PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
TERCEIRA E QUARTA CASAS DO CIMO DA ASSOMADA, DO LADO DO OUTEIRO
A terceira casa do Cimo da Rua da Assomada, do lado do Outeiro pertencia ao José Jorge, filho do primeiro casamento de Mestre Jorge, o único sapateiro existente na freguesia, e que para além de fabricar galochas, tamancos e de consertar sapatos e de colar botas de borracha, também fabricava as botas de futebol dos jogadores do Atlético Clube da Fajã Grande. O José Jorge casado com a Maria Cardoso e que tinha duas filhas cedo zarpou para o Canadá com a família, ficando a casa desabitada. Algum tempo depois a mesma foi arrendada por uma família, bastante numerosa, oriunda das Lajes, conhecida pelos “Marcelas” e que se fixou definitivamente na Fajã. O Marcela pai e os filhos mais velhos eram homens do mar, excelentes pescadores tendo-se também dedicado à apanha e secagem de algas, atividade muito intensiva na ilha das Flores na década de cinquenta, altura em que foi construída uma fábrica de Agar-Agar nos Açores, cuja matéria-prima, as algas, passaram a ser compradas a preços muitíssimo altos. Muitos dos habitantes da Fajã Grande e de outras freguesias da ilha abandonaram por completo a agricultura, alguns venderam as próprias terras, dedicando-se totalmente à apanha e recolha das algas, das quais outros se tornam intermediários, arrecadando sofríveis fortunas.
A quarta casa deste braço esquerdo do Y que formava o Cimo da Assomada, antes da abertura da estrada, e junto ao cruzamento assinalado numa das paredes com uma cruz, vivia a Maria da Saúde e a mãe já velhinha, juntamente com um homem de nome Corvelo, originário de Santa Maria e que ali se fixara. Este Corvelo faleceu no terrível acidente do Vale Fundo, durante a abertura da estrada que liga o Porto da Fajã à Ribeira Grande. Para a abrir o traçado projetado era necessário partir muito calhau e rebentar muita pedreira. A estrada, ao contrário dos caminhos antigos que nos seus trajetos procuravam os locais mais fáceis de abrir, era quase retilínea, atravessando terras e cerrados, cortando montes e tapando vales, rompendo por todo e qualquer sítio. Ao serem escavados os montes, no entanto, por vezes, surgiam enormes calhaus ou indomáveis pedreiras que só poderiam ser desfeitas, a fim de desobstruírem o traçado da estrada, depois de partidas em mil pedaços. Os empreiteiros, vindos da Terceira, sabiam-no bem e, por isso, vieram prevenidos e preparados com pólvora, dinamite e os respetivos meios de perfuração de tão inexauríveis rochedos em que a ilha das Flores e, muito especialmente, a zona das fajãs era pródiga.
O processo de remoção de um calhau ou grande pedregulho era moroso, árduo e bastante complicado. Era necessário fazer um furo na respetiva pedra. Para tal eram necessários três homens: um a segurar a cavilha de ferro que muito lentamente ia fazendo um furo no penedo e dois outros homens batiam alternadamente com martelos de ferro na cavilha. De vez em quando tinham que parar para limpar o pó que se acumulava no orifício que iam, lentamente, perfurando. Só depois de pronto era metida uma vela de dinamite no buraco e a ela se ligava um comprido fiusgo. De seguida gritava-se bem alto fooooooooogo para que não apenas os trabalhadores mas também quem por ali passasse ou trabalhasse nos campos circundantes se colocasse em sítios seguros. Só então se acendia lume no fio que ia ardendo lentamente até chegar à vela, provocando uma estrondosa explosão e o consequente rebentamento da pedra, que simultaneamente explodia pelos arredores uma série de lascas cortantes e uma enorme quantidade de pequenos pedregulhos tão mortíferos como balas. Foi numa destas operações, lá para os lados do Vale Fundo, já quase junto à Ribeira do Ferreiro, ao preparar uma pedra com pólvora, esta terá sido atingida inadvertidamente por uma faísca que provocou uma explosão e um rebentamento, o qual apanhou, de surpresa, alguns trabalhadores. Foram atingidos gravemente três homens. Para além do Corvelo, que teve morte imediata, ficaram feridos o Francisco Facha e o Roberto de José Padre, tendo o primeiro que ser evacuado para Lisboa.
A notícia do acidente foi recebida no povoado com grande alvoroço e preocupação. As informações eram confusas e contraditórias e muita gente acorreu ao lugar para se certificar se algum familiar tinha sido atingido.