PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
PARTE IV - III ATO CENA 7 A
A bordo do S. Pedro, navegando a noroeste da ilha. O barco inicialmente navega a motor, mas na parte final da viagem navega à vela. À ré com a cana do leme na mão, calças arregaçadas vai sentado M. Gregório.
M.GREGÓRIO- Ó Antonho, senta-me esse pequeno ao pé de ti. Com os balanços do barco não vá o diabo tecê-las.
M.DA ANA (Para o Álvaro.) - Então é a primeira vez que andas de barco?
ÁLVARO - É sim senhor. E estou a gostar muito.
J.DO ALTO - (Para o Mulato.) – Ou me engano muito ou da Rocha da Ponta p’ra lá vai gostar pouco…
PAI - O mar vai estar sempre assim calmo, até Ponta Delgada?
JACINTO -Hum! – (Olhando para as nuvens.) – O vento está a rodar para noroeste. Da ponta do Albarnaz para lá vai meter umas vagas grandotas.
.M.DA ANA - Ó Jacinto! Parece que nunca andaste no mar. Da ponta do Albarnaz para lá? Com que então? Parece que estás cego! Olha como as nuvens correm para cima da terra. Não enganes o homem! Da Baixa-Rasa p’ra lá já vai mexer bem!
ÁLVARO - Ó pai, olhe como se vê a Fajã daqui. É tão diferente. Olhe, estou a ver a casa d’avó, acolá.
MULATO - E a tua? Não a vês?
PAI - Não, não a pode ver. Fica na Assomada, por trás daquele Outeiro, que tem a cruz no alto.
ÁLVARO - Vê-se bem é a igreja e a torre do chileno? A Fajã vista daqui parece um navio, parece mesmo o Carvalho Araújo, quando vem fazer serviço aqui para a baía: a Ponta do Baixio é a proa e depois é o convés com as casinhas brancas e as torres da igreja e da casa do chileno.
JCINTO - Sim senhor, muita imaginação. Mas o que é isso da torre da casa do chileno?
ÁLVARO - É aquela casa muito alta com uma torre. Mas não sei porque se chama assim. Talvez meu pai saiba.
PAI - Há uns anos atrás houve um homem de cá que emigrou para o Chile. Lá, pelos vistos, a vida correu-lhe às mil maravilhas. Fez fortuna… Passados muitos anos voltou riquíssimo, dizem que milionário, e então construiu aquela casa enorme, com uma torre em cima. É a casa maior da freguesia e toda a gente a conhece pela “casa do chileno”.
ÁLVARO - Pai, estamos a passar a rocha das Covas. Olhe a nossa terra, vê-se bem daqui. Foi ali… Lembra-se?
M..DA ANA - O que aconteceu ali rapaz? Tu sabes muitas histórias, mas teu pai é que as conta? Então diz lá? O que aconteceu ali?
ÁLVARO - Ó pai conte!
PAI - Foi um grande susto que apanhámos. Eu tenho ali uma terra, mesmo bem junto à rocha. Há uns dias atrás, ele veio comigo apanhar erva-santa. Estávamos mesmo bem encostados à rocha, ali, junta aquelas faeiras, quando começaram a cair pedras, calhaus enormes. Vimos a morte pintada! Não fossem os gritos do Constantino, de cá de baixo, a dizer para ficarmos junto da rocha, hoje não estaríamos aqui.
M.DA ANA - Tiveste sorte rapaz! Olha se apanhavas com aqueles marmelos!
J.DO ALTO - Estas rochas são muito perigosas, não são?
PAI - Perigosíssimas! Quase todos os dias caem pedras ou ribanceiras. E eu tenho muitas terras junto à rocha. Tenho aquela de mato, tenho mais abaixo uma lagoa de erva, tenho três relvas, mais além, nas Águas e ainda tenho outra lá para cima, nos Paus Brancos. Tudo debaixo da rocha. Mas há quem esteja pior…
ÁLVARO - Eu agora já sei como se deve fazer, quando estamos junto da rocha: se estiverem a cair pedras devemos fugir para junto da rocha. Se for ribanceira é que é pior.
MULATO - Tem morrido muita gente?
PAI - Meu pai contava que antigamente morria mais. Mas hoje em dia, não. Nos últimos anos, que me lembre, morreram três pessoas. Aquela ribeira chama-se Ribeira das Casas. Os antigos diziam que era por antigamente haver ali casas que foram cobertas por aquela ribanceira que ali se vê, à nossa esquerda, mesmo no sírio da minha terra. Mas não acredito muito…e se tal aconteceu já foi há muitos anos.
ÁLVARO - Ponta Delgada também fica assim debaixo duma rocha?
JACINTO - Não. Ponta Delgada fica no cimo duma encosta tem um cais muito bonito e grande e uma pequena baía ladeada por uma ponta que também se chama Ponta Delgada, e que deu o nome à freguesia e pela Ponta do Ilhéu e estende-se por uma grande planície, cheia de casinhas pintadas de branco. É muito mais bonita do que a Fajã. Nunca lá foste, pois não? Vais gostar muito… Ainda ficas é lá…
MULATO - Não tem é assim uma torre como o do chileno ou lá o que é…
M. GREGÓRIO - Mulato, mais atenção ao que vais a fazer. Vê se não respinga água salgada para cima do motor.
ÁLVARO (Encostando-se ao pai, começando a ficar enjoado) – Pai, ainda falta muito para chegarmos a Ponta Delgada?