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PARTE II - I ATO CENA 4

Segunda-feira, 06.03.17

                        Entra o Álvaro em grande correria.

AMÉLIA         (Dirigindo-se ao Álvaro.) – Só agora!? Este tempo todo para ir ao Outeiro Grande? Só agora? Só? – (Pega num garrancho e começa a bater-lhe nas pernas. Caem-lhe maçãs dos bolsos) – Toma, toma para andares mais depressa. E ainda por cima com as algibeiras cheias de maçãs. Está vendo pai? Eu não lhe disse? Está aqui a prova. Onde as foste roubar?

ÁLVARO        (Choramingando e gritando.) –Ai! Ai! Ó pai, não vê? Ela está-me batendo! Ai! Ai! Eu não as roubei. Foram do Delgado d’avó. Tia Juliana  já me disse que quando passar por lá posso apanhar as que quiser.

ALÍPIO           (Para Amélia.) – Amélia, pára!

ALÍPIO           - Se vieste pelo Delgado podias ter ido ter connosco à Cabaceira e ajudar a ceifar os feitos e a cana roca.

ÁLVARO        - Eu não sabia que vocês estavam lá!... Nem tinha foice…

JUSTINO        - Ai! Que espertinho! Não tinhas foice… Mas podias a ir atrás fazendo as mancheias.

PAI                  - Álvaro diz a verdade. Onde apanhaste as maçãs?

ÁLVARO        - Pai, já disse. Foi no Delgado d’avó.

PAI                  - E porque é que vieste pelo Delgado? É muito mais longe …

ÁLVARO        (Fica calado por uns segundos, depois hesita) – É que…eu…

PAI                  - Diz lá porque é que muitas vezes vens pelo Delgado? Pelo Covão é muito mais depressa. Pelo Delgado demoras muito mais… E sabes que fazes falta em casa, para ajudar a tua irmã. Diz lá porque é que vieste pelo Delgado?

ÁLVARO        - Eu venho pelo Delgado porque tenho medo de passar junto ao Calhau das Feiticeiras. Dizem que elas aparecem lá todos os dias e tem as marcas dos pés bem marcadas pelo calhau acima.

TODOS           (Riem às gargalhadas.)

ALÍPIO           - Olha o medroso! Haviam era comer-te. Ó pai ele com as vacas passa e não tem medo. Sem as vacas é que tem medo…

ÁLVARO        - Eu com as vacas não tenho medo por causa das campainhas. As Feiticeiras ouvindo as campainhas das vacas fogem logo. Quando não ouvem barulho é que aparecem…

TODOS           (Dão  uma gargalhada.)

JUSTINO        E pai acredita nisso?

PAI                  - Olha que já me vieram dizer que deitas paredes abaixo, que abres portais e não os tapas e que atiras pedras às ovelhas do Delfim. Isso não pode continuar assim…

ÁLVARO        Ó pai, não atirei pedras às ovelhas do Delfim, foi só ao carneiro. Ele assim que me vê vem pendurar-se ao portal do curral e começa a dar marradas nas vacas. - (Sentando-se à mesa e pegando numa fatia de pão, queixa-se.) – Não deixaram queijo nenhum para mim. (Para o Justino) – Foste tu que o comeste todo. És um grande lambão!

JUSTINO        (Ameaçando-o) – Olha que levas… Só comi o meu bocado. E era bem pequeno…

AMÉLIA         - Come o pão e é se queres. Vou já arrumar a mesa.

ALÍPIO           - Para quem não trabalha, pão sem nada já é bem bom.

ÁLVARO        - É, mas se eu não fosse levar as vacas do primo Luís ele não vos cortava o cabelo de graça…

PAI                  - Basta! Calem-se e deixem-no comer. Ele bem precisa. Eu vou agora a Ponta Delgada e ele vai comigo.

ÁLVARO        (Saltando da mesa muito contente.) – Ui! Já não tenho fome! Já não quero comer! – (Cantarolando) – Vou com pai a Pon-ta Del-ga-da.! Zica-zica… Vou com pai para Ponta Delgada e vocês não vão-ão-ão.

JUSTINO E ALÍPIO   - Oh pai e nós!? Nunca nos leva a lado nenhum… E ele ainda faz pouco de nós.

