PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
A ANTIGA FESTA DE SANTO AMARO NA FAJÃ GRANDE
Uma das maiores e das mais importantes festas celebradas, antigamente, durante o inverno, na Fajã Grande, era a de Santo Amaro.
Amaro, segundo uns, Mauro ou Amauro, segundo outros, nasceu em Roma em 1512 e foi frade beneditino, tornando-se célebre, sobretudo, pelo seu poder taumaturgo. Já em vida, ao ser enviado por São Bento de Roma para a Gália (hoje França), a fim de, a pedido do Bispo de Le Man, estabelecer a vida monástica beneditina naquela região, foi vítima de grandes e variadas atribulações durante a viagem, mas a todas, no entanto, de acordo com os seus biógrafos e de mistura com algumas lendas, escapou milagrosamente. Mas foi sobretudo, após a sua morte que os milagres operados por Amaro se multiplicaram, pelo que, foi canonizado. Foi então que Santo Amaro se tornou conhecido, celebrado e venerado por toda a Europa Católica, sendo também escolhido para patrono dos aleijados e especialmente invocado para a cura de reumatismo, epilepsia, gota, rouquidão, resfriados e muitas outras doenças e maleitas.
Muito provavelmente por influência dos primeiros colonos e povoadores, nos Açores Santo Amaro também foi sempre alvo de grandes devoções por parte da população de todas as ilhas, sendo até que algumas freguesias o têm como padroeiro e, nalguns casos, o Santo até deu nome à própria localidade. Nas ilhas açorianas, o fiel e pioneiro discípulo do patrono da Europa, também foi sempre invocado para a cura milagrosa de inúmeras maleitas, sendo considerado o patrono dos sapateiros e dos artesãos de cobre.
Na Fajã Grande, Santo Amaro era invocado para cura de tudo o que fosse quebrado, torcido, desmanchado, fora do lugar ou para tudo o que tivesse qualquer tipo de lesão, mazela ou achaque em qualquer parte do corpo humano, desde das pontas dos pés até ao cocaruto da cabeça. Para além disso, o Santo ainda era invocado na cura das doenças das crianças, na eficiência e normalidade dos partos e até nas doenças ou mal olhados dos porcos, das vacas e das galinhas. Por tudo isto se celebrava uma grandiosa festa em sua honra no mês de janeiro. Na igreja paroquial, num dos nichos laterais do altar da Senhora do Rosário havia uma pequenina imagem do Santo, vestido com o seu hábito de monge beneditino, com um báculo na mão e em sua honra fazia-se uma enorme e grandiosa festa no segundo ou terceiro domingo de janeiro, normalmente a seguir ao dia 15 do mesmo mês, agendado no calendário litúrgico como o dia a ele dedicado, por se comemorar a sua morte.
Nos dias anteriores decorria em quase todas as casas uma enorme azáfama. De acordo com as promessas feitas era necessário cozer muita massa sovada, depois de lhe dar a forma dos bonecos que se pretendiam em função das promessas feitas. No domingo, para além de missa votiva, cantada e com sermão, tinha lugar de destaque, após as celebrações litúrgicas, um enorme leilão, onde eram arrematadas inúmeras ofertas feitas em massa sovada com o formato ou feitio da parte do corpo humano, da criança ou do animal que o Santo milagreiro havia curado miraculosamente. Antes da missa o altar enchia-se por completo de promessas, personificadas por pães de massa sovada em forma de cabeça, braços, estômago, pernas, pés, de crianças (umas já crescidas outras acabadas de nascer), de porcos, vacas e até galinhas que ali ficavam durante a missa, finda a qual eram solenemente benzidas e depois arrematadas em leilão, no adro da igreja.
O leilão prolongava-se até ao anoitecer e nesse dia, tal como no dia de Espírito Santo, não havia casa na Fajã que não ceasse umas boas fatias da deliciosa massa sovada, geralmente acompanhada com uma tigela de leite ou café e um pedacinho de queijo.