PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O CICLO DO MILHO IV
Depois de sachados, corridos e desbastados os milheirais cresciam de dia para dia. As suas folhas muito verdinhas e esticadas entrelaçavam-se umas nas outras e balouçavam como ondas ao sabor das brisas matinais e os caules amarelos, canelados e esguios, tornavam-se altíssimos, enfeitando-se lá no alto com umas flores estranhas que cobriam os campos como se fossem dezenas, centenas de mantos esbranquiçados e fofos como que a cobrir uma boa parte da freguesia. Pouco depois eram as maçarocas a despontarem nos milheiros, pequeninas e sorridentes, com as suas barbichas douradas e a crescerem de dia para dia acariciadas com o Sol do Outono.
Quando as folhas e o caule começavam a alourar e com as maçarocas já durinhas, (resistentes à unha) era altura de quebrar as espigas. Esta operação também não era fácil e requeria arte, técnica e sabedoria. Primeiro porque tinha que ser feita na altura adequada e quando já não prejudicasse o crescer da maçaroca e consequentemente dos grãos. Em segundo lugar, porque a espiga ou pendão devia ser quebrada no nó certo e adequado, ou seja, pelo primeiro nó logo acima da maçaroca, devendo para tal obedecer a um toque ou movimento afoito, destemido e certeiro da mão de quem o fazia, toque que nem todos sabiam dar. Dobrado o milheiro noutro sítio não mais se quebraria à mão. Era necessário, nesse caso, recorrer à navalha ou outro objecto cortante, o que demorava bastante tempo. Acrescente-se que muitos agricultores, sobretudo os mais jovens, recorriam sempre ao corte da espiga com uma navalha ou com uma foice porque não sabiam cortá-la à mão, o que, segundo a opinião dos mais velhos era mais prejudicial para o milho.
A espiga geralmente não era quebrada toda no mesmo dia, mas em dias sucessivos para que assim permanecesse mais verde e fresquinha para alimentar os animais. Alguns agricultores, no entanto, preferiam, depois de quebrá-la ou cortá-la, deixá-la a secar em cima dos marouços ou contra as paredes e depois de seca guardá-la nos palheiros para alimento dos bovinos, no Inverno.
Algum tempo depois era a altura de desfolhar o milho. Dias antes apanhavam-se folhas e folhas de espadana que se cortavam em pedacinhos, os quais, por sua vez, se desfiavam em tiras fininhas com as quais se faziam pequenos molhos. Estes eram presos numa alheta das calças e com eles se iam amarando as folhas do milho à medida que se iam arrancando dos milheiros, formando “pavias” ou “mãos-cheias” que eram penduradas num ou noutro dos milheiros, junto à maçaroca, para que, secassem melhor e, alguns dias depois, na altura da recolha, fosse mais fácil encontrá-las e recolhê-las. O desfolhar, no entanto, não era tarefa fácil pois exigia-se que a folha fosse arrancada do milheiro com a bainha, o que, sobretudo para os menos experientes, revelava-se um pouco difícil e demorava muito mais tempo. Alguns “desfolhadores” mais expeditos faziam-no com muita arte e perfeição e até conseguiam amarrar a pavias de folhas com uma outra folha. Outros para extrair a folha com a bainha faziam-no muito lentamente dado que a despegavam do milheiro uma por uma e com as próprias unhas. Nesse caso a desfolha ficava perfeita e as “pavias” para além de mais rentáveis também ficavam mais bonitas. Curiosamente esta era uma das tarefas em que os agricultores mais se ajudavam uns aos outros, fazendo-o, por vezes, até de noite, aproveitando a Lua-cheia ou recorrendo às Petromax que alguém ia segurando sobre a cabeça por entre os milheirais.
A rama depois de seca e enxuta era acarretada para junto de casa em carros de bois ou aos ombros e guardada nas casas velhas ou de arrumos, destinando-se a alimentar o gado nos rigorosos dias de Inverno, durante os quais era impossível ir aos campos buscar comida verde e fresca.
O dia de “apanhar o milho” era um dia de muito trabalho. Mas como geralmente aos trabalhos duros e pesados era dado um certo sentido de alegria, este dia também era, em certo sentido, um dia de festa.
Na véspera era preciso preparar tudo: consertar o estaleiro se necessário, untar os cocões e montar a sebe no carro de bois, arranjar os cestos necessários, cortar e desfiar as espadanas e cozinhar a comida necessária de acordo com as pessoas de fora que eventualmente viessem ajudar.