PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
O CICLO DO MILHO V
Finalmente o dia da apanha. As pessoas destinadas aquela tarefa dirigiam-se para o campo seleccionado bastante cedo, umas vezes ainda alta madrugada outras noite escura, sendo que por vezes ao nascer do Sol o milho já estava quase todo apanhado. Os cestos eram colocados estrategicamente em pontos diversos ao longo do terreno enquanto se iam arrancando as maçarocas dos milheiros com perícia e destreza, atirando-as, de seguida, para dentro dos cestos, até os encher bem “acaculados”. Muitas terras ficavam longe do caminho e a elas se tinha acesso apenas por canadas muito estreitas onde os carros de bois não cabiam. Era aos mais jovens, mais robustos e mais fortes que competia a tarefa de acarretar os enormes cestos cheios a abarrotar de maçarocas, às costas, até ao carro de bois, dentro do qual o milho ia sendo muito bem empilhado e arrumado. Quando a sebe estava rasa fazia-se à sua volta uma borda com as maçarocas mais gradas, criando assim um novo espaço que se ia enchendo e depois uma outra borda e várias outras até a sebe ficar a abarrotar. Uma vez cheio, um ou mais homens, tangendo os bois, conduziam o carro até a casa despejando literalmente o milho na cozinha, caso o proprietário não tivesse uma casa de arrumos adequada.
Ao meio do dia geralmente terminava a apanha e a recolha do milho. A cozinha enchia-se, então, de maçarocas do chão até ao tecto. Enquanto não começava a tarefa de encambulhar as crianças aproveitavam para brincar ao escorrega, já que os não havia noutro sítio. Assim entretinham-se vezes sem conta a subir o monte das maçarocas para depois deslizar por ele abaixo simulando e profetizando os modernos escorregas dos parques infantis.
De tarde iniciava-se o encambulhar. Sentados em banquinhos ou se os não havia em cestos com o fundo voltado para cima, à volta do monte do milho, homens mulheres e jovens pegavam nas maçarocas uma a uma e procediam a uma avaliação rigorosa da mesma. Se era raquítica, debilitada, atrofiada ou se a casca não cobria bem os grãos era separada das restantes. Caso contrário, isto é se a maçaroca aparentava boa qualidade era lhe puxada uma folha da sua própria casca, o mesmo se fazendo com mais algumas, juntando-se todas numa espécie de molho. Depois retorcia-se a parte das pontas formando uma espécie de trança, dobrava-se e amarravam-se todas muito bem amarradas com um fio de espadana. Eram os cambulhões que se iam separando do resto do milho, competindo às crianças acarretá-los aos ombros ou nas mãos para junto do estaleiro onde seriam devidamente pendurados e guardados.
As restantes maçarocas ou seja aquelas que não tinham as qualidades necessárias para serem encambulhadas com a casca separavam-se e, no final, eram descascadas mas não na totalidade. Deixava-se em cada uma delas, uma folha mais resistente o mesmo se fazendo com mais algumas, juntando-as todas também num molho e formando cambulhões de forma muito semelhante aos das que tinham casca, embora, regra geral, estes cambulhões tivessem menor número de maçarocas.
Finalmente havia algumas maçarocas às quais era impossível deixar qualquer casca. Estas eram guardadas no balaio, uma espécie de cesto muito grande em forma de alguidar, e, depois de postas a secar ao Sol dias e dias, seriam debulhadas e o seu milho seria o primeiro a ser utilizado, quer para encher as moendas e levar ao moinho quer para alimento de galinhas, vacas e porcos.