PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
NA CANADA DO MIMOIO
Por toda a freguesia já ia uma falação medonha. Na máquina, à saída da igreja, nas alvoradas do Espírito Santo e até à Praça, não se falava noutra coisa: “O coirão da Cremilde do Saavedra andava metida com outro homem”. Certinho como dois e dois serem quatro! Com quem era é que não se sabia.
E nunca se ficou a saber, ou melhor, foi apenas o Zé da tia Mariquinhas que o ficou a saber.
Certa tarde, em que ia levar uma moenda ao moinho de Tio Manuel Luís, o Zé de tia Mariquinhas decidiu, para encurtar caminho, atravessar pela Canada do Mimoio, uma sinuosa vereda que ligava a Fontinha à Ribeira das Casas. Qual não foi o seu espanto, quando, logo a seguir às primeiras voltas, num sítio mais recôndito, mas em plena Canada do Mimoio, deu de caras com o Simões engalfinhado na Cremilde que gemia e gritava que nem uma gata em cio.
Aflito e confuso, o Zé, muito educadamente, apenas pediu licença para passar e seguiu o seu caminho, enquanto os outros, muito nervosos e receosos do que os havia de esperar como castigo de tão ousada leviandade, em vão se tentavam esconder mais junto à parede.
Soube-se, algum tempo depois, que as investidas à Cremilde haviam terminado, mas o que o nunca se soube foi que era o Simões a por os cornos ao Saavedra. É que o Zé da Mariquinhas, por muitos defeitos que tivesse, possuía uma grande virtude: a de nunca contar a quem quer que fosse o que via ou ouvia por aqui e por ali.
Sorte teve o Simões que assim se livrou das más-línguas, dos arrufos da mulher e, sobretudo, de uma valente sova do Saavedra.
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TROVA
(POEMA DE PEDRO DA SILVEIRA)
E as meninas cantavam
Seguindo na sua roda:
Teresinha de Jesus
deu uma queda, foi ao chão…
As meninas cantavam
e a Primavera acordava
molhada, verde florida.
Mas onde foi que isso foi,
esta roda, este canto
das meninas indo nela?
E o cheiro a alecrim
que só de o lembrar agora
tudo embalsama outras vez?
As meninas cantavam
e o sol vinha escutá-las:
Tanta laranja da China
tanto limão tanto p’rigo!...
O sol e os Três Cavaleiros
todos três em reverência
com os seus chapéus na mão.
Tanta laranja caída
tanto limão pelo chão! …
O sonho, descubro-o vazio,
e as meninas, não nas vejo:
desmanchou-se a roda toda
e os Três Cavaleiros
lá se foram p’lo mar fora.
Mas onde agora as meninas,
onde, que não nas descubro?
Morreria a mais bonita
que era a segunda na idade?
E a morena, d’olhos verdes,
se viva é, onde está?
Pergunto, não me respondem
Que ninguém sabe que é delas.
Aquelas lindas meninas
que eram três, ou talvez quatro
- Tanto sangue derramado
dentro do meu coração.
Pedro da Silveira [Poemas Ausentes]
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ONÉSIMO ALMEIDA
Onésimo Teotónio Pereira de Almeida nasceu na freguesia do Pico da Pedra, ilha de S. Miguel, em 18 de Dezembro de 1946. É professor universitário, ensaísta e ficcionista. Entrou para o Seminário Menor de Ponta Delgada em 1985, transitando, dois anos depois, para o de Angra do Heroísmo. Desde cedo revelou possuir uma inteligência invulgar, uma memória prodigiosa e uma capacidade de aprendizagem notável, manifestando grande apetência para a literatura, nomeadamente para a escrita. Ainda no Seminário, para além de muitos textos de excelente qualidade literária e de conteúdos riquíssimos, que divulgava em jornais, revistas, academias, saraus culturais e na rádio, escreveu as suas primeiras obras: Esperança-21 (teatro) e O Centenário (poema-paródia).
Após a formação no Seminário, frequentou a Universidade Católica, de Lisboa, bacharelando-se e emigrou para os EU, completando a licenciatura e fazendo o doutoramento em Filosofia, na Brown University, Rhode Island, nos Estados Unidos da América, onde reside desde 1972. Começou a exercer docência naquela Universidade a partir de 1975. É actualmente professor e director do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros. Fundou e dirige, desde 1980, a Gávea-Brown Publications, com considerável atividade editorial, e a revista bilingue de letras e estudos luso-americanos Gávea-Brown. Deve-se ao seu empenho a criação da cadeira de Literatura Açoriana, que, no ano lectivo de 1977-78, começou a fazer parte do elenco disciplinar do departamento. É vice-presidente do Rhode Island Committee for the Humanities (Rhode Island) e membro, entre outras instituições, do Conselho Executivo do Watson Institute for International Studies (Brown University) e da American Philosophical Association. Os percursos apontados e a actuação, desde os princípios da década de 80, em diversos congressos e colóquios nacionais e internacionais, acima de uma centena, são suficientes para dar uma imagem da sua vitalidade curricular. O seu trajecto intelectual encontra-se marcado pelo contacto com a tradição anglo-saxónica da filosofia analítica e pelo pragmatismo filosófico norte-americano, ascendente que se revela tanto na propensão para o rigor da linguagem na prosa ensaística em filosofia e no espírito crítico que a sublinha como nas influências que, de modo mais ou menos directo, é possível detectar nos seus textos. Pensadores como Willard Van Orman Quine, Ludwig Wittgenstein, Karl Popper, William James, John Dewey, Richard Rorty, Paul Feyerabend e Thomas Kuhn, ou Karl Marx, Karl Manheim, Louis Althusser, estes três configurando o eixo do debate da sua tese de doutoramento, são, entre outros, os de sua predilecção intelectual, desvendando áreas preferenciais na filosofia da linguagem e na linguística, na epistemologia, na filosofia ética e política, na sociologia e na teoria antropológica da cultura e dos valores. Esta última apresenta-se como uma zona de confluência das outras áreas, cujo núcleo central situa na problemática das mundividências, de que a ideologia seria um caso particular. Este problema, que se reflecte com insistência nos textos posteriores a 1980, fê-lo abandonar a ideia de publicação da tese de doutoramento, por considerá-la, e já na fase final da investigação, ultrapassada nos seus desenvolvimentos, pela nova perspectiva, cujo primeiro aprofundamento acontece quando, no ano lectivo de 1980-81, se dedica a abordar essa problemática numa cadeira sobre «A Formação das Mundividências». A temática axiológica torna-se, a partir daqui, nuclear, e a ela se pode reconduzir a produção ensaística que se debruça sobre temas da cultura portuguesa, como os equívocos da «filosofia portuguesa», o eventual contributo de Portugal para a ciência moderna, a identidade nacional e os valores culturais de determinadas épocas e gerações através da análise da obra de figuras como Fernando Pessoa e Antero de Quental, ou ainda sobre assuntos que directamente dizem respeito à sociedade e cultura açorianas. A reflexão sobre a identidade cultural do açoriano, seja o que habita as ilhas, seja o da comunidade emigrante, embora se coloque num contexto de debate específico, com natureza diferente da teorização filosófica dos valores, não deixa de a esta estar referida como um dos rumos de aplicação da teoria à prática, como, aliás, se torna patente em textos sobre a aculturação do emigrante e sobre a política do turismo nos Açores, Não é, pois, isenta de razões a afirmação que enraizasse neste horizonte especulativo o seu interesse pela questão da literatura açoriana, além dos mais evidentes motivos de orientação literária do autor, pois que o modo como a aborda é norteado por perspectivas sociológicas e de antropologia cultural e linguística, em muitos pontos lembrando a atmosfera crítica de textos anteriores, já acima citados, nomeadamente naqueles em que se deu à discussão do conceito de «filosofia portuguesa» e ao questionamento dos descobrimentos portugueses e da ciência. A inspecção destes textos e a sua comparação com aqueles põem em realce a tónica axiológica, já que, para Onésimo Almeida, é no conceito de açorianidade que se funda a expressão literatura açoriana, cuja discussão não pode libertar-se da referência ao conjunto de «valores estéticos e éticos» que aquele conceito compreende. Assim, embora não diga de modo directo que exista uma literatura açoriana, a sua prudência leva-o a situar-se no âmbito de uma óptica que parece tender para a salvaguarda da crítica e da problematização permanentes. O seu mérito esteve na acção decisiva que permitiu instituir, a partir de 1983, um campo alargado de debate teórico em torno da literatura açoriana - não só pela organização de simpósios sobre o tema como pelas publicações onde reuniu textos de diversos autores -, em que a sua posição emerge marcada pela cautela, reservada e crítica, quanto a um juízo afirmativo, cabal e decisivo, sobre tal existência. Podemos, no entanto, deduzir dos textos que o problema da existência é, antes, o problema do âmbito de realidade da literatura açoriana, como um caso específico no panorama da literatura portuguesa, suficiente para determinar-lhe os contornos de objecto de estudo nas notas dominantes de certa individualidade - povo, cultura, valores -, que não cabe na definição genérica da «portugalidade». Mas a sua personalidade multifacetada não se reduz ao acima dito, pois que todo esse ensaísmo, filosófico e literário, divide compromissos com a crónica jornalística e a criatividade nos domínios da ficção - conto e teatro. O primeiro livro surgiu em 1975. Nele reúne crónicas publicadas na imprensa, dando-lhe o sugestivo título Da Vida Quotidiana na L(USA)lândia. São estas páginas o primeiro produto da experiência do autor em terras norte-americanas e do seu contacto com a comunidade açoriana emigrante. Essa existência exprimiu-se - como de igual modo em L(USA)lândia - a Décima Ilha, - no relato breve ou episódico do dia-a-dia da emigração, com reflexões políticas várias sobre a sociedade e a cultura luso-americanas. As outras colectâneas de crónicas não deixam de se inscrever nesse pano de fundo da diáspora açoriana e do diálogo que o autor mantém com a ilha longínqua, nelas verbalizando as suas experiências pessoais de português no mundo. É também nesse horizonte onde encontramos o húmus inspirador dos seus contos e teatro. (Sapa)teia Americana retoma, no plano ficcional do conto, o tema da vida emigrada. Conta ou reconta factos verídicos ou ficcionados, onde se unem a atenção crítica com a ironia, o humor das situações com o drama, num retrato realista que se forja a si mesmo como imaginário da diáspora, a que não falta mesmo a dimensão mítica de uma geografia: a L(USA)lândia, no entanto, real pela presença dos seus habitantes (lusalandos ou lusalandeses), em carne e osso, em alegria, sofrimento e esperança no sonho americano. Esta L(USA)lândia, que a imaginação semântica do autor forjou a partir da proximidade gráfica e fonética do US, comum a USA e à terra (land) LUSA distante, emerge diante do leitor, por entre os fragmentos das imagens que o autor fixa e descreve de gentes, nomes e lugares, favorecendo uma espécie de linha narrativa que salta de conto para conto. Dir-se-ia que o autor-narrador assume o papel de cronista da terra LUSAlandesa, escrevendo em ficção os anais históricos da gesta emigrante, que, sob outros motivos, havia já abordado no teatro de Ah! Mònim dum Corisco. Referência distinta merece a peça teatral No Seio Desse Amargo Mar. Entre outros, são personagens Antero, Nemésio, Côrtes-Rodrigues, Santos Barros. Peça de teor reflexivo, cujo diálogo se propõe como des-construção e reconstrução da identidade nacional e açoriana, mostra a tendência de Onésimo Almeida para a desmontagem do imaginário mítico português, com raízes remotas em António Sérgio e de Eduardo Lourenço. Um dos traços que ressalta na leitura da obra de ficção é o do humor, um humorismo que cruza a anedota pitoresca com uma ironia certeira ou acentuadamente satírica, visando situações e vivências humanas, e que tem alcançado lugar de tema ensaístico.
