas como alimento desde a Idade da Pedra. Muitos povos da antiguidade tais como os gregos, os egípcios e os romanos, já as utilizavam e as apreciavam nos seus cardápios.
Na Fajã Grande, na década de cinquenta cultivam-se muitas favas. No Alagoeiro, no Cimo da Fontinha, no Mimoio e em muitos outros lugares proliferavam pequenas belgas e grandes cerrados pejados de favas que, na maioria dos casos, substituía as culturas forrageiras, nomeadamente, as do trevo e da erva-da-casta e que se destinavam a amarrar o gado à estaca a fim de trilharem o terreno para o cultivo do milho.
As favas tinham pois, nesse tempo, um importante papel na alimentação quer das pessoas quer dos animais. No caso das pessoas, geralmente, comiam-se ainda verdes, em sopa, guisadas ou estufadas e depois de secas eram demolhadas e guisadas acompanhadas duma boa cebolada. Porém, quando secas, as favas, na Fajã Grande, também eram torradas e comidas como se fossem pinotes ou moídas e misturadas no café a fim de que este rendesse mais.
Curioso, porém, é que as favas até entravam em expressões ou ditos quotidianos como vai à fava, ou são favas contadas e as crianças utilizavam-nas para fazer brinquedos, como as célebres vacas de fava.
Com a expressão São favas contadas queria significar-se que algo já estava ganho ou que era fácil de adquirir ou de se fazer. Por sua vez Vai à fava significava mandar alguém afastar-se por já se estar aborrecido da sua presença ou por a pessoa em causa não interessar. Uma espécie de vai à merda mais delicado e educado.
Mais curioso ainda é o tentar descobrir a origem destas expressões. No que diz respeito às favas contadas esta frase parece ter a sua origem nas eleições dos abades nos mosteiros medievais e antes do advento do papel. Os monges, quando reunidos em capítulo, procediam, nesses tempos ancestrais, à escolha do abade mediante um sistema de votação que utilizava a fava como boletim de voto. Assim quem estivesse a favor do nomeado introduzia, secretamente, uma fava branca na urna e quem estivesse contra introduzia uma fava escura. No final, contavam-se as favas. Eram pois favas contadas Cuida-se mesmo que este costume de eleger com favas de diferentes cores já teria sido utlizado por alguns povos da antiguidade, nomeadamente por gregos e romanos. Mais tarde no Brasil, onde a expressão ainda é muito utilizada, na época do império, nas votações também se usavam favas brancas para significar sim, favas pretas para significar não. Cada votante colocava o voto, ou seja, a fava, na urna. Depois vinha o apuramento dos resultados pela contagem das favas, sendo que quem tivesse o maior número de favas brancas estaria eleito.
No que concerne Vai à fava parece que a expressão terá nascido do incentivar de alguém a ir à horta apanhar favas num sentido depreciativo, sobretudo quando elas na parte final da sua produção ficam mais duras e menos próprias para serem cozinhadas. São por isso deixadas nos pés para secar. Posteriormente apanhadas as vagens secas, são descascadas e os respetivos miolos postos ao sol para secar melhor e poderem ser guardados sem perigo de se estragar.
Enquanto se cozia o pão nos antigos fornos de lenha, era comum colocar, num pequeno tabuleiro, as favas para torrarem. Dava por assim dizer um aperitivo muito apreciado! Talvez a expressão se relacione com o significado anterior ou seja o de ir votar com favas.
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A GAMELA
Era uma vez um velho muito velho, quase cego e surdo, com as pernas trémulas que já nem conseguia andar. Quando se sentava à mesa para comer, mal conseguia segurar a colher, derramando a comida sobre a roupa e pelo chão. Transudava sopa na toalha e, quando, afinal, acertava com a colher na boca, deixava sempre cair um bocado pelos cantos. Metia dó.
O filho e a nora com quem vivia achavam que aquilo era uma porcaria e ficavam com nojo e com vergonha quando o velho comia diante de alguém. Enraivecidos, obrigaram-no a fazer as refeições fora da mesa onde comiam, colocando-o num canto da cozinha, levando-lhe a comida numa tigela de barro. Além disso davam-lhe pouca comida, alegando que assim ele espalhava menos. O pobre do velho lá do canto, bem olhava para a mesa cheia e abundante, como que a implorar mais comida, com os olhos cheios de lágrimas. Mas eles não se comoviam e assim continuaram, até que um dia, as mãos do velho tremeram tanto, tanto que ele deixou a tigela cair no chão, desfazendo-a em cacos. O filho e a nora ralharam muito com ele e, no dia seguinte, foram a uma feira comprar uma gamela de madeira muito pobre e barata, destinada a porcos, onde, a partir de então, colocavam a comida para que o velho comesse.
O casal tinha um filho, ainda criança que observava e via tudo com atenção.
Certo dia os pais do menino reparam que ele se entretinha a construir, às escondidas deles, um objeto de madeira muito estranho. Admirados perguntaram-lhe o que estava fazendo, se estava brincando com aqueles toscos pedaços de pau
O menino respondeu:
- Estou fazendo uma gamela, para que um dia, quando eu crescer o pai e a mãe comam nela.
O marido e a mulher compreenderam. Olharam-se um ao outro em silêncio durante algum tempo e começaram a chorar. De imediato foram chamar o velho e, a partir de então passaram a comer todos juntos e, mesmo quando o velho, por vezes, deixava cair comida da boca, não o repreendiam nem diziam o que quer que fosse, antes o ajudavam com muito carinho, respeito e amor.
