PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
PARTE III - II ATO CENA 6
Na mesma rua a avó de Álvaro está sentada à janela, rezando o terço.
ÁLVARO - Adeus avó, adeus avó. Até logo. Vou a Ponta Delgada, de barco!
AVÓ (Benzendo-se.) – Eu me benzo do não-sei-que-diga. Credo em cruz! O que estás a dizer? Vais para onde?
ÁLVARO - Avó, vou p’ra Ponta Delgada. Ouviu bem, avó? Pon-ta Del-ga-da!
AVÓ - Tu não estás bom do juízo ou estás a fazer pouco de mim. Não se enganam pessoas de idade.
ÁLVARO - Avó, acredite, é verdade, eu vou mesmo a Ponta Delgada. Eu não sou nenhum intrujão. Olhe já estou calçado e tudo.
AVÓ - E vais a Ponta Delgada com quem e fazer o quê?
ÁLVARO - Vou com meu Pai. Para lá vamos de barco e para trás vimos a pé. Meu pai vai fazer uma visita ao seu amigo, o sr António Algarvio.
AVÓ (Volta a benzer-se.) – Eu me benzo do Coiso Mau. Teu pai está doido. Caminhar assim sem mais nem menos para Ponta Delgada… A estas horas… Para voltar hoje…
TIA JOANA (Aparecendo à janela.) – Quem é que vai a Ponta Delgada?
ÁLVARO - Sou eu, mais meu pai, tia Joana?
TIA JOANA - Teu pai não tem uma pinga de vergonha! Ainda não há um ano que tua mãe morreu e ele já caminha para todos os lados. Não para em ramo verde! Nunca está em casa. É uma vergonha! Já toda a gente fala na freguesia.
ÁLVARO (Saindo a correr.) – Metam-se na sua vida. E se falam é porque minha tia ouve.
TIA JOANA - E o pior, mãe, é que ele caminha para aqui e para acolá e manda os dois pobre piauzinhos mais velhos para as terras sozinhos. Qualquer dia ainda acontece alguma. Onde é que se viu duas crianças daquela idade andarem sozinhos por essas terras de foices e machados a ceifar feitos e cortar lenha!... Pobres piauzinhos! Ainda se vão cortar! É preciso não ter vergonha! E caminha com uma criança a estas horas para Ponta Delgada! Vão voltar para casa de noite, a umas lindas horas! Ainda se vão é perder…
AVÓ - Deixa estar que Santa Rita há-de fazer o milagre de os guiar. Vou já fazer-lhe uma promessa: quando eles chegarem vou acender-lhe a luzinha e rezar-lhe a ladainha.