Obras principais: Da Vida Quotidiana na L(USA)lândia. Ah! Mònim dum Corisco!... (Sapa)teia Americana, A Questão da Literatura Açoriana: Recolha de Intervenções e Revisitação, Filosofia portuguesa: alguns equívocos, Açorianidade: Equívocos estéticos e éticos, Aculturação: algumas observações. L(USA)lândia: a Décima Ilha, Mensagem: Uma Tentativa de Reinterpretação, Literatura, sociedade e política: o caso açoriano, In Conhecimento dos Açores através da Literatura. Angra do Heroísmo, O Renascimento da «Morte da Ideologia, Açores, açorianos, açorianidade: um espaço cultural, No seio desse Amargo Mar: Antero de Quental et l’Europe, Que Nome É Esse, ó Nézimo?: E Outros Advérbios de Dúvida.), Rio Atlântico, entre muitas outras.
Texto retirado do CCA – Cultura Açores
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AVENTEJAR
“Quando há vento é que se aventeja.”
O verbo aventejar era utilizado na Fajã Grande como significado da ação de despejar os grãos do trigo, do tremoço, das favas e até do milho ao vento com o objetivo de os separar das faúlhas originadas pela debulha ou pela descasca.
A palavra, aparentemente, parece ser uma corruptela de ventejar, pese embora, segundo o conceituado Caldas Aulete, ventejar signifique ventar brandamente. Isto, porém, não indicará que o aventejar fajãgrandense não seja uma deturpação daquela palavra uma vez que quer uma quer a outra, direta ou indiretamente, estão ligadas ou até têm a sua origem na palavra vento.
Mais importante, porém, é descortinar o significado deste adágio, o qual não deve ser entendido no sentido real mas sim no figurado. Na verdade ao proferir-se este aforismo pretendia-se apenas e tão-somente significar que na nossa vida quotidiana é muito importante aproveitar as ocasiões que nos são proporcionadas, em cada momento. Não devemos ficar indiferentes a uma oportunidade proveitosa que nos surge num determinado momento. No entanto o provérbio também era utilizado como forma probatória dos exageradamente oportunistas e até da sua condenação.
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A CABACEIRA DE TI CARLOS
A Cabaceira era talvez o maior de quantos lugares existiam na Fajã Grande, estendendo-se desde o Delgado até à Volta do Pinheiro, por isso mesmo era vulgarmente subdivida em três lugares: Cabaceira de Baixo, Cabaceira do Meio e Cabaceira de Cima. Em minha casa, porém e por iniciativa toponímica exclusivamente nossa, havia na extensa Cabaceira mais um terceiro lugar, a Cabaceira de Ti Carlos, quase identificada, no entanto, com a Cabaceira de Cima, pois situava-se a sul, paredes meias com o Espigão e o Pocestinho.
A razão de ser deste epíteto, adotado lá em casa para identificar a parte mais sueste da Cabaceira, advinha do facto de meu pai possuir ali uma terra que lhe fora dada, juntamente com algumas outras, por um irmão dele, de nome Carlos, que havia emigrado para a América há muitos anos. Como meu pai possuía mais duas terras por aqueles andurriais, uma na Cabaceira de Baixo e outra na do Meio, aquela terra, assim como o lugar em que se situava passou a ser designada por Cabaceira de Ti Carlos. Para além de homenagearmos o benemérito irmão do meu progenitor evitávamos confundir o local onde devíamos ir, por ordem de meu pai, buscar um molho de lenha, levantar uma parede, apanhar um braçado de incensos ou ceifar uma carrada feitos ou de cana roca para a cerca do porco.
A Cabaceira de Ti Carlos, lugar, era um sítio ermo, esconso e distante do caminho que ligava o Cimo da Assomada aos Lavadouros. A ele tinha-se acesso por uma canada ladeada por frondosas faeiras e altíssimos incensos que lhe davam um ar cavernoso, desfrequentado, sombrio e, aparentemente, tenebroso. Além disso a canada iniciava-se um pouco abaixo do largo da Cancelinha, pleno de mitos, de lendas e de assombros. Estas as razões pelas quais eu me pelava de medo quando ia à Cabaceira de Ti Carlos e, confesso, que nunca ia lá sozinho. As terras ali existentes eram todas de mato e pouco mais produziam do que lenha, feitos e cana roca, uma vez que na globalidade abarrotavam de faeiras, incensos, sanguinhos e um oi outro loureiro ou pau branco. Tudo isto tornava aquele lugar ermo, esconso, tenebroso.
A minha prima e vizinha Deolinda também tinha ali uma terra, paredes meias com a de meu pai e de onde se abastecia da lenha de que necessitava no seu dia-a-dia. Não sei se por ter medo daqueles andurriais como eu, se por ser mulher solteira, ainda nova e ter receio de ser assediada por algum valdevino, pedia sempre à minha irmã que me deixasse ir na sua companhia. E lá ia todo feliz. Mas quando entrávamos na canada da Cabaceira de Ta Carlos, cheio de medo dava-lhe a mão e ao entrar na terra nunca me afastava dela.
A Cabaceira de Ti Carlos, terra que o meu tio doara ao meu pai, era, no entanto, pobre e pouco produzia. Decerto que, assim como o lugar a que deu nome, desapareceu no tempo e talvez no espaço, mas continua na minha memória como lugar quase sagrado, repleto de mitos, de sonhos e também de pesadelos.
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MEMÓRIAS DAS CAMPAINHAS DAS VACAS
Muitas das minhas lembranças de infância estão relacionadas com as campainhas das vacas, utilizadas por quase todos os criadores de gado da Fajã Grande, à altura. Eu adorava campainhas. Fascinavam-me de tal modo que até parece terem exercido um estranho e mágico poder sobre mim quando criança. Adorava-as todas, o seu toque sublime e diversificado, a sua forma, o seu brilho, a sua beleza singela e singular. Destacavam-se as das vacas do senhor Gil e as de meu avô, não apenas porque em forma de sino mas também porque muito grandes e de um toque belíssimo. Distinguiam-se também pela sua heterogeneidade, pelo seu brilho e cintilação, pelos sons dulcificados e inconfundíveis que até parecia dignificarem o animal que as utilizava. Eram afinadas no toque, retiniam quando prolongadamente badaladas e deslumbravam de encantamento.
Eu adorava também todas as outras campainhas, as de meia laranja, amarelas como ouro, com sons maravilhosos e diversificados mas sempre harmoniosamente conjugados, como se fossem os acordes duma partitura. Tlim… Tlom… Tlim… Tlom! Meu pai que tinha apenas duas vacas tinha só duas campainhas, as quais apesar de diferentes no tamanho também tinham um som harmónico e concertado. Por vezes, quando o estrape de uma rebentava, antes que meu pai o consertasse, eu aproveitava para me deliciar porque ele deixava-me tirar a campainha do pescoço da vaca pegar-lhe por algum tempo, badalá-la junto ao ouvido e ouvir não apenas o seu toque sublime mas também o eco dos seus sons sibilantes. Eu sabia que eram feitas de metal e não de ouro como a sua aparência brilhante fazia supor.
O mesmo acontecia com os chocalhos e os guizos ou até com as brutas campainhas que as vacas leiteiras usavam no mato, que eram feitas de latão e que, por isso, não tinham, nem de perto nem de longe, um som harmonioso com as outras. Destinavam-se apenas a que os ordenhadores encontrassem mais facilmente os animais em dias de nevoeiro. Talvez fossem de bronze como os sinos da igreja as campainhas das vacas que eu tanto adorava na minha infância, pese embora meu pai tivesse duas de alumínio que usava nos bezerros e que, quanto ao som que emitiam, pareciam verdadeiras canas rachadas. Adorava era as campainhas de metal, de bronze. A própria palavra “bronze” me parecia soar como um gigantesco sino que se partia aos bocadinhos para dele se fazerem as campainhas.