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EURO 2016
Começa hoje a Fase Final do XV Campeonato Europeu de Futebol, o Euro 2016. A prova que se realiza na França será disputada, pela primeira vez, por 24 seleções, distribuídas por 6 grupos, assim constituídos: Grupo A - França, Roménia, Albânia e Suíça; Grupo B - País de Gales, Eslováquia, Inglaterra e Rússia; Grupo C - Polónia, Irlanda Norte, Alemanha e Ucrânia; Grupo D – Espanha, República Checa, Turquia e Croácia; Grupo E – Irlanda, Suécia, Bélgica e Itália; Grupo E – Áustria, Hungria, Islândia e Portugal.
Das catorze edições anteriores as seleções da Alemanha e Espanha lideram o grupo de vencedores, com três títulos cada, enquanto a seleção anfitriã ganhou duas vezes. As restantes seis edições foram ganhas pela Dinamarca, Grécia, Rússia, Itália, Checoslováquia e Itália.
O Calendário da prova é o seguinte:
Fase de grupos:
10 Junho, 20.00 (St-Denis): França-Roménia – Grupo A
11 Junho, 15.00 (Lens): Albânia-Suíça – Grupo A
11 Junho, 18.00 (Bordéus): Gales-Eslováquia – Grupo B
11 Junho, 20.00 (Marselha): Inglaterra-Russia – Grupo B
12 Junho, 15.00 (Paris): Turquia-Croácia – Grupo D
12 Junho, 18.00 (Nice): Polónia-Irlanda Norte – Grupo C
12 Junho, 20.00 (Lille): Alemanha-Ucrânia – Grupo C
13 Junho, 15.00 (Toulouse): Espanha-Rep. Checa – Grupo D
13 Junho, 18.00 (St-Denis): Irlanda-Suécia – Grupo E
13 Junho, 20.00 (Lyon): Bélgica-Itália – Grupo E
14 Junho, 18.00 (Bordéus): Austria-Hungria – Grupo F
14 Junho, 20.00 (St-Etienne): Portugal-Islândia – Grupo F
15 Junho, 15.00 (Lille): Russia-Eslováquia – Grupo B
15 Junho, 18.00 (Paris): Roménia-Suíça – Grupo A
15 Junho, 20.00 (Marselha): França-Albânia – Grupo A
16 Junho, 15.00 (Lens): Inglaterra-Gales – Grupo B
16 Junho, 18.00 (Lyon): Ucrânia-Irlanda Norte – Grupo C
16 Junho, 20.00 (St-Denis): Alemanha-Polónia – Grupo C
17 Junho, 15.00 (Toulouse): Itália-Suécia – Grupo E
17 Junho, 18.00 (St-Etienne): Rep. Checa-Croácia – Grupo D
17 Junho, 20.00 (Nice): Espanha-Turquia – Grupo D
18 Junho, 15.00 (Bordéus): Bélgica-Irlanda – Grupo E
18 Junho, 18.00 (Marselha): Islândia-Hungria – Grupo F
18 Junho, 20.00 (Paris): Portugal-Áustria – Grupo F
19 Junho, 20.00 (Lille): Suíça-França – Grupo A
19 Junho, 20.00 (Lyon): Roménia-Albânia – Grupo A
20 Junho, 20.00 (St-Etienne): Eslováquia-Inglaterra – Grupo B
20 Junho, 20.00 (Toulouse): Russia-Gales – Grupo B
21 Junho, 18.00 (Paris): Irlanda Norte-Alemanha – Grupo C
21 Junho, 18.00 (Marselha): Ucrânia-Polónia – Grupo C
21 Junho, 20.00 (Bordéus): Croácia-Espanha – Grupo D
21 Junho, 20.00 (Lens): Rep. Checa-Turquia – Grupo D
22 Junho, 18.00 (Lyon): Hungria-Portugal – Grupo F
22 Junho, 18.00 (St-Denis): Islândia-Austria – Grupo F
22 Junho, 20.00 (Nice): Suécia-Bélgica – Grupo E
22 Junho, 20.00 (Lille): Itália-Irlanda – Grupo E
Oitavos de final
25 Junho, 15.00 (St-Etienne): Segundo Grupo A-Segundo C – Jogo 1
25 Junho, 18.00 (Paris): Vencedor B-Terceiro A/C/D – Jogo 2
25 Junho, 20.00 (Lens): Vencedor D-Terceiro B/E/F – Jogo 3
26 Junho, 15.00 (Lyon): Vencedor A-Terceiro C/D/E – Jogo 4
26 Junho, 18.00 (Lille): Vencedor C-Terceiro A/B/F – Jogo 5
26 Junho, 20.00 (Toulouse): Vencedor F-Segundo E – Jogo 6
27 Junho, 18.00 (St-Denis): Vencedor E-Segundo D – Jogo 7
27 Junho, 20.00 (Nice): Segundo B-Segundo F – Jogo 8
Quartos de final
30 Junho, 20.00 (Marselha): Vencedor Jogo 1-Vencedor Jogo 3 – QF1
1 Julho, 20.00 (Lille): Vencedor Jogo 2-Vencedor Jogo 6 – QF2
2 Julho, 20.00 (Bordéus): Vencedor Jogo 5-Vencedor Jogo 7 – QF3
3 Julho, 20.00 (St-Denis): Vencedor Jogo 4-Vencedor Jogo 8 – QF4
Meias-finais
6 Julho, 20.00 (Lyon): Vencedor QF1-Vencedor QF2 – SF1
7 Julho, 20.00 (Marselha): Vencedor QF3-Vencedor QF4 – SF2
Final
10 Julho, 20.00 (St-Denis): Vencedor SF1-Vencedor SF2
Força Portugal!