JUSTINO        - Quando pai foi comprar o bácoro ao Lajedo, foi ele que foi consigo.

ALÍPIO           - Quando foi levar o Boi Lavrado aos Terreiros para o embarcar, também foi ele que foi.

AMÉLIA         - A cunhada de tio Onofre pediu a pai para um de nós ir com ela à Caldeira e foi ele que pai deixou ir.

PAI                  - Então vocês não entendem que ele é o mais novo e se fica em casa não faz nada e eu não quero atravessar os matos da ilha de noite, sozinho.

AMÉLIA         - Pai mas já é tão tarde! Como é que pode ir e vir hoje? Não é possível! Vá antes amanhã…

PAI                  - Está aí um barco de Ponta Delgada, o S. Pedro, de Mestre Gregório. Ele leva-nos para lá. Para cá vimos a pé.

JUSTINO        - E o que é que pai vai fazer a Ponta Delgada, com este badameco?

PAI                  (Para o Justino e a Amélia) – Vocês não se lembram porque eram muito pequenos, - (para o Alípio e para o Álvaro) – e vocês ainda nem tinham nascido, mas quando, há anos, eu vim da Terceira de me operar ao estômago, o nosso conhecido de Ponta Delgada, o mestre António Algarvio, veio de propósito aqui à Fajã para me ver. Por mais que eu viva nunca me hei-de esquecer. E, além disso, devo-lhe muitos favores. Agora, infelizmente, aconteceu-lhe o mesmo. Ele chegou da Terceira, de se operar, no último Carvalho, por isso tenho que lhe ir fazer uma visita e ver como ele está.

JUSTINO        - Mas mãe morreu e ele nunca veio ver pai. E os nossos outros conhecidos vieram quase todos, até os das Lajes.

PAI                  - Ele não veio porque não podia. Nessa altura já estava muito doente.

AMÉLIA         - Favor que lhe façam meu pai não se há-de esquecer de pagar. Mas já é tão tarde, mesmo de barco, vão chegar a casa muito tarde e o Álvaro não aguenta a viagem de noite.

ÁLVARO        - Olha! Fala por ti! Aguento, aguento. Vou levar os sapatos da missa. Nem os estrago, vamos de barco…

AMÉLIA         - Era o que faltava levares os sapatos bons. Leva os outros, os de pele-de-cabra, que te comprei na loja da senhora Glória, que ainda estão bem bons e estão quase a deixar de te servir.

ÁLVARO        - Não levo, não senhooooor. Eles já estão todos rotos e estragados e os monços vendo-me com eles começam a chamar-me “chinelinha”. Levo é os do domingo e pronto. E levo a roupa da missa: as calças castanhas e a camisa cor-de-rosa que o luto por mãe já acabou.

JUSTINO        - Vais passear e ainda queres ir de roupa boa. Olha p’ra ele.

AMÉLIA         - Levas a roupa da escola e os sapatos de pele de cabra ou então vais com essa e descalço. E acabou-se.

ÁLVARO        (Batendo o pé no chão) – Não! E não e não!

PAI                  - Álvaro! Faz o que tua irmã manda. Vai te vestir que o barco deve estar quase a partir.

ÁLVARO        (Sai a correr. Volta a trás e pergunta ao pai) – O S. Pedro está no Porto Velho ou no Cais?

PAI                  - No Cais. – (Para o Justino e para o Alípio) – Ainda é cedo. Vocês vão Pocestinho. As últimas belgas têm muita lenha e já há pouca em casa. Tragam cada um o seu molho. Quando chegarem tirem o leite às vacas. E tu, Alípio vais levá-las. Elas hoje vão para a relva da Pedra d’Água. Vem pela Bandeja e traz um molho de incensos, para o gueixo que está à engorda, comer de noite. E tu Justino tiras o esterco do palheiro das vacas e despejas a poça que já está muito cheia. Deita-a no canteiro da batata-doce. E tu Amélia vais à Máquina levar o leite. Mas tira dois ou três litros para fazeres o queijo e como vai sobrar pouco, deita o desnatado ao porco. Ah! E não te preocupes se demorarmos. Eu com o pequeno não posso andar muito. - (Ouve-se o chorar do irmão mais novo) – Olha o Luís acordou. Toma conta dele e dos outros.

 

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