O meu fascínio por campainhas era tal que eu próprio fabricava as campainhas para as vacas que imaginava possuir. E tinha uma boa coleção. Eram fabricadas a partir das tampas das cervejas ou das laranjadas. Umas e outras, nos tempos da minha infância, eram feitas de metal e não tinham nenhuma inscrição ou desenho, que lhes obliterasse o som metálico. Lisinhas e brancas, apenas tinham por dentro, no fundo uma pequena pelicula de cortiça ou de borracha que, facilmente retirava com a ponta de uma navalha. Depois, com um prego dava-lhe dois furinhos ao meio, um perto do outro, através dos quais fazia passar um cordel. A este cordel, na parte interior, amarrava um pequeno prego retorcido, fazendo de badalo. Na parte superior ia alongando ou encurtando o cordel de forma que o badalo se movimentasse e batesse nas bordas da tampa, produzindo o som desejado.
Que bem que tocavam as minhas campainhas, as campainhas da minha infância, feitas de tampas de cerveja ou de laranjada!
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RAULINO FRAGUEIRO
O Raulino Fragueiro era um dos lavradores mais abastados da Fajã Grande. Morava na Tronqueira, numa casa que ficava em frente ao poço de água para o gado e tinha muitos filhos, a maioria rapazes, muitos deles de grande valentia. Era esta força de braços aliada às propriedades que possuía e ao gado que criava que fazia com que a sua casa fosse uma das mais abastadas da freguesia. Para além de terras de milho e relvas, possuía pastagens no Mato, onde criava não só gado alfeiro mas também vacas de leite. Além disso possuía uma valente junta de bois que para além de lavrarem as suas terras e acarretar os produtos das mesmas, ainda permitia que desse dias para fora, sobretudo lavrando os terrenos de quem não possuía gado que o fizesse.
Raulino Fragueiro nasceu na Fajã Grande, a 22 de janeiro de 1897 e era Filho de João Fragueiro Cardoso e de Maria Fagundes Fragueiro, moradores na Fontinha. Seus avós paternos foram José de Freitas Fragueiro e de Mariana Cardoso e os maternos, João de Freitas Lourenço e de Luciana de Jesus. Possivelmente terá recebido o nome Raulino, pouco vulgar na Fajã Grande do padrinho de batismo, Raulino Lourenço, solteiro e de profissão pastor.
Para além dos filhos que tivera com a esposa, constava pela freguesia que teria um filho natural, nascido ainda antes do casamento, mas que nunca reconheceu como tal.
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A MINHA AMEIXEIRA
Meu pai não tinha horta que produzisse fruta para nos alimentar. No entanto, consciente da importância que a fruta tinha na alimentação de uma criança, por demais deficitária a diversíssimos níveis, teve sempre a preocupação de transformar uma das suas melhores terras de mato – a Cabaceira do Meio – em horta. A tarefa não era fácil, pois a maior parte das belgas eram terreno pobre e pedregoso mais propício a produzir incensos, faias, fetos e cana roca do que árvores de fruto.
Mas meu pai era de fibra rija, o que lhe permitiu dominar e alterar os instintos e as forças da natureza. Assim, com trabalho contínuo e persistente, lá foi desbravando o mato, arrancando pedregulhos, transformando-os em maroiços, cavando e voltando a cavar e, com muito esforço, destreza e sabedoria, lá conseguiu transformar grande parte dos terrenos bravios da Cabaceira do Meio em solos cultiváveis, onde plantou inhames e algumas árvores de fruto: macieiras, pereiras, araçazeiros, nespereiras e até um gigantesco castanheiro.
Não se ficou por aqui o meu progenitor nos seus instintos de fruticultor e, a dada altura, ao deslocar-se às Lajes, comprou, na Junta Geral, meia dúzia de pés de ameixeiras. No dia seguinte, levantou-se cedo, acordou-me e partimos para a Cabaceira do Meio, a fim de plantá-las. Uma aqui, outra acolá, em sítios abrigados ou protegidos por bardos de faias e incensos.
Pedi-lhe para me deixar plantar uma. Que não senhor, que aquilo não era brincadeira, que tinham sido muito caras, que eu não sabia plantar nada nem coisa nenhuma, que tirasse o cavalinho da chuva que seria ele a plantá-las todas. Reclamei, barafustei, tanto rezinguei e lhe pedi que ele por fim, talvez para me calar, escolheu, de entre as seis, a que tinha pior aspecto, a que parecia mais definhada e lá ma deu, ordenando-me que a fosse plantar para outro lado, para onde quisesse, mas longe e nunca nos sítios que ele havia seleccionado, por terem melhores condições e que estavam destinados às outras cinco.
Todo contente, peguei na enxadita e fui abrir uma cova muito grande, ao lado do enorme e vetusto castanheiro, cuidando que este havia de proteger a minha pobre e pequenina árvore. Meti-lhe o pezinho de ameixeira aparentemente definhada, com muito cuidado para que nenhum pelinho da raiz se partisse ou amachucasse, cheguei-lhe muita terrinha para cima, calquei-a com ambas as mãos, disse-lhe. Baixinho, uns segredos, fiz-lhe uns miminhos e lá a deixei, à espera que vingasse, crescesse e desse fruto.
Passado algum tempo voltámos à Cabaceira do Meio, para ver como estavam as ameixeiras. Qual não foi o espanto do meu progenitor quando verificou que nenhuma ameixeira das que ele plantara tinha pegado. A única que alegre e efusivamente florescia era a que tinha sido plantada por mim!
A ameixeira cresceu, tornou-se numa enorme e bonita árvore e durante anos e anos deu muitas ameixas carnudas, avermelhadas e saborosas, que nos foram alimentando a todos lá em casa, pese embora eu reivindicasse, continua mas ingloriamente, que só eu teria direito a comê-las porque elas eram da “Minha Ameixeira”.
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A BUGRA
Há muitos anos chegou à Fajã Grande uma mulher estranha que não se sabia muito bem de onde vinha, nem muito menos qual a sua origem. Talvez tivesse sido abandonado por algum navio de piratas num qualquer recanto da ilha. No entanto, pelos traços fisionómicos, pela maneira de falar e pela forma como se vestia, cuidava-se que seria de origem indiana. Chamava-se Jurema mas todos a conheciam pela indiana e não era cristã, pois nunca participava nas cerimónias religiosas nem sequer entrava na igreja.
Certo dia o Chico de João Dias aproximou-se do padre vigário, que paroquiava a freguesia havia um bom rol de anos, insurgindo-se contra o cristianismo, alegando que não havia direito que assim como existe um Deus do sexo masculino também não existisse uma deusa fêmea o que afinal não era novidade neste mundo, pois era sabido as deusas eram aceites por muitas outra religiões, cujos fiéis acreditavam na existência de entidades celestiais do sexo feminino-:
- No mínimo, o cristianismo devia pelo menos acreditar existem anjos e anjas. – concluía o Chico
O reverendo exasperou e exaltou-se e como sabia que o Chico andava sempre a meter conversa e feito de amores com a indiana retorquiu:
- Foi ela, a bugra que te meteu isso na cabeça, não foi?
- Foi sim senhor, mas ela não se chama Bugra. O seu nome é Jurema…
O reverendo virou-lhe as costas resmungando: “Pedaço de asno e grande paspalho. Para além de tolo és ignorante!... E concluiu: - Nem sequer sabe que bugra significa herética.”
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NAUFRÁGIOS NAS FLORES NO SÉCULO XVI
Desde os primórdios do seu povoamento, quiçá muito antes, que na ilha das Flores ocorreram inúmeros naufrágios, uma vez que a maior ilha do grupo ocidental açoriano e mais concretamente o seu ponto mais ocidental, a Fajã Grande era ponto de referência para a navegação que transitava no Atlântico, entre a Europa, a América e a África. Os relatos de muitos desses naufrágios, muito provavelmente, ter-se-ão perdido no tempo, no entanto, a partir do povoamento da ilha, ou seja, a partir do século XVI, a história das Flores regista alguns desses tão naufrágios.
O primeiro naufrágio nas Flores de que há registo ocorreu em Março de 1536 e foi resultante de um ataque de piratas franceses, sendo as vítimas quatro caravelas portuguesas. As quatro embarcações aguardavam na ilha, provavelmente numa das suas mais abrigadas baías, as naus que vinham da Índia, carregadas de produtos, a fim de os carregar e trazer para o reino. Quando menos esperavam foram atacados por corsário franceses que afundaram duas, apoderando-se das outras duas e levando-as consigo.
O segundo naufrágio ocorrido nas Flores foi o de um galeão português que fazia escolta a navios de carga oriundos do Brasil. Ocorreu em 1577. Apesar de se ter afundado, consta que algum tempo depois foram recuperadas algumas peças de artilharia que lhe pertenciam.
Em 1591 naufragou próximo das Flores a nau Ascencion, de nacionalidade espanhola, capitaneada por António Henriques. O afundamento da nau ocorreu durante a chamada Batalha da Ilha das Flores, em que uma frota espanhola, proveniente da Índia se envolveu em tiroteio com uma armada inglesa.
Finalmente, no ano seguinte, a embarcação portuguesa Santa Cruz, sentindo-se perseguida por barcos de piratas ingleses, de corso, comandados pelo célebre Sir Walter Raleight, foi voluntariamente encalhada e incendiada pela sua própria tripulação, evitando assim render-se ao roubo daqueles corsários. Consta, apesar de tudo, que os ingleses, desembarcando em terra em grande número ainda conseguiram recuperar e roubar uma poa parte da carga do Santa Cruz, tendo perseguido, de seguida, os tripulantes da embarcação portuguesa.