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MEMÓRIAS VIVAS
Daniel Sousa um Detentor de Memórias Vivas da Fajã Grande, residente no Canadá, enviou algumas delas ao Pico da Vigia. Com algum saudosismo e uma certa nostalgia recorda que lembra ele que agora temos a primavera que volta todos os anos, ao contrário da mocidade que vem e não volta mais. Somo detentores, apenas, duma passagem rápida pela vida que mal dá tempo de a podermos apreciar, mas só mais tarde é que a compreendemos. Assim são os mistérios da nossa vida que mais parece um sonho. Recordo-me, diz ele, ainda de, em criança, lá na Mãe Terra, ter um sonho. O sonho de sair para terras grandes, continentes, ver rios, montanhas, planícies, cruzar os oceanos etc.
E assim aconteceu… Mas nunca me esqueci da Mãe Terra, a minha freguesia, talvez porque lá havia uns certos heróis dominantes. Para quem conhecia bem a ilha das Flores, a Fajã Grande era a freguesia mais pobre em terrenos, pastagens e onde mais gente adoecia. Pedras nunca vi tantas em outra parte do mundo. Muito trabalharam aqueles que la viveram ate 1925 ou 1930. Os que vieram depois eram pouco diligentes, não produziam para comer, e consideravam-se os mais inteligentes la. Os meus familiares sempre tiveram muita abundância de trabalho e de miséria mas escaparam, chegaram a uma idade avançada, Só não chegaram a ser santos e fazer milagres como os outros. O meu pai ficou órfão de mãe aos seis anos de idade. Saiu da Cuada onde nasceu e foi posto na Fajã, sendo dado a uma família que tinha perdido os seus familiares muito novos. Eram todos, pessoas idosas na época e não o mandaram para a escola, Só sabia fazer o seu nome, quando os irmãos e o pai, nascido em 1850 sabiam ler e escrever, apesar de pobres. Na Fajã o meu pai herdou o que eles tinham mas que era pouco. Uma mulher chamada Maria José de Freitas, cujo filho foi para o Brasil e morreu no Rio de Janeiro em 1875, com a febre do tifo, pouco depois de la estar. Ela viveu até os 84 anos, a irmã Ana aos 90 anos e a mãe até aos 93. Isso no século XIX, quando a média de vida era muito baixa. Os irmãos destas mulheres foram tuberculosos para América em 1865 e 1875 e mais, os primos que lá na Fontinha viviam, na mesma casa. Eram três da casa pequena do outro lado do caminho, que pertencia a Maria Lourenço Fagundes que morreu em 1922 com 76 anos e o irmão António Lourenço Fagundes, em 1917, com 76. Este mais o irmão Francisco Lourenço Fagundes andaram durante anos na caça da baleia por todos os mares. Mais tarde na Califórnia trabalharam nas minas. Este último em 1905 ficou viúvo na Califórnia dividindo os bens com o filho e em 1907 voltou para as Flores, mas em 1908 regressou à América, pois já não lhe agradava o modo de vida antigo da ilha. Estes três eram filhos de Maria Brígida de Jesus falecida em 1880. Então Francisco voltou para Califórnia com as suas dólares, ou águias ou moedas como lhe chamavam, tudo voltou de onde tinha vindo. O meu pai foi levar a bolsa com o ouro a Santa Cruz onde dormiram na casa do padre Ribeiro, parente da mulher do José Ramos, onde mais tarde foi a casa de negócio e Boa Ventura Ramos. O meu pai, 50 anos depois, contava estas passagens. Outros nem o nome sabiam dizer. Ele herdou o que esta gente tinha e comprou algum terreno que minou e arrastou tanta pedra para fazer uma cozinha, uma meia água, um palheiro, curais para os porcos etc. O dinheiro era pouco, mal chegava para pagar aos mestres. O meu avo da Cuada morreu em 1917, a minha avó tinha falecido em 1893. Lá pela Cuada pouco tinham, não sei de o meu pai ter herdade algo de lá, a não ser um pouco na casa. Pouco antes de meu avo ter morrido tinham chegado dois genros da América com uma fome por terras e por dinheiro. E partiram tudo, o meu pai como vivia na Fajã só reclamou quando eles queriam descobrir a casa para vender meia dúzia de telhas. Então o meu pai disse:
- A casa não se descobre, fiquem com mais uns palmos de terra e pronto.
Mas um foi la buscar um grande tanque que recebia água das telhas da casa para uso. Nada de novo. Ele vendeu uma vaca tuberculosa ao Joaquim Falcão da Fajazinha, este foi obrigado a enterrá-la. Tirou o couro do boi do Manuel Mariano e foi dizer-lhe que estava tudo podre. Manuel Mariano era mais inteligente foi la ver aos cabeços e descobriu que era mentira. Ele havia-o tirado para seu uso. Tinham cuidado com os beatos, fujam deles, crentes em distintos que não são nosso e, deuses inexistentes, o cérebro humano é que os criou, inimigos da ciência. Os herdeiros da Cuada viviam naquela miséria, era só a ambição dos dois miseráveis que tinham chegado da América. Os outros herdeiros da Cuada viviam sem aquela miséria, um empregado no único hotel que havia na Horta, outro em Angra e os outros pela América, viviam em Turlock onde tinham nascido. No fim a casa pertencia a mim e a minhas primas e os meus primos nascidos na Califórnia onde viviam e algum ainda vive. Na década de trinta uma concubina da Ponta casada com um parente da casa, mas que la não tinha herdado nada viveu lá ate a década de cinquenta. Distribuiu os filhos pela Fajã por casas alheias, o marido aleijado por conta da Câmara, porque a ditadura apoiava as meretrizes, e vai para a América, se era americana. Vinte anos depois volta à Fajã a dar um jantar ao Espirito Santo, volta a América e manda vender a casa que não era dela. Mas nada de novo, pois já roubava antes de vir da América, mas como os espíritos só existem na cabeça das pessoas. A casa onde meu avô nasceu em 1850 e o irmão em 1852, este foi para Turlock e lá morreu em 1932 meu pai e meus tios também lá nasceram tem um letreiro na porta.
