PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
EM MEMÓRIA DOS PASTORES DE SÃO CAETANO
Em São Caetano do Pico, nas décadas de sessenta e setenta do século passado, ainda eram muitos os lavradores da freguesia que tinham vacas leiteiras no mato, pelo que diariamente eram obrigados a subir uma boa parte da encosta sul da Montanha, a fim de chegar às relvas, muitas delas bastante distantes do povoado, procedendo assim à ordenha das vacas leiteiras. Isto obrigava os chamados Pastores a levantarem-se noite escura, subir a oblíqua encosta por caminhos e atalhos íngremes e sinuosos, proceder à ordenha, procurar uma ou outra rês desaparecida e regressar ao povoado, carregando pesadas latas de leite, chegando aos lares quase à hora do meio-dia. Este reboliço diário tinha um peso tão grande na vida quotidiana da população que era hábito haver aos domingos à tarde uma misa designada por a missa dos pastores, uma vez que estes deslocando-se ao mato todos os dias estavam impedidos de participar na eucaristia dominical, celebrada durante a manhã.
Muitos destes homens, devido às descomunais distâncias a que as vacas se encontravam, precisavam sair de casa por volta das duas horas e meia três da manhã, para percorrer oito a dez quilómetros para cada lado, por veredas e atalhos com muito mau piso, saltando portais com as pesadas canecas de madeira de cedro atrás das costas penduradas numa foice, onde se cruzava o bordão, que assim fazia uma espécie de alavanca tornando a carga menos pesada. Todos os pastores vendiam o leite e por isso, necessitavam de chegar muito cedo às vacas, caso contrário seria difícil ordenhá-las a tempo de chegar com o leite ao povoado. Além disso muitos deles diziam que se a ordenha se realizasse alto dia, as moscas eram tantas, que as vacas quase não parava com os pés e com o rabo, tentando sacudi-las, muitas vezes virando a caneca e por conseguinte derramando o precioso líquido.
Alguns na subida, em tempos de seca carregavam as canecas cheias de água, outros molhos de milho basto ou de espigas. Muitos seguiam em sozinhos ou em pequenos grupos, esperando uns pelos outros nas Fontes, onde se abasteciam de água e faziam um cigarro, picando o tabaco com a navalha e enrolando-o numa casca de milho. Por tudo isso a subida à ordenha era também um momento de convívio e alegria. Consta que em tempos idos alguns até tocavam um búzio, todos os dias, manhã cedo, quando chegavam junto das vacas e também depois da ordenha, anunciando aos outros que a tarefa estava terminada e que iniciariam o regresso a casa. Consta também que os sons desses búzios eram de tal maneira acutilantes, apesar da muita distância, ouviam-se em toda a freguesia, sabendo assim os familiares do pastor que ele estava a regressar a casa. Em dias de nevoeiro estes búzios também deveriam ser de grande utilidade.
Apesar de cansados, muitos destes homens, antes de retomarem os seus trabalhos agrícolas diários, ainda davam uma volta pela adega ou por um botequim que havia no Porto.