No século seguinte foram poucos os naufrágios de que há registo, sendo de destacar o de uma embarcação, vinda de Ponta Delgada, que naufragou perto do Monchique, morrendo dois dos seus tripulantes – Manuel Gomes e António Coelho, ambos residentes na freguesia de Ponta Delgada. O naufrágio ocorreu no dia 6 de setembro de 1679.
Fonte – Francisco António Pimentel Gomes, A Ilha das Flores, Da redescoberta à actualidade.
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SALVAR CAGARRAS
O Cagarro é a ave marinha mais abundante nos Açores, totalizando cerca de 97500 casais reprodutores. É também a mais característica e encantadora. Quão sublime era, em criança, sobretudo nas noites escuras de inverno, adormecer, enrolado nos cobertores, sobre um colchão de musgo, ao som das cagarras vindas do Pico e do Outeiro com destino ao mar. Depois, alta madrugada voltar a ouvi-las ou e sonhar com o seu regresso aos esconderijos das escarpas.
O ciclo reprodutor da das cagarras tem uma duração de quase 9 meses, estendendo-se desde finais de Fevereiro até finais de Outubro, e apresenta grande sincronia entre as diferentes fases. A postura ocorre de fins de Maio a início de Junho, a eclosão nos finais de Julho e a emancipação dos juvenis entre finais de Outubro e início de Novembro. É precisamente nesta altura do ano em que muitos juvenis, ao executar as suas primeiras viagens, se perdem. A maioria cai. Destes uns morrem mas muitos sobrevivem, permanecendo caídos no chão, nas beiras dos caminhos, incapazes de regressar aos seus ninhos.
A fim de os salvar, o Governo Regional dos Açores desde 1995, tem desenvolvido anualmente a Campanha S.O.S. Cagarro que tem como principal objetivo alertar a população açoriana para a necessidade de preservação desta espécie protegida que nidifica nos Açores.
Este ano a Campanha S.O.S. Cagarro decorre entre 15 de outubro e 15 de novembro, período que coincide com a saída dos cagarros juvenis dos ninhos para o primeiro voo transoceânico. A campanha tem como objetivo a sensibilização da população açoriana para os cuidados mais adequados a ter em situações de encadeamento e atropelamento nas estradas de cagarros jovens, pelo que a Secretaria Regional dos Recursos Naturais está a desenvolver várias atividades de sensibilização e educação ambiental, sobretudo, junto das escolas desta Região, com a particularidade de este ano a campanha ter uma metodologia mais objetiva de recolha de informação sobre as cagarras. Essa recolha será feita através de brigadas científicas, em colaboração com a Universidade dos Açores, os Parques Naturais de Ilha, organizações não-governamentais e outras entidades que queiram aderir a esta iniciativa.
Consideram os responsáveis por esta campanha que durante os meses de outubro e novembro, os juvenis de cagarro começam a abandonar os ninhos e, ao serem atraídos por luzes artificiais fortes, ficam desorientados podendo cair em locais de risco de atropelamento ou de predação. Por essa razão, neste período do ano as brigadas noturnas e muitos populares percorrem as estradas dos Açores resgatando cagarros caídos que são posteriormente libertados durante o dia junto ao mar depois de anilhados, onde iniciam a sua primeira grande migração anual para os mares do Atlântico Sul ou para as zonas produtivas do Atlântico Noroeste.
Acrescente-se que a organização BirdLife International refere que os Açores acolhem todos os anos cerca de 200 mil casais de cagarros, que usam as ilhas do arquipélago entre Abril e Outubro para se reproduzirem. Estas aves, que formam inúmeras colónias de nidificação nas falésias costeiras, representam 75% da população mundial desta espécie, que também se reproduz nos arquipélagos da Madeira e das Canárias e nas Berlengas.
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CENAS TRIVIAIS
Cenas Triviais é um belíssimo conto de Nunes da Rosa, em Pastorais do Mosteiro, no qual o autor narra a fuga de muitos dos habitantes das Flores nas baleeiras americanas que demandavam a ilha na procura de água e víveres e que depois escapuliam para a América. A estória baseia-se num episódio muito frequente, na altura, na ilha das Flores. Embora supostamente, a julgar pela descrição que o autor faz da freguesia do Mosteiro, o espaço fosse aquela pequena freguesia, ao longo do texto o autor faz referências à Baía dos Fanais e ao Ilhéu de Maria Vaz, locais preferidos e adequados às fugas clandestinas.
Aqui tento fazer um resumo do mesmo:
Numa tarde de verão e de grande calmaria, apareceu um iate branco no horizonte. Era um iate que, pouco depois, aproou a terra. Nos campos do Mosteiro, homens e mulheres sachavam o milho. Aos poucos o iate foi-se aproximando-se da ilha e todos os que andavam pelos campos correram, aos magotes, para as suas casas, conversando, cochichando, gesticulando e detendo o olhar na embarcação. Os mais novos foram os primeiros a chegar e as ruas do Mosteiro – pequeninos caminhos estreitos, alagados da água que escorre das grotas, monótonos na fiada tortuosa das casas, tristes pelas horas altas do dia em que tudo abala para as terras – encheram-se de gente. Muitas mulheres, prevendo o que as esperava, começaram a chorar e a soluçar, enquanto as crianças, parando as suas brincadeiras, agarravam-se aos saiotes das mães.
Pouco depois alguns homens de um lado e do outro da freguesia começaram a sair de suas casas, de mala às costas, camisa branca e chapéu na cabeça – parece que vão ruminando mágoas de uma saudade imensa de tudo quanto lhes fica atrás. - Os olhos enchem-se-lhes de lágrimas – nunca lhes pareceu tão bonita a sua freguesia, tão cheia de encanto – e, correndo na direção do mar, recordavam a faina diária, as festas, os costumes, a família e até os animais. Tudo ficava para trás!
O iate acabou por ancorar na baía dos Fanais, por detrás do ilhéu de Maria Vaz. Toda a população da freguesia acorre à beira da Rocha para o ver, Alguns velhos que outrora também partiram, contam como eram estas viagens noutros tempos. Os que partem despedem-se de todos, especialmente dos familiares. Pais, filhos, maridos, mulheres abraçam-se e despedem-se entre choros, murmúrios e recomendações.
Finalmente o grupo dos que partem desce até ao mar pelos trilhos sinuosos da Ladeira do Fundão. Lá em baixo espera-os uma canoa e um homem desconhecido fiscaliza-os e ordena-lhes que embarquem. Sobre a paisagem adormecida cai a tristeza doce do sol-posto, pincelando a luz parda do cerro esfumado dos cabeços, e dando uma tonalidade de vácuo pavoroso à cúpula distante do céu, onde algumas estrelas abrem feericamente a pálpebra luminosa.
No alto da Rocha o silêncio é apenas intercalado por soluços tristes e pelos murmúrios do mar. De lá debaixo vem o som metálico do dinheiro para pagar as passagens. De seguida a canoa parte em direção ao iate, ancorado mais fora. Por fim o iate, virando a proa a oeste zarpou e o povo que se havia acumulado no cimo da rocha regressou, tristonho e silencioso, às suas casas. E tudo terminou!
A manhã seguinte rompeu radiante e perfumada a trevo e a faeiras e o mar, agora deserto, continuava tranquilo mas toda freguesia permanece imersa numa enorme tristeza fixando – um olhar profundo e cismador na curva azulada do horizonte…
O conto foi escrito no longínquo ano de 1894 e Nunes da Rosa dedicou-o a Osório Goulart, poeta, escritor, conferencista e intelectual açoriano.
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O DIA DE APANHAR O MILHO DA FONTINHA
Acordei ainda era muito escuro, noite cerrada! Seriam cinco… Seis… Seis e meia... Era outubro e amanhecia tarde. Atirei de supetão o grosso cobertor em que me enroscara toda a noite, sobre o colchão de casca e pragana, e desatei a correr pela sala fora até à cozinha, escura como breu. Já todos haviam saído, apenas minha irmã, ainda em naitigão e muito despenteada e sonolenta, atiçava as labaredas de lume. A cozinha mais parecia um cerrado acabado de lavrar por arados minúsculos. Os garranhos de incenso estavam verdes como cubres. Muito a custo, minha irmã partia-os um a um, ao mesmo tempo que os enfiava debaixo da chaleira, assente num tripé de ferro. Depois de muito soprar o lume tímido e azulado pegou, exalando um fumo ácido e provocante. Minha irmã chorava. Dos olhos inchados saíam-lhe abundantes e grossas gotas de água. Cá fora, junto aos currais, ouvia as vozes de meu pai e meus irmãos a por a ceira no carro e a encangar a Benfeita e a Toucada. Lavei a cara, metendo as pontas dos dedos na água da bacia do lava-mãos, que ali ficara da véspera. Por fim a água na chaleira começou a ferver e daí a nada o café deitado no bule, cheirava que era um consolo. Assomando à porta de trás, minha irmã, agora já vestida e penteada, gritava:
- Venham, venham! O café já está nas tigelas, se não vêm depressa vai arrefecer…
Não demorou muito e estávamos todos sentados à mesa e, daí a nada, na terra da Fontinha a apanhar as maçarocas, grandes, amareladas, com as barbas a saírem por entre as cascas da ponta. Cestos e mais cestos povoavam o chão, atapetado com o trevo já crescidote. Uns atrás dos outros os cestos iam-se enchendo. De seguida eram baldeados dentro da ceira do carro até esta ficar rasa. Meu pai subia para cima do carro e, habilmente, ia construindo com as maçarocas maiores uma vedação de forma que a capacidade da ceira aumentasse e assim a carrada levasse mais uma boa dúzia de cestos. Quando o carro estava cheio e bem acaculado, apertava os queicóes, tangia as rezes, tendo antes dado uma maçaroca a cada uma, e vinha, com um de meus irmãos, despejar o milho pela porta da cozinha. Mais um, mais dois, mais três carros e a cozinha ficava cheia…
Havia tachos deitados ao chão, bancos virados e a mesa de jantar estava totalmente coberta. A amassaria pura e simplesmente desaparecera. E, para lá da cozinha coberta com todo aquele entulho cerealífero, cheia de maçarocas via-se a sala desarrumada, com as camas por fazer e o penico, branco e com uma borda partida, ainda não tinha sido despejado. O Farrusco, encavalitado em cima do monte do milho, miava, esfomeado.