Sobre nome Sousa na Fajã só havia uma família, mas eram de Santa Maria. A minha bisavó da Cuada, Maria de Jesus seria de longe, quem sabe se vinda das margens do rio Sousa, e lá pela Cuada passou algum originário da Escandinávia ou central Europa, havia e ainda haverá alguém de cabelo vermelho. Na Fajazinha e na Ponta não conheci Sousa nenhum. Mendonças em toda ilha, mas eles nunca souberam que éramos parentes, na América, na Austrália, em Belém no Brasil também os havia, mas já tudo vai longe, eu um dos poucos ainda vivo mas já por pouco tempo e talvez o único mais o meu parente falecido em Lisboa é que nos lembramos de tudo isto.
Nos dias de hoje não sei como são pagas as contribuições prediais nas Finanças. O meu pai tudo o que herdou e comprou pagava tudo num só aviso, mas para isso era necessário ir às Finanças registar tudo, perder muito tempo e dinheiro. Meu pai seria o único na freguesia que tinha todos seus bens num só bilhete no nome dele.
Era a Fajã a freguesia pior do conselho naquela época, havia e há famílias que não tem nada no nome deles e eram os mais inteligentes ou pensavam ser. Afinal isto são assuntos simples e sem valor algum, mas para mim e um passa tempo recordar o passado já¡ tao distante, e sem ter quem o conheça como eu a beira. Daniel na terra alheia tao distante da que me vi nascer,
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O CAMINHO DOS PAUS BRANCOS AOS LAVADOUROS
O caminho que ligava o Cimo da Fontinha ao Alagoeiro, com destino para o sul, prolongava-se através de montes, escarpas e planaltos, até aos Lavadouros e Curralinho, atravessando e, através de canadas e veredas, permitindo o acesso a muitos outos lugares situados para aquelas bandas, incluindo a Escada Mar, situada num amplo planalto, entre a Rocha e o Pocestinho, com a Silveirinha a seus pés e que se prolongava pela Lagoinha, até aos Paus Brancos e ao Pico Agudo. Por isso, a seguir à Escada Mar, o caminho que se iniciava na Fontinha e Alagoeiro prolongava-se até aos Paus Brancos através de uma reta, talvez a maior deste e de quantos caminhos, existam na Fajã Grande, na década de cinquenta. Assim e após a Escada Mar, o caminho seguia, agora por entre relvas e pastagens cobertas de verde e fresca alfombra, plano, sem ladeiras, paralelo à Rocha, apenas com uma curva e contracurva a seguir à relva do Tomé. A reta terminava no enorme lago dos Paus Brancos onde, virando a oeste se iniciava a canada de acesso ao ligar do Pico Agudo.
Depois, o caminho seguia, mas voltavam as ladeiras, os aclives, as escarpas, as subidas e as descidas e muitas curvas. Primeiro a Ladeira da Alagoinha, muito íngreme e estreita, finda a qual, o caminho formava uma enorme curva, por entre altas paredes, prolongando-se para leste, quase até à Rocha. Era aí que ficava o mítico lugar de Mateus Pires, uma espécie de pequeno enclave junto à Rocha, sobre o qual se contava uma interessante estória. Em tempos idos, contavam os mais velhos, andando por ali um homem de nome Mateus Pires, teve o azar de ser colhido por uma enorme ribanceira que caiu naquele lugar, ficando soterrado debaixo da mesma, nunca mais sendo de lá tirado o seu cadáver, pois a quantidade de entulho caído da rocha era tanta e tal que não havia meios que o permitissem fazer. Dele apenas ficou a memória assinalando com o seu nome aquele lugar, ou seja, o lugar de Mateus Pires. Era por aí também que, através dum atalho muito estreito e tosco, se tinha acesso ao lugar da Horta das Abóboras
Imediatamente a seguir iniciava-se um enorme vale de relvas com boas pastagens. Era o encantador Vale da Alagoinha, no seu esplendor e frescura verdejantes, para o qual se tinha acesso através duma ampla e larga ladeira, que descia do alto de Mateus Pires até ao coração da Alagoinha. Lá ao fundo o caminho ficava paredes meias com a rocha. Quem nele circulasse e levantasse os olhos, detinha-se na temerosa contemplação de um rochedo, abrupto, escarpado e altíssimo, quase a pique. A seguir a mais estreita e mais escarpada ladeira, de difícil escalada, finda a qual o caminho terminava, unificando-se com o que vinha dos lados da Assomada e da Cabaceira e Espigão, formando uma única via que percorria os Lavadouros de norte a sul, servindo assim de passagem a pessoas e animais num dos lugares onde abundavam algumas das melhores relvas da Fajã. Eram relvas verdejantes, encostadas e protegidas pelo sombrio aguado da Rocha, à espera do gado que após a realização de tão longo e extenuantes percursos, quer do lado da Fontinha quer da Assomada, se deliciava com o doce sabor daquela erva, tão fresquinha e retemperadora, tão tenrinha e apetitosa, regada com o orvalho das madrugadas, temperada com o perfume das florestas circundantes, alimentada pelo ciciar gotejante das grotas que escorriam pelos andurriais das encostas e abençoada pelo canto esfuziado dos pássaros a saltar e a vaguear pelos densos arvoredos da Rocha.
