PICO DA VIGIA 2
Pessoas, costumes, estórias e tradições da Fajã Grande das Flores e outros temas.
PARTE IV - III ATO CENA 7 B
M.DA ANA - Ui! Acabámos de passar a Baixa Rasa e o ilhéu do Cão! Eu bem me parecia que a tua boa disposição ia acabar de pressa…
JACINTO - Não desanimes rapaz. Conta mais histórias para te distraíres.
ÁLVARO (Angustiado) – Pai, vamos para trás, quero ir p´ra nossa casa. Estou a ficar muito mal disposto.
PAI - Paciência! E tanta alegria que tiveste quando soubeste que vinhas…
- GREGÓRIO – Jacinto, agarra bem o miúdo. Não vês que ele vai vomitar.
ÁLVARO - Brr. Ai! Ai! Oh pai! - (O pai e o Jacinto agarram-no, inclinando-o para a borda do barco. Álvaro vomita.) – Ai! Ai Jesus que eu morro. Quero ir para casa. Ai. Ai. Não quero andar mais de barco. Ai! Ai! Ai que eu morro!
MULATO - Não morres coisa nenhuma. Isto acontece a todos. É só nas primeiras vezes. Ainda vais ser um grande marinheiro, quando fores grande.
M.DA ANA - Bravo! Assim é que se aprende! Eu também comecei assim. Vais ver que para a próxima vai ser melhor.
ÁLVARO - Pai ainda falta tanto… Da Rocha da Ponta até Ponta Delgada ainda demora muito? Eu não aguento isto! Quero ir para casa!
M.GREGÓRIO – Calma rapaz, calma. Vamos resolver o teu problema. (Levanta-se, entrega o leme a um dos marinheiros, pega nalguns velhos casacos e outras peças de roupa, dobra-as, enrola-as e estende-as no fundo do barco, à proa, formando uma pequenina cama. Passa carinhosamente, a mão pela cabeça de Álvaro.) - Deita-te aqui. Vais ver que assim passas melhor e não vomitas mais.
ÁLVARO (Deitando-se) – Olhe pai! Já viu como o Monchique visto daqui tem uma forma diferente do que visto da Fajã. Daqui parece um cesto voltado com o fundo para cima e da Fajã parece um quarto de bolo queimado.
O pano fecha-se. Algum tempo depois:
M.GREGÓRIO – Eh António. O pequeno vai acordado? Aqui, na baía dos Fanais o mar está muito manso. Vou passar com o barco por dentro do ilhéu, para baloiçar menos. Diz ao pequeno que se levante para ver isto.
JACINTO - Para mim é o sítio mais bonito de toda a costa da ilha.
PAI - Álvaro levanta-te, para veres a baía dos Fanais e o Ilhéu de Maria Vaz.
ÁLVARO (Tentando levantar-se. Ainda um pouco tonto.) - Já chegamos a Ponta Delgada, pai!? O barco parece que está parado!
PAI - Não. Estamos na baía dos Fanais. Levanta-te para ver o ilhéu de Maria Vaz. O mar aqui está muito mansinho.
ÁLVARO (Apontando admirado.) – Ih! Que grande. É muito maior do que o ilhéu do Cão. Parece uma ilha. Deve ser quase do tamanho do Corvo.
MULATO - Não exageres rapaz. Mas lá que é grande, é?
ÁLVARO - O mar está tão mansinho aqui! Vive ali alguém Sr Gregório?
M.GREGÓRIO – Não! Antigamente ainda havia cabras e ovelhas. Os donos vinham cá trazê-las de barco. Mas começaram a roubá-las… e agora já ninguém as vem cá por.
MULATO - Só se for tolo! Para ficar sem elas…
MULATO - Isto aqui é bom é para lapas e para pescar. Ali, no rolo dos Fanais, as lapas são como a palma da minha mão! O pior é descer a rocha para as apanhar.
M.DA ANA - E aqui, no ilhéu, os ratos são do tamanho de cães.
ÁLVARO (Agarrando-se ao pai, cheio de medo.) – Óh pai, é verdade! Eu tenho tanto medo…
M.GREGÓRIO (Para o Manuel da Ana.) - Oh Manel, para de dizer asneiras e meter medo ao pequeno. Presta mais atenção a essas cordas! - (Para Álvaro) – Olha Álvaro: aqui é um dos locais mais belos da ilha das Flores. Tenho passado aqui muitas vezes e já vim pescar ali para aquelas rochas. Ali, naquelas baixas, há muitas vejas, rateiros, e peixes-reis. Lá dentro, no rolo, também há muita moreia. Antes de andar no mar, vinha pescar para ali com meu pai. Ele descia aquela rocha com os olhos fechados… e ela não é fácil de descer. Conhecia o caminho como a palma das mãos! Vês aquela queda de água, parecida com as da Fajã? É a ribeira da Francela. Lá em cima vêem-se as relvas onde o gado pasta. Aquelas lá ao longe já são de Ponta Delgada, estas de cá são da Ponta.
PAI - Logo, quando viermos para casa, vamos atravessá-las todas.
ÁLVARO - E de lá de cima vê-se o ilhéu?
PAI - Se viermos com dia…
M.GREGÓRIO- Eh pessoal, a partir da ponta do Albarnaz temos o vento pela ré. Vamos aproveitá-lo. Mulato, apaga o motor. Manel, içar a vela. Antonho deita o pequeno outra vez. Para além do mar estar pior, a navegação à vela é pior para quem se dá mal no mar. Eh rapazes vamos a isto! Há que aproveitar o vento e poupar o gasóleo.
ALVARO (Deitando-se.) – Óh senhor Gregório, daqui a Ponta Delgada ainda demora muito?
M.GREGÓRIO – Com a ajuda de Deus e deste vento dentro de meia hora estamos lá. Eh Manel, olha-me essas cordas. Cuidado Mulato, tapa o motor que vai respingar muita água. Olha Antonho, já se avista o Corvo.
PAI - Álvaro, levanta-te para veres o Corvo!
ÁLVARO (Levantando-se a muito custo e cambaleando.) – Ui ! Então é verdade o que me dizia o Câncio: do Albarnaz vê-se o Corvo. Ui! Mas é uma ilha tão pequenina. Oh pai, com aquelas nuvens por cima parece um biscoito, saído do forno, ainda a fumegar. Ai! Ai. Quero ir para terra! Esta maldita viagem nunca mais acaba! (Volta a deitar-se.)
M.DA ANA – Deita-te, deita-te. Não sabes o que te espera. Daqui até ao porto vai bater um bocado.
M.GREGÓRIO- Pode ser que ele durma. Com estes balanços! Pessoal! Com este vento vamos à vela até Ponta Delgada. Como vão sem fazer nada, podem lançar as linhas e pescar. Isto é mar para serras.
PAI - Já adormeceu!
M.DA ANA - Ainda bem Antonho. Com este mar e a navegar à vela até Ponta Delgada, ele ia dar-te que fazer. Linhas prá água! Vamos ver se arranjo ceia p’rà minha Maria e para os meus pequenos.