Minha irmã não tardou com a sopa de feijão e toucinho que sobrara da véspera. Cada qual pegou no seu prato e com uma grossa fatia de pão de milho, acomodou-se onde pode….
A tarde foi para encambulhar e descascar as maçarocas mais verdes e mais pequenas. À noitinha o estaleiro estava quase meio.
A colheita da Fontinha, naquele ano fora muito boa…
E já pela noite dentro, com a cozinha arrumada e limpa, sentamo-nos todos à mesa, em frente aos pratos vazios, dentro dos quais, pouco depois, caía em jorro esbranquiçado e quente, umas saborosas papas grossas, feitas como o milho das maçarocas mais verdes, que minha irmã fora escolhendo por aqui e por ali.
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FAJÃ GRANDE (II)
Não é abuso repetir que a Fajã Grande se ufana de ser o povoado mais ocidental da Europa. Situada na costa oeste das Flores, a 17 km da sede do concelho, integra, juntamente com as Lajes, a Fazenda, a Lomba, o Mosteiro, o Lajedo e a Fajãzinha o concelho das Lajes das Flores uma área de 12,55 km² e, segundo o censos 2011, tem apenas 199 habitantes, enquanto na década de 1950 ultrapassava as oitocentas. Apesar da sua diminuta população, ainda assim é uma das freguesias mais povoadas da ilha. Criada em 1861, a paróquia católica correspondente tem São José como orago.
Localizada numa extensa fajã da costa oeste da ilha, delimitada do lado de terra pela enorme escarpa da Rocha da Fajã, uma falésia que na zona dos Paus Brancos excede os 600 m de altura, e do outro por uma linha de costa baixa e muito recortada, a Fajã Grande é composta por três lugares: a Fajã Grande, centro da freguesia e a sua localidade mais populosa a Ponta da Fajã Grande, situada numa estreita fajã encaixada entre o mar e a base da falésia da Rocha da Fajã, a norte da Fajã Grande e a Cuada, um povoado sito num planalto a sueste, no limite com a freguesia da Fajãzinha, atualmente já sem população residente.
A Fajã Grande confronta com as freguesias de Ponta Delgada das Flores e Fajãzinha e é formada por terrenos detrítico, provenientes da falésia da Rocha da Fajã, produzindo um rico solo, embora pedregoso, o que se alia à abundância de água para fazer dos terrenos da freguesia férteis campos. O abrigo fornecido pela falésia e pela irregularidade do terreno permitiu também a instalação de pomares e de hortas, destacando-se a produção de inhames nos terrenos inundados, considerados os melhores dos Açores. Hoje a maior parte dos terrenos encontra-se abandonada, dada a recessão demográfica que a freguesia sofreu.
O porto da Fajã Grande, outrora uma das principais portas de entrada na ilha, encontra-se hoje reduzido a uma zona balnear, sendo apenas ocasionalmente utilizado pelas embarcações locais. Toda a zona que o rodeia, e a enorme rolo que se estende do Ilhéu do Constantino ao Ilhéu do Cão, são hoje uma das mais apreciadas estâncias de lazer da ilha, atraindo banhistas de toda a ilha – uma espécie de Algarve da ilha das Flores. A grande qualidade ambiental e paisagística do local, pese embora algumas casas construídas recentemente que destoam, dão à freguesia um grande potencial como destino turístico.
A freguesia alberga também alguns do melhores trilhos pedestres dos Açores, com destaque para aqueles que a ligam a Ponta Delgada das Flores.
NB – Alguns dados foram retirados da Net.
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AS DEZ VERDADES
Conta-se que antigamente havia um rapaz que era pastor. Havia também um homem muito rico que tinha um grande rebanho de ovelhas. Levou-as para o Mato, para as bandas da Burrinha e da Água Branca e contratou o rapaz para ir tomar conta delas. Como as ovelhas eram muitas e a distância do povoado grande, as ovelhas não podiam ir e vir todos os dias de casa para os pastos e destes para casa, pelo que o rapaz tinha que ficar durante o dia e durante a noite nos descampados do Mato. Mas tinha que se alimentar e era o patrão que lhe ir levar comida todos os dias, mas apenas uma vez por dia.
O patrão subia a rocha e deixava a comida numa pequena furna que ali existia. Como haviam combinado, mais ou menos à mesma hora ou um pouco depois, o rapaz vinha buscar a comida mas geralmente não via o patão que, nessa altura, já havia regressado a casa. Pelo contrário, cada vez que o pastor vinha buscar a comida, aparecia-lhe um homem. O homem fazia-se simpático, metia conversa com o rapaz e este repartia com ele a sua comida.
Certo, dia, o patrão que sabia que levava sempre a comida necessária para o rapaz se alimentar suficientemente, subiu a rocha um pouco mais tarde do que o costume e, quando chegou ao cimo, encontrou o rapaz que já ali estava à sua espera. Com grande espanto seu, pois sabia que lhe trazia a comida necessária para ele se alimentar suficiente e não passar fome, reparou que ele estava muito magro. Alguns dias depois voltou a encontra-lo e reparou que o rapaz estava ainda muito mais magro, parecia que definhava. Muito admirado o patrão preguntou-lhe:
- Trago-te tanta comida e tu estás cada vez mais magro? O que se passa contigo?
O pastor disse que todos os dias quando vinha buscar a comida que o patrão lhe levava, aparecia-lhe lá um homem que lhe pedia que repartisse a sua comida com ele. O patrão perguntou ao pastor:
- Tu não sabes rezar?
- Não, nunca aprendi.
- Então, olha quando fores comer, antes, faz uma cruz por cima da comida dizendo:- “Tão longe é daqui ali, como dali aqui”.
De seguida ensinou-lhe dez verdades, as quais ele nunca devia esquecer…
No dia seguinte, chegou a hora de comer e o homem apareceu outra vez. O rapaz que já tinha feito como o patrão lhe aconselhara, disse-lhe:
- Ande, venha comer.
- Se tu quisesses, que eu comesse não tinhas feito o que fizeste. Quem é que te ensinou a fazer isso?
- Foi o meu patrão.
- Então já sei que sabes muito. Mas de certeza que não sabes as dez verdades.
O rapaz enumerou tim-tim por tim-tim as dez verdades que o patrão um dia lhe ensinara:
- Alumia mais o sol que a lua.
- P’ra mãos se fazem as luvas.
- Do pau de pinho se faz o pez.
- Da pele do boi se faz o sapato.
- P’ra cintura se faz o cinto.
- Do bom vinho bebem os Reis.
- Do bom trigo se faz o biscoito.
- Nas relvas pastam as ovelhas.
- Rebenta Diabo, que não sei quem és.
O homem desapareceu e desde esse dia nunca mais procurou o rapaz para lhe pedir comida nem para outra coisa nenhuma.
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CARROS DE BOIS
Os carros de bois ficarão para sempre intimamente ligados à história, à vida e aos costumes da população da mais ocidental freguesia açoriana, uma vez que na primeira metade do século passado eram utilizados, frequentemente, como meio de transporte, sobretudo dos produtos agrícolas e afins. Isto porque, por um lado os animais bovinos foram sempre uma presença constante na vida económica daquela freguesia e, por outro, porque algumas terras ficavam muito distantes de casa e, além disso, por vezes a quantidade dos produtos a transportar era grande, como era o caso do milho, do sargaço, do estrume, dos fetos e até da lenha, por alturas da matança do porco.
Assim o carro de bois que substituiu o velho corsão feito de paus e a arrastar-se pelo chão, foi muito utilizado na Fajã Grande para transportar toda a espécie de carga e por vezes até pessoas, especialmente as que vinham esperar romeiros até à Eira da Cuada ou à Ribeira Grande. As crianças adoravam andar nos carros de bois sobretudo quando estes iam vazios. Estes carros, além disso, também eram muito utilizados para transportar para as Lajes e para os Terreiros a mercadoria que o Carvalho trazia sempre que fazia serviço no Porto da Fajã Grande. E não era pouca!
Mas era sobretudo por alturas de apanha do milho ou de carregamento do sargaço que o carro de bois era mais utilizado. Nestes dias a freguesia amanhecia e quase adormecia ao som agonizante que saía dos queicões de madeira apertados com potentes parafusos de ferro, pois os carros circulavam por ruas e vielas numa azáfama contínua, com as sebes bem acaculadas de maçarocas de milho. Depois paravam em frente às casas dos donos, despejando os carregamentos. No caso do sargaço este era levado do Lago, no Rolo, para os campos, deixando no ar um perfume quente e amarelado. De seguida voltavam às terras ou ao Lago, a encher-se mais uma, duas vezes ou as necessárias para carrear todo o milho ou todo o sargaço. Não era raro ver uma criança escarrapachada bem lá no alto em cima do carro de milho! Assim carregadinho, o carro como que cantava num monótono “nhemnhem” que se misturava com as campainhas das rezes que caminhavam à frente, puxando pacientemente o veículo sob as ordens da aguilhada do dono. Quando a carga era muito pesada, juntava-se uma segunda junto de bois, presa às solas.