Percorrer o caminho desde a Fontinha até aos Lavadouros, para ir “buscar as vacas” nas frescas madrugadas do verão ou “levá-las” nas chuvosas manhãs do inverno era, outrora, um sonho de encanto, um sopro de magia, um devaneio de deslumbramento. Hoje, talvez um mito estigmatizado nas memórias de poucos, uma que este, como tantos outros caminhos, outrora de grande utilidade, perderam-se entre faias, incensos, cana roca e silvados.
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AUGUSTO RIBEIRO
O escritor e jornalista Augusto de Lemos Álvares Portugal Ribeiro nasceu em Angra do Heroísmo, ilha Terceira, em16 de Maio de1853 e faleceu em Lisboa, 20 de Setembro de 1913. Nascido no seio de uma família liberal, empenhou-se ao longo da sua vida na defesa dos valores constitucionais e numa luta constante contra o clero mais conservador. Pela publicação de Os lazaristas nos Açores, foi excomungado pelo então bispo de Angra, D. João Maria Pereira do Amaral Pimentel. Ainda no Liceu de Angra revelou as suas capacidades intelectuais, colaborando numa publicação literária denominada O Lyceu. Foi também o fundador, em 1876, da folha liberal A Ideia Nova. Em 1878 abandonou as ilhas e fixou-se em Lisboa, onde fundou com o conde de Melício o Comércio de Portugal. Empregou-se na Direção Geral do Ultramar. De 1886 a 1890, foi secretário dos ministros da Marinha e do Ultramar. Na legislatura de 1887 a 1890 exerceu funções de deputado pela província de Angola, tendo resignado como forma de protesto contra o Ultimato Inglês. Tornou-se um especialista em assuntos coloniais, defendo de forma intransigente o império nos seus artigos. Colaborou na Revolução de Setembro, Correspondência de Portugal, País, Progresso, Diário Popular, Diário de Notícias, com uma crónica semanal sobre as colónias, entre 1903-1907. Monárquico convicto isolou-se e abandonou a atividade política após o regicídio, desvinculando-se do Partido Progressista. Contudo, continuou a interessar-se pelas colónias, nomeadamente, na defesa dos agricultores de S. Tomé. Profundo conhecedor da administração colonial, foi nomeado professor da Escola Superior Colonial, de 1906 a 1913. Paralelamente dedicou-se à investigação histórica e muitos dos seus artigos foram transcritos na imprensa estrangeira. Enveredou também pela crítica literária e teatral, sobre alguns escritores seus contemporâneos. Usou com alguma frequência o pseudónimo de Ruy Álvares. Era sócio honorário da Sociedade de Geografia de Londres, do Instituto Internacional Colonial de Bruxelas, da Academia Indo-Chinesa e da Sociedade de Estudos Coloniais de Paris, entre outros. Em Portugal era sócio efectivo da Sociedade de Geografia de Lisboa, do Instituto de Coimbra e da Associação de Arquitectos e Arqueólogos Portugueses. Era Comendador das Ordens da Conceição de Portugal, Legião de Honra, Leopoldo da Bélgica, Gustavo Wasa da Suécia e de Carlos III e Isabel-a-Católica de Espanha.
O seu elevado amor patriótico levou-o a dar à sua e filha o nome de Maria Angra, a sua cidade amada, Angra do Heroísmo.
As suas principais obras são: Progredior, O ultramontanismo e a liberdade: duas palavras aos jesuítas, Os lazaristas nos Açores, Eu e elle (carta ao bispo de Angra), e Pró memória: a visita de suas majestades El-Rei o senhor D. Carlos e a Rainha D. Amélia à ilha Terceira.
Dados retirados da Wikipédia e do CCA – Cultura Açores
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A FESTA DO ESPÍRITO SANTO NO DOMINGO DA TRINDADE NA SILVEIRA E A LENDA DO PÃO ESCARPIADO DA ALMAGREIRA
A festa em louvor do Divino Espírito Santo, na Silveira, no Domingo da Trindade, senão a mais importante é, incontestavelmente, uma das mais emblemáticas das inúmeras celebrações em honra do Paráclito que se realizam por toda a ilha do Pico, desde o sábado que antecede a festa de Pentecostes até o domingo da Trindade. Esta festa, assim como todas as outras que se celebram ao redor da ilha Montanha, por estas alturas, têm concretizado, através dos séculos e ininterruptamente, os votos ao Paráclito, realizados pelas populações ancestrais a quando de erupções vulcânicas que proliferaram, outrora, por toda a ilha. Estas celebrações, únicas, seculares e diversificadas, expressam-se, sobretudo, na partilha da carne, do pão e do vinho. Na Silveira, na festa da Trindade, porém, esta partilha não se estende apenas aos moradores da localidade e aos convidados mas alarga-se, também, a todos quantos visitam a localidade nesse dia. A mesa recheada de carne, de sopas, de vinho, de massa sovada e de arroz doce está posta para todos, durante toda a tarde. Talvez por isso a festa da Trindade, na Silveira, sobretudo devido à sua imponente singeleza e à sua genuína transcendentalidade, tornou-se, desde os tempos mais remotos, numa celebração que atraía inúmeros romeiros oriundo de muitas outras localidades, sobretudo do sul da ilha.
