PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
UM TESTEMUNHO
Com a devida vénia reproduzo aqui, parcialmente, trechos de um testemunho do Senhor António Silva, publicado em livro e na Net, de como na primeira metade do século XX se vivia o Natal em São Caetano do Pico.
Aproximava-se o Natal. Vinham aí as novenas, não se podia faltar. Além da componente religiosa, serviam não só de pretexto para os rapazes e, sobretudo para as raparigas e as mulheres saírem de casa à noite, o que não era autorizado naquela época, mas também para encontrar os amigos e, no caso dos rapazes, para ver as raparigas.
Cerca de três semanas antes do Natal, as pessoas, em quase todas as casas, punham o trigo em pequenos pratinhos com água, para abrolhar e estar crescido e bem verdinho para ornamentar os altarinhos do Menino Jesus e os presépios. A Senhora Beliza Nunes, era quem fazia o altarinho mais bonito e mais concorrido da freguesia. Parece-me estar a ver e ouvir a minha avó, normalmente a orientadora do terço e outras pessoas daquele tempo, que recordo com muita saudade.
Também haviam os chamados ranchos do Natal, compostos pelos melhores instrumentistas de cordas. A guitarra, normalmente bem tocada pelo Manuel Correia da Silva, o bandolim, pelo Deodato Marques, o violino, pelo António da Vigia, o violão pelo Prudêncio, a viola, o ferrinho e as melhores vozes dos jovens e adultos que cantavam os mais lindos versos alusivos à quadra Natalícia. Nestes ranchos, haviam normalmente duas pessoas que cantavam à frente os versos, e um grande coro que cantava atrás, uns e outros a duas vozes. Era hábito, os donos da casa brindarem os intervenientes no rancho quando acabavam de cantar, com aguardente, angélica, anis ou traçado, normalmente bebidas caseiras, que quase todos tinham, acompanhadas por uns figos passados e ou umas bolachinhas. Atrás destes ranchinhos, juntavam-se muitas pessoas, nomeadamente os mais novos, para os ir ouvindo cantar pelas casas que normalmente os recebiam e onde se juntavam também muitas pessoas durante o serão. Era também hábito, as pessoas visitarem os presépios e os altarinhos na quadra do Natal, para ver qual era o mais bonito. Quando o rancho era considerado mesmo bom, visitava também as freguesias vizinhas.
No dia de Natal, à tarde, havia a procissão do Menino Jesus, com as crianças levando as suas ofertas. Um levava um galo, outro uma galinha, outro uma dúzia de ovos, uma perna de massa sovada, uma cesta de laranjas, uns biscoitos, uma garrafa de aguardente, um garrafão de vinho, um cesto de asa de batatas, etc. etc.
Recolhia a procissão e principiava o arraial, com música de filarmónica, enquanto se procediam às arrematações das ofertas. Os mais afoitos lá iam picando e cobrindo o último lanço. Era uma forma de ajudar a receita da igreja e sempre se levava qualquer coisa para casa. Afinal, eram dias de festa. Alguns aproveitavam também a oportunidade para exibir as suas posses.
Na semana seguinte, era o Fim do Ano. Ano Novo e novamente os seus “ranchinhos”, agora com novos versos desejando um Feliz Ano Novo. Contavam-se os dias com esperança e alegria.
Normalmente, para as coisas da igreja, não faltava tempo. Minha mãe, tinha sempre tudo controlado, para que, ninguém – muito especialmente ela – faltasse a novenas ou qualquer devoção que houvesse na igreja da freguesia.
BOAS FESTAS