PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A BUGRA
Há muitos anos chegou à Fajã Grande uma mulher estranha que não se sabia muito bem de onde vinha, nem muito menos qual a sua origem. Talvez tivesse sido abandonado por algum navio de piratas num qualquer recanto da ilha. No entanto, pelos traços fisionómicos, pela maneira de falar e pela forma como se vestia, cuidava-se que seria de origem indiana. Chamava-se Jurema mas todos a conheciam pela indiana e não era cristã, pois nunca participava nas cerimónias religiosas nem sequer entrava na igreja.
Certo dia o Chico de João Dias aproximou-se do padre vigário, que paroquiava a freguesia havia um bom rol de anos, insurgindo-se contra o cristianismo, alegando que não havia direito que assim como existe um Deus do sexo masculino também não existisse uma deusa fêmea o que afinal não era novidade neste mundo, pois era sabido as deusas eram aceites por muitas outra religiões, cujos fiéis acreditavam na existência de entidades celestiais do sexo feminino-:
- No mínimo, o cristianismo devia pelo menos acreditar existem anjos e anjas. – concluía o Chico
O reverendo exasperou e exaltou-se e como sabia que o Chico andava sempre a meter conversa e feito de amores com a indiana retorquiu:
- Foi ela, a bugra que te meteu isso na cabeça, não foi?
- Foi sim senhor, mas ela não se chama Bugra. O seu nome é Jurema…
O reverendo virou-lhe as costas resmungando: “Pedaço de asno e grande paspalho. Para além de tolo és ignorante!... E concluiu: - Nem sequer sabe que bugra significa herética.”