Este ano a festa realizou-se no passado dia 22 de Maio, sendo, no entanto, fustigada por abundantes aguaceiros. Mas o povo e o mordomo não se coibiram, ativando uma espécie de plano B. O convívio e o arraial aquartelaram-se no enorme salão do Centro Social onde as mesas permaneceram recheadas, durante toda a tarde, à espera de quantos ali aportavam. Em alegre convívio e sã camaradagem, acompanhado dos acordes da Filarmónica Liberdade Lajense, sob a hábil e intrépida batuta da maestrina Catarina Paixão, o povo da Silveira recebia os visitantes com alegria e simplicidade convidando-os a sentarem-se à mesa, a partilharem os seus abundantes e saborosos manjares. Entre as vitualhas apresentadas, destacavam-se saborosas fatias do célebre pão escarpeado talvez porque o aspeto rugoso da sua côdea superior faça lembrar as escarpas da Montanha ou escarpiado quiçá por influência de um pão semelhante, existente noutras regiões do país. Trata-se de um pão feito com farinha de milho, ovos, açúcar e chá de canela e que demora cerca de 24 horas a levedar. Típico desta localidade, a sua origem, segundo me contou o senhor Manuel Fernandes, prende-se a uma interessante lenda ou estória. Durante a 1ª Guerra Mundial rareava a farinha de trigo, na ilha do Pico. Uma velhinha da Almagreira não a tinha e, no entanto, fizera a promessa de oferecer um açafate de pão em louvor do Senhor Espírito Santo, no dia da festa da Trindade. Aflita e muito triste porque totalmente impedida de cumprir a sua promessa mas com uma vontade gigantesca de a realizar, a boa velhinha recorreu à farinha de milho, a única que possuía. Amassou o pão juntando-lhe os ingredientes habituais e esperou que levedasse. Assim aconteceu e, no dia seguinte, pode cozê-lo e oferecer o seu açafate em honra do Divino, deixando para as gerações vindouros o testemunho da sua enorme fé, personificada no pão que hoje é uma espécie de ex-libris da festa da Trindade na Silveira do Pico.
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A MENINA DAS FAVAS
Consta que há muitos, muitos anos uma princesa irlandesa deu à costa nos baixios da costa oeste da ilha das Flores, mais concretamente no lugar da Fajã Grande. Tratava-se de uma jovem princesa, raptada pelos mouros que a levavam cativa para terras distantes. Ao passar pela ilha das Flores o barco em que viajava, como era costume, aprumou ao Monchique, a fim de tomar rumo em direção ao Mediterrâneo. No entanto levantou-se uma enorme bruma e a embarcação naufragou por fora da Ponta da Coalheira, lá para os lados do Canto do Areal. Os piratas conseguiram salvar-se, saltando para uma outra embarcação que por ali passava, mas a menina, ou porque levada pela correnteza das ondas ou por malícia dos marinheiros, foi arrastada milagrosamente para terra sendo encontrada, no dia seguinte, a dormir num serrado cheio de favas.
Essa a razão pela qual ficou conhecida pela Menina das Favas.
Mas na localidade ninguém quis receber em sua casa aquela estranha criatura. Assim, a Menina das Favas foi abandonada, vivendo de uma ou outra côdea de pão que algumas pessoas mais generosas lhe davam. Esfomeada, descalça e suja, a jovem garotinha passava os dias sentada sobre os rochedos, à beira mar, olhando o horizonte distante e infinito. Não tentava falar com quer que fosse, não sorria para ninguém, não dizia uma única palavra. Apenas acenava com a cabeça, em sinal de agradecimento, a quem lhe dava a mais ínfima e pobre côdea de pão.
As pessoas passavam por ela, à beira mar, na faina da pesca ou da apanha de lapas, caranguejos e búzios, nem sequer lhe lançava um simples olhar. Ninguém a procurava para falar com ela, para a animar, para a consolar. Sabia-se que pernoitava nas furnas do baixio, onde também se refugiava nos dias de chuva e de temporal.
Certo dia a Menina das Favas desapareceu. Nunca se soube algo sobre ela, se foi levada pelo mar ou por alguma embarcação que ali ancorasse, durante a noite.
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COIMBRA AVEIRO ROSSIO LISBOA OVAR SETÚBAL
A primeira vez que escrevi e enviei um telegrama era ainda uma criança. Estava de férias, num dos meus primeiros anos de estudo e tive que pedir ao Reitor do Seminário onde estudava, que por razões de saúde do meu progenitor, me autorizasse a regressar a Angra mais cedo do que o estabelecido no final do ano letivo anterior. Peguei num papelinho, escrevi o texto. Como por razões económicas, reduzi ao máximo o número de palavrassem, esqueci-me de o assinar e dirigi-me à loja da Senhora Dias, paredes meias com o adro da igreja, onde funcionava a estação de correio da freguesia.
Ao chegar à loja aguardei a minha vez. Foi a Senhora Dias, com o seu ar sisudo e pouco amável que me atendeu. Expliquei-lhe o que pretendia, entreguei-lhe o papelinho e ela fechou-se num pequeno cubículo que existia dentro do balcão e onde ela se refugiava para atender o telefone, para enviar os telegramas e onde tinha uma espécie de pequeno escritório.
Como fechasse a porta, nada ouvi do que ela disse ou o que lhe disseram, nem sequer percebi como enviou o telegrama. Mas no fim, abrindo a porta da pequena cabina interrogou-me com ar repreensivo e intimidatório:
- Quem é que o expele?