Antes do automóvel o carro de bois era o único meio de transporte a circular na freguesia sobre rodas. Havia também. Embora em menor escala, carros de ovelha, os quais eram uma espécie de miniatura dos carros de bois.
Embora chamados carros de bois estes carros eram a maioria das vezes puxados por vacas, geralmente por uma junta de rezes, embora houvesse alguns carros de canguinha atrelado apenas a um animal. Num caso e noutro eram atracados às cangas de madeira e estas enfiadas no pescoço de cada rês por dois canzis também de madeira e presos um ao outro pela brocha de couro. O tamoeiro, com a ajuda duma chavelha, prendia o cabeçalho do carro à canga. Para tanger e conduzir os animais era usada uma aguilhada, ou seja uma vara comprida, tendo na ponta um aguilhão. Nas juntas, os bois ou as vacas ainda eram presos pelos chifres com uma ataca, também ela de couro que prendia nas ponteiras.
O carro de bois era composto por três peças principais: rodas, eixo e o tampo. As rodas eram formadas por um meião e duas meias-lua, abertas de acordo com o veio da madeira. As rodas, ladeadas por um arco de ferro, eram ligadas pelo eixo encaixado em cada uma delas e preso com grampões de ferro. Há no eixo, no local onde se apoiarão o queicão e as chumaceiras, uma pequena escavação para encaixe destes. O tampo era atravessado pelo cabeçalho no extremo do qual se prendiam tábuas que formavam uma espécie de mesa, por vezes até usada para matar e chamuscar o porco. Nos lados, havia buracos simétricos e equidistantes para neles se enfiarem os fueiros que prendiam a ceira ou seguravam a carga quando aquela não era utilizada, dependendo do tipo de carregamento. Na ponta do cabeçalho havia um ou dois buracos para enfiar a chavelha e prendê-lo à canga. A existência de dois buracos no cabeçalho destinava-se a adaptar o carro a rezes maiores ou menores.
Carro de bois, um dos mais primitivos e simples meios de transporte, que ficará para sempre na memória de quantos o utilizaram e, sobretudo, de quantos, em criança, se sentaram, alegremente, em cima dos seus carregamentos e de lá de cima nunca caíram.
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A POÇA DAS CATEQUISTAS
A Retorta era a maior, a mais profunda e a mais retorcida enseada de quantas existiam no baixio da Fajã Grande, desde o Pesqueiro de Terra até ao Canto do Areal. Entrincheirada entre rebordos negros e altíssimos mas sarapintados de algas multicolores, escavada entre o restolho da lava basáltica, desenhada pela natureza e cinzelada pelo marulhar secular das ondas, a Retorta quase se assemelhava a um autêntico fiorde escandinavo embora minúsculo e tingido de negro. Uma pequena maravilha da natureza, muito fértil em peixes, moluscos e cavacos.
Entrando pelo baixio dentro, como se quisesse romper ou perfurar a ilha, de forma arqueada, com curvas e contracurvas, na sua parte final, a Retorta, já no seu termo, formava um ângulo de cento e oitenta graus e voltava o seu curso na direção do mar. Era ali que alargando-se substancialmente formava uma espécie de poça oval, uma autêntica piscina natural. Era essa a chamada Poça da Retorta.
Mas o mais interessante é que em ocasiões de maré seca a poça como que ficava separada do corpo da Retorta e, consequentemente, por isso, se chamava de poça, ou seja, segundo o Dicionário Online de Português uma cova ou cavidade, relativamente rasa, encontrada em qualquer terreno, com água em seu interior. No entanto e pelo contrário, com o subir da maré, a água ia entrando na poça até a encher e a unir, assim a corpo da Retorta como se facto fosse uma parte dela.
É verdade que o seu fundo era bastante irregular, atapetado por alguns pedregulhos ásperos e pontiagudos, muitos deles repletos de ouriços e com moreias e moriões a habitar os seus escombros, mas como ficava bastante escondida e rodeada por altas rochas era o local ideal para uma boa banhoca por parte de quem não se quisesse expor aos olhos dos curiosos e muito menos aos seus comentários.
Essa a razão por que o reverendo pároco da freguesia, numa altura em que muitos direitos ainda eram vedados às mulheres e em que os preconceitos relativamente ao sexo feminino abundavam discriminatoriamente, decidiu senão por decreto, pelo menos por mero conselho espiritual ou mandato casuístico que as meninas e senhoras de bem da freguesia, impedidas de se banharem no Cais ou no Porto Velho, locais habitualmente frequentados por rapazes e homens, fossem tomar banho para aquela Poça, situada paredes meias com a Ponta da Coalheira, o pedacinho de terra mais ocidental da Europa.
E, submissas ao mandato canónico, muitas iam, sobretudo as mais púdicas, mais dóceis e mais obedientes às Leis de Deus ou do Seu digno represente na Terra.
Por essa razão a Poça da Retorta passou a chamar-se a Poça das Catequistas. Não sabiam elas, ou pelo menos se o sabiam, algumas não se incomodavam nada com isso, é que muitos rapazes aproveitavam o despautério do prebendado e, sempre que lhes cheirava a corrupio de mulheres para os lados do Areal, rumavam para a Retorta. Escondidos entre os rochedos escuros e escarpados não perdiam a oportunidade de, na sua qualidade de ávidos e tresloucados mirones, espreitarem uma nesga que fosse da perna de uma ou outra menina que, eventualmente, tivesse a ousadia de substituir o saiote com que as mulheres na altura se banhavam por um fato de banho um pouco mais ousado.
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O ANO
Uma espécie de aravia, sob a forma de adivinha que a criançada cantarolava era a seguinte:
Um pau de doze galhos,
Cada galho tem seu ninho,
Cada ninho tem seu ovo,
Cada ovo um passarinho?
A resposta era o ano que tem doze meses.
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O SONO DO JOÃO
O João dorme... Ó Maria,
Dize aquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...
O João dorme... Que regalo!
Deixai-o dormir!
Calai-vos, águas do moinho!
Ó mar, fala mais baixinho...
E tu, Mãe e tu, Maria,
Pede aquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...
Ó Mãe, canta-lhe a canção,
Os versos do teu irmão:
«Na Vida que a Dor povoa,
Há só uma coisa boa,
Que é dormir, dormir, dormir...
Tudo vai sem se sentir.»
Deixa-o dormir, até ser
Um velhinho... Até morrer!
E tu vê-lo-ás crescendo
A teu lado, estou-o vendo
João! Que rapaz tão lindo!
Mas sempre, sempre dormindo...
Mas para isso, ó Maria!
Dize aquela cotovia
Que fale mais devagar:
Não vá o João, acordar...
(Excertos do poema de António Nobre que líamos no livro da 3ª classe e sabíamos de cor)
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ILHAS FAROÉ
Ontem, durante o jogo que Portugal defrontou contra as Ilhas Faroé em Tosrhavn, na ilha de Streymoy, o jornalista televisivo interrompeu o relato do jogo para dar uma interessante informação: o último crime registado nestas ilhas nos últimos cinco anos foi o roubo de um par de chinelos numa piscina... Fantástico! Durante o mesmo jogo e sobretudo no fim do mesmo também se pode verificar amplamente que mesmo com a sua seleção a perder por seis zero, os adeptos cantavam, dançavam e faziam uma enorme festa como se estivessem a ganhar por igual marca. Recorde-se que estas ilhas, num total de dezoito, têm apenas 48 mil habitantes mas possuem uma autonomia independente da Dinamarca.
Se a isto juntarmos a beleza das paisagens e a singularidade das vilas e cidades, pois não há aldeias e a vila mais pequena rtem apenas dois habitantes, possivelmente seria muito bom viver ali, apesar do clima muito frio e dos aviões terem dificuldade em aterrar quando há muito vento…
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O NAUFRÁGIO DA BARCA BRILLANT
No dia 16 de Fevereiro de 1899, a Baía dos Fanais, na ilha das Flores foi palco de mais um trágico naufrágio. Rezam as crónicas que naquele fatídico dia deu à costa, num lugar conhecido por Quebrada Nova, a oeste da Ilha das Flores, uma embarcação norueguesa, sem leme e sem gurupés. Aparentemente, sem tripulação a bordo, a barca de nome Brillant, pertencia ao porto de Christianpand e transportava madeira de pinho.
Foi a Guarda Fiscal, sediada em Santa Cruz, com melícias nos postos de guarda da Fajã Grande que se dirigiu para o local apesar da falta de caminhos, atravessando ribeiras e gotas, saltando grotões e tapumes. A embarcação, desarvorada e já completamente abandonada, estaria a pouco mais de setecentos metros da costa. No entanto, devido à agitação do mar, não foi possível aos militares saltarem para bordo. Alguns dias depois, porém, foi possível fazê-lo identificando-se assim a embarcação naufragada e ainda retirar dela uma boa parte da carga, incluindo vigas, barrotes e tábuas.
A fim de impedir o roubo quer de parte da carga quer de alguns objetos de bordo que haviam dado à costa, foram colocados na Fajã dos Fanais alguns soldados e um remador da Alfândega da Horta, tendo inclusivamente, sido construídas duas barracas, uma defronte do navio e outra a meio do rolo da Quebrada Nova, a fim de que o pessoal que ali permanecia de plantão, nas suas horas de folga pudesse descansar e durante a noite pudesse dormir, uma vez que para se deslocarem às casas mais próximas, da Ponta, demorariam mais de duas horas a lá chegar.
