PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
PARTE II - I ATO CENA 2
Entram o Justino e o Alípio. Vêm cansados, trazem foices aos ombros.
ALÍPIO - Pai, a Cabaceira ficou pronta, os feitos estão todos cortados.
PAI - E também ceifaram a cana roca da belga do lado do Caminho Velho como vos mandei?
JUSTINO - Também ficou toda cortada. Ficou tudo pronto como pai mandou. E ainda cortámos umas faeiras que estavam lá muito bastas, por entre os inhames… p’ra lenha.
PAI - E separaram a cana roca dos feitos? È que o outro dia, na Cancelinha, vocês misturaram tudo e depois foi o cabo dos trabalhos… Não viram o vosso irmão?
JUSTINO (Admirado) – Ele ainda não chegou do Outeiro Grande, de levar as vacas do Luís?
ALÍPIO - Claro que não chegou. Estás a vê-lo? Ele vai e vem é a brincar. Agora tem a mania de levar uma aguilhada. - (Tira um bocado de pão de cima da mesa).
AMÉLIA (Batendo-lhe na mão) – Está quieto! Tens mais pressa do que os outros?
ALÍPIO (Para a Amélia) – Não mandas em mim! – (Para todos e comendo pão) - O José Coutinho contou-me que o viu o outro dia: quando vem a descer o Covão, faz de conta que vem a tocar a Moirata e o Damasco, encangados, puxando um carro de incensos. Depois, de vez em quando para e põe-se de cócoras, a fazer de conta que está apertar ou alargar, os parafusos dos queicões. Parece um toleirão!
JUSTINO - É mesmo tolo! Precisava era duns toitições bem dados. Quando não vai ao Outeiro Grande é só brincar: é com a ovelha, é com vacas de madeira, é de baixo do estaleiro a fazer que está a lavrar…. Passa a vida a brincar e nós…
AMÉLIA - E está sempre a fugir para ir brincar com os amigos à pesca da baleia, ao pai-velho e sei lá o quê… O que sei é que nunca pára em casa…
PAI - Ele ainda é uma criança. É muito mais novo do que vocês.
JUSTINO -É muito novo mas já anda a fazer das suas… O Paulino já me disse que ele lhe abriu o portal da relva da Ladeira, para passar com a ovelha e depois pôs-se a andar e não o tapou.
ALÍPIO - E o Delfim diz que ele lhe atira pedras às ovelhas. E elas têm crias…
AMÉLIA -E demora uma manhã para ir levar as vacas e uma tarde para as ir buscar. E eu é que tenho que ir buscar a água à fonte, acartar lenha e deitar comida às galinhas… Fazer tudo…
JUSTINO - Ele podia bem pegar numa foice e ir connosco… Podia ir ajudar-nos a ceifar feitos. Ou pelo menos ir atrás de nós fazendo as mancheias. A gente a ceifar e ele a fazer as mancheias era muito mais rápido.
ALÍPIO - E podia andar mais depressa… Meia hora dá para ir e vir ao Outeiro Grande…
JUSTINO - E o primo Luís diz que ele sobe o Covão agarrado ao rabo das vacas e a bater-lhes desalmadamente.
ALÍPIO - Elas andam que se fartam. Não há vacas na Fajã que subam o Covão tão depressa como as do primo Luís e foi ele que as pôs assim. E a Trigueira deu leite há bem pouco tempo.
AMÉLIA - Pai tem que por cobro nisto!... Venham para a mesa que o pão e o queijo já estão partidos. Não vale a pena esperar por ele. Quem não está não come.