Fiquei embasbacado pois desconhecia o significado daquela para mim estranha palavra. Perante a minha perplexidade, ela insistiu;
- Quem assina o telegrama?
- Eu, Carlos. – Retorqui.
A senhora Dias regressou à cabina, sentou-se, deixando, desta feita, a porta aberta. Assim e para espanto meu, pude ouvir com nitidez a mensagem que enviava. Com voz nítida, firme e pausada dizia para quem estava do outro lado da linha:
- Coimbra… Aveiro… Rossio… Lisboa… Ovar… Setúbal.
Fiquei arrebatado de assombro e perplexidade. Eu sabia que cada palavra de um telegrama era paga a peso de oiro e, por isso, tivera tanto cuidado em escrever o menor número de palavras no texto. Até evitara o meu nome e ela obrigava-me a pagar mais seis palavras desnecessárias.
Perante a minha revolta e contestação ela explicou:
- És mesmo parvinho. Não sei de que te serve andares a estudar no Seminário… Aquelas palavras são as iniciais do teu nome. É uma forma que utilizámos no telégrafo para que a informação seja mais segura. Pagas apenas as palavras do texto e mais uma, o teu nome.
Paguei, agradeci e fiquei a saber que em termos de telégrafo me chamava Coimbra Aveiro Rossio Lisboa Ovar Setúbal, o que me fez lembrar a linguagem dos “pês” com que brincava na escola e segundo a qual me chamava Carpalospos.
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A POPULAÇÃO DO CONCELHO DAS LAJES
O Concelho das Lajes das Flores é, talvez, o concelho açoriano em que, nos últimos tempos, a diminuição da população em sido maior, devido ao seu acentuado envelhecimento e, sobretudo à emigração. A Fajã Grande, a freguesia mais distante da sede de concelho, não fugiu à regra, sendo uma das maiores vítimas desta diminuição. Outrora com quase mil habitantes, hoje não ultrapassa os 200.
O concelho das Lajes, tem uma densidade populacional na ordem dos 21,58 habitantes por km2, o que significa sensivelmente um quinto da média dos Açores. Além disso o concelho perdeu, desde as décadas de cinquenta e sessenta do século passado, o estatuto, que desde sempre detivera na ilha das Flores, de concelho mais populoso, tendo sido, inexorável e definitivamente, ultrapassado pelo de Santa Cruz. Em 1864, por altura do primeiro censo realizado na ilha, o concelho possuía 5865 habitantes. No primeiro censo realizado no início do século XX tinha 4498 habitantes e no primeiro realizado neste século possuía apenas 1.502 habitantes, assim distribuídos:540 nas Lajes, 278 na Fazenda, 225 na Fajã Grande, 197 na Lomba, 107 no Lajedo, 105 na Fajãzinha e 50 no Mosteiro. Em 2011 estes valores estabilizaram. De uma análise mais pormenorizada destes números, pode concluir-se que no último meio século, contínua – curva descendente da sua população, e podem ser vistos igualmente como o prenúncio do desaparecimento próximo de algumas pequenas comunidades, a exemplo do que já sucedeu, no último quartel do século XX, com os lugares da Cuada, que nos seus tempos áureos chegou a ter mais de uma centena e meia de almas, e da Caldeira do Mosteiro.
Com uma superfície de 69,59 km2, o concelho de Lajes das Flores terá conhecido a sua população máxima nos já distantes meados do século XIX com uma população de quase seis mil habitantes. Daí para cá, porém, a sua população tem sofrido uma diminuição galopante e gradual, sendo que a década de 1950 fica, para já, a marcar o início de uma viragem sem retorno previsível – 5.865 habitantes em 1864, 5.369 em 1878, 4.999 em 1890, 4.498 em 1900, 3.991 em 1911, 3.518 em 1920, 3.508 em 1930, 3.780 em 1940, 4.041 em 1950, 3.376 em 1960, 2.486 em 1970, 1.896 em 1981, 1.701 em 1991 e 1.502 em 2001.
Os estudiosos e analistas entendem que a principal causa deste acentuado decréscimo populacional terá sido incontestavelmente a emigração para os Estados Unidos. A debandada migratória ter-se-á iniciado na altura em que os primeiros florentinos se lançaram na tentativa de alcançar o El Dourado, partindo a bordo das baleeiras americanas que na ilha habitualmente faziam escala para adquirir produtos frescos, se abastecer de água nas ribeiras e substituir ou reforçar de tripulantes. Mas o grande decréscimo populacional da ilha terá ocorrido no último quartel do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX, épocas em que a emigração florentina atingiu proporções nunca antes vistas. Segundo relatos da imprensa, em 1883 o vapor Açoriano chegou a Boston com duas centenas de florentinos e, na primavera seguinte, também o lugre Paladin e as barcas Sarah e Verónica desembarcam naquela cidade e em New Bedford uma centena acrescida de emigrados saídos das Flores. Em Maio de 1889, a logra Mary Frazier zarpou da ilha para Boston com nada menos de 200 passageiros, viagem que repetiria dois meses depois, tal como o patacho Rival, ambos cheios de emigrantes. E sob o título “Escravatura Branca”, um jornal local noticiava em Maio de 1891 que a barca Sarah saíra, naquele mês, para Boston abarrotada de passageiros clandestinos, ou escravatura branca, como lhe chama o próprio capitão” 15, pois só três dos embarcados possuíam passaporte. Até há poucos anos só emigravam alguns mancebos sujeitos ao recrutamento (...) mas hoje abandonam a ilha famílias inteiras sem distinção de idades nem de sexos”, escrevia o mesmo jornal, adiantando que a emigração “vai tomando proporções assustadoras”, tanto mais que a autoridade “não só deixa embarcar os naturais da ilha, mas ainda aqueles que, não podendo embarcar nas suas terras, vêm aqui para mais livremente seguir o seu destino”
Hoje sabe-se que na viragem do século XIX para o XX já eram mais de quinhentos, na ilha, os americanos regressados à terra-mãe, à condição de pequenos proprietários, graças às águias amealhadas nas longínquas Califórnias de Abundância, referidas por Pedro da Silveira, num dos seus poemas.