Retirado do mar, mês e meio mais tarde, a barca Brillant foi entregue pelo Chefe do Posto de Despacho ao vice-cônsul de sua Majestade Britânica, nas Flores, uma vez que este era o representante dos donos e seguradores da mesma. Nunca se soube o destino da tripulação que, muito provavelmente, terá sido recolhida por outras embarcações, uma vez que durante aqueles dias e os seguintes não constam ter dado nenhum cadáver à costa.
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JESUINA GLÓRIA
Rezam as crónicas que Jesuína Glória nasceu no lugar da Caldeira, então pertencente à freguesia das Lajes, corria o ano da graça de 1807. Órfã de pai e mãe foi criada por sua tia Gervásia que, para além de a obrigar a todo o tipo de trabalhos, a espancava e humilhava em demasia. Pior do que isso, ainda criança foi vítima de assédio sexual permanente, de sevícias e de estupro por parte do marido de Gervásia que via na garota a única forma de satisfazer os desejos lascivos que a mulher lhe obliterava. Aos doze anos Jesuína Glória foi oferecida pela tia a um honrado camponês natural das Fajãs e que se deslocara à Caldeira para comprar um bácoro. O homem de nome Felício, residente no lugar da Fajã Grande, era um honrado cavalheiro, bondoso e amável que havia perdido a filha no naufrágio de um barco que baqueara numa tempestade, lá para as bandas dos Fanais e que via nela a imagem da desafortunada filha. O bondoso e probo Felício criou e educou Jesuína Glória com muito amor e carinho, dando-lhe uma esmerada educação. A sua morte repentina, porém, deixou a pequena, novamente órfã, quando tinha apenas quinze anos.
Foi um biltre e reles vizinho, ao tempo simulado amigo de Felício, que lhe deu guarida, voltando Jesuína Glória a ser maltratada e violentada. Mas Jesuína traumatizada pelos horrores que sofrera na infância e da forma como fora violada e perdera sua virgindade, tentou resistir ao assédio do facínora, não cedendo às vontades lascivas do malfeitor.
Porém Jesuína da Glória conhece Jeremias, um jovem pescador e passa a amá-lo de verdade, apaixonando-se, loucamente, por ele. Mas Jeremias era casado, o que tornava impossível o amor entre ambos. Jesuína sofre duplamente. Por um lado o estupro de que era vítima por parte do seu famigerado paraninfo e, por outro, porque o seu amor por Jeremias é impossível. Mas algum tempo depois a esposa de Jeremias adoece gravemente e morre. Jesuína Glória sente, cada vez mais amor por Jeremias, um amor puro e sincero que sabe ser correspondido. Mas eles ainda não tem coragem de se declararem um ao outro, por timidez, por medo de que o povo murmure. Mas o sentimento de respeito mútuo que os une é imenso.
Jesuína Glória continua a sofrer o assédio e estupro do vizinho que, falsamente, a parece proteger. Tenta libertar-se da malvadez do biltre, mas não consegue. Jeremias sabe e desesperado, querendo defender a amada, mata o maldito com uma facada nas costas, ao surpreende-lo em mais uma famigerada violação de Jesuína. Preso e condenado é deportado para a Costa de África, deixando Jesuína numa solidão desesperada e numa amargura terrível.
Após um tempo de muita dor, solidão e sofrimento, sem receber nenhumas notícias de Jeremias, Jesuína Glória, sem no entanto se apaixonar, cede aos amores de Gilberto Leão, um jovem com quem acaba por casar. Desse casamento nasceram três filhos: Luiza, Jeremias e Onofre. Cedo porém, Gilberto se aborrece de Jesuína, por sentir que afinal ela ama outo que, embora distante e em parte incerta, está presente no seu coração em cada hora e em cada momento das suas vidas. Sentindo-se enganado, Gilberto parte para a América na companhia de uma outra mulher que conhecera no Lajedo por ocasião da festa da Senhora dos Milagres. Jesuína Glória fica de novo sozinha, com uma enorme saudade dos filhos que lhe foram tão cruelmente retirados, passando a viver totalmente na miséria mas sonhando sempre com o regresso de Jeremias, o homem da sua vida, que sempre amou perdidamente e em quem sempre confiou. Na verdade continuava a sentir um enorme amor por ele que nunca esqueceu em nenhum momento de sua vida.
E o dia desejado chegou. Bateram-lhe à porta. Jesuína não acreditava no que via. Ficou radiante de felicidade, assim como Jeremias, que lhe confessou o seu grande amor. Sempre foi apaixonado por ela e nunca a esqueceu. Assim essa surpresa do destino acabou fazendo com que a corajosa Jesuína Glória conquistasse o seu grande amor, concretizando o mais belo sonho, o sonho de ter um marido que a amava verdadeiramente e o sonho de ter um lar e de viver para sempre ao lado do seu grande e verdadeiro amor.
Tempos depois, Jeremias e Jesuína Glória abandonaram a ilha e fogem para o Faial, onde se casaram, construíram família e passaram a viver uma linda história de amor, em que os dois superaram todos os obstáculos da vida, tornando-se extremamente felizes e realizados.
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DO PAVILHÃO DE PENAFIEL À ONU
Era ano de Eleições Legislativas e estávamos em plena campanha eleitoral. O Engenheiro António Guterres era, incondicionalmente, o principal candidato Primeiro-Ministro de Portugal.
Nesse ano a Federação Portuguesa de Ténis de Mesa, numa decisão inédita, havia atribuído a organização dos Campeonatos Nacionais de Jovens à Associação Recreativa Novelense, com a colaboração da Câmara Municipal de Penafiel. Toda a organização e direção da prova eram única e exclusivamente da minha responsabilidade.
A prova realizava-se no Pavilhão Municipal de Penafiel. Mas o elevado número de atletas participantes – cerca de 450 jovens – obrigou à colocação de algumas mesas de jogo no pavilhão desportivo daa Escola Preparatória de Penafiel, situada a uns bons metros do pavilhão, o que implicava, da minha parte, frequentes deslocações a um e outro dos pavilhões.
Na véspera da prova, o Engenheiro Agostinho Gonçalves, na altura Presidente da Câmara de Penafiel, telefonou-me, dizendo-me que no dia seguinte o Engenheiro António Guterres vinha a Penafiel, em campanha eleitoral e que gostaria de o levar ao pavilhão. Anuí e regozijei-me até porque sabia que era a única forma da televisão dar algumas imagens da prova.
Assim aconteceu. Porém na altura em que o Engenheiro António Guterres acompanhado da sua comitiva chegou ao pavilhão eu havia-me ausentado para o outro local onde decorria a prova. O Pavilhão Municipal, no entanto, estava repleto de atletas e público, numa excelente e dinâmica organização o que causou alguma admiração por parte do futuro Primeiro-Ministro, que mostrou interesse em cumprimentar o responsável pela organização da prova.
Disseram-lhe que eu não estava, que me deslocara a outro local onde parte da prova decorria mas que decerto não me demoraria. Num gesto de grande humildade e respeito pelo trabalho dos outros, o Engenheiro António Guterres fez questão de esperar por mim. Na verdade e, para espanto meu, quando cheguei ao pavilhão deparei-me com o Engenheiro António Guterres à minha espera. Abraçou-me e felicitou-me por aquela excelente organização e sobretudo por ser uma competição desportiva que envolvia e movimentava dezenas e dezenas de jovens de todo o país.
Senti-me lisonjeado, agradeci-lhe e, conduzindo-o ao gabinete que me fora disponibilizado durante a prova, ofereci-lhe um símbolo do campeonato – uma miniatura em estanho do Sameiro de Penafiel, com dados referentes àqueles campeonatos.
A Associação Recreativa Novelense sagrou-se Campeão Nacional de Ténis de Mesa e, alguns dias depois, o Engenheiro António Guterres foi nomeado Primeiro- Ministro de Portugal. Hoje foi eleito Secretário-Geral das Nações Unidas.
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EU E OS OUTROS
"Não direi mal de ninguém, mas só o que souber de bom acerca de cada pessoa."
(Benjamin Franklin)
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O CASCÃO DAS PAPAS
Na Fajã Grande, até às décadas de cinquenta e sessenta, casa pobre que se prezasse não havia de comer pão bolorento. Por isso às quintas-feiras, véspera da nova fornada, geralmente, era dia de papas. O pão de milho que, juntamente com o leite era a base da alimentação à altura, era cozido à sexta, no meio de grande alvoroço e enorme azáfama. A maior parte das vezes, porém, sobretudo no verão, na quarta-feira seguinte já estava rijo que nem um corno e na quinta sabia a bolor que tresandava e já não se podia comer. A ceia, nesse dia, era constituída por leite e papas de milho.
As papas eram cozidas com água e farinha, a que se misturavam umas pedrinhas de sal, em vetustos e tisnados caldeirões de ferro, postos em cima de uma grelha, debaixo do qual ardia um lume feito de garranchos de incenso e achas de faia. Logo que a água iniciava a fervura, o que demorava o seu tempo dada a dificuldade em fazer pegar o lume, era certo e sabido: uma mão na colher de pau, outra com punhados de farinha de milho que, lentamente, se iam deixando cair sobre a água em ebulição, logo mexida com a colher, não fosse criar “grumos” ou pegar-se ao fundo. Depois de baldeada toda a farinha, que antes havia sido muito bem peneirada, iniciava-se uma cozedura, lenta mas, por vezes açulada, por algumas irrefreáveis labaredas de lume, provocando incontroláveis oscilações térmicas, que faziam com que as papas se apegassem ao fundo do caldeirão, onde se ia formando, lenta e demoradamente, um enorme e parcialmente queimado cascão. Retiradas depois de prontas, as papas eram colocadas em pratos à espera de arrefecerem (elas eram boas frias e regadas com o leite a ferver), mas ficava ali, no fundo do caldeirão vazio, um enorme cascão resultante do apegar-se contínuo e permanente da farinha ao longo de todo aquele lento e demorado processo de cozedura. Retirado com cuidado, com uma colher de pau, de forma a sair inteirinho, o cascão parecia uma enorme bolacha, excepto em doçura, constituindo o aperitivo preferido dos fedelhos da casa, que lutavam por um nica dele como se bolo doce se tratasse. E não é que os adultos, se pudessem ou apanhassem uma vaga, também se atiravam desalmadamente ao cascão das papas!
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A PRIMEIRA CASA DO CIMO DA ASSOMASA, DO LADO DO OUTEIRO
Na década de cinquenta, na Fajã Grande, a primeira casa da Rua da Assomada, do braço esquerdo do ípsilon que, lá bem no cimo, junto ao Vale da Vaca, a rua formava, ramificando-se em duas vielas, no caminho que dava para as terras de cultivo, de mato, para as relvas, para o Covão e Outeiro Grande, para a Quada, para os Lavadouros e terminava no Curralinho, já muito próxima da Ladeira do Covão e como que abrigada pela encosta da Pedra d’Água pertencia à família do Senhor João Fagundes.
O senhor João Fagundes era um homem já de provecta idade, com o nome rigorosamente igual ao de meu progenitor, razão pela qual meu pai assinava o seu nome sempre seguido de Júnior. Assim não havia confusão, não tanto pelas cartas que estas traziam remetente, mas sobretudo pelos avisos amarelos, anunciadores das encomendas da América ou daqueles que eram para pagar dízimas e impostos e que não continham remetente. O senhor João Fagundes era um homem muito respeitado na freguesia, tendo exercido alguns cargos de responsabilidade e era irmão da mãe do José Nascimento e primo daminha tia Adelina das Courelas. Vivia com a esposa e os dois filhos mais novos, dado que os dois mais velhos já haviam casado. Dos mais novos, o João ingressou na Guarda-Fiscal, deslocando-se, mais tarde, para Santa Cruz, juntamente com a mulher, enquanto a filha casou e partiu para o Canadá.
Como já era de avançada idade, o senhor João Fagundes já era avô de três netos, ou seja dos filhos da sua filha e do seu filho mais velho e que já haviam casado. Como era velho já tinha poucos dentes, daí o aspeto do seu rosto chupado, mas trabalhava como se fosse novo e pouco era visto pela Praça a roçar o sim-senhor na bancada da empena da Loja do Senhor Roberto, quando o vento soprava de sul, ou nas soleiras da casa velha do Laureano Cardoso, nas tardes solarengas de verão. Era um homem de sua vida, pouco metido na dos outros. Tinha barba rija e cabelos brancos sem saber porquê. Talvez porque cuidasse apenas que já era velho. Geralmente ao caminhar apoiava-se a um bordão e vestia, habitualmente, froca de angrim. Por que era tão triste o seu rosto, tão pesado o seu olhar, tão ausente o seu sorriso, tão trêmula a sua voz? Talvez porque o trabalho fosse muito, as canseiras enormes e as preocupações demasiadas
Considerava os netos o seu encanto. Sabia que os anos corriam velozes e adorava o sorriso de todas as crianças. Quando lhe iam a casa levar a carne por altura do Senhor Espírito Santo, ou quando lhe iam cantar os Anos Bons e os Reis dava sempre uma moeda. A esposa, já doente e idosa, pouco saía de casa. Todo o seu tempo era para governar a sua casa, lavar roupa, cozinhar, tratar de galinhas e porcos.
Embora não sendo rico a sua casa era farta. Cozinha ampla, grande e clara, sala limpa e arrumada e alguns quartos de dormir. Embora encafuada lá nos andurruais do Outeiro, no enfiamento da Canada que dava para a Pedra de Água, esta primeira casa da Assomada era uma das mais inebriantes e bonitas de quantas existiam naquela rua. Isto no que às casas térreas diz respeito.
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A VACA PROMETIDA (DIÁRIO DE TI ANTONHO)
Contava-me meu avô que antigamente, parece-me que na Ponta Ruiva havia uma pobre mulher que estava à espera de ter uma criança. Quando se aproximou o tempo de parir a mulher ficou muito doente. Naqueles tempos não havia doutores nesta ilha e então, a mulher, na sua aflição valeu-se da devoção que tinha ao Senhor Espírito Santo. Apesar de o marido só ter uma vaca, ela fez a promessa de que a havia de matar e dar de esmola em louvor do Senhor Espírito Santo. A mulher ficou boa e a criança nasceu saudável e robusta. Mas ela tinha prometido a vaquinha ao Senhor Espirito Santo, sem dizer ao marido. Ele ao saber, já depois do filho nascer, ficou furioso e não deixou matar a vaca pois ela era a única forma que ele tinha de sustentar a família.
Certo dia, o homem levou a vaca para lavrar um campo a fim de semear milho. Ele queria que a vaca andasse e puxasse o arado, mas a vaca ficou parada. Ele bem a picava e lhe batia com a aguilhada mas a vaca nada, nem se mexia. Furioso o homem foi ao carro, tirou um fueiro e voltando à terra começou a bater na vaca com tanta fúria que a pobre quase morreu. Ouvindo os gritos dele a mulher foi a correr com a criança para o lugar onde ele esava. Quando chegaram junto dele, a cara da criança começou a ficar toda riscada, com verdugos semelhantes aos que haviam ficado marcados no corpo da vaca depois do homem lhe bater com o fueiro. Perante a aflição da mulher o homem parou e, no dia seguinte, matou o animal e ofereceu a carne aos pobres em louvor do Senhor Espírito Santo, conforme a mulher tinha prometido. No dia seguinte os verdugos desapareceram da cara da criança e, ao dirigir-se ao palheiro onde guardava a sua vaca, para arrumar o arado, viu lá, no lugar onde costumava esta a vaca, uma bela gueixa que, meses depois deu uma bela cria.
Não sei se esta história era verdadeira ou não. Mas meu avô dizia que sim e que com o Senhor Espírito Santo não se brinca, pois Ele é vingativo. Quem faz promessas ao Senhor espírito Santo tem que as cumprir.
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FICARAM SÓ TRÊS
Era uma vez
Um gato maltês
Tocava piano
Falava francês
Saltou-te às barbas
Não sei que te fez
A dona da casa
Chamava-se Inês
O número da porta era o 33!
Queres que te conte outra vez?
Era uma vez
Uma galinha perdês
E um galo francês
Eram dois
Ficaram só três…
Queres que te conte outra vez?
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FISGAS DE ERMELO
A Cascata das Fisgas de Ermelo é uma queda de água ou cascata localizada junto à União de Freguesias de Ermelo e Pardelhas, concelho de Mondim de Basto, distrito de Vila Real, em Portugal.
Esta cascata é uma das maiores quedas de água do país e uma das maiores da Europa fora da Escandinávia e dos Alpes, não se precipitando num único salto vertical: fá-lo em vários saltos, ao atravessar progressivamente uma grande barreira de quartzitos, num profundo socalco. As suas águas separam as zonas graníticas das zonas xistosas das terras envolventes.
O desnível desta cascata, apresenta cerca de 200 metros de extensão cavados pelas águas calmas, mas perseverantes do rio Olo que nasce no Parque Natural do Alvão.
Antes do início das quedas de água existe, a montante, um grupo de lagoas de águas cristalinas muitos usadas nas épocas de veraneio, como excelente e muito procurada praia fluvial.
O acesso à Cascata de Fisgas do Ermelo pode ser feito pelas estradas florestais que ligam Lamas de Olo à localidade de Ermelo ou a partir de Mondim de Basto e Vila Real através da estrada EN304 junto à aldeia de Ermelo e à ponte sobre o rio Olo. As Fisgas de Ermelo constituem, inequivocamente, o local mais emblemático de quantos existem na área protegida Parque Natural do Alvão. Trata-se de uma das maiores quedas de água da Europa, com um desnível de cerca de 400 metros, assentes em rochas quartzíticas com aproximadamente quinhentos milhões de anos. Foi a fracturação, resultante da junção das placas de antigos continentes, destas rochas duras que permitiu que o Rio Olo nelas se tenha “enfisgado”, dando origem ao nome popular pelo qual é conhecida a mais bela cascata do território continental português.
É um local que possui um elevado valor científico, didático e patrimonial, tendo associada uma notável vocação turística, na vertente Turismo de Natureza. A presença de marcas fósseis nestas rochas, deixadas por organismos marinhos já extintos, podem também ser vistas como uma espécie de “ilustração” de tempos distantes, em que a vida só existia no mar, por contraponto à biodiversidade excecional conhecida atualmente nesta área protegida.
A beleza singular e selvagem das Fisgas de Ermelo atrai dezenas de milhares de visitantes todos os anos, que daqui saem com todos os sentidos despertos e com o desejo e a promessa de voltarem muitas outras vezes. Dispersos nas encostas ainda se podem observar inúmeras cabras e carneiros selvagens. Integrado na mesma área existe o trilho das Fisgas, com a designação de PR3 – Fisgas de Ermelo. O seu percurso permite conhecer um pouco da bonita Serra do Alvão e, consequentemente, uma das suas paisagens emblemáticas, as Quedas de Água de Fisgas de Ermelo. A aldeia de Ermelo, onde tem início o trek, é facilmente acessível a partir da vila de Mondim de Basto. O Trilho das Fisgas de Ermelo é uma autêntica descoberta da alma do Alvão. O trilho atravessa uma série de paisagens verdadeiramente surpreendentes que permitem mais uma vez confirmar aquilo que nós há muito desconfiávamos: Portugal é mesmo um dos países mais bonitos do mundo.
NB – Dados retirados da Internet