NB – Dados retirados da net.
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CACHINHOS DOURADOS E OS TRÊS URSOS
Era uma vez, uma família de ursinhos; o Pai Urso, a Mãe Urso e o Pequeno Urso, que moravam numa bela casinha, bem no meio da floresta.
O Papá Urso, o maior dos três, era também o mais forte, muito corajoso e tinha uma voz bem grossa. A Mamã Urso era um pouco menor, era gentil e delicada e tinha uma voz meiga. O Pequeno Ursinho era o mais pequenino, muito curioso e sua voz era fininha.
Certa manhã, ao levantarem-se, a Mamã Urso resolveu fazer umas deliciosas papinhas, como era seu costume. Sentaram-se à mesa para comer as papas mas elas estavam muito quentes. Assim, a mamã Urso propôs que fossem dar um passeio juntos pela floresta, enquanto as papas arrefeciam para que as pudessem comer, depois de voltar para casa.
Assim fizeram. A mamã Urso deitou as papas nas suas tigelinhas, que focaram em cima da mesa a arrefecer e os três ursos lá foram passear para a floresta.
Enquanto eles estavam a passear na floresta, apareceu por ali uma menina muito bonita, mas um pouquinho atrevida de cabelos loiros de tal maneira encaracolados que pareciam pequeninos cachos de uva amarelados e por isso lhe chamavam Cachinhos Dourados. Ela morava do outro lado da floresta, numa pequenina aldeia mas tinha o mau hábito de sair de casa sem avisar os seus pais.
Quando se aproximou da casinha dos ursos, já muito cansada de tanto andar, resolveu bater à porta. Bateu, bateu, mas ninguém respondeu. Mas ao perceber que a porta estava apenas encostada, resolveu entrar. Entrou e ficou muito admirada pois viu uma mesa coberta com uma bela toalha xadrez e em cima da mesa havia três tigelinhas de papas. Como estava cheiinha de fome, e não viu ninguém na casa, resolveu provar as papas. Provou as papas da tigela maior, mas achou-as muito quentes. Provou as da tigela do meio e achou-as muito frias. Provou as papas da tigelinha mais pequenina e achou-as deliciosas, por isso não resistiu e comeu-as todas, num abrir e fechar de olhos.
Depois de comer as papas, Cachinhos Dourados foi em direcção à sala. Entrou e viu lá três cadeiras. Como estava muito cansada, resolveu sentar-se. Mas achou a primeira cadeira muito grande, por isso levantou-se e foi sentar-se na cadeira do meio, mas também a achou muito desconfortável e ainda grande demais. Sentou-se, então na cadeirinha mais pequena e achou-a muito confortável e com o tamanho adequado ao seu corpo. Porém, sentou-se tão desajeitadamente que a quebrou.
Como ainda se sentia cansada, Cachinhos Dourados resolveu subir as escadas e encontrou um quarto com três caminhas, uma grande, uma média e uma pequenina.
Tentou deitar-se na cama maior, mas achou-a muito dura. Deitou-se na do meio e achou-a macia demais. Deitou-se na mais pequenina e achou-a muito boa. Estava tão cansada que acabou por adormecer.
Enquanto ela dormia, os ursinhos voltaram do seu passeio. Foram logo à cozinha para comer as papas, que era o seu pequeno-almoço. Estranharam a porta aberta, e logo perceberam que alguém havia entrado em sua casa:
- Alguém mexeu nas minhas papas! - Rosnou o Papai Urso.
- Alguém comeu um bocadinho das minhas papas! – Disse a Mamã Urso, muito zangada.
- Alguém comeu a minha tigelinha de papas! – Gritou o Pequeno Urso.
Os três ursos, muito admirados e espantados dirigiram para a sala. Papá Urso olhou para sua cadeira e exclamou:
- Alguém se sentou na minha cadeira!
Mamã Urso, com sua voz, já não tão meiga, reclamou:
- Alguém também se sentou na minha cadeira!
O Pequeno Urso, chorando, queixou-se:
- Alguém quebrou a minha cadeirinha!
Os três subiram as escadas, e foram em direcção ao quarto de dormir. Papá Urso olhou para sua cama e perguntou:
- Quem se deitou na minha cama?
Mamã Urso olhou para sua cama e disse:
- Alguém esteve deitado na minha cama e deixou-a por fazer!
O Pequeno Urso, muito bravo, gritou:
- Está alguém deitado na minha caminha!
Com o barulho Cachinhos Dourados acordou. Quando viu os ursos muito zangados olhando para ela ficou tão assustada que deu um pulo e saiu da cama. Pôs-se a correr com quanta força tinha pelas escadas abaixo. Num instante deu um pulo e saiu pela janela, correndo em direcção à sua casa, que ficava para lá da floresta.
E Cachinhos Doirados aprendeu uma lição. Depois desse enorme susto nunca mais fugiu de casa sem avisar os pais e muito menos entrou em casa alguém sem bater à porta e pedir licença ou sem ser convidada.
NB – Adaptação, para o dia mundial da criança, de um conto com